"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 27 de abril de 2020

UM IDIOTA NA PANDEMIA

Cuiabá na Quarentena (Foto: arquiteto Mario Gomes Monteiro)
José Antonio Lemos dos Santos
O título poderia ser idiotas, no plural, pois tem muita gente boa como “bobó lelés” angustiados como eu com os números oficiais do covid-19 no Brasil. Sou daqueles que não gostam de andar de passageiro em acontecimentos que nos envolvem. Procuro sempre estar informado, pesquisando para me balizar sobre o que está acontecendo, em que rumo seguimos, quais riscos ou potencialidades podem estar à nossa frente. A terrível pandemia nos assola, apavora e vem nos impondo sacrifícios diversos, econômicos, sociais e familiares.
     Fato é que resolvi acompanhar para meu consumo a pandemia em nosso país coletando alguns dados mais significativos sobre sua evolução, e até de outros países para efeito comparativo. A primeira dificuldade foi escolher quais seriam estes dados principais e mais confiáveis em um país  com uma burocracia lerda, despreparada para  acompanhar a velocidade da covid-19, carente de pesquisas e levantamentos adequados,  que convive com erros comuns sem dolo, mas considerando estes tempos de radical polarização político-ideológica, é obrigado também a se precaver contra dados errados intencionalmente para favorecer esta ou aquela “narrativa”, palavra da moda.
     Escolhi o número de óbitos como o principal dado para o meu acompanhamento. Um dado também não confiável, considerando os riscos de super ou de subnotificações, conforme me alertam os amigos e parentes que compartilham estas preocupações. A escolha se deu porque diante das possibilidades de problemas nas notificações, seria dificílimo ocultar uma quantidade de óbitos significativa para um país com mais de 210 milhões de habitantes. Outro fator que ajudou na escolha foi a pandemia no Brasil ter começado pela classe média, que, via de regra, é bem informada e dificilmente deixaria de cobrar a informação oficial sobre o desaparecimento de um ente querido. Um outro fator a favor da escolha é a fantástica câmera do celular. Depois dela, não existe mais segredo, tudo é bisbilhotado e imediatamente compartilhado.
     Pois não é que através de um artifício burocrático conseguiram esconder os óbitos em grande quantidade? Sob a alegação de atraso na análise final dos corpos para definir a “causa mortis”, deixam sempre uma quantidade de óbitos em suspenso aguardando sua liberação, e quando liberados, são lançados como ocorridos no último dia publicado. E esta prática vem desde o começo da pandemia. Ademais, não informam quantos dos óbitos ocorreram de fato naquele dia, o que acaba falsificando as estatísticas, que deveriam ser boas representações da realidade. Pior ainda, levanta a suspeita que estes óbitos atrasados possam ser lançados de forma fraudulenta em dias convenientes, para reduzir ou aumentar o número de vítimas. Caso sejam mesmo inevitáveis esses diagnósticos atrasados, pois então que sejam lançados na data de cada óbito, numa distribuição mais suave e fidedigna à realidade.
     Este artigo foi pensado ainda gestão Mandetta, mas com sua troca por outro tido como técnico de alta capacidade acreditei que o problema fosse corrigido. Ficou na mesma. No último dia 23, por exemplo, o Ministério da Saúde afirmou em nota oficial após a coletiva, que dos 407 óbitos divulgados naquele tarde, o recorde de óbitos para um dia com quase o dobro de mortes do recorde anterior, “112 ocorreram nos últimos três dias e os demais (295) antes desse período”. Ou seja, no dia do recorde anunciado pode até não ter havido sequer um óbito. E eu, idiota, apavorado como o Brasil inteiro com falsos números crescentes nos óbitos diários, alardeados como se fossem do dia. Mas, o mais difícil é não poder abraçar os netinhos.

terça-feira, 21 de abril de 2020

OS 600 (ISSO!) ANOS DE BRASÍLIA

Brasília ostenta altos níveis de desigualdade, diz pesquisa ...
Brasília e as perspectivas monumentais  (Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br)

José Antonio Lemos dos Santos
     Em 1420, seiscentos anos atrás, foi iniciada a construção da cúpula da igreja Santa Maria del Fiore, em Florença, um desafio que o engenho humano não tinha conseguido resolver até aquele momento. E esta evolução técnica se deu graças a Filippo Brunelleschi, originalmente um joalheiro que precisou de muito esforço para mostrar ser capaz de construir a grandiosa cúpula e ser comissionado para construí-la. Ao final não só construiu a cúpula, mas com ela marcou o início do Renascimento na Arquitetura e fixou as bases do que é hoje o projeto arquitetônico. A sua nova maneira de projetar estabeleceu que qualquer obra deve ser definida em todos os seus detalhes antes de construída, algo tão óbvio hoje que parece ter sido sempre assim.
     Em seguida vem Alberti, um quase contemporâneo que levou o mesmo raciocínio para a cidade, considerando-a uma “grande casa”, portanto um edifício também sujeito à maneira de projetar de Brunelleschi, ou seja, a cidade também deveria ser concebida totalmente antes de ser construída. Surge então o urbanismo clássico com suas formas geométricas engenhosas, as cidades-estrêla, as perspectivas monumentais, o monumento alvo, etc. Brasília é assim, séculos depois, genialmente concebida “in totum”, tal como na fórmula inicial renascentista, um objeto pré-definido em todos os seus detalhes.
     Aconteceu que os próprios renascentistas não tiveram chances de aplicar a pleno suas teorias urbanísticas. A Europa vinha de um período de longas guerras e epidemias, sem demanda para novas cidades. Quando havia, resumia-se a pequenos arranjos em função das guerras religiosas, defesas militares e portos comerciais. Fora isso, só intervenções em cidades já existentes, reformas ou ampliações, não chegando a ver suas ideias aplicadas em uma nova cidade de porte significativo. Teriam que esperar Brasília, a coragem política de JK, a genialidade de Lúcio Costa e a força do trabalho do povo brasileiro. Porém, do século XV até a construção de Brasília muita coisa aconteceu na história do mundo e no desenvolvimento do urbanismo.
     Arriscando um resumo, nesse ínterim a grande inflexão histórica foi a Revolução Industrial com transformações sociais e descobertas científicas. A urbanização é acelerada e os problemas da recém nascida cidade industrial forçam, no meio do século XIX, o surgimento de novas propostas no urbanismo, como as dos socialistas científicos e utópicos, e as leis sanitárias de Londres e Paris. Logo surgem a Cidade Industrial de Garnier, a Cidade Linear de Soria, a Cidade Jardim de Howard, a “unidade de edificação” de Berlage e a “unité d´habitation” de Le Corbusier, como um cadinho efervescente preparando uma solução contemporânea para a nova cidade que surgia. Enfim, abraçando todo esse substrato de proposições históricas, é elaborada em 1933 a Carta de Atenas, documento mestre do Urbanismo Modernista.
     Brasília é a materialização da Carta de Atenas e a realização maior dos fundamentos do urbanismo renascentista, indispensável à sua crítica essencial como em sua natural superação pela própria dinâmica da História e da prática do urbanismo posterior. Brasília é resultado do pensamento urbanístico acumulado, em especial do Renascimento até sua concepção e constitui com muita justiça um dos mais autênticos e expressivos patrimônios da humanidade. Tivesse sido europeia, seria melhor considerada pela cultura oficial brasileira. Brunelleschi e Lúcio Costa formam o alfa e o ômega desse processo que completa 600 anos e precisam ter seus nomes devidamente reavaliados nos momentos históricos que ajudaram a construir e nos quais foram os principais protagonistas, contudo marginalizados, senão esquecidos.   

segunda-feira, 20 de abril de 2020

CUIABÁ 320-19

CAPITANIA FLUVIAL DO PANTANAL CHEGA A CUIABÁ-MT | CFPN
                Rio Cuiabá      (Foto: Marinha do Brasil)
José Antonio Lemos dos Santos
     Uma cidade não dá no pé como caju ou goiaba. A cidade é uma invenção humana, aliás, a maior, a mais importante, a mais bem sucedida e, também, a mais complexa. Ela é um objeto construído pelo homem, normalmente edificada a cada dia pelos seus donos, os cidadãos, numa obra sem fim, um grande e permanente canteiro de obras. Ao contrário do que parece, não são os governos que constroem a cidade normal e saudável. Ela é construída aos poucos e cotidianamente pelo cidadão, do mais simples ao mais poderoso; aos governos cabem as obras comuns de infraestrutura, bem como sua ordenação, através do planejamento e controle dessa grande obra.
     Assim é Cuiabá, nascida à beira de um corguinho chamado Ikuiebô,  o “córrego das estrelas” para seus habitantes originais, os Bororos, pelas pepitas que faiscavam em suas margens à luz da lua. A monumental Enciclopédia Bororo dos Salesianos ensina que a cidade recebeu o nome das pedras que ainda hoje ficam na foz deste mesmo corguinho, agora um canal de esgoto sob a grande avenida Coronel Duarte, a popular Prainha, e que eram chamadas pelos autóctones de Ikuiapá, lugar onde se pesca com flecha-arpão. Já existiam ocupações anteriores nas regiões do São Gonçalo Beira-Rio e do Coxipó do Ouro, hoje áreas dinâmicas e integradas da cidade, embora na época distantes e em decadência pela descoberta do ouro às margens do Ikuiebô.
     E ela floresceu formosa, mãe de cidades e estados, mãe do próprio Mato Grosso. O aniversário de Cuiabá deveria ser também o aniversário deste “Ocidente do imenso Brasil”. Sobreviveu a duras penas, forjando uma gente corajosa e sofrida, mas alegre e hospitaleira, dona de rico patrimônio cultural e com proezas que cobram mais carinho dos historiadores. Cuiabá hoje vibra em dinamismo, globalizada e provinciana, festeira e trabalhadora, centro de uma das regiões mais produtivas do planeta, agora abalada com o mundo pela covid-19.
     Mas Cuiabá que já venceu males maiores como a varíola e a gripe espanhola, vencerá mais esta, seguindo vibrante na construção do seu futuro a ser planejado e controlado em favor do bem comum, para que a soma do trabalho de cada um na grande obra urbana resulte numa cidade cada vez mais bela, justa, confortável, segura e ambientalmente sustentável, com padrões crescentes de qualidade de vida. Neste processo, 2020 é especial pelas eleições municipais previstas, que mesmo ameaçadas pela pandemia, serão um tempo para a sociedade pensar seu futuro, eleitores e candidatos.
     Para o Tricentenário, a cada ano escrevi artigos em contagem anual regressiva a partir do 290º aniversário da cidade. Passados os 300 anos, Cuiabá deveria adotar um novo marco a ser alcançado, por exemplo o seu 320º aniversário, um prazo de 20 anos, horizonte mínimo para o planejamento de uma cidade e um tempo com alguma chance de alcançar com meus artigos. Neste período além de metas macro como o resgate do Sistema de Municipal de Desenvolvimento Urbano, um urgente e agressivo plano de recuperação econômica pós pandemia, a otimização da infraestrutura, o ajustamento da malha viária através dos padrões geométricos mínimos de cada via e a desocupação digna das áreas de risco, poderiam ser incluídos também projetos específicos perseguidos a tempos pela cidade metropolitana, entre estes a revitalização do Centro Histórico, a ferrovia, o Rodoanel, o centro cultural sul-americano, a internacionalização do aeroporto e seu hub aeroviário, a distribuição do gás e a consolidação da Região Metropolitana como principal polo de verticalização da economia do estado. E por que não um time na série “A” do brasileirão? 20 anos dá? Agora só faltam 19.

domingo, 12 de abril de 2020

EXPECTATIVA OU ESPERANÇA

Decoração com girassol: cafona ou não? Confira 10 curiosidades sobre a planta (Foto: Getty Images)
Girassol, energia positiva e boa sorte            (Foto: Casa Vogue)

José Antonio Lemos dos Santos
     Antes de tudo, que os números alvissareiros apresentados aqui reforcem a necessidade de continuarmos seguindo as recomendações oficiais brasileiras sobre o assunto. Tais números são só um alento a todos nós mostrando que os sacrifícios vividos neste quase um mês de quarentena e outros procedimentos parecem estar dando certo e podem, podem, destaco, durar menos do que o projetado inicialmente pelos cientistas. Ainda é muito cedo para a confirmação de qualquer tendência, mas os números dos últimos dias referentes à pandemia no Brasil têm sido promissores, só isso. Podem ser vistos como alguma esperança que surge em meio a tantas notícias ruins, mas também pode ser que hoje a situação se inverta com os números da tarde. Deus queira que não.
     Outra consideração inicial: Não quero me referir nem estou me referindo a pessoas, políticos ou autoridades públicas. Passo aqui longe de política, em especial as visando as próximas eleições. Nem a remédios, tipos de quarentena, hipóteses sobre clima, formas de tratamento, etc. Qualquer ilação que vá além dos números e das operações simples de aritmética, das quatro operações e da regra de três que aplico, fica por conta do leitor. E espero que o ajude. Uso basicamente os dados que o Ministério da Saúde vem disponibilizando todas as tardes por volta das 17 horas (hora de Brasília).
     Com todo o respeito aos familiares dos falecidos, e mesmo parecendo um absurdo, são promissores o número de 68 óbitos registrados de anteontem (10/04) para ontem (11/04). Tento explicar. Ontem foram 68, mas anteontem foram 115, ou seja, 47 mortes a menos em um dia, ou de outra forma, 47 vidas poupadas em um dia nesta mortandade que assistimos. Nos dias imediatamente anteriores foram 141, 133 e 114 óbitos, respectivamente. Ou seja, de forma clara o número de mortes reduziu significativamente nestes últimos dias. Esta é a boa notícia que não é destacada no noticiário e fica despercebida ajudando a deprimir a população em meio a tantos sacrifícios. Consequentemente, o percentual de crescimento do número de mortes por dia também caiu de 20,6% para 20%, para 17,6%, para 12,2% anteontem e 6,4% ontem. São bons números em meio à tragédia. A comparação com a evolução da pandemia em outros países, por exemplo com a Itália e Espanha também nos permite no momento alguma redução nas dramáticas perspectivas iniciais para o Brasil. Sigo torcendo e orando para que os números de hoje à tarde (12/04) continuem nesta trajetória ajudando a configurar no Brasil uma tendência firme no rumo do fim das mortes por esta pandemia. Tendência que ainda não pode ser confirmada e, portanto, vamos continuar seguindo as orientações oficiais com a mesma atenção. 

terça-feira, 7 de abril de 2020

PRETO CLARO OU CINZA ESCURO

Decoração com girassol: cafona ou não? Confira 10 curiosidades sobre a planta (Foto: Getty Images)
Girassol, energia positiva dos sol e boa sorte   (Foto: Casa Vogue)

José Antonio Lemos dos Santos
     Houvesse apenas um óbito e já seria motivo para todo nosso respeito e lamentação. Assim, considerar como notícia auspiciosa as 54 mortes de brasileiros pelo covid-9 de sábado para o domingo passado, só faz sentido tendo como referência os 73, 60 e 58 óbitos dos dias imediatamente anteriores, ou se em relação à taxa de crescimento diário do total de mortos que chegou aos surpreendentes 12,5% neste mesmo fim de semana, muito inferior à série também decrescente de 20%, 20% e 24% dos dias anteriores.
     Não sou especialista na área, porém como um dos bilhões de habitantes do planeta angustiados com esta pandemia, e como um septuagenário em aparente gozo de minhas faculdades mentais, aqui de minha quarentena absoluta de quase 20 dias, penso ter o direito de compartilhar esta fresta de esperança vislumbrada nos números deste último fim de semana. Esperança pode até não passar de uma quimera e se esvanecer antes mesmo deste artigo ser publicado. Contudo sempre traz uma perspectiva de ser real. E a ela me agarro hoje.
     Algo de novo e bom estaria acontecendo, mas que por razões desconhecidas os donos do mundo não querem fazer chegar ao conhecimento dos reles mortais? Por exemplo, o sempre eficiente e hoje famoso remédio para malária, a hidroxicloroquina, em parceria ou não com sua amiga cujo nome não lembro, estaria vencendo o terrível corona? Em uma tragédia com previsão de centenas de milhares de mortos é no mínimo estranho que de vários lugares do mundo cheguem relatos de experiências bem sucedidas da aplicação desse remédio setentão que nem eu, mas que não é liberado pelas autoridades pois faltariam estudos comprobatórios de sua eficiência e riscos. É muita moagem! Aliás, obrigado em quarentena a ficar ligado nas notícias da internet quase o dia inteiro, jamais vi qualquer notícia desabonadora do tal remédio. Só favoráveis. Ainda bem que o medicamento vem sendo usado no mundo todo. Numa hora destas, diante da decisão médica entre a vida e a morte concretas, às favas os protocolos. Dizem que, de fato, por traz desta moagem enroladora estariam interesses comerciais, políticos e até ideológicos, incompatíveis com a grave situação que vivemos, já com quase 1.000 mortos por dia no mundo.
     De fato, a impressão que fica é que as ciências da saúde foram pegas de calças curtas e não estavam preparadas para enfrentar uma pandemia como esta, embora as pandemias venham se sucedendo com frequência crescente. As posições dos cientistas se contradizem em inconclusivos debates, assim como entre órgãos supranacionais, nacionais e internos aos países. Um dia é uma coisa, outro dia é outra. Parece que na falta de um tratamento claro para o assunto, a discussão permanente entre cientistas, políticos e autoridades governamentais é a melhor solução, e daí, qualquer pretexto é válido: vida ou economia, curva alta ou baixa, quarentena “horizontal” ou “vertical” (e agora a “diagonal”), de quem é a culpa? qual a nacionalidade do vírus? Enquanto isso o povo é mantido entretido e se dá tempo para que o vírus seja derrotado pelo próprio cansaço.
     Preto claro ou cinza escuro? Se não fosse a mesma coisa, seria só uma questão de boa vontade em ajustar os tons. Minha saudosa avó, que perdeu o esposo com a gripe espanhola (que agora também nem é mais espanhola) dizia que se dois não querem, um não briga. Ou ao inverso para os dias atuais, quando dois ou mais querem brigar, polemizar, qualquer coisa pode ser pretexto. E ao povo resta contar com a apreensão e o medo de ser ou não sorteado, ou um parente, um amigo, nesta grande e terrível loteria pandêmica que vivemos.