"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 24 de junho de 2019

FERROVIA PARA TRAZER

Vagões Double-Stack vindo para Roo 22/06/19 (Imagem NoTrilho)
José Antonio Lemos dos Santos
     Ninguém produz qualquer coisa pensando primordialmente em engrandecer o PIB nacional ou favorecer a balança comercial do país. Lá na origem as pessoas produzem pensando na sua subsistência e de sua família. Depois buscam melhoria na qualidade de vida e só após são agregadas outras metas dentre os quais a afirmação social, o poder econômico e, para alguns a busca pelo poder político. Contudo, a melhoria na qualidade de vida sintetiza as ambições da grande maioria dos produtores, os que fazem o grosso de uma produção regional.
     A bela e heroica história dos produtores mato-grossenses retrata bem essa progressão. Em sua maioria são imigrantes que deixaram suas terras de origem em busca de melhoria de vida para suas famílias, muitos ainda na condição de subsistência. Hoje são os maiores produtores do país e do mundo. A melhoria de vida, a troca e a produção de excedentes estão na base das práticas comerciais sistemáticas tal como conhecemos hoje, e do transporte viabilizando esse imenso toma lá, dá cá. A 10 mil anos atrás na Revolução Agrícola a humanidade deu um salto tecnológico fantástico com as técnicas da agricultura e do pastoreio, bem como da cerâmica e da tecelagem por exemplo. Todas estas inovações estavam ao alcance de todos, e todos produziam o que necessitavam ao seu sustento, cada um no seu quadrado. Até que apareceu o metal como uma inovação tecnológica que já não estava ao alcance de todos, tanto pela distância das jazidas como pela técnica de sua manipulação. Era o objeto máximo de desejo. Mais que belo o metal era muito útil pois podia ser transformado em facas de fio renovável, ornamentos e outros utensílios. A única chance de tê-lo era trocando, o que implicava em gerar um excedente de produção acima de suas necessidades de subsistência para ser trocado.
     Além de facilidades no acesso à saúde, educação, cultura e lazer, melhoria de vida significa conforto, segurança, modernidade, ou seja concretamente, materiais de construção, mobiliário, equipamentos domésticos, comida, bebidas, roupas, veículos, combustível, insumos diversos, máquinas e outros, quase tudo não produzido localmente, forçando constantes trocas e compartilhamento inter-regional de bens e serviços. Se tudo fosse produzido em todos os lugares não haveria essa necessidade. Troca ou comércio implica em transporte, e quanto maior o volume e valor de uma produção local, maior o volume das trocas e maior a demanda por ele em seus vários modais e capacidades de cargas.
     Cuiabá, mais precisamente a conurbação Cuiabá/Várzea Grande, consolidou-se como o maior polo consumidor e distribuidor de bens e serviços no Oeste brasileiro, um centro regional de trocas diversas para uma região que abrange o território estadual e vai até Rondônia, Acre, sul do Amazonas e do Pará, e Nordeste da Bolívia. Segundo informações da Rumo, o volume de carga que chega à Grande Cuiabá para esta distribuição regional e consumo local é de cerca de 20 milhões de toneladas/ano, 25% maior que toda a produção de grãos em Mato Grosso do Sul no ano passado. Sem dúvida um volume que ultrapassa o limite de capacidade do transporte rodoviário, o que vem infligindo à população altos custos em perdas de vidas nas estradas, perdas ambientais e custos financeiros adicionais injustos. A passagem da ferrovia por Cuiabá trará mercadorias a custos menores, isto é, a mesma produção valendo mais produtos nas trocas, ou seja, mais conforto e qualidade de vida. Para Mato Grosso a ferrovia jamais pode ser pensada apenas para levar sua produção, mas principalmente, para trazer desenvolvimento e mais qualidade de vida, direito do mato-grossense que orgulha o Brasil pela força produtiva de seu hercúleo trabalho.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

13 DE JUNHO, DA GUERRA E DA COPA

Torcidas do Chile e da Austrália integradas em Cuiabá (esportes/terra)
José Antonio Lemos dos Santos
     De novo era um dia 13 de junho, uma data emblemática para Cuiabá e Mato Grosso. Em 1867 aconteceu a retomada de Corumbá então ocupada pelos paraguaios, um desafio impossível, mas não para os cuiabanos que formaram a tropa do Exército Brasileiro na missão de enfrentar o mais poderoso exército do continente na época. Já em 2014, nesse mesmo dia a bola começou a rolar pela Copa do Pantanal com pleno êxito, para tristeza dos que fizeram de tudo por este Brasil afora para que Cuiabá não vingasse como uma das sedes do grandioso evento mundial. Dois grandes desafios quase intransponíveis, um de guerra e outro de paz.
     O primeiro jogo transformou a capital mato-grossense em uma grande festa estendida de uns três dias antes até uns três dias depois. Três dias após estive no aeroporto já ampliado, cujas obras não foram concluídas até hoje, e ainda pude ver australianos e chilenos embarcando. A festa do primeiro jogo me reforçou a impressão de que a Copa em Cuiabá foi um milagre do Senhor Bom Jesus como presente para sua cidade em seu Tricentenário. Não fosse a Copa, Cuiabá ia ficar sem qualquer obra significativa para a comemoração.
     Não teria gente melhor para vir a Cuiabá torcer por suas seleções na abertura da Copa do Pantanal. Chilenos e australianos deram um show de simpatia e se entrosaram com os cuiabanos de maneira perfeita, numa relação de alegria, civilidade e, mais importante, sempre em paz. Cuiabanos, australianos e chilenos juntos quem imaginaria que uma mistura dessa pudesse dar tão certa? Os australianos mais comedidos em gestos e expressões, mas muito chamativos com seus vistosos cangurus infláveis e suas vestimentas quase carnavalescas. Já os chilenos com uma alegria mais patriótica, com rostos pintados nas cores nacionais, sempre com a camisa da seleção e enrolados na bandeira de seu país. De súbito nas ruas, praças, shoppings ouvia-se um grito forte e solitário “chi-chi” imediatamente seguido por centenas de outras vozes “lê-lê, chi-chi, lê-lê”. Impressionante. A mais genuinamente alegre festa de massa que já presenciei em meus quase setenta anos.
     A Arena Pantanal foi o palco maior de toda essa festa recebendo mais de 40 mil pessoas e funcionou muito bem. Grosso modo conviviam naquele espaço espetacular cerca de 20 mil chilenos, uns 10 mil australianos e outros tantos cuiabanos, mato-grossenses e brasileiros de outros lugares. À minha frente uma família de Nova Canaã, ao meu lado esquerdo uma família de Campo Verde, na fila de trás um grupo de chilenos e mais atrás uma impressionante família de australianos, que devia estar em pai, mãe, avó e 3 filhos, um deles de colo sempre abanado pelo pai, e todos uniformizados. Jamais havia imaginado que alguém pudesse pegar a família e atravessar oceanos e continentes para torcer por um time sem a menor chance de vitória. E mesmo com o time derrotado, aplaudi-lo festejando, sem esboçar xingamentos ou provocações à torcida adversária. Lotados e com muita festa ainda tivemos o Fan-Fest, no qual eu não fazia a menor fé, e a Arena Cultural, uma feliz iniciativa do então prefeito Mauro Mendes.
     A abertura da Copa do Pantanal, e todo o evento, foi um momento especial quando povos diferentes e distantes se acharam em um lugar mágico no centro continental sul-americano, compartilhando civilidade, simpatia e resgatando um pouco da fé na possibilidade da convivência humana fraterna. Quando se definia as obras para a Copa propus um monumento à paz na pracinha do Caecae, onde jazem muitos heróis daquela epopeia, para marcar no concreto tanto a alegria da Copa como o martírio de irmãos e hermanos na grande guerra platina. Um projeto ainda válido pois o tempo apaga até o que jamais devia ser esquecido.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

DUTRA, LEMBRANÇA NECESSÁRIA

Resultado de imagem para Dutra


                                                           Dutra e Harry Truman
José Antonio Lemos dos Santos
     Passou o dia 18 e todo o mês de maio, e ele é de novo esquecido. Podia ter sido lembrado agora que os militares voltam a protagonizar a vida nacional, ao menos em Cuiabá, terra onde nasceu em 1883. Militar como Bolsonaro, Dutra também foi eleito pelo voto prometendo uma nova era ao Brasil virando a página da ditadura vivida pelo país por cerca de 15 anos, enquanto Bolsonaro chega prometendo virar a página da corrupção que sangrou o Brasil por igual período. Pitoresco, também os une um problema de dicção, como também tinha o rei da Inglaterra da época do Dutra. Só que o problema do Rei rendeu um Oscar em Hollywood, o de Dutra entrou para o folclore político nacional e o de Bolsonaro ainda se limita à alegria dos imitadores nas rádios, TVs e Internet.
     A grandeza de Dutra vem de sua origem humilde. Menino, vendia nas ruas de Cuiabá bolinhos feitos por sua mãe, viúva de militar combatente da guerra do Paraguai. Ao passar para a Escola Militar, teve que ir como lavador de pratos na lancha e depois no trem nos quais viajou. Orgulhava-se por não ter sido ajudado pelas autoridades locais apesar dos pedidos de sua mãe, e de, mesmo assim, ter chegado a tempo de ocupar sua vaga na escola. E seu lugar na História. Eurico Gaspar Dutra, apesar das dificuldades foi à luta e chegou à Presidência da República, mantendo-se até o fim da vida como uma das pessoas mais influentes na política nacional.
     Foi ele quem “convenceu” Vargas a convocar eleições democráticas e uma nova Constituinte, rompendo com o chefe de quem foi ministro da Guerra por 9 anos. Tinha por trás a FEB, criada por ele, que voltava vitoriosa da Europa. Como manter uma ditadura num país que acabara de derrubar as ditaduras nazifascistas? Convocadas as eleições, foi eleito presidente para um mandato de seis anos, e, mesmo sendo o militar mais poderoso do país, Dutra curvou-se aos cinco anos de mandato estabelecidos pela nova Constituição. Aos que temiam a volta de Vargas e lhe propunham ficar mais um ano dizia: “nem um minuto a mais, nem um minuto a menos”. Virou “o homem do livrinho” pois sempre portava um exemplar da Constituição Federal, sancionada por ele.
     O Governo Dutra foi marcante no desenvolvimento do país. Introduziu o planejamento no Brasil com o Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), e criou o CNPq, cuja Lei de criação é tida como a Lei Áurea da tecnologia brasileira. Implantou o hoje tão usado conceito de PIB, pavimentou a primeira grande estrada no Brasil, a Via Dutra, e construiu a Usina de Paulo Afonso iniciando a eletrificação do Nordeste. Criador do Instituto Rio Branco, base do alto conceito de nossa diplomacia, é dele também a criação do Estado Maior das Forças Armadas e da Escola Superior de Guerra, até hoje o principal núcleo formador da inteligência estratégica nacional. Também é dele a criação do sistema “S”, que já deu até um presidente da República. Ainda construiu o Maracanã e trouxe a Copa de 50.     
     Mas, o grande feito de Dutra foi provar o quão longe pode ir um menino humilde de uma terra distante, estudante de escola pública. Sonhar não ofende: a maior homenagem que o Brasil deve a este seu filho ilustre é a transformação da atual sede do 44ºBIM em Cuiabá, construída por ele em local hoje já impróprio para a função, em um Colégio Militar com o seu nome, abrigando também um memorial com sua história inspirando o jovem mato-grossense de hoje em seus sonhos de cidadania. Assim também se pagaria uma antiga promessa da união para com Cuiabá e a juventude de Mato Grosso, um Colégio Militar.   

segunda-feira, 3 de junho de 2019

10 ANOS DE COPA

Torcedores chegando à Arena Pantanal 
José Antonio Lemos dos Santos
     Talvez porque não sejamos tão fortes ou corajosos para impor aos governantes o imperioso respeito às coisas públicas, substância essencial à própria República; talvez por causa de nossa fraqueza e mesmo certa leniência cidadãs que nos impedem exigir as devidas punições aos malfeitores da coisa pública; talvez pelas duas causas juntas e até outras mais, o fato é que nos acostumamos a demonizar as obras e serviços públicos pelos problemas que apresentam, em especial as da Copa. É claro que demonizados deveriam ser seus responsáveis.
     O último dia 31 de maio marcou os 10 anos da escolha de Cuiabá como uma das sedes da Copa 2014, escolha ansiosamente pretendida por muitas cidades brasileiras. Ganhou Cuiabá e a partir daquele dia a Copa do Pantanal entrou na vida do cuiabano e do mato-grossense em geral. Sim, o cuiabano, simplório e humilde, jamais sonhou com sua cidade sediando uma Copa do Mundo. Só ao final de 2008 começou algum burburinho público sobre o assunto com o cuiabano incrédulo: “Agora quando? Nunquinha.” A ficha só caiu quando apareceu o nome “Cuiabá” nas telas de todo o planeta. Daí uma festa geral, de uma hora para outra todos tínhamos certeza que Cuiabá ganharia elencando até um montão de pontos positivos da cidade que nunca nos chamara a atenção.
     Após 10 anos com a Copa do Mundo na vida cuiabana qual seria a avaliação do grande evento para a cidade, a Grande Cuiabá e seu cidadão? O primeiro efeito significativo foi a elevação da autoestima do cuiabano ao ver sua cidade no contexto mundial de forma positiva e todo “toceira” por vencer Campo Grande, corrigindo a própria visão subestimada que tinha de sua cidade, vitória confirmada ao final com uma avaliação da crítica internacional altamente favorável à cidade, à hospitalidade da população e à Copa do Pantanal como um todo.
     Outro fator positivo foi a exposição em nível global do potencial turístico do estado, do nome Cuiabá e da marca Pantanal vinculando-a a Mato Grosso, tendo como mascote a fabulosa Arena Pantanal. Ainda no turismo foi também ampliada e modernizada a oferta hoteleira com a construção de 15 novas torres. Pena que todo este empuxo não tenha sido sustentado por políticas públicas subsequentes para o setor.
Torcedores no centro geodésico
     O esperado pacote de obras para a cidade se deu em investimentos públicos e privados. Embora o foco das avaliações se restrinja às obras públicas, a participação da iniciativa privada foi importante destacando os investimentos na rede hoteleira, uma fábrica de cimento no Aguaçu, um resort de categoria internacional no Manso, mais de uma centena de torres imobiliárias e 4 shoppings, sendo uma ampliação e um relançamento. Pela primeira vez vi ao vivo o conceito do “pleno emprego”, com carros de som nas ruas ofertando trabalho. O PIB cuiabano entre 2011 e 2014 saltou de R$13,4 para R$20,5 bilhões!
     Quanto às obras públicas, difícil avaliá-las num só artigo. Em um resumo arriscado, mesmo com as obras inconclusas e merecendo críticas, daria para imaginar como estaria a Miguel Sutil sem as trincheiras, viadutos, recapeamento, sinalização e iluminação em LED? E o Zero Quilômetro em Várzea Grande? E o aeroporto? E a entrada da cidade sem o complexo viário do Tijucal? Mesmo sobre as obras ditas pequenas, como estariam os moradores do Coophema, Atalaia e outros bairros da Região Sul sem as novas pontes sobre o Coxipó? E se não fosse duplicada a avenida Juliano da Costa Marques? Com certeza, para todas estas perguntas não haveria outra resposta que não o colapso. E assim para a grande maioria das muitas outras obras viabilizadas pela Copa, obras que deveriam ser queridas e desejadas, com suas finalizações exigidas pela população e seus malfeitores punidos conforme a lei. 

domingo, 2 de junho de 2019