"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 24 de dezembro de 2019

O PIB CUIABANO


José Antonio Lemos dos Santos
     Não deveria ser, mas é surpresa para muita gente toda vez que o PIB anual de Cuiabá é anunciado. Em meados deste mês de dezembro, o IBGE publicou o Produto Interno Bruto (PIB) dos estados e municípios brasileiros para o ano de 2017. Qual a importância desse tal PIB para uma cidade e seus cidadãos? O PIB é a soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos em uma unidade federativa (país, estados e municípios). Na definição já temos boa parte da resposta. Em qualquer regime que possamos viver a qualidade de vida do cidadão é fortemente determinada pela qualidade de vida que ele puder “comprar”, seja diretamente ou através de subsídios do estado. Para esta troca ser realizada é preciso haver produção gerando empregos, renda de qualidade e disponibilidade orçamentária nos governos. A melhoria dos padrões de vida (geladeiras, sapatos, saneamento, segurança, hospitais, escolas etc.) vêm da renda com aquilo que é produzido e então, produzir mais e melhor é uma de suas condições básicas, ainda que não a única. E o PIB mede o quanto se produz, daí sua importância.
     O PIB de Cuiabá em 2017 foi de R$ 23,3 bilhões, o 32º entre os municípios do país, crescendo a 5% em relação ao de 2016, com uma renda per capita de R$ 39,5 milhões, superior à do Brasil (R$ 31,7 milhões) e a 8ª maior entre as capitais brasileiras. Destaca-se que este PIB de Cuiabá é superior ao de estados como Acre, Amapá e Roraima. Considerada sua Região Metropolitana chega-se a um PIB bruto de R$ 31,9 bilhões mais de 3 vezes o PIB de Rondonópolis (R$ 9,6 bilhões), o segundo maior do estado.  Interessante é que para o senso comum dos mato-grossenses em geral e mesmo dos cuiabanos em particular, Cuiabá é um município que não produz e que vive a reboque dos demais municípios do estado, uma concepção que vem da falsa ideia de que só a economia primária é de fato produtiva, compreensível em um estado campeão nacional na agropecuária e um dos maiores produtores e exportadores de alimentos no mundo. 
     Ademais a economia primária tem este nome justamente por estar na base de todos os demais segmentos produtivos tidos como superiores só  por estarem apoiados sobre ela. Contudo a produção primária não se desenvolve sozinha e sua própria evolução e diversificação exige atividades complementares especializadas para trocas, armazenamento, beneficiamento, reprodução e inovação do conhecimento (tecnologia) e apoios diversos a seus produtores. Por isso a 5 mil anos aconteceu a Revolução Urbana com o surgimento das cidades como consequência e complementação da Revolução Agrícola ocorrida a 5 mil anos antes. Desde então as cidades evoluíram e pela complexidade de suas funções regionais se organizaram em redes hierarquizadas, hoje redes globais, porém sempre tendo como base as atividades primárias. Assim, todas as cidades em última instância dependem da produção primária, mas sem elas a produção primária voltaria às suas origens. Campo-cidade, um caso de relação simbiótica de grande êxito.
     No caso de Cuiabá, ela é dependente, mas, ao mesmo tempo é o maior polo urbano de apoio à produção do estado, ou seja, é a capital (cápita, cabeça, topo de rede) do agronegócio como muito bem identificou o governador Mauro Mendes quando prefeito da cidade. Hoje é o centro de uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta, e assim deve ser vista e avaliada. Deste ponto de vista, os novos dados do PIB para Cuiabá não surpreendem, ao contrário, devem ser absorvidos como subsídios para seu planejamento no âmbito de sua Região Metropolitana de forma a melhor cumprir suas funções regionais com benefícios para sua população e para todos os mato-grossenses.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O ARQUITETO E O ABRIGO VITAL

Desenho professor José Maria Andrade
José Antonio Lemos dos Santos
     Para Erich Fromm, um dos fundadores da psicanálise moderna, o nascimento do homem tanto como indivíduo quanto como espécie, foi um acontecimento negativo. Tento explicar, negativo no sentido de que teria havido uma perda importante, qual seja, a perda da unidade com a Natureza, onde ele tinha todos os seus problemas resolvidos, fosse na inconsciência primitiva ou na barriga da mãe. Rompido com a Natureza, passa então a ter necessidades que não tinha, ou não tinha consciência, necessidades que precisam ser resolvidas, algumas destas indispensáveis à própria sobrevivência. Isto é, não resolvidas, a espécie não vingava. A alimentação, por exemplo. Pior, ao nascer o homem carece de vigor físico, não sabe como funciona a Natureza e é o mais desamparado de todos os animais. A narrativa bíblica da expulsão sem retorno do Jardim do Éden traduz muito bem esta passagem. 
     Contudo, apesar dessa imensa desvantagem inicial, a espécie humana não só sobreviveu como se tornou a mais bem-sucedida na face da Terra. Como? Criando ferramentas humanas capazes de substituir os instintos de sobrevivência perdidos, e até com vantagem. Com estas ferramentas o homem foi resolvendo suas necessidades, das mais simples às mais sofisticadas. Necessidades básicas como alimentação, abrigo, defesa, vestuário e outras começam então a ser resolvidas pela ainda rudimentar mente humana, processo que chega até às maravilhas das invenções atuais. A Arquitetura é uma destas ferramentas fundamentais para assegurar a sobrevivência humana. Surgiu especialmente para resolver a necessidade de abrigo do homem, vital para ele.
     Sem abrigo o homem não sobrevive. Pode ter remédio, comida, celular, mas se ficar exposto às intempéries, ele morre. Por isso o abrigo como “habitação” é um dos Direitos Universais do Homem. Esta é a raiz mais profunda da Arquitetura imprimindo-lhe um caráter de atividade essencial à vida humana. Mais ainda, dada a continuidade do espaço, matéria-prima do abrigo, o conceito original de abrigo ultrapassa os limites da habitação individual, e vai ao bairro, cidade, região, chegando nos tempos atuais globalizados até o entendimento do planeta como a nossa verdadeira grande Casa, a Oikos grega, de fato o nosso maior abrigo. As concepções mais avançadas sobre este assunto indicam que a cada intervenção do homem ele está, para o bem ou para o mal, (re)construindo o planeta, a grande Casa e nossa Mãe-Terra, a Oikos e a Gaia. Esta é a consciência atual. 
     O dia 15 de dezembro foi definido como o Dia Nacional do Arquiteto e Urbanista, data do nascimento de Oscar Niemeyer, em justa homenagem a este brasileiro mundialmente reconhecido como um dos mais ilustres, importantes e geniais inventores da arquitetura moderna. O simbolismo da data homenageia também a todos os arquitetos e urbanistas brasileiros, os agentes viabilizadores da arte da arquitetura e urbanismo, renovando a cada ano a reflexão geral sobre sua atividade e profissão, bem como seu compromisso para com o desenvolvimento do abrigo digno, este envolvendo a Oikos e a Gaia dos gregos, e com a luta para que ele – o abrigo digno - seja de fato, acessível a todos no Brasil e no mundo, como direito universal que é. Destaque para o principal problema do século XXI que é a viabilização do mundo urbano, e neste contexto, em especial o resgate das cidades brasileiras vítimas de políticas descompromissadas com o bem comum – do qual a cidade é o maior exemplo - e, por isso mesmo, desassistidas pela técnica do urbanismo, resultando neste caos cotidiano de injustiça, desconforto e desiquilíbrio ambiental que mata, soterra, inunda, estressa, violenta, atropela, aleija e alija seus habitantes.


Para E

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

FERROVIA: CARTA AO PRESIDENTE

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José Antonio Lemos dos Santos
     Senhor presidente, ainda aproveitando o estímulo do seu estilo direto e franco de tratamento com a população, tomo a liberdade de dirigir a Vossa Excelência uma nova carta em forma de artigo abordando agora o resgate do modal ferroviário e sua expansão no país, tema fundamental para o desenvolvimento de Mato Grosso e para o Brasil, conforme tem sempre reiterado Vossa Excelência. A carta anterior tratou dos voos internacionais para o Aeroporto Marechal Rondon, principal acesso aeroviário do estado, cuja posição estratégica em pleno centro continental desperta a atenção de empresas aéreas, mas que há décadas não avança por detalhes incompatíveis com sua meta de destravar o desenvolvimento do país.
     Antes é importante saudar os saltos já dados pelo seu governo na logística em geral, com a privatização dos aeroportos, a conclusão de obras rodoviárias, em especial a chegada a Miritituba do asfalto da nossa Cuiabá-Santarém e a agilização de projetos ferroviários como a Ferrogrão, FICO e Norte-Sul. Mas neste quadro tão positivo é incompreensível o desinteresse com que é tratada a extensão dos trilhos da antiga Ferronorte a partir de Rondonópolis em direção à Região Metropolitana de Cuiabá e logo ao norte chegando a Nova Mutum.
     Convém destacar que Nova Mutum já se localiza em plena área produtiva de grãos do Médio-Norte mato-grossense, e a apenas cerca de 450 km de Rondonópolis, onde se encontra em pleno funcionamento o maior terminal ferroviário da América Latina, em trajeto antropizado, sem xingus, araguaias ou himalaias a vencer ou reservas indígenas a atravessar. Entretanto, este projeto vem sendo desconsiderado em favor dos também importantes projetos da Ferrogrão e da Fico, um com quase 1.000 Km e outro com cerca de 800 km sendo a metade deste em rodovia, contados a partir de Lucas o principal centro de carga regional.
     Mas a viabilidade desta extensão preterida mostra-se mais relevante pois a meio do caminho encontra-se a Região Metropolitana de Cuiabá, no estado o maior centro de consumo local, processamento e distribuição regional, sendo assim o principal ponto de destino das cargas de retorno originárias do sul/sudeste brasileiro, em um volume estimado pela Rumo, em 20 milhões de toneladas/ano de cargas em geral (equivalente ao total da produção anual de grãos de Goiás), razão do interesse da empresa em investir de imediato em sua construção.
     O desprezo à continuidade do trajeto da Ferronorte fica mais incompreensível em um governo pragmático com importantes resultados alcançados em tão curto espaço de tempo. Mato Grosso apesar de ser o maior produtor agropecuário do Brasil e principal sustentáculo dos sucessivos superávits na balança comercial brasileira convive com um trágico gargalo logístico. Superados em muito os limites do modal rodoviário, tornou-se imperativo e urgente para Mato Grosso a extensão das ferrovias no estado, pois esta situação traz prejuízos imensos ao produtor e ao meio ambiente, e, pior, mata e aleija muita gente.
     Senhor presidente, como então compreender o descarte pelos últimos governos federais, inclusive o atual, desta alternativa de execução bem mais rápida e de custos muito menores, sem previsão de problemas indígenas ou ambientais, com carga viabilizadora de ida e volta, e já com interesse da Rumo em investir no trajeto, em especial agora com a recente aprovação pelo TCU da antecipação da renovação da concessão da Malha Paulista? Não haveria aí alguma motivação que não a logística vinda de um passado recente? Claro que se trata de uma inversão de prioridades herdada, porém incompatível com a clareza de objetivos de seu governo que tem a Verdade como principal lema.
(Imagem:pt.rumolog.com)

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

AEROPORTO: CARTA ABERTA AO PRESIDENTE


José Antonio Lemos dos Santos
     Senhor presidente, animado pelo estilo sincero e direto de comunicação de Vossa Excelência, arrisco-me a dirigir-lhe este artigo em forma de uma carta aberta, também franca e sincera. Se de alguma forma chegar ao Vosso conhecimento, fico feliz; se não, também. Em notícia da semana passada o secretário Nacional da Aviação Civil (SAC) teria afirmado ao senador mato-grossense vice-presidente da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado que até dia 30 de novembro deverá estar concluído o processo de internacionalização do Aeroporto Marechal Rondon em Várzea Grande, principal acesso aeroviário de Mato Grosso. Embora torcendo pela realização da previsão do secretário, ela parece temerária por seu prazo exíguo e dá para desconfiar, principalmente aos mato-grossenses, e em especial aos cuiabanos e várzea-grandenses que por décadas vêm sendo enrolados neste assunto.
     Mas, senhor presidente, existem fatos novos que permitem crer que desta vez a internacionalização se concretize. Primeiro a corajosa determinação de Vossa Excelência na privatização do referido aeroporto no começo do ano, junto a outros 4 regionais, conseguindo o maior ágio entre os 3 blocos leiloados na ocasião, abrindo de imediato novas perspectivas para o transporte aéreo de cargas e pessoas em Mato Grosso. A Centro-Oeste Airports, concessionária vencedora chega com uma visão clara da grandeza das potencialidades do estado, o maior produtor agropecuário do Brasil e hoje uma das regiões hoje mais dinâmicas do planeta. Seu presidente, Marco Antonio Migliorini, diz que o desejo da empresa é transformar o Marechal Rondon em um ponto de conexão continental – hub – desejo que é também uma das mais antigas aspirações locais no rumo da realização da vocação de Cuiabá em ser um dos pontos naturais de encontro dos caminhos centro-continentais, e do próprio aeródromo, posto no exato centro do continente sul-americano.
     Outro fato novo considerável em favor da internacionalização do Marechal Rondon é a decisão do atual governo estadual em explorar as potencialidades dos relacionamentos do estado com os demais países da América do Sul, tendo inclusive no início do ano criado uma comissão, ainda muito ativa, destinada a destravar este processo que dura décadas, contando com a participação de representantes da Infraero, Trade Turístico, Receita Federal, Prefeitura de Várzea Grande e secretários de Estado. Básico também vem a ser o interesse manifesto pela Azul e as providências já tomadas pela empresa no sentido da implantação de uma linha Cuiabá - Santa Cruz de La Sierra (Bolívia), que também já conta com autorização das autoridades bolivianas.
     Senhor presidente, das quatro autorizações brasileiras necessárias, as do Ministério da Agricultura, Anvisa e Polícia Federal estão resolvidas. O problema está na Receita Federal que alega precisar de um espaço maior do que o pedido e construído na época da ampliação do aeroporto. Segundo o superintendente da Infraero, as atuais instalações atenderiam a 200 passageiros/hora, suficiente para início das atividades com 2 voos semanais. Senhor presidente, esta situação por parte da Receita Federal já integra o acervo do folclore mato-grossense desde a década de 80 quando a linha hoje pleiteada era explorada pela antiga LAB e, conforme conta a lenda foi desativada por falta de um espaço de 7m x 4m para alfandegagem. Desde então outras tentativas foram feitas sem sucesso, e os voos não mais voltaram.
     Senhor presidente, Mato Grosso ofereceu um dos maiores percentuais de apoio à sua candidatura e é um dos maiores polos de confiança em seu governo, desculpe o atrevimento no fechamento desta cartinha, mas dá uma força para nós aí, tá OK?

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

ROTATÓRIA DO CÍRCULO MILITAR

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               Rotatória do Círculo Militar (Imagem: RDNews)

José Antonio Lemos dos Santos
     Feliz a cidade com o dinamismo e a pujança de Cuiabá, viçosa, rica em oportunidades de desenvolvimento e de elevação da qualidade de vida de sua população. Mas, também em problemas. São os tais ônus e bônus da vitalidade urbana. As cidades vivas geram aumentos de demandas em todas as áreas, e muito especialmente na mobilidade urbana, onde cresce o número de pessoas e de veículos nas ruas, surgem novos bairros e polos geradores de tráfego, exigindo de seus administradores providências visando garantir a fluidez indispensável com segurança e conforto. Como uma criança saudável em crescimento exige dos pais, no tempo certo, roupas, sapatos, e tudo o mais em tamanhos crescentes, assim também uma cidade em desenvolvimento.
     É o caso de Cuiabá que, sem uma estrutura técnica permanente para o  planejamento urbano contínuo, tem sua prefeitura sempre correndo atrás, buscando superar os gargalos urbanísticos surgidos a cada momento, hoje com obras de vulto como os viadutos na Beira-Rio e na Archimedes Lima, passarela na Rodoviária, renovação do sistema semafórico, recapeamento asfáltico e mesmo obras menores, como a ligação da travessa Monsenhor Trebaure à Marechal Deodoro. Agora a discussão é o colapso funcional da rotatória do Círculo Militar, causado pelo incremento natural do trânsito de veículos acrescido pela instalação de um grande polo gerador de tráfego nas proximidades.   
     Quanto à rotatória do Círculo Militar, após o aparente insucesso da solução semafórica, o prefeito acena com a construção de uma trincheira no local, o que seria uma solução emergencial importante. Porém, o carro é um bicho danado. Se um conflito pontual é resolvido, de imediato ele volta ao local até atingir de novo os limites do desconforto e, logo, novo colapso. A trincheira ou, no caso, um viaduto estaiado, é uma solução emergencial necessária como uma ponte safena em um coração com problema circulatório. Melhor que tratar a doença de um paciente é tratar o paciente doente, e com a cidade deve ser igual. Ainda que as soluções emergenciais sejam necessárias, o ideal é tratar a cidade com problemas, antecipando-se a eles.
     Soluções urbanísticas pontuais exigem sempre uma visão ampliada dos problemas pois podem estar em intervenções também mais amplas. No caso da rotatória em questão a solução mais ampla está em reduzir a demanda de tráfego para ela, criando alternativas de circulação. Por exemplo, a Lei da Hierarquização Viária de Cuiabá já em 1999 previa a extensão da Avenida Beira-Rio à oeste (VEBR-O), fazendo sua ligação com a Avenida Antártica, uma via para auxiliar a Miguel Sutil nas demandas da Região Oeste da cidade. Também, lá por 2005 surgiu o projeto do Rodoanel com objetivo de aliviar a Miguel Sutil do trânsito rodoviário. São obras portentosas, mas necessárias, que a par de permitir a melhoria do trânsito em toda a cidade, impactaria favoravelmente no volume de tráfego na rotatória do Círculo Militar.
     Uma trincheira ou viaduto na rotatória seria uma solução emergencial, um curativo importante, e que ampliaria a viabilidade de uma proposta que defendo no mínimo desde 2009 e que seria uma nova rotatória na interseção da Ramiro de Noronha (sub-utilizada), quase a meia distância entre as rotatórias do Santa Rosa e a do Círculo Militar. Outra rotatória, outro problema? Certamente depende de estudos mais aprofundados, mas, ela permitiria a ligação da Miguel Sutil com a Avenida 8 de Abril (sub-utilizada), e com XV de Novembro através da Thogo Pereira, bem como o acesso ao novo shopping sem demandar as rotatórias do Santa Rosa e do Círculo Militar, aliviando-as. Outra proposta de efeito pontual, mas também para toda a cidade.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

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José Antonio Lemos dos Santos
     A cidade constitui a maior, a mais complexa e bem-sucedida das invenções do homem. Surgida há 5 mil anos, com ela veio a Civilização que acelera a evolução humana. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e a partir de 2008 se tornou mais urbano que rural.
     Com a Revolução Industrial a cidade viveu sua maior inflexão até os dias atuais. Até então ela não fora questionada, mesmo tendo enfrentado enormes crises em seu desenvolvimento. Com a industrialização, a urbanização acelera e as cidades se desequilibram gravemente, exigindo controle e intervenções em suas evoluções. Surge então a ciência do Urbanismo, que evolui e supera o urbanismo de Haussmann, o modernismo da Carta de Atenas, passa pelas experiências pós-modernistas e chega à revolução da eletrônica, da internet e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e da busca pelas cidades inteligentes, verdes e sustentáveis.
     De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até às megalópoles ou às megarregiões urbanas, chegando a centenas de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um recipiente espacial articulado regional e globalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las nesta função é o objetivo do Urbanismo. Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade da evolução urbana e abrange os diversos campos de conhecimento envolvidos. Assim, o urbanista não pode ser um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. Ao urbanista cabe saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, saber que, embora essencial, sua ciência é nada desacompanhada das diversas especialidades nas múltiplas facetas da problemática urbana.
     Semana passada vivemos sem maiores reverências o dia 8 de novembro, o Dia Mundial do Urbanismo, data estabelecida em 1949 para estimular a reflexão global sobre o assunto, hoje ainda mais urgente. As cidades vivem nova e grave inflexão diante da revolução dos satélites, das fibras óticas e da internet que acenam com perspectivas inimagináveis desconstruindo conceitos fundamentais como tempo, espaço e distância, agora na realidade fantástica do ciberespaço, porém ainda atolada no drama da iminência do colapso com a água, lixo, mobilidade, poluição, energia, emprego, fome, moradia e segurança. O problema maior do século XXI são as cidades, mesmo com tantas perspectivas extraordinárias. E as cidades falhando, explode a civilização.
     Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como podem existir cidades sem órgãos técnicos especializados que a estudem contínua e sistematicamente, mostrando à cidadania boas opções para seu desenvolvimento? A ausência do Urbanismo asfixia as cidades brasileiras que estressam, mutilam e matam muito. Mas elas ainda são os locais da diversidade e da inovação. As criações do Conselho de Arquitetura e Urbanismo em 2010 com sua Resolução 51 e da Academia de Arquitetura e Urbanismo no ano passado, bem como a realização do Congresso da UIA no Rio ano que vem, são gotas de esperança neste oceano geral de insensibilidade. Crise é risco e oportunidade. Junto à possibilidade da tragédia está a chance da reinvenção urbana em busca de cidades mais justas, seguras, sustentáveis e humanas. E da própria reinvenção do homem.   

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O PLANEJAMENTO DA CIDADE


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 Mãe Bonifácia e  Ribeirão do Lipa (Imagem:G1)

José Antonio Lemos dos Santos
     Em meados do mês passado foram divulgadas duas importantes e ao mesmo tempo preocupantes notícias sobre o planejamento da cidade, mais especificamente sobre o planejamento urbano em Cuiabá. A primeira, foi o lançamento de um Edital da prefeitura de Cuiabá para “Elaboração e Revisão”(?) de seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), e a outra dando conta que a prefeitura prepara uma reforma administrativa na qual se discute a extinção do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano (IPDU).
     Apesar do objetivo dúbio de “Elaboração e Revisão”, o Edital   traz de capa o necessário e alvissareiro resgate do conceito “urbano”, que é a especificação correta à exigência da Constituição Federal sobre os Planos Diretores para as cidades acima de 20 mil habitantes. Não mais o genérico e indefinido conceito do “planejamento estratégico” que vinha sendo usado pela prefeitura. Entretanto, ao definir o prazo de 7 meses para a conclusão do trabalho, incluindo sua “legalização”, que imagino ser sua discussão e aprovação pela Câmara e posterior sanção pelo prefeito, penso que os elaboradores do certame persistem na equivocada visão de Cuiabá como uma cidade ainda pequena, estagnada, cujo plano urbano possa ser produzido em prazo tão curto como o estabelecido, em especial após mais de uma década do esvaziamento da estrutura municipal dedicada ao planejamento urbano.
     Cidades como Cuiabá, polo de uma das regiões mais dinâmicas e complexas do planeta, refletem necessariamente este dinamismo e complexidade regionais, tanto em seu presente, quanto em seu futuro, no caso cuiabano pleno em oportunidades para as quais a cidade precisa se preparar visando o máximo proveito em favor da qualidade de vida de sua população. Ademais, Cuiabá tem um passado histórico precioso que precisa com urgência ser articulado como protagonista aos novos tempos que a cidade vive. No exato centro continental, Cuiabá é uma cidade histórica por excelência, tem passado, presente e futuro riquíssimos que precisam ser compatibilizados com coerência aproveitando suas enormes potencialidades de desenvolvimento.
     Planejamento é uma atividade técnica sistemática e contínua que, através de análises e decisões articuladas, define um conjunto de procedimentos visando o alcance de objetivos futuros desejados. No caso do planejamento urbano o objetivo máximo é a melhoria da qualidade de vida dos habitantes de uma cidade. O planejamento se expressa em um plano, que é o documento que contém suas proposições, e que vira lei após aprovado pelas câmaras e sancionado pelos respectivos prefeitos. Resumindo, planejamento é processo sistemático e contínuo cujo produto é um plano, documento que deve ocupar as estantes dos administradores públicos como ferramenta básica de orientação na construção de qualquer cidade, minimamente civilizada.
     Todas, repito, todas as cidades bem-sucedidas em termos de qualidade de vida urbana, do porte de Cuiabá para cima, dispõem de um órgão autônomo dedicado com exclusividade ao seu planejamento e acompanhamento contínuo. Em Cuiabá começou a ser implantado e ficou conhecido como IPDU. Sábia foi a Lei Orgânica de Cuiabá que em 1989 foi além e criou um capítulo especial à Política Urbana, nele estabelecendo o Sistema Municipal de Desenvolvimento Urbano composto por órgãos hierarquicamente organizados, dentre estes o IPDU, um conselho fiador da participação de órgãos e segmentos organizados da sociedade, e até um fundo financeiro, todo este conjunto voltado à produção do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá, processo e produto sacramentados na Lei Maior do município.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

MEIO SÉCULO DE INTERNET

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José Antonio Lemos dos Santos
     Nesta terça-feira comemoramos os 50 anos de uma das maiores revoluções conseguidas pela humanidade, meio século a partir do dia 29 de outubro de 1969 quando se deu a primeira transmissão de dados entre dois computadores remotos, considerada como o primeiro e-mail na face da Terra. Era para ser a palavra LOGIN, mas no meio da transmissão deu “pau” no computador receptor e só foi LO, um pedaço da palavra que se pretendia mandar. Mesmo assim, um dos maiores sucessos da história do homem. Nasceu a Internet, hoje parte indissociável da vida dos homens, impossível pensar o mundo atual sem ela.
     Lembro lá pela década de sessenta que os jornais “de fora”, em geral do Rio de Janeiro, só chegavam a Cuiabá ao final das tardes pela antiga VASP e eram vendidos em uma única papelaria que ficava na Praça da República. A fila começava a se formar cedo e quando chegavam os jornais era aquele empurra-empurra para cada um pegar o seu. Nas segundas-feiras a afluência era muito maior, pois os jornais traziam um caderno esportivo com as reportagens sobre os jogos do domingo, dia anterior, com as fotos dos lances dos nossos times, até então só imaginados pela narração dos “speakers” e comentaristas. Só no mês seguinte iríamos ver em filmes trechos do jogo no “Canal 100”, noticioso que antecedia às sessões do Cine Teatro Cuiabá.
     O mundo tinha centro e periferia, e nós éramos periferia da periferia, ou “o fim do mundo” como falavam, situação que mais valoriza figuras como Rondon, Dutra e outros que, apesar das dificuldades, conseguiram vencer nos grandes centros. A dificuldade não era só quanto aos jornais, mas em relação a quaisquer novidades em todos os campos. O rádio era a grande conexão. Para fazer um interurbano a pessoa tinha que esperar às vezes por um dia inteiro, ou até mais para conseguir a ligação. Quando ainda dava aulas alertava sempre os alunos que hoje só é periferia quem quer, pois a Internet, a Grande Rede sem cabeças, acabou com essa dicotomia cruel. As informações estão disponíveis on-line e de graça na grande maioria dos casos. Sem sair de casa você pode fazer cursos ou compras em qualquer lugar do mundo, acessar livros, filmes ou shows e ficar a par de tudo o que está acontecendo praticamente na hora e no mundo inteiro.
     O homem original nasceu com cabeça, tronco e membros, evoluiu para cabeça, tronco e rodas, depois as rodas ganharam asas e agora somos cabeça, tronco e Internet. Com ela podemos estar e conversar com pessoas em diversos lugares do mundo sem sair do lugar, temos as respostas de tudo na palma das mãos e temos amigos com os quais conversamos todos os dias sem muitas vezes sequer saber se é homem ou mulher, idoso ou jovem, branco ou negro, alto ou baixo. “Disbodyment” é uma palavra nova que descreve bem a situação da “descorporização” do homem e das coisas. Grandes lojas e agências bancárias, por exemplo, tiveram seus “lay-outs” redefinidos e reduzidos. Antes da Internet cada pessoa era praticamente a ir a uma agência bancária ao menos 2 vezes por semana para procedimentos hoje feitos pelos celulares.
     Minha geração teve o privilégio de viver antes e depois da Internet e da computação de um modo geral. Quem não teve que datilografar um texto numa máquina de escrever não pode avaliar corretamente o fantástico que é um editor texto nos dias de hoje. Quem não viveu o mundo anterior à Internet não consegue uma avaliação correta do milagre do mundo de hoje. E muito mais coisas estão vindo. Tenho inveja dos jovens que viverão o que ainda virá. Mas também receio por eles: a onipresença e a onisciência com as quais hoje flertamos está a um passo da soberba presunção de onipotência.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A FÁBRICA

Adolescente tenta furtar carga de caminhões no pátio da AmBev e acaba preso
José Antonio Lemos dos Santos
     No artigo anterior tratei da urgência da verticalização da economia em Mato Grosso e da necessidade do estado tratar deste assunto de forma planejada a partir de cartas da rede urbana estadual indicativas das vantagens locacionais, promovendo o balanceamento regional dos investimentos e sua otimização, tanto em retorno para o investidor quanto em benefícios para o cidadão. A matéria não pode mais ficar só ao sabor do "feeling" político, ou de interesses locais eventualmente preponderantes. Como exemplo a não repetir, lembro uma história que assisti em parte. Para manter o foco cito só os nomes de pessoas, lugares ou órgãos indispensáveis à compreensão do texto.
     Foi no tempo da primeira administração Dante de Oliveira frente à prefeitura de Cuiabá. Eu coordenava o Grupo de Trabalho do Plano Diretor de Cuiabá (GT-PDU), antecessor direto do Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá (IPDU),  e subia a escadaria do Palácio Alencastro quando notei dois senhores de terno descendo apressados a mesma escadaria, um deles meio gordinho, lenço à mão, gravata afrouxada, suando muito e vermelho. Eram mais ou menos 3 horas da tarde, um calor daqueles de rachar e o senhor dava claros sinais de que passava mal. Perguntei a eles se não queriam dar uma parada ali no terceiro andar onde ficava o GT-PDU para se refrescar. Aceitaram. Entramos na sala das pranchetas e lhes ofereci água. Já restabelecendo, começamos a conversar. Desciam de uma das secretarias da prefeitura onde tentaram sem sucesso uma audiência com o secretário que estava em uma reunião cujo fim teriam que aguardar, segundo a recepcionista, para então ver se seriam atendidos naquele mesmo dia. Antes estiveram no gabinete do prefeito que não se encontrava, de onde então foram encaminhados àquela secretaria. Representavam uma grande empresa que queria se instalar em Cuiabá.  Certamente houve algum problema de comunicação dentro da prefeitura pois o prefeito e o próprio secretário sempre foram muito empenhados nesses assuntos.
     Não me lembro se a empresa havia tratado antes diretamente com o prefeito ou com o governador, ou com os dois, o fato é que foram primeiro ao governador ao qual renovaram o interesse da empresa em instalar em Cuiabá uma grande fábrica, localização definida por fatores como a tradicional fama do cuiabano de apreciador do produto, confirmada em pesquisas da época, a posição regional estratégica da cidade, a disponibilidade de água e mão de obra, e ser o principal polo consumidor do empreendimento. O governador foi bem receptivo, mas lhes pediu que antes conhecessem as possibilidades do Distrito Industrial de Rondonópolis, cidade do governador. E assim foram, tratados à pão-de-ló como diziam os antigos. Voltaram no dia seguinte ao governador agradecendo a visita, elogiando a cidade que conheceram, porém, insistindo no interesse por Cuiabá. Então o governador os encaminhou ao Chefe da  Casa Civil para o devido atendimento. Só que o Chefe da Casa Civil era de Cáceres, e todo o processo foi repetido, tendo que visitar o Distrito Industrial de Cáceres com o mesmo tratamento “VIP” da outra visita. Na volta, agradeceram a nova visita e renovaram o interesse específico em Cuiabá, quando então lhes ofereceram uma Kombi para deixá-los na frente da prefeitura, e isso por volta das 13 horas, com o motorista gentilmente lhes indicando: - “A prefeitura de Cuiabá fica bem aí, do outro lado da praça.” Ao final tudo deu certo com o secretário atendendo aos visitantes, a fábrica inaugurada e em pleno funcionamento, gerando emprego, renda e impostos. Claro que um método incompatível hoje, ainda mais com os estados vizinhos de olhos pragmáticos nos investimentos que Mato Grosso vem deixando escapar. 

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

VERTICALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO REGIONAL

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  Usina de Biodiesel da Delta Energia em Cuiabá, a 7ª maior do país.
                                                                                                                                        (Foto: agroolhar.com.br)
José Antonio Lemos dos Santos
     Escrevo sobre a verticalização enquanto processo de transformação da produção primária em outros produtos agregando-lhe valor econômico. Por exemplo, o algodão rende mais se é transformado em roupa. Mas para chegar à roupa tem que virar fio, depois tecido, para só então se transformar em uma peça de vestuário. O trabalho, braçal ou mecânico, artesanal, intelectual ou industrial é o fator que agrega valor a cada passo desta transformação. Poderia ser um automóvel, sofisticado, mas ainda assim resultado da combinação de muitos produtos primários transformados, alguns com transformação tão elaborada a ponto de não nos lembrar que a origem destas maravilhas está lá na produção primária, a qual nem se reconhece o devido valor.
     Quanto mais o produto primário é processado mais valor é agregado, exigindo, porém a cada passo mais tecnologia, preparo de mão de obra, acessibilidade a bens e serviços complementares e outros quesitos, gerando em troca progressivamente mais renda, melhores salários e empregos de maior qualidade. Assim, a verticalização das economias não é nivelada como se todos os processos de transformação tivessem o mesmo nível de sofisticação e exigências, e nem acontece em um plano como se todos os pontos do espaço regional atendessem a todos os requisitos de cada etapa de seus processos de transformação. Ao contrário, a verticalização acontece em espaços urbanos hierarquizados funcionalmente e organizados nas redes de cidades, de acordo com a qualidade de suas infraestruturas e de suas instalações produtoras de bens e serviços, bem como, da disponibilidade de mão de obra qualificada, energia, transportes, comunicações, centros de ensino e pesquisa, localização estratégica etc. A verticalização é urbana.
     Assim, seria como se tivéssemos duas escadinhas frente a frente: de um lado a dos requisitos dos processos de transformação e de outro a da disponibilidade de infraestrutura urbana, ou das cidades. Os processos de verticalização só se instalam nos degraus da hierarquização urbana compatíveis com seus requisitos. Só que a economia não fica esperando que este ou aquele estado, esta ou aquela cidade se prepare para receber os processos de verticalização. Se tiver condições tudo bem, se não, procura outro lugar com vantagens comparativas, ainda que em outro estado ou país. E é o que está acontecendo contra Mato Grosso. É urgente que o estado desenvolva um processo de Planejamento Regional capaz de caracterizar sua rede urbana, identificando seus principais polos nos diversos níveis, de forma a reforçá-los estruturalmente para o desempenho das tarefas de recepção aos investimentos industriais adequados a cada caso.
     Verticalizar sua economia é o grande desafio de Mato Grosso pois ela está acontecendo fora do estado em um processo inaceitável de exportação da renda e dos empregos de maior qualidade em prejuízo dos mato-grossenses. Estamos perdendo até na manteiga. Contudo, bons ventos sopram. Nos últimos dias aconteceu a volta do gás boliviano, a reativação da Termelétrica e a instalação de uma grande usina de biodiesel em Cuiabá. Mas é preciso mais, ampliar a rede de zonas industriais nos polos do estado apoiadas por um sistema sólido e honesto de estímulos fiscais, reviver a ecovia do Paraguai, internacionalizar de fato o Marechal Rondon, aproximar a ferrovia de todas as regiões do estado reforçando sua espinha-dorsal, a BR-163, e em especial conectando com os trilhos a Região Metropolitana de Cuiabá, sem dúvida a cabeça do sistema urbano de Mato Grosso. Repetindo o artigo anterior, a demora é irrecuperável e condena Mato Grosso a eterno celeiro e seu povo a cidadãos de segunda classe.   

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

GÁS, QUE VOLTE PARA FICAR


José Antonio Lemos dos Santos
     Um dos maiores crimes cometidos contra Cuiabá e Mato Grosso é o pouco caso com que se tratou o complexo gasoduto /termelétrica, o maior projeto implantado no estado, no valor de 1,0 bilhão de dólares e inaugurado em 2002. Crime com interesses diversos que vão desde a velha mania da política brasileira, em especial a mato-grossense, de um político não dar continuidade a obras de outros governos, até aqueles contrários à consolidação de Cuiabá como principal polo político e econômico unificador de Mato Grosso, passando por outras motivações também menores, mas poderosas. Casos semelhantes são, por exemplo, a conexão ferroviária da capital mato-grossense e a linha aérea até Santa Cruz de La Sierra, ambos até com empresas interessadas em suas implantações, mas que mesmo assim não avançam.
     A chegada de um gasoduto disponibilizando com fartura uma fonte de energia limpa e barata como o gás natural sacode as regiões por onde passa impulsionando a economia e elevando a qualidade de vida de suas populações com a geração de amplas alternativas de novos empregos e maiores rendas. Aqui chegou e ficou por isso mesmo. Para os políticos e gestores mato-grossenses parecia ter chegado em Marte. Especialista em Planejamento Urbano, não entendo nada sobre gás ou geração de energia, mas sei o quanto é importante a disponibilidade energética para o desenvolvimento de uma cidade ou região. Aliás, a qualidade de uma cidade em uma sociedade de mercado é aquela que sua população pode bancar com sua renda.
     Relembrando, com sua extraordinária visão de futuro o saudoso ex-governador Dante de Oliveira anteviu a grande produção agropecuária atual de Mato Grosso, de alta tecnologia e grande produtividade. Percebeu, então, ser fundamental a criação das condições para a verticalização no estado dessa produção primária, agregando-lhe valor. Gerar empregos aqui em vez de exportá-los. Entendia que a Baixada Cuiabana poderia ser a base propulsora desse processo de verticalização da economia estadual com apoio da ZPE de Cáceres. Para esse salto, energia e transporte seriam essenciais. Arrancou assim das barrancas do Paraná os trilhos da Ferronorte, criou o FETHAB, implantou o Porto Seco e internacionalizou o Aeroporto Marechal Rondon, viabilizando sua ampliação a quatro mãos com o também saudoso Orlando Boni, cuiabano então presidente da Infraero. Quanto à energia, destravou a APM de Manso então com obras paralisadas e trouxe a ex-poderosa Enron para implantar o complexo termelétrica/gasoduto.
     Implantado o complexo do gás viriam com ele as vantagens regionais comparativas atraindo novas indústrias e outros investimentos. Só que o plano não avançou. Ao invés, o gás aqui foi desmoralizado com sucessivas suspensões de fornecimento até perder a confiança do mercado consumidor. Sugiro ao leitor buscar no Google pelo gás de Mato Grosso do Sul. Sentirão o mesmo que senti: inveja! Lá bombando o futuro em Campo Grande e cidades do interior para uso veicular, residencial, comercial e cogeração, enquanto aqui ...
     Na última quinta-feira, em Santa Cruz de La Sierra com a presença do presidente Evo Morales, o governador  Mauro Mendes assinou com a estatal boliviana Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos um contrato para fornecimento do gás natural até dezembro de 2020, com  renovação automática por mais 10 anos caso nesse período não se concretize uma sociedade entre a estatal boliviana e a MTGás para a expansão da cadeia do gás natural no estado. Fruto destas tratativas a termelétrica já está operando em potência máxima. Que venha então o gás, mas que venha com firmeza, confiável e para ficar. Aleluia!

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A POLÍTICA QUE QUASE ME MATOU


José Antonio Lemos dos Santos
     Vim para Cuiabá para nascer aqui e ser um cuiabano de chapa e, se Deus quiser, também de cruz. Meu pai trabalhava no interior do antigo Mato Grosso íntegro e quando estava chegando a hora do meu nascimento providenciou nossa vinda para cá onde era radicada a família de minha mãe, fazendo a vontade dela, uma cuiabana de chapa e cruz de verdade. Pouco tempo depois, tendo tudo corrido bem e terminando as férias do meu pai, voltamos para a cidade onde morávamos, uma pequena, mas simpática cidade, onde ganhei meu primeiro irmão.
     Morávamos em uma das ruas principais e tivemos a sorte de na frente de casa morar o único médico do local. Figura proeminente na cidade e na região, começava a se embrenhar na política. Parece que depois veio a ser prefeito da cidade por uma ou duas vezes. Figura simpática e médico competente, logo ficou amigo daqueles vizinhos, pais de primeira viagem aos quais, solícito, sempre atendia, atravessando a rua a qualquer espirro do pimpolho. Ocorre que naquele ano havia eleição para governador, concorrendo Fernando Correa e Filinto Muller, e o doutor era ferrenho correligionário do Filinto. As eleições naquela época eram empolgantes entre UDN e PSD, com eleitores empenhados pela vitória de seus candidatos. Apesar de todos estarem envolvidos nada aconteceu de problemático, ao menos naquelas eleições na cidade onde iniciava minha vida. Mas quase.
     A história começa quando o pequeno bebê, no caso eu, pega uma bela infecção intestinal e dá início a um processo de desidratação que parecia não ter fim. Começam os tratamentos de praxe da época, chazinho daqui e dali até que meu pai foi atrás do médico amigo que, como de costume, veio rápido, fez os exames e aviou uma receita. Meu pai foi até a única farmácia que ficava próximo de casa também. Aliás tudo ficava próximo naquela belezinha da cidade. De vez em quando refletindo sobre o urbanismo, e em especial o “novo-urbanismo americano” com as cidades da Disney em Orlando, penso que o modelo pós-moderno de pequena cidade já existia lá na cidadezinha onde morei, com diversidade de usos e tudo próximo, aproximando as também as pessoas em interação física, colaborativa e amiga, como lembravam meus pais. Minha sobrevivência talvez se deva justamente por estar naquele momento em uma cidade como esta. Se não, já tinha ido para o beleléu.
     Meu pai não dirigia, e então correu à farmácia. Chegando lá foi logo atendido pelo farmacêutico que pegou a receita, deve ter botado seus oculozinhos para ler de perto, decodificou os hieróglifos do esculápio e em seguida procurou o remédio em todas estantes. Como, o doutor era o único da cidade e o farmacêutico também, havia uma interação entre os dois, entre o que a farmácia tinha e o que o médico receitava. Mas, no caso, não tinha o tal remédio. Vale lembrar que naquela época na cidade não havia telefones. Papai correu de novo em busca do médico que já estava em outro local da cidade envolvido com sua sagrada medicina e com seu novo amor, a política. Enquanto isso eu me esvaindo em casa. O médico, pediu que meu pai voltasse à farmácia e pedisse uma nova pesquisa do farmacêutico em suas prateleiras, o que foi feito, e nada. E eu desidratando. Corre de volta meu pai ao doutor, já em outro local da cidade, que lhe diz: “Me dê essa receita que eu quero dar uma olhada.” Assim foi feito. O doutor também deve ter pego seus oculozinhos de perto, olhou a receita, empalideceu, bateu a mão na testa e disse ao meu pai: ”Felicíssimo me desculpe, o nome certo do remédio é Enterofil e eu receitei Filinterol!”. Não iam achar nunca e nem eu estaria aqui para contar a história. Escapei! 

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

BOM, AINDA QUE INJUSTO

Charge prof. Zé Maria
José Antonio Lemos dos Santos
     Estranho o título, como uma coisa injusta pode ser boa? Em princípio não pode ser, mas tento explicar. Trata-se da decisão da CBF em suspender a Arena Pantanal pelas condições precárias de seu gramado até que a situação seja corrigida, colocando em risco a bela campanha do campeão mato-grossense na série “B” do campeonato brasileiro e expondo nossa maravilhosa Arena, Cuiabá e Mato Grosso a mais um vexame nacional, logo ela que poderia e deveria ser um maravilhoso e atrativo cartão postal do estado. Uma pena.
     Estão certos os que dizem que o gramado se encontra praticamente inviável hoje na faixa da pequena área do setor Norte indo de lateral a lateral. Pior, visto da arquibancada tem um aspecto lunar pois surgiram círculos desgramados com fundos claros destacados com o verde do restante do campo que está aparentemente bom. Desgramados tanto no sentido de sem grama como no velho sentido cuiabano de coisa ruim. Muito feio mesmo, em especial para uma Arena que já sediou com sucesso uma Copa do Mundo. O noticiário fala em fungos ou em praga. Para mim o certo é que foi uma praga de maus administradores.
     A injustiça está em que pela primeira vez depois da Copa o estado está olhando para a Arena Pantanal com alguma simpatia. Ela sempre foi vista como um problema que custou 600 milhões e não como um equipamento de alta sofisticação e grande potencial para o desenvolvimento de Mato Grosso em diversas áreas. Por coincidência está situação foi o tema de meu artigo na semana passada e me lembra uma antiga piada sobre dois irmãos, um pessimista e outro otimista, que acordaram da noite de Natal e cada um pegou o seu presente. O pessimista havia ganho uma bicicleta linda, e logo começou a amaldiçoá-la dizendo que ele não sabia andar, que ia cair, se ralar no tombo ou quebrar a perna, ou o braço, ou os dois juntos. Uma desgraceira. Já o pessimista havia ganho uma lata de dois litros daquelas antigas de banha cheia de estrume e saiu feliz da vida gritando pela rua: “Ganhei um cavalo! Ganhei um cavalo! Viva!!!”.
     A piadinha retrata bem o caso da Arena Pantanal. Só que justo agora que ela está recebendo algum tratamento não merecia um vexame de repercussão nacional como este. Outros aconteceram, como por exemplo o vexatório “apagão” na decisão da série “C” do campeonato brasileiro do ano passado, quando a Arena batia seu recorde de público até então na Copa do Mundo, com quase 45 mil pessoas presentes. Só não aconteceu uma tragédia porque o juiz foi compreensivo, esperou 90 minutos e não encerrou a partida com WO. E em especial porque o Bom Jesus é de Cuiabá. O fato é que a Arena pela primeira vez, ao menos seu gramado, dá mostras de estar recebendo algum tratamento e cuidados de seus administradores, principalmente depois da paralisação dos campeonatos para a Copa América. Sempre presente na Arena percebo que este pedaço que hoje está péssimo, estava muito pior no penúltimo jogo que assisti e o restante do gramado aparenta estar bom e também vem melhorando.
     O pior seria usar na Arena Pantanal aquele truque visto em muitos dos grandes estádios e arenas por este Brasil afora onde disfarçam a bagaceira com areia colorida de verde, e tudo fica aparentando bem. Seria enganar a nós próprios. O bom do susto com a atual suspensão da Arena é que, apesar de injusto no momento, a decisão da CBF permitirá uma solução mais completa para o gramado. O secretário-adjunto de esportes garante que até fim deste mês as placas de gramado para substituição estarão em Cuiabá e em mais 3 dias estarão instaladas e em condições de uso. E sem mais riscos para a bela campanha do nosso representante na série “B”. E, oxalá, sem mais vexames com a Arena.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

O SECRETÁRIO E A ARENA

Praça externa da Arena Pantanal em uso pela população.
(foto: Rodrigo Barros)
José Antonio Lemos dos Santos
     Alvíssaras! Após 5 anos da Copa do Pantanal veio enfim na semana passada uma manifestação de simpatia pela Arena Pantanal por parte do governo estadual em artigo do secretário Allan Kardec, da Cultura, Esporte e Lazer. Convém lembrar que a Arena Pantanal foi considerada à época da Copa como a sétima arena mais espetacular do mundo por um jornal espanhol, seu projeto foi matéria elogiosa da revista chilena Hábitat Sustentable, referência no assunto na América Latina, e até no New York Times. Também foi considerada a primeira em funcionalidade entre todas as arenas da Copa após pesquisa com os jornalistas estrangeiros presentes no grande evento no Brasil. Mas esta joia preciosa de Mato Grosso só vinha sendo vista pelo governo como um “abacaxi” e nunca por suas enormes potencialidades.
     O artigo do secretário confirma uma salutar mudança de atitudes pelo atual governo em relação à Arena do Pantanal que já é sentida a algum tempo pelos que a frequentam, como por exemplo a não autorização de shows e a suspensão de partidas não oficiais, a volta dos telões e do sistema de som, e os cuidados com o gramado e sua reforma progressiva de forma compatível com os campeonatos em andamento.
    Concordo com o secretário quando pergunta no artigo, se pode ser “interessante para uma empresa assumir” a administração da Arena, “por que não pode ser também para o Estado?” Para mim tanto faz ser controle público ou privado, desde que o interesse público prevaleça.  O fundamental é que o estado defina qual o interesse público para com a Arena. O que queremos dela? Jamais soube da discussão desta questão no caso da Arena, entretanto, antes dela já se discutia sua privatização ou manutenção com o estado. A Arena Pantanal tem enormes potenciais a oferecer para o desenvolvimento do estado em vários setores e eles devem nortear as decisões sobre seu o futuro. 
     O esporte é uma das formas mais sublimes de manifestação da vida. Vida é saúde, e praticar esporte é cultivar a saúde. O esporte, em especial o futebol no Brasil, é hoje um dos principais mercados de trabalho no mundo. Trata-se de uma das melhores alternativas às drogas, crimes e violência para nossos jovens, bem como aos hospitais, remédios e a túmulos precoces aos adultos. A Arena Pantanal que já é o único estádio do país a abrigar uma escola com mais de 300 alunos e já recebe mensalmente milhares de pessoas em sua praça externa para atividades físicas diversas, tem tudo para ser uma grande plataforma propulsora da vida no estado através do esporte, sua vocação pública mais nítida. Priorizado o futebol – com espaços para os clubes contarem suas histórias, venderem seus materiais e ingressos, bem como roteiros acompanhados para seus visitantes - a Arena Pantanal abriria seu espaço restante para os demais esportes (boxe, xadrez, ginástica, etc.) com suas federações e ligas, e seus espaços de treinos compatíveis, academias, lojas de materiais esportivos, clínicas, farmácias e restaurantes especializados, podendo ainda ser alugada com antecedência para shows e outros eventos nas janelas do calendário futebolístico, assegurada a preservação do gramado.
     Além da atração turística que é, a Arena Pantanal articulada ao COT, miniestádios e projetos como o “Bom de Bola Bom de Escola” poderia ser o centro de um programa múltiplo de esportes, mas também de saúde, educação e segurança pública, a ser expandido para todo o estado. Mantida com taxa de utilização dos seus espaços (aluguel) a preços dos custos da manutenção, a Arena teria assim uma utilização digna, sustentável e socialmente correta.