Cuiabá na Quarentena (Foto: arquiteto Mario Gomes Monteiro)
José Antonio Lemos dos SantosO título poderia ser idiotas, no plural, pois tem muita gente boa como “bobó lelés” angustiados como eu com os números oficiais do covid-19 no Brasil. Sou daqueles que não gostam de andar de passageiro em acontecimentos que nos envolvem. Procuro sempre estar informado, pesquisando para me balizar sobre o que está acontecendo, em que rumo seguimos, quais riscos ou potencialidades podem estar à nossa frente. A terrível pandemia nos assola, apavora e vem nos impondo sacrifícios diversos, econômicos, sociais e familiares.
Fato é que resolvi acompanhar para meu consumo a pandemia em nosso país coletando alguns dados mais significativos sobre sua evolução, e até de outros países para efeito comparativo. A primeira dificuldade foi escolher quais seriam estes dados principais e mais confiáveis em um país com uma burocracia lerda, despreparada para acompanhar a velocidade da covid-19, carente de pesquisas e levantamentos adequados, que convive com erros comuns sem dolo, mas considerando estes tempos de radical polarização político-ideológica, é obrigado também a se precaver contra dados errados intencionalmente para favorecer esta ou aquela “narrativa”, palavra da moda.
Escolhi o número de óbitos como o principal dado para o meu acompanhamento. Um dado também não confiável, considerando os riscos de super ou de subnotificações, conforme me alertam os amigos e parentes que compartilham estas preocupações. A escolha se deu porque diante das possibilidades de problemas nas notificações, seria dificílimo ocultar uma quantidade de óbitos significativa para um país com mais de 210 milhões de habitantes. Outro fator que ajudou na escolha foi a pandemia no Brasil ter começado pela classe média, que, via de regra, é bem informada e dificilmente deixaria de cobrar a informação oficial sobre o desaparecimento de um ente querido. Um outro fator a favor da escolha é a fantástica câmera do celular. Depois dela, não existe mais segredo, tudo é bisbilhotado e imediatamente compartilhado.
Pois não é que através de um artifício burocrático conseguiram esconder os óbitos em grande quantidade? Sob a alegação de atraso na análise final dos corpos para definir a “causa mortis”, deixam sempre uma quantidade de óbitos em suspenso aguardando sua liberação, e quando liberados, são lançados como ocorridos no último dia publicado. E esta prática vem desde o começo da pandemia. Ademais, não informam quantos dos óbitos ocorreram de fato naquele dia, o que acaba falsificando as estatísticas, que deveriam ser boas representações da realidade. Pior ainda, levanta a suspeita que estes óbitos atrasados possam ser lançados de forma fraudulenta em dias convenientes, para reduzir ou aumentar o número de vítimas. Caso sejam mesmo inevitáveis esses diagnósticos atrasados, pois então que sejam lançados na data de cada óbito, numa distribuição mais suave e fidedigna à realidade.
Este artigo foi pensado ainda gestão Mandetta, mas com sua troca por outro tido como técnico de alta capacidade acreditei que o problema fosse corrigido. Ficou na mesma. No último dia 23, por exemplo, o Ministério da Saúde afirmou em nota oficial após a coletiva, que dos 407 óbitos divulgados naquele tarde, o recorde de óbitos para um dia com quase o dobro de mortes do recorde anterior, “112 ocorreram nos últimos três dias e os demais (295) antes desse período”. Ou seja, no dia do recorde anunciado pode até não ter havido sequer um óbito. E eu, idiota, apavorado como o Brasil inteiro com falsos números crescentes nos óbitos diários, alardeados como se fossem do dia. Mas, o mais difícil é não poder abraçar os netinhos.