"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 25 de maio de 2010

RONDON, DUTRA E O TOCO

José Antonio Lemos dos Santos


     Tirando as últimas operações da Polícia Federal e o golpe “gramatical” no projeto de lei da ficha limpa, a semana que passou foi de ótimas notícias. A primeira ouvi no rádio e dizia que o governador Silval Barbosa acatou proposta da Agecopa, levada pelo seu diretor Carlos Brito, de incluir o Memorial Rondon em Mimoso no programa de obras da Copa do Pantanal 2014. Nada mais acertado. Rondon merece a homenagem e o projeto do arquiteto José Afonso Portocarrero – um apaixonado pela cultura indígena e por Rondon – está arquitetonicamente à altura do homenageado. Contemporâneo em sua pós-modernidade regionalista, instigante em sua utilização de elementos da linguagem indígena e em sua solução de composição ambiental, o edifício proposto é capaz de por si só ser um elemento de atração turística, não bastassem a beleza natural em que está inserido e a obra do nosso Marechal da Paz, cuja memória abrigará.
     A outra boa notícia foi a leitura no Plenário da Assembléia Legislativa do artigo da semana passada intitulado “O presidente esquecido”, minha homenagem ao presidente Dutra no dia em que deveríamos comemorar seu aniversário. O deputado João Malheiros fez a leitura, solicitou sua inclusão nos Anais da Casa e ainda apresentou Indicação ao executivo pedindo a construção de um memorial ao ex-presidente na praça do novo Verdão. Seria não só uma homenagem local ao ex-presidente nascido em Cuiabá, mas também a aquele que trouxe para o Brasil a primeira Copa do Mundo, a de 1950. O local favorece ao turista o conhecimento de uma passagem da história do futebol brasileiro, bem como permite a Cuiabá e Mato Grosso mostrarem ao mundo a importância de um de seus mais ilustres filhos.
     Por última lembro a obra de pavimentação do local onde foi retirado o toco de arueira que por quase duas décadas desafiava a civilidade cuiabana e a governabilidade municipal, passando por vários prefeitos. Tratei dele em alguns artigos e ficava ali na curva que faz a conexão entre a Travessa Tuffik Affi e a Avenida Tenente Coronel Duarte, no coração metropolitano, principal entrada de Cuiabá. Apesar de aparentemente simples, esta retirada tornou-se de uma complexidade inimaginável, envolta nos meandros do barroquismo jurídico-administrativo tupiniquim, a ponto de tê-la saudado em artigo como o principal presente para Cuiabá em seu último aniversário. O mourão de arueira era a ponta de um problema que envolvia também algumas edificações precaríssimas no local. A retirada e a pavimentação realizadas pela Prefeitura concluem um projeto de 1996 do IPDU. Viva! Mesmo que muito possivelmente desatualizado em seu dimensionamento e geometria, já permitiu de imediato uma melhor fluidez no local. Por outro lado, a desocupação da área melhorou significativamente a qualidade daquele espaço urbano, ainda que sem nenhuma espécie de tratamento urbanístico. Pena que a área tenha sido vendida.
     Uma cidade que precisa se preparar para a festa de seus 300 anos, e que no meio do caminho tem a responsabilidade de representar bem o Brasil como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, não pode mais conviver com situações como esta. Cuiabá é o centro de uma das regiões mais dinâmicas do planeta, reflete e impulsiona esse dinamismo, transformando-se com muita rapidez. Não pode mais depender de soluções tão demoradas. Ao menos desde a Roma dos Papas no Renascimento, o mundo firmou o conceito da desapropriação pública, sacramentando o princípio de que os assuntos de interesse da cidade são privilegiados e devem ser exercidos por suas autoridades em favor bem comum.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 25/05/2010)

terça-feira, 18 de maio de 2010

O PRESIDENTE ESQUECIDO

José Antonio Lemos dos Santos

     O dia 18 de maio e o impacto das primeiras imagens da demolição do Verdão e do belo ônibus do novo sistema de transporte coletivo da Grande Cuiabá para a Copa do Pantanal, trazem à memória o presidente Dutra, o presidente cuiabano. A lembrança não veio só pela data, mas por ter sido o presidente Dutra quem trouxe para o Brasil a Copa do Mundo de 1950. Ele viu na Copa a vitrine adequada para mostrar ao mundo que o Brasil não era mais o país rural de antes do Estado Novo e de seu governo, empenhando-se em sua realização, inclusive construindo o maior estádio de futebol do mundo, o Maracanã. Assim, fez-se também justiça histórica na escolha da terra natal de Dutra como uma das sedes da segunda Copa do Mundo no Brasil. Católico fervoroso, nisso certamente ganhou uma mãozinha poderosa do Senhor Bom Jesus de Cuiabá.
     A grandeza de Dutra começa em sua origem humilde. Menino, vendia nas ruas da cidade os bolinhos feitos por sua mãe, viúva de militar combatente da guerra do Paraguai. Ao passar para a Escola Militar, teve que ir como lavador de pratos na lancha e depois no trem que o levou ao seu destino. Orgulhava-se, com uma leve mágoa, de não ter recebido ajuda de nenhuma autoridade local, apesar dos pedidos de sua mãe, mas de, mesmo assim, ter chegado a tempo de ocupar sua vaga na escola. E de ocupar seu lugar na História. Eurico Gaspar Dutra, apesar das dificuldades foi à luta e chegou à Presidência da República, mantendo-se até o fim da vida como uma das pessoas mais influentes na política nacional.
       Injustiçado, foi ele quem convenceu Getúlio Vargas a convocar eleições democráticas e uma nova Constituinte, rompendo com o velho chefe. Tinha por trás a FEB, criada por ele, que voltava vitoriosa da Europa. A ditadura não poderia sobreviver em um país que acabara de derrubar as ditaduras nazi-facistas da Europa. Convocadas as eleições, foi eleito presidente para um mandato de seis anos, e, mesmo sendo o militar mais poderoso do país, Dutra curvou-se à nova Constituição que estabelecia cinco anos de mandato. Aqueles que temiam a volta de Getúlio e lhe propunham ficar mais um ano respondeu: “nem um minuto a mais, nem um minuto a menos”. Virou “o homem do livrinho” pois sempre portava um exemplar da Constituição Federal, assinada por ele.
     O Governo Dutra deu importantes passos para o desenvolvimento do país. Introduziu o planejamento no Brasil, com o Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), que já trazia o germe do Fome Zero, e criou o CNPq, cuja Lei de criação é tida com a Lei Áurea da tecnologia brasileira. Implantou o hoje tão usado conceito de Produto Interno Bruto, pavimentou a primeira grande estrada no Brasil, a atual Via Dutra. Criador do Instituto Rio Branco, base do alto conceito de nossa diplomacia, e da CHESF, é dele também a criação do Estado Maior das Forças Armadas e da Escola Superior de Guerra, o mais importante instrumento de formação da inteligência estratégica nacional. É também de Dutra a criação do SESI e do SENAI, de onde saiu o Presidente Lula.
     Injustamente ficou com a culpa do fechamento do Partido Comunista, uma decisão do STJ cumprindo o que determinava a nova Constituição, considerada a mais democrática de todas. Com isso, e por ter fechado os cassinos, foi jogado ao ostracismo. Que seja lembrado ao menos em seu aniversário. Do muito que fez, contudo, o maior feito de Dutra foi mostrar até onde pode ir um menino humilde de uma terra distante, um pequeno vendedor de rua, estudante de uma escola pública. Devemos-lhe um memorial como inspiração ao jovem mato-grossense de hoje em seus sonhos de cidadania, e como homenagem ao conterrâneo que ocupou democraticamente a posição mais elevada na direção do país.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 18/05/10)

terça-feira, 11 de maio de 2010

MATO GROSSO, 262 ANOS

José Antonio Lemos dos Santos


     Em 9 de maio de 1748, Dom João V, Rei de Portugal, através de Carta Régia determina a criação de duas Capitanias, "uma nas Minas de Goiás e outra nas de Cuiabá". A Capitania que seria nas Minas de Cuiabá virou a Capitania de Mato Grosso e para governá-la foi designado Dom Antonio Rolim de Moura, que tomou posse e ficou em Cuiabá cerca de um ano, até que Vila Bela fosse construída. Morou em Cuiabá na praça que tem o seu nome, mas que popularmente é conhecida como Largo da Mandioca, primeiro centro político-administrativo do estado. Mais tarde foi Vice-Rei do Brasil.
     Desde então Mato Grosso faz história. Indo de Mato Grosso do Sul até ao Acre, Mato Grosso foi a vanguarda na superação dos limites de Tordesilhas. Expandiu e depois conseguiu a proeza de defender e consolidar todo este imenso território como terras brasileiras, a peso de muita bravura e sacrifícios de seus filhos. A partir do ouro que lhe dá origem, Mato Grosso produziu diamantes, borracha, ipecacuanha, carne. Hoje é o maior produtor agropecuário do Brasil, líder em soja, álcool, algodão, biodiesel e gado, um dos maiores exportadores do país ao menos desde 1998 e responsável nos últimos anos pela maior parte dos superávits comerciais brasileiros. O valor de sua exportação é superior aos dos outros estados centro-oestinos somados! Nos últimos anos é o estado de maior sucesso no Brasil e uma das regiões mais dinâmicas do planeta – produzindo alimentos e uma gente muito boa, como sempre produziu, não armas, para o país e o mundo.
     No ano passado tive a paciência de aplicar os dados de 2005 de Mato Grosso numa importante fórmula criada pelo IPEA para calcular o custo mínimo de uma unidade federativa. Mato Grosso superava em mais do dobro o seu custo mínimo (2,2 vezes), colocando-se entre os 6 primeiros estados mais viáveis do país. A maioria malemá cobre seus custos. Já os números de 2009 deveriam ser massificados para que os mato-grossenses tenham a exata noção da grandeza de seu trabalho para o Brasil e possam exigir dos governos o tratamento que têm direito. Com US$ 7,7 bilhões de saldo, Mato Grosso produziu 30% do superávit do saldo comercial brasileiro em 2009. Isto é, Mato Grosso trouxe 1 de cada 3 dólares que o Brasil ganhou no ano passado em suas relações comerciais. Um número imenso, equivalente, por exemplo, ao custo de quase quatro ferrovias ligando Alto Araguaia à Sinop, passando por Rondonópolis, Cuiabá e Lucas, ou duplicar 13 vezes a rodovia no mesmo trajeto, sem excluir ninguém. Por ano! E em 2010 segue na mesma toada, com seu saldo comercial em dobro ao do país no primeiro trimestre.
     Isso é Mato Grosso aos 262 anos, a sétima renda per capita do Brasil mesmo sem ter uma ferrovia e com suas rodovias federais abandonadas. Mesmo com o gás de seu gasoduto cortado e paralisada sua termelétrica que lhe dava confiabilidade energética; mesmo paralisadas as obras de seu principal aeroporto e esquecido o aproveitamento múltiplo de Manso. O maior produtor agropecuário do país só agora terá uma unidade de pesquisa da Embrapa. E sem uma Base Aérea, apesar de ter 1.100 Km de fronteira. Em 2010 há que se festejar com orgulho os 262 anos de Mato Grosso, fazendo das próximas eleições uma grande festa de cobrança cívica. E, especialmente, em homenagem ao cidadão mato-grossense de todos os tempos e recantos do estado – autônomo, patrão ou empregado – aquele que de fato faz o sucesso de Mato Grosso apesar das dificuldades, do desamparo dos governos e do descaso dos políticos, mostrando a força de um estado unido e trabalhador.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 11/05/2010)

terça-feira, 4 de maio de 2010

SERRA E MATO GROSSO

José Antonio Lemos dos Santos


     Em seu primeiro discurso como candidato à Presidência da República, José Serra abordou o colapso da logística dos transportes em Mato Grosso destacando ser hoje “mais caro transportar uma tonelada de soja de Mato Grosso ao porto de Paranaguá do que levar a mesma soja do porto brasileiro até a China. Um absurdo.” Ótimo para quem acompanha técnica e apaixonadamente há muito tempo a história de Mato Grosso e de seu acesso ferroviário, projeto central para essa redução de custos financeiros, ambientais e de vidas humanas. Não deveria surpreender o discurso do candidato pois foi visando esse problema que o governo FHC, do qual Serra fez parte, trouxe a ferrovia a Mato Grosso, desenvolvendo o visionário projeto do senador Vuolo. Mas foi extremamente alentador ouvir do próprio candidato líder nas pesquisas - em um discurso marcado pelo simbolismo de ser o primeiro - que Mato Grosso e sua logística de transportes é assunto prioritário em sua plataforma. Em especial diante do cruel, injusto e incompreensível tratamento recebido por Mato Grosso nos dois governos de Lula.
     Um dos estados de maior sucesso no país, Mato Grosso é líder nacional em rebanho bovino, soja, algodão, milho, biodiesel, o segundo em álcool, destacando-se em todos os outros segmentos do agronegócio. Nos últimos anos Mato Grosso é o maior responsável pelos superavits da balança comercial brasileira. Em troca sua ferrovia parou, as rodovias federais foram abandonadas, o aproveitamento múltiplo de Manso esquecido e as obras do aeroporto Marechal Rondon paralisadas. A super-safra de milho mais uma vez não tem armazéns. O gasoduto de US$ 250,0 milhões teve seu suprimento cortado pela Bolívia, onde nosso presidente tem enorme prestígio, interrompendo as enormes perspectivas abertas pelo gás, inclusive paralisando a termelétrica de US$ 750,0 milhões, que era a segurança energética de Mato Grosso. O maior investimento privado no estado parado há quase 3 anos! Será por essa perspectiva negativa que o PT não se oferece a governar Mato Grosso, apesar dos nomes competentes e de prestígio que dispõe?
     Escaldados que somos, temos medo de água fria. Daí o alívio com o discurso do candidato, afinal, temos ouvido tantos absurdos. Tem gente afirmando que é mais fácil ligar Lucas do Rio Verde por uma ferrovia de mais de 1000 km, sem projeto, do que por outra de 500, já em construção. Tem gente em fim de governo querendo cancelar a concessão da ferrovia no trecho até Cuiabá, assegurando que depois o governo (qual?) faz outra. E querem trocar a ferrovia por uma esteira de soja, só de ida, sem as cargas de retorno viabilizadoras da tão almejada redução do frete, e cujo destino encontra-se na Grande Cuiabá. E como aceitar o silêncio do governo estadual e, mesmo da oposição local diante de tanto descaso? Quando tinha Dante, Dante cobrava. Depois que ele se foi suas obras ficaram órfãs. Mesmo o ex-prefeito de Cuiabá, candidato ao Paiaguás, que calou-se sobre estes assuntos quando prefeito, parece continuar assim como candidato. Em artigo recente decepcionou ao ficar nas generalidades sem citar diretamente a Ferronorte, o gás, a termelétrica, o aeroporto. Certamente quer a continuidade dessas grandes obras de seu próprio partido. Mas não disse. Ou será que não quer? Mato Grosso precisa de propostas claras de todos os candidatos. Chega de truques e dissimulações. Por isso é ótimo que Mato Grosso seja prioridade clara ao menos para um dos candidatos à Presidência da República. Quem sabe assim outros candidatos ou candidatas façam o mesmo. E os candidatos daqui também.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 04/04/2010)