"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

URBANISMO AUSENTE E OUTRAS BARBARIDADES

(imagem:br.noticias.yahoo.com)

José Antonio Lemos dos Santos

     Volto a um assunto que abordo há anos e só neste 2022 já tratei dele ao menos duas vezes. Não era para menos pois as tragédias urbanas deste verão começaram de forma violenta no interior de Minas e Bahia, o que inclusive levou no fim do ano o ministro Gilmar Mendes (cujas posições nem sempre concordo) a sugerir em seu “tweeter” uma lei com “métricas objetivas de atenção básica às comunidades em áreas de risco e um regime claro de responsabilidade dos gestores públicos”. É a tese que defendo todos estes anos, aprofundada um pouco em artigo anterior.

     E quando se pensava esgotada a dose anual de sofrimento, logo as calamidades chegaram à Região Metropolitana de São Paulo, a maior e a mais desenvolvida área urbana do país, dispondo seguramente dos mais completos e avançados recursos instrumentais, legais e humanos na área do urbanismo, o que derruba a surrada desculpa do desconhecimento da problemática sempre alegada pelas autoridades. Ao menos em São Paulo os gestores sabiam sim o que iria acontecer um dia ou outro às pessoas nas suas mais de 132 mil ocupações em áreas de “alto risco” e “muito alto risco”, tecnicamente mapeadas, com leis impedindo suas ocupações, mas impunemente não cumpridas refletindo o desprezo às vidas humanas, não prioritárias aos gestores de um modo geral, e nem cobradas pela cidadania pois as tragédias são esquecidas tão logo passam as chuvas. 

     A tragédia agora assola Petrópolis repetindo em tons mais dramáticos a calamidade de 1988 que registrou 171 óbitos na cidade e a de 2011, na qual na região incluindo Petrópolis, 918 brasileiros perderam a vida com quase 100 até hoje desaparecidos. Desse total, 73 óbitos foram em Petrópolis. Com este triste histórico esperava-se que flagelos como esses jamais se repetissem na região, ainda mais considerando que se trata do Rio de Janeiro, também um dos estados com mais recursos técnicos na área. Este ano, porém, a tragédia se repete. E pior. Até agora quando escrevo, a macabra estatística em Petrópolis mais que dobrou a de 2011 atingindo 176 mortos, superando também a de 1988, considerada a maior já ocorrida na cidade. Agora é esta de 2022. 

     Contudo, em meio a tantas más notícias, eis que ressurge o Urbanismo, uma luz imperiosa ao correto equacionamento de tão grave problema. Ausente como elemento estruturante na concretude da evolução da quase totalidade das cidades brasileiras, tem servido apenas para compor as estantes dos gabinetes, exercícios acadêmicos ou belas intervenções pontuais que mascaram nossa cruel metástase urbanística. A cidade é o “locus” da Civilização, mas sem lei e sem ordem, abriga a Barbárie. E a cidade, a maior e melhor sucedida das invenções humanas, de promotora da vida de seu cidadão, transforma-se em seu algoz.

     Enfim, a figura do urbanista ressurge por entre os escombros da cidade devastada com um manifesto denominado “Tragédia anunciada em Petrópolis” patrocinado por importantes entidades representativas dos arquitetos e urbanistas brasileiros, inclusive o CAU/BR. Apesar de se referir à Petrópolis serve a todo o país, citando soluções objetivas como o cadastro nacional de áreas de risco, o planejamento “perene” e cobrando punições efetivas aos gestores responsáveis. O urbanista como a parte da população especializada na questão urbana e único profissional treinado por formação original em ver a cidade em seu conjunto, com este manifesto rejeita a posição marginal a que foi relegado nos processos urbanos, para abraçar sua responsabilidade social como protagonista nas equipes multiprofissionais que devem tratar do assunto. Alvissareiro manifesto. Contudo, enquanto a terra não seca já se poderia avançar na proposta de uma lei nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal, para valer já para os prefeitos eleitos a partir de 2024, com metas a serem cumpridas e punições efetivas àqueles que negligenciarem na aplicação da legislação urbanística, em especial, quanto às ocupações das áreas de risco. 


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

22 ANOS DO AQUÁRIO MUNICIPAL

 


José Antonio Lemos dos Santos

     No próximo dia 5 de fevereiro o Aquário Municipal de Cuiabá completaria 22 anos de sua inauguração. Há alguns anos desativado para modernização e ampliação, mas com as obras paralisadas e sem sinais de reativação próxima ou distante, lembro com muita tristeza que o Aquário Municipal foi um dos equipamentos urbanos mais queridos da população, sendo inclusive adotado como um dos cartões postais da cidade. É um dos projetos que mais me agradou desde sua elaboração no antigo Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano (IPDU) até nas frequentes visitas quando ainda em funcionamento, compartilhando a alegria das crianças surpresas com os peixes colocados bem à altura de seus olhos ou vendo a disputa entre eles pela ração que jogavam no tanque externo. Satisfação visível também no semblante dos pais e avós, extasiados com a felicidade dos pequenos, ou mesmo eles encantados com alguma espécie que só tinham visto no prato, mas nunca ao vivo, nadando, exibindo toda sua beleza aquadinâmica. 

(imagem:gazetadigital)
     O Aquário empolgou a todos desde o início. O então prefeito Roberto França iniciando seu primeiro mandato aprovou a proposta de revitalização da Beira-Rio que vinha das administrações anteriores, mas entendeu que no projeto do Museu do Rio faltava o personagem principal, o peixe. Foi então projetado um aquário anexo ao Museu onde estivessem todas as espécies de peixes do rio Cuiabá e pantanal. O tempo era escasso, os recursos também e as referências para o projeto iam sempre além da capacidade da prefeitura. Com o arquiteto Ademar Poppi e sua equipe, em especial a arquiteta Ruth Dorileo, optou-se por um partido arquitetônico adequado àquelas condições mínimas e que serviu de referência para projetos similares em outras cidades.

     Além do projeto, é inesquecível a maratona para coleta dos exemplares que ocupariam o aquário. No dia da inauguração ainda tinha gente mergulhando no Pantanal atrás de um certo camarão e uma espécie de acará que faltavam. A poucas horas da inauguração o prefeito trazia pessoalmente de seus tanques criatórios piraputangas e pacus, alguns dos quais viveram enquanto viveu o Aquário. Todos animados na prefeitura e em especial no antigo IPDU, sempre com a presença de Teruo Izawa, um apaixonado por aquários e peixes, o anjo do Aquário, que se doava para mantê-lo funcionando, mesmo à míngua, até não dar mais. Faleceu sem nunca ter recebido o justo reconhecimento da prefeitura por esta dedicação.

     Há 22 anos milhares de pessoas estiveram na inauguração do Aquário, que recebeu em sua primeira década mais de 1 milhão de visitantes. Agonizando, ainda recebia uma média de 100 visitantes por dia. Poderia funcionar melhor, mas sua manutenção foi equacionada como uma estrutura autossustentável junto ao Museu do Rio, através da venda de lembranças relacionadas ao Aquário, ao rio e sua cultura ribeirinha, como chaveiros, bonés, camisetas, fotos, vídeos, livros diversos, receitas etc. Contudo por filigranas jurídico-burocráticas essa experiência nunca foi sequer tentada. 

     O entusiasmo construtivo da Copa reacendeu a esperança para o Aquário agonizante. O então prefeito, Mauro Mendes, hoje governador, chegou a anunciar para o grande evento internacional, mesmo sem compromisso com a FIFA, uma nova Beira-Rio com o projeto Orla do Porto, constando a ampliação e modernização do Aquário. A Orla do Porto foi à frente e inaugurada, mas o Aquário ficou pelo caminho. Agora temos o prefeito Emanuel Pinheiro e seu vice José Roberto Stopa, que prometeram a conclusão do Aquário. Já ressuscitaram o Cae-Cae e o Dutrinha, agora começam nova restauração da Orla do Porto. Estariam nesse pacote o Aquário e o Museu do Rio, seu complemento imprescindível, resgatando o belo cartão postal para a cidade?