"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 22 de julho de 2008

CUIABÁ, O TERCEIRO SALTO

José Antonio Lemos dos Santos


     Como todas as cidades vivas e saudáveis, mesmo tricentenária, além de um passado – que nos orgulha e deleita - Cuiabá tem um presente e um futuro que precisam ser cuidados. Só esta visão dinâmica permite uma correta interpretação urbana de Cuiabá. Nessa perspectiva, a história urbana de Cuiabá distingue três momentos decisivos, marcando saltos estruturais em sua evolução, sem os quais a cidade teria virado museu.
     O primeiro poderia ser o salto da sobrevivência. Findo com relativa rapidez o ouro que lhe deu origem, a cidade morreria inevitavelmente. Mas foi tanto o ouro nestas bandas, que a região passou a interessar à Espanha e Portugal, que rediscutem o Tratado de Tordesilhas. Ainda no século XVIII, Cuiabá revitaliza, e de garimpeira vira base urbana para as intenções portuguesas de domínio regional. De Cuiabá, Portugal redesenhou o ocidente do Brasil.
     A partir daí Cuiabá, sem apoio, manteve certa estabilidade. Até que, por voltas de 1960, a cidade reafirma sua função de apoio regional, com a política nacional de ocupação da Amazônia Meridional, e vira o "portal da Amazônia". De menos de 60 mil habitantes, Cuiabá passa para cerca de 600 mil habitantes, em 3 décadas. De novo, a cidade teve que se virar sozinha diante de uma população que crescia a mais de 8% ao ano, sem nenhum apoio federal pelas imensas demandas urbanas que suportava. Este foi o salto da quantidade. Muita imigração e nenhum recurso.
     Ao final do século XX, as forças do segundo salto começam a dar sinais de esgotamento em Cuiabá. Mas não no vasto hinterland que ajudou a desenvolver. Os excedentes econômicos produzidos celeremente no interior do estado, Rondônia, Acre, sul do Pará e do Amazonas, e até no nordeste da Bolívia, começam a fazer o caminho inverso, buscando de novo Cuiabá como ponto de apoio, agora, como plataforma de consumo múltiplo, em especial nas áreas de comércio e serviços sofisticados, como na educação e da saúde, bem como na assistência técnica especializada.
     Ao mesmo tempo, as taxas migratórias caem e pela primeira vez Cuiabá é contemplada com investimentos estratégicos. Manso, o gasoduto e a termelétrica trazem segurança e abundância energética – que nunca teve – e a perspectiva da atração de grandes empreendimentos, inclusive, tendo o gás como matéria prima na indústria química. O Porto Seco viabiliza a ancoragem de investimentos diversos, por suas vantagens aduaneiras. A ferrovia se aproxima com a ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná e avanço dos trilhos no estado. O aeroporto Marechal Rondon é internacionalizado e um novo plano diretor o projeta como um hub aeroviário, de posição central no continente.
     É neste contexto sinérgico que Cuiabá vira o século, e dá seu terceiro salto de desenvolvimento. Cuiabá deixa de ser o pólo solitário em um vazio regional, e passa a ser o centro de uma região rica e dinâmica, com um mercado cada vez mais diversificado, exigente e poderoso, que lhe cobra e fomenta um novo patamar de desenvolvimento. A histórica simbiose regional se renova buscando entre as cidades a divisão de trabalho que seja a mais útil e produtiva para todo o conjunto, assim como acontece na vanguarda do mundo globalizado. E grandes setores de Mato Grosso estão nessa vanguarda, inclusive em Cuiabá. Neste contexto, parafraseando Friedman, a ascensão das economias do interior empurram Cuiabá para cima e não para baixo, contrariando algumas análises apressadas.
     A perspectiva concreta é o salto da qualidade, um próximo ciclo de desenvolvimento, com menos imigração e, com fartos recursos à busca de seus serviços. Cuiabá deve preparar-se para continuar apoiando o interior que ajudou a construir e não competir com ele ou temê-lo. E vice e versa. E isso já está acontecendo, embora nem todos consigam enxergar. A competitividade contemporânea se dá na nova ordem mundial da colaboração e da parceria, e não da anacrônica competição autofágica. Quanto mais forte o interior, mais forte Cuiabá e o mesmo se dá ao contrário. Esta é a tendência e nunca a história nos foi tão generosa.
     Infelizmente tendência não é destino e condições favoráveis não viram realidade por si. Ajudar as forças ascendentes e extrair delas toda a qualidade de vida urbana que possibilitam, esta é a grande responsabilidade da nova geração de cuiabanos e de seus próximos governantes.
(Publicado pelos Diário de Cuiabá em 22/07/2008)

terça-feira, 1 de julho de 2008

MATO GROSSO, 260 ANOS

José Antonio Lemos dos Santos

     Instituído em 2003, o aniversário de Mato Grosso comemora a criação do estado em 9 de maio de 1748, por Carta Régia de Dom João V. Até então, não existia uma data em que Mato Grosso pudesse ser homenageado pelos seus cidadãos de forma conjunta, promovendo e fortificando os laços que os unem como conterrâneos, filhos de uma mesma terra, ainda que de regiões, atividades e origens culturais diversas.  Este ano não houve comemorações, justamente por ocasião do 260º aniversário do estado, passados apenas cinco anos da data comemorativa. Entretanto, se não houve festa, os dados da pujança do estado trataram de fazer a festa por si.
     Mato Grosso continua o maior produtor de soja, de algodão e de carne bovina do Brasil, e caminha para sê-lo na produção de milho, carne suína e de aves. Segundo maior produtor de açúcar e álcool, este ano passou a ser também o maior produtor nacional de biodiesel, aumentando em 230% - apenas no primeiro trimestre de 2008 – tudo o que produziu no ano passado. Já produz quase 20% da produção nacional do combustível que está revolucionando o mundo! Melhor de tudo, com uma redução de 14% no avanço do desmatamento - segundo o insuspeito instituto IMAZON – ainda que permaneçamos com a maior área desmatada.
     Nas exportações, este foi “o melhor abril de todos os tempos” segundo a FIEMT. Com um incremento de 57% em relação a abril de 2007, segue sendo o maior exportador do Centro Oeste, exportando mais que todos os outros estados da região juntos! Líder mundial na reciclagem das embalagens de defensivos agrícolas, Mato Grosso festeja o pioneirismo nacional com o projeto do zoneamento agroambiental para o seu território, após quase 20 anos de cuidadosa elaboração técnica.
     Motivo maior de comemoração é que esses números extraordinários foram conseguidos apesar de todos os entraves e agressões sofridas pelo estado e pelo povo mato-grossense nesse período. Nenhuma ajuda, nenhum gesto de simpatia pelo trabalho que engorda o superávit comercial do Brasil e abastece as mesas brasileiras e mundiais. Já pensaram se fossemos nós os produtores das motosserras? Ou de armas, bombas nucleares, ou das outras drogas que violentam e degradam a humanidade? Menos mal, produzimos alimentos.
     Mato Grosso paga, porém, o preço por introduzir a agropecuária brasileira na era da tecnologia e da ciência, alcançando níveis de qualidade e produtividade jamais vistos. E por fazê-lo em uma fronteira agrícola que envolve o cerrado, o pantanal e a Amazônia, para os quais não existe ainda uma forma de trabalho comprovadamente sustentável. O sucesso dos pioneiros sempre é acompanhado de problemas novos, muitos nunca enfrentados pela humanidade, e que, por isso, não podem ser confundidos com erros e muito menos com crimes. A questão ambiental não pode ser vista, de forma apressada e simplista, apenas como um caso de polícia, repetindo erro já cometido no século passado com a questão social.
     A cada ano os mato-grossenses renovam a esperança de um dia deixar de ser um dos únicos estados do país sem um centro de pesquisas da Embrapa, apesar de ser o maior produtor agropecuário do Brasil. De deixar de ser o único Estado do centro-oeste sem uma ferrovia adentrando seu território, reduzindo os custos econômicos, sociais e – principalmente - ambientais do atual e inadequado sistema de transportes de cargas. De voltar a ter gás para a sua termelétrica, assegurando energia limpa para o desenvolvimento. De ver a União – e não mais o estado - investindo nas suas rodovias federais. De ver concluído o Aeroporto Marechal Rondon.
     Mato Grosso comemorou de forma eloqüente seus 260 anos com suas estatísticas de sucesso. Vai continuar assim, pois sua vocação é alimentar o mundo. A cada ano, Mato Grosso prova que unido é muito maior que todas as crises e dificuldades que enfrenta. Sua força é o trabalho de sua gente e a grandeza e diversidade de oportunidades oferecidas por seu território.
     Mato Grosso é para ser imitado, ajudado em suas dificuldades e potencialidades, e não agredido a cada manchete dos jornais. Seu aniversário não pode ser esquecido, por mais atordoados que estejamos entre o trabalho que ajuda a alimentar o mundo e o “fogo amigo” do qual temos que nos defender. Daria uma grande festa anual na Praça das Bandeiras, sob o tremular das bandeiras do estado e de todos os municípios mato-grossenses, do norte, sul, leste e oeste do estado. Um aniversário a ser comemorado todo ano, cada vez com mais entusiasmo e orgulho.
(Publicado em 01/07/2008)