"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 25 de novembro de 2008

CUIABÁ E A CRISE

José Antonio Lemos dos Santos


     Na semana passada os jornais publicaram que o governo brasileiro chamou seu embaixador em Quito em protesto pela decisão do governo equatoriano de não pagar uma dívida de US$ 243,0 milhões com o BNDES referente a uma obra de uma empreiteira brasileira naquele país, acrescentando que esta é uma crise “séria”. Tomara que nosso governo esteja revendo sua forma, no mínimo generosa para muitos observadores, de encarar certas atitudes tomadas ultimamente por alguns dos nossos países vizinhos em relação a diversos interesses brasileiros, entre estas, o corte do fornecimento do gás boliviano a Mato Grosso, há mais de ano, paralisando um gasoduto e uma termelétrica de quase 1 bilhão de dólares e responsáveis por 70% da energia consumida no estado.
     Também na mesma semana foi publicada a lista de obras do Ministério dos Transportes para Mato Grosso, constantes do Plano Plurianual 2008-2011, lá constando, entre diversos itens, dois de maior interesse, especialmente para a cidade de Cuiabá. O primeiro é a construção da Ferronorte, de Alto Araguaia até Rondonópolis, confirmando a já longa expectativa dos trilhos ferroviários avançarem pelo território mato-grossense em direção a Cuiabá, maior centro de cargas do estado, dando continuidade assim ao estabelecido na concessão federal que trata do assunto. Mesmo com Mato Grosso ocupando posição chave no Ministério dos Transportes, o máximo que se poderia esperar, além disso, seria alguma referência ao trajeto Rondonópolis-Cuiabá, ao menos com os estudos ambientais definitivos a partir de Mineirinho, na BR-163 – o que seria uma agradável surpresa para os cuiabano-varzeagrandenses.
     O segundo ponto a destacar é a “Adequação de trecho rodoviário na BR-163 entre Rondonópolis – Cuiabá – Posto Gil (possivelmente duplicação ou terceira faixa)”, item que frustra a maior parte dos mato-grossenses, principalmente as centenas de milhares de pessoas que dependem desse trajeto para tocar suas vidas, em diversas atividades, importantes para cada um e para o estado como um todo. Era tido como certo o início da duplicação desse trecho rodoviário que é o mais movimentado no estado, que já chegou ao limite de sua transitabilidade, projeto falado, prometido pelas autoridades há muito tempo e, sobretudo, extremamente necessário não só pela deseconomia que gera, como pelo drama das vidas ceifadas a cada ano que passa.
     Neste item chama a atenção que nem sequer está definido o que vai ser esta “adequação”, isto é, o que vai ser feito em termos de obras, constando na matéria jornalística apenas a expressão “possivelmente duplicação ou terceira faixa”, não contestada ou esclarecida posteriormente pelo Ministério. Sem esta definição não há projeto técnico e sem este não pode haver licitação, condição necessária para o início das obras, que para todos parecia imediato.
     As matérias jornalísticas coincidem com a iniciativa dos Conselhos Federal e Regional de Economia e da Prefeitura de Cuiabá de promoverem na capital uma discussão sobre a crise global, olhada do ponto de vista de nossa cidade e de nosso estado, com a presença de figuras nacionais e locais de notório conhecimento sobre o assunto. Seus assuntos poderiam muito bem ser tratados em tão importante evento, afinal, nenhuma crise global será equacionada em nível local sem passar pela solução dos nossos graves problemas da energia e do transporte.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 25/11/2008)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

TERMELÉTRICA EM MARTE

José Antonio Lemos dos Santos


     Embora mergulhada com todo o mundo em uma grave crise de dimensões ainda não definidas, Cuiabá, junto com Várzea Grande, vive o melhor momento de sua história, deixando de ser aquele pacato centro de um imenso vazio regional e passa a ser a metrópole polarizadora de uma das regiões mais dinâmicas do planeta. Por uma série de razões, caminha celeremente para a realização de sua vocação natural de metrópole centro-continental, encontro multimodal dos caminhos do continente sul-americano. É a tendência; se não é destino, é quase. Só não se realiza se houver algum esforço muito forte em sentido contrário.
     No último dia 12, em matéria de Marcondes Maciel, o Diário de Cuiabá trouxe notícia dos prejuízos que a população dos bairros Santa Isabel, Jardim Araçá, Porto e Cristo-Rei vêm sofrendo com os constantes cortes e oscilações de energia que estão acontecendo na cidade ultimamente. Esta matéria me fez lembrar imediatamente da situação que vivíamos antes do funcionamento de Manso, do gasoduto e da Termelétrica Cuiabá I, como prefiro chamá-la. Mato Grosso dependia da energia de Cachoeira Dourada, na divisa de Goiás com Minas, que nos chegava através de uma linha de transmissão, que pela sua grande extensão - quase 800 quilômetros – expunha-se a grandes riscos em seu funcionamento, por fenômenos naturais ou não. Raios, ventanias e até sabotagens eram motivos de preocupação. “Ventou em Jataí, queimou uma geladeira aqui”, como se dizia na época.
     Mato Grosso e Cuiabá pagaram muito caro por esta carência energética crônica. Muitas empresas deixaram de se instalar aqui por falta de energia, que na verdade não era bem falta de energia, e sim, um abastecimento inseguro, inconfiável e limitado. Por exemplo, os edifícios residenciais, industriais ou comerciais tinham que ter geradores próprios, um dos custos adicionais que por décadas refreavam o desenvolvimento do estado e da cidade.
     Até que aconteceram Manso, o gasoduto e a termelétrica, pela visão e ação de estadista do saudoso Dante de Oliveira, que muita gente importante não entendeu até hoje, ou finge não entender. Mato Grosso, com energia abundante e segura, passou a exportador de energia, com perspectivas fantásticas de novos investimentos, como nos acenava animado o também saudoso José Epaminondas.
     Incrível, a termelétrica de US$ 750 milhões está paralisada há mais de ano e com ela um gasoduto de US$ 200 milhões. Pior, nesse período não se viu qualquer reação consistente de nossas autoridades, ou da sociedade organizada cuiabana e mato-grossense. Nem do governo, nem da oposição! Não fosse o maior empreendimento privado em Mato Grosso, marcante por si só, diríamos tratar-se de uma termelétrica no longínquo planeta Marte, nada a ver com a qualidade de vida de nossa gente e as perspectivas de desenvolvimento de nossa terra, cuiabana e mato-grossense.
     Também no Diário de Cuiabá, em outra matéria, de Marianna Peres, o governador disse: “Trabalhamos dentro de uma nova filosofia que é chamada 'gás social'. Não será o gás para movimentar a termelétrica e sim para os veículos e para as indústrias que já operam com esse produto.” Grave. Dispensa maiores comentários. A termelétrica vale por milhares de empregos, reais e potenciais, mil empresas, grandes ou pequenas, de norte a sul de Mato Grosso, nos distritos industriais ou nos bairros ricos e pobres de nossas cidades. Mais social, impossível.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 18/11/2008)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

José Antonio Lemos dos Santos


     Surgida há 5 mil anos com a civilização, a cidade constitui a maior, mais complexa e mais bem sucedida das invenções humanas,transformando o mundo e acelerando os passos da evolução humana. De lá para cá a população foi se urbanizando, e neste ano de 2008, pela primeira vez na história, a população urbana global superará a população rural, com países desenvolvidos ou emergentes alcançando percentuais superiores a 80%, como é o caso do Brasil.
     Nessa trajetória o grande ponto de inflexão foi a Revolução Industrial, no século XVIII, que inicia um novo sistema produtivo baseado no capital e na indústria recém nascida, transformando novamente o mundo em todas as suas dimensões. Até então a cidade tinha sido uma experiência inquestionada, ainda que tenha enfrentado importantes crises, como na Roma imperial, que entrou em colapso e foi destruída. Com a industrialização, a urbanização se acelera vertiginosamente e a vida nas cidades se desequilibra gravemente, exigindo controle e intervenções no desenvolvimento urbano. Começa então a surgir a ciência do urbanismo, que evolui e supera o urbanismo modernista da Carta de Atenas – implodido com o conjunto de Pruitt-Igoe em 1972, passa pelas experiências pós-modernistas do Novo Urbanismo, e chega hoje diante de uma nova Revolução, a da informática e da globalização.
     De grande complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo, só que em dimensões grandes ou gigantescas, que vão das pequenas vilas até as metrópoles e megalópoles, ultrapassando as centenas e até milhares de quilômetros quadrados e chegando a abrigar dezenas de milhões de habitantes. Trata-se de um enorme recipiente, articulado regionalmente, onde se desenvolvem as relações urbanas em toda sua múltipla diversidade. Sua função, primordialmente, é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma possível com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Infelizmente no Brasil - Mato Groso e Cuiabá incluídos, o Urbanismo ainda não recebe a consideração necessária.
     O Urbanismo, em construção constante, reflete a complexidade de seu objeto de trabalho e necessariamente aborda os diversos campos de conhecimento que a cidade envolve. Assim, o urbanista também evolui e não é mais um especialista no sentido estrito do termo, mas um generalista destinado a enxergar o organismo urbano com um todo, em toda sua transdiciplinaridade holística. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. Como na medicina, não se deve tratar a doença mas o doente, assim também não se pode tratar as doenças da cidade, mas a cidade doente. Catalisador dos especialistas exigidos pela complexidade urbana, o urbanista precisa saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, deve saber que o que sabe é quase nada para dispensar a companhia das especialidades nas múltiplas facetas técnicas e políticas da cidade.
     No dia 8 de novembro comemoramos o Dia Mundial do Urbanismo, criado em 1949 visando uma reflexão global sobre o assunto. As cidades de novo se aproximam de uma Revolução com as perspectivas da tecnologia e do ciberespaço (os enigmas dos novos espaços urbanos virtuais, por exemplo), e a eminência do colapso em problemas como água, lixo, transportes, poluição, aquecimento, energia, emprego, uso do solo e segurança. Crise, risco e oportunidade, quando o homem se transforma no atual bicho urbano, o Urbanismo se apresenta como o desafio do novo século.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 11/11/2008)