"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



sexta-feira, 20 de março de 1992

O CAIS FLUTUANTE

José Antonio Lemos dos Santos

     A extinção da Casemat, hoje em processo de liquidação segundo as notícias, constitui uma boa oportunidade para se avaliar um assunto que tem permanecido marginalizado: o cais flutuante de Cuiabá. Ao que se sabe, aquele patrimônio pertenceria à Casemat, vindo daí naturalmente a pergunta sobre o destino que se reserva àquela grande estrutura.
     Torna-se mais oportuno o assunto uma vez que o Orçamento da União para 92 prevê vultosa soma de recursos para o " desassoreamento do rio Cuiabá". Já que não existe a menor notícia oficial sobre esse projeto, pode-se esperar que ele venha deflagrar um processo de recuperação de nosso rio com o replantio e urbanização de suas margens, a erradicação das habitações de risco, a retirada dos depósitos de lixo e sedimentos de esgotos acumulados no seu trajeto urbano, a solução para a feira, etc.. Como certamente não dá para fazer tudo, poderia começar pela elevatória prevista pelo sistema de esgotos de Cuiabá para a boca da Prainha. Com ela o rio se livrará de uma das principais fontes de assoreamento e sua principal carga poluidora, levando todo o esgoto do centro da cidade para a estação de tratamento que custou caro, está bem ao lado, pronta e subutilizada. De qualquer jeito a vinda destes recursos questiona a situação do cais.
     A bela estrutura lançada sobre o rio Cuiabá, embora tenha sido usada por pouco tempo conforme sua finalidade original, não pode ser desprezada. Se não puder voltar a ser cais, ainda assim poderá voltar a se integrar à vida da cidade de forma útil. Trata-se de uma estrutura aparentando perfeitas condições de estabilidade e segurança, da qual descortina-se um dos panoramas mais belos da cidade: o rio Cuiabá.
     Apesar de maltratado, o rio Cuiabá ainda é um espetáculo que dá gosto ser apreciado, e, um dia, ainda será entendido pela Grande Cuiabá como o seu maior e mais precioso equipamento urbano. Poucas cidades no mundo podem contar com um rio passando bem no centro de sua malha urbana (e nós temos dois, com o Coxipó). Quem não tem , constrói, a custos altíssimos, lagos, fontes,  cascatas artificiais. A Grande Cuiabá dispõe, de graça, dessa dádiva natural,, a qual, fora os discursos, só tem recebido, na prática, nosso mais brutal, ignorante, irresponsável e, acima de tudo, burro desprezo.
     O cais flutuante desfruta de posição privilegiada nesse cenário de beleza. Sua reutilização como equipamento de lazer social e turismo poderia ser um dos primeiros passos no sentido da cidadde voltar a usufruir, civilizadamente, de seu rio. Aliás, apesar de abandonado, não são poucos aqueles que se dispõem a enfrentar os riscos oferecidos pelo local, já que é frequente a presença de pessoas em sua plataforma pescando, apreciando a paisagem etc.. O lazer contemplativo, principalmente, parece ser a destinação natural para a estrutura do cais. Dificilmente voltará a ser um porto comercial, mesmo que Manso possibilitasse o acesso de embarcações até seu atracadouro, pois sua localização na malha urbana hoje já seria anacrônica.
     Como neste momento o patrimônio da Casemat está sendo desfeito, não seria oportuno que ocais, sua estrutura física, fosse, por exemplo, transferido para a Prosol? A Prosol vem mantendo a bela e útil experiência do Regionalíssimo. Através dela o Estado poderia licitar e controlar a exploração pela iniciativa privada de serviços de restaurante e par panorâmicos, instalados pelos interessados em suas plataformas. Este, apenas um exemplo de como se poderia unir o útil ao agradável, com a velha estrutura, hoje abandonada, voltando a gerar recursos, permitindo ao mesmo tempo o resgate do rio para uso da população em suas horas de lazer e, ainda por cima, presenteando a cidade com mais um ponto turístico capaz de despertar o interesse de seus visitantes.
(Publicado em 20/03/1992 pelo jornal A Gazeta)