"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O DUOMILIONÉSIMO PASSAGEIRO

José Antonio Lemos dos Santos

     Antes do fim de 2010, em algum dia de dezembro, o Aeroporto Marechal Rondon recebeu seu duomilionésimo passageiro. Nada foi divulgado sobre ele, aliás, nem sei se a Infraero sabe - ou mesmo se interessou-se em saber - se era homem ou mulher, criança ou adulto, se estava de chegada ou de partida, de noite ou de dia. O que se sabe é que chegou ou partiu sem retrato e sem foguete, como diria Noel, sem tapete vermelho, ou qualquer mínima homenagem. Claro que sem qualquer autoridade, que evitam ter que justificar a situação vexatória pela qual passa, há anos, o principal aeroporto de Mato Grosso.
     Em 2010 o Marechal Rondon movimentou 2.134.267 passageiros, como previsto em artigo de agosto último. É um número extraordinário pois significa um aumento de 28% sobre o ano passado e 143% sobre 2005, apenas 5 anos atrás. Esses mesmos percentuais para o total dos aeroportos da Infraero foram de 20% e 60%, respectivamente, bem inferiores ao do Marechal Rondon. Foram 53.805 aeronaves, quase 150 por dia, ou, em média, mais de um avião a cada 10 minutos! Tal desempenho é para ser comemorado pois reflete o extraordinário desenvolvimento de Mato Grosso, que se consolida como o maior produtor agropecuário do país, responsável ao longo dos últimos anos pela maior parte do superavit do país em seu comércio internacional. Um estado que tem em sua grandeza territorial um fator determinante para seu sucesso, um estado a ser imitado e não dividido, tem também na forte demanda de sua logística de transportes uma das expressões de seu desenvolvimento. A lamentável incompetência ou negligência dos poderes públicos no atendimento dessa demanda, em especial da União, não pode empanar o brilho de mais esta marca do progresso estadual.
     No caso do aeroporto, nunca é de mais destacar a fantástica visão de futuro daqueles que em fins da década de 40 tiveram a coragem de destinar mais de 700 hectares ao sistema aeroviário que apenas engatinhava em nossa região. Era muita confiança no desenvolvimento da do estado e, principalmente da aviação, numa época em que o máximo que devia chegar por aqui eram alguns hoje primitivos biplanos do Correio Aéreo Nacional, em alguns dias da semana ou do mês. Tiveram a coragem porque tinham a visão correta do futuro. Verdadeiro profetas. Quantos de nós hoje teríamos essa audácia? Certamente para chamar de “elefante branco” teríamos muitos. Ainda mais com a sapiência de colocar o eixo da pista na continuidade do eixo do rio Cuiabá, antevendo uma futura inserção urbana que permite a convivência segura de um dos mais movimentados aeroportos do país em pleno centro da metrópole atual, com mínima impactância urbana do tráfego aéreo.
     O desprezo ao simbólico duomilionésimo passageiro, assim como aconteceu com o milionésimo em 2007, expressa o desprezo concreto de todas as autoridades das diversas instâncias, municipais, estaduais e federais, muito especialmente da Infraero, por todos os usuários do Aeroporto Marechal Rondon. Todas elas, ao longo dos anos, deixaram a situação chegar onde chegou no mínimo pela omissão. Quem sabe com a responsabilidade da Copa a situação mude e o trimilionésimo passageiro, previsto para 2012 possa ser melhor tratado, ao menos no “puxadinho”. Mas será preciso a urgente adoção de uma estratégia de guerra, com o estado indo atrás, incisivo, como já prometeu o governador Silval Barbosa. Ainda dá. O ex-presidente Lula assegurou que se fosse necessário o brasileiro trabalharia três turnos, mais sábados e domingos, para dar conta do compromisso internacional com a Copa. A presidenta Dilma cobrará. Brasília foi feita em três anos; uma estação de passageiros poderá ser feita em dois. Se de fato quiserem.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 25/01/2011)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CIDADES, MARTÍRIO E ESPERANÇA

José Antonio Lemos dos Santos

     Ainda abalado renovo o comentário anual sobre as tragédias urbanas brasileiras de cada verão. Em abril do ano passado vislumbrei um “lusco-fusco” de esperança no discurso de algumas autoridades no Morro do Bumba, Niterói, que abandonavam o surrado chororô hipócrita de todos os anos com culpas a São Pedro ou a uma falsa falta de leis e planejamento, começando a falar em uma nova forma de administrar as cidades. Nem passou um ano e o drama se repete em cidades consolidadas, relativamente ricas, nos estados mais desenvolvidos do país, em especial na região serrana do Rio de Janeiro.
     Desta vez a lição parece ter sido forte o suficiente para ensinar que a culpa não é de chuvas ou de condições geotécnicas, mas de como administramos a construção e o funcionamento de nossas cidades em seu desenvolvimento cotidiano. Pelo menos este é o teor dos principais discursos e comentários técnicos. Após a catástrofe, é hora de reverenciar os mortos, lamber as feridas, amparar as vítimas e reconstruir. Mas que a reconstrução seja também um “momento de prevenção” evitando as re-ocupações de risco, como disse a presidenta Dilma. É importante que parta da maior autoridade do país a compreensão de que no Brasil a “moradia em zona de risco é regra e não exceção” e que essa situação tem que ser mudada. E para meus olhos de otimista militante, o “lusco-fusco” do ano passado fica agora mais luminoso. Quem sabe uma alvorada de esperança para nossas cidades?
     Este salto qualitativo não depende apenas de dinheiro, ciência ou tecnologia, que existem sim, mas, antes de tudo de uma revolução na gestão urbana. Chegar a ela é que é o problema. A origem dos males das cidades brasileiras é político, na sua essência mais primitiva e bárbara, de disputa pelo poder sobre a sociedade, suas coisas e pessoas. Em 1889 o Brasil definiu-se como uma República, isto é, uma res-publica, uma sociedade democrática cujo dono seria o cidadão, orientada e governada pelos interesses do povo e do bem comum. A política só se legitimaria nesse contexto republicano. Mas nas últimas décadas a cidadania foi assaltada nesse seu maior bem e as nossas cidades viraram um butim eleitoral, isto é, um prêmio de conquista a ser desfrutado ao bel prazer de seu conquistador. Longe de ser um bem comum, foram apoderadas por uma parte da sociedade, os políticos, que as tem como objetos de negociação em suas disputas não mais republicanas, em um jogo cada vez mais cruel. Por décadas a “desgraça do populismo”, na expressão do governador Sérgio Cabral, dirigiu a ocupação do solo urbano. E, criminosamente, ainda dirige, acrescento.
     O resgate da cidade para o cidadão é o grande desafio e requer muita coragem e determinação, que sobram na biografia da presidenta Dilma. Sem ele o projeto não é executado, o serviço não funciona, o dinheiro não chega para benefício do cidadão, e fica tudo como está. A cada ano, mais choro. Sem essa retomada persistirá o faroeste urbano com suas tragédias inevitáveis, sejam as concentradas em alguns dias, com maior poder de sensibilização, ou as que quase não vemos, diluídas nas pequenas tragédias urbanas de cada dia vindas do caos nas questões da moradia, do trânsito, do saneamento, da segurança, ...
     O Urbanismo é a ciência que enxerga a cidade como um todo e não se pode tratar as doenças da cidade sem tratar a cidade doente. Quem sabe tenha chegado a hora do povo brasileiro, tão sofrido e solidário, usufruir enfim dessa ciência que também precisou das trágicas epidemias do século XIX para vir à luz na história. Que o martírio de tantos, tantas vezes repetido, seja desta vez uma lição definitiva, ao menos uma forte luz de esperança de salvação para nossas cidades.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 18/01/2011)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

VINTE ANOS ATRÁS

José Antonio Lemos dos Santos


     Nessas arrumações de papelada velha que férias passadas em casa permitem, achei um artigo meu no desaparecido Jornal do Dia de 5 de janeiro de 1991, com um balanço do ano 1990 que findava. 20 anos separam dois mundos e a curiosidade foi inevitável. Aquele amarelecido artigo começava com as pendências deixadas por 89: ferrovia - é claro, Manso e a hoje esquecida saída para o Pacífico, via San Matias.
     Sobre a ferrovia era destacada a visita à fazenda Itamaraty do recém empossado presidente Collor. Como a fazenda era do então dono da Ferronorte e o novo ministro de Infra-Estrutura havia batizado o ano de 90 de “ano ferroviário”, havia esperança para a ferrovia com o novo governo. O artigo destacava ainda o compromisso do governador de São Paulo em construir a monumental ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, bem como o dispendioso encarte na revista Veja, patrocinado por Minas, Goiás e Espírito Santo, defendendo a passagem da ferrovia por seus territórios rumo ao porto de Vitória. Puxado pelo senador Vicente Vuolo, o sistema ferroviário da Ferronorte centrado em Cuiabá era então viabilíssimo e havia se transformado em um projeto nacional. Hoje querem fabricar-lhe uma inviabilidade econômica absurda.
     Sobre Manso, iniciada em 1988 e depois paralisada, o velho artigo comemorava a sua reinclusão no orçamento da União e cobrava dos políticos e demais lideranças empenho na efetivação desses recursos, o que só viria a acontecer 8 anos após, em 1998, funcionando a primeira unidade geradora no final de 2000. Mas a barragem está sub-aproveitada até hoje. Só funciona como reguladora da vazão do rio e como geradora de energia, sendo desprezados os demais aproveitamentos múltiplos para os quais foi projetada e que a compensam ambientalmente. Por que não aproveitá-la para a aqüicultura, irrigação e abastecimento de água por gravidade para Cuiabá e Várzea Grande? Quanto à saída para o Pacífico, só informava que a estrada avançava tanto no Brasil quanto na Bolívia sem se consolidar como um projeto internacional oficial e comemorava as viagens a San Matias que começavam a ficar comuns em 1990. E assim ficou até hoje. Pior, perdemos essa saída para o Pacífico para o Acre, para Mato Grosso do Sul e para os diversos tipos de tráficos.
     Sobre outros assuntos, comemorava a licença ambiental para a fábrica da Antártica, hoje a magnífica AMBEV, depois de uma longa novela que quase tirou a fábrica daqui. E reclamava: “Um estado que precisa de empregos e renda deve preparar-se para respostas mais rápidas e precisas na área do meio ambiente, principalmente a respeito de indústrias alimentícias e outros tipos de agroindústrias de impactos ambientais relativamente baixos. Se não pudermos ter esse tipo de indústria, que outro tipo de industrialização nos restaria?”
     Eram destaques as novas Leis Orgânicas de Cuiabá e Várzea Grande e a implantação do IPDU, cuja revitalização é esperada com a reforma administrativa do prefeito Chico Galindo. Saudava também as imagens da TV Educativa emitidas pela UFMT, reclamando o “absurdo” de não termos até então acesso às redes Manchete e SBT. O artigo realçava ainda a segunda vinda da seleção brasileira – só possíveis porque Cuiabá tinha um estádio para mais de 40 mil espectadores, a afirmação do hoje sumido Muxirum Cuiabano como o grande movimento cultural local, e Liu Arruda, com sua arte autêntica, criando tipos extraordinários. Encerra com a notícia da vinda do Papa João Paulo II a Cuiabá no ano seguinte, aquela que considera a mais importante notícia do ano de 1990.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 11/01/2011)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

NOTA N. 1 DAS ENTIDADES NACIONAIS

As entidades nacionais dos arquitetos: ABAP, ABEA, AsBEA, FNA e IAB, tendo em vista a Lei 12.378/2010 de 31/12/2010 que cria o CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo – e, considerando a necessidade de informar e orientar a todos, vem a público esclarecer o que segue:

A Lei Federal n. 12.378/2010 que cria o CAU e regulamenta o exercício da profissão de arquiteto e urbanista, foi publicada do Diário Oficial da União no dia 31 de dezembro de 2010;

À exceção dos artigos 56 e 57 que tratam de três ações fundamentais: a transição do CREA para o CAU; o processo eleitoral e a definição da receita a ser repassada ao CAU, os demais entram em vigor quando o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil estiver estruturado;

Ao longo de 2011, os arquitetos e urbanistas inscritos nos diversos CREAs de todo país, continuarão sujeitos às normas do CREA vigentes até a instalação do CAU de seus respectivos Estados. Estando, portanto o profissional submetido às normas do CREA para a fiscalização e registro do exercício profissional;

De acordo com a que regulamenta o CAU (supracitada), cabe às Câmaras de Arquitetura, juntamente com as cinco entidades acima mencionadas, o gerenciamento de todo o processo de transição e de eleição.

Por fim, manifestamos aos profissionais e às entidades do SISTEMA CONFEA CREA, que os arquitetos farão o melhor possível para esta transição, reconhecendo a importância de todos para que o processo seja eficiente e que aconteça de forma rápida e segura, atendendo aos interesses da sociedade.

Informamos a todos que o site do CAU, www.cau.org.br, será atualizado constantemente com novidades a respeito do processo de criação do conselho.

Brasília, 3 de janeiro de 2011

Saide Kahtouni Presidente ABAP

José Antônio Lanchotti Presidente ABEA

Ronaldo Rezende Presidente AsBEA

Jefferson Salazar Presidente FNA

Gilson Paranhos Presidente IAB-DN

( http://www.cau.org.br/noticias.php?cod=28 )

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

2011 E O POTE DE OURO

José Antonio Lemos dos Santos


     A virada do século trouxe para Cuiabá seu melhor momento histórico em termos de potencialidades. Como bastião da brasilidade isolado no centro do continente, Cuiabá ajudou a conquistar, defender e desenvolver o vasto oeste brasileiro que hoje é uma das regiões mais dinâmicas do planeta. A produção regional explodiu em recordes nas últimas décadas e continua tendo em Cuiabá seu principal ponto de apoio urbano, agora em nível superior de demanda, como plataforma múltipla de consumo, em especial no comércio e serviços sofisticados, tipo educação, saúde, e assistência técnica especializada.
     A histórica simbiose regional foi renovada, costurando entre as cidades a divisão de trabalho mais útil e produtiva ao conjunto, assim como acontece na vanguarda do mundo globalizado. A ascensão de seu hinterland empurrou Cuiabá para cima. Ao mesmo tempo aconteceu uma série de projetos e investimentos fundamentais, como o gasoduto, a termelétrica, novo aeroporto, Manso, Porto Seco e o avanço da ferrovia rumo a Cuiabá, Santarém, Porto Velho. Reflexo dessa situação positiva, a cidade ainda recebeu o privilégio de ser uma das sedes da Copa do Mundo em 2014, um dos maiores e mais disputados eventos de massa do mundo. No rol de oportunidades o século XXI oferta a Cuiabá um pote de ouro, ou melhor, uma nova lavra aurífera, maior que aquelas de Sutil.
     É neste contexto sinérgico que Cuiabá chega a 2011, arrancando para aquele que chamo de seu terceiro salto de desenvolvimento. Tem tudo para ser o salto da qualidade, como muita demanda regional, riqueza e pouca imigração. Só que a cidade já deveria estar em muito melhores condições físicas e institucionais para viver este momento. Infelizmente não está. O processo de institucionalização da gestão urbana, que vinha evoluindo desde meados de 80 com a criação da SMADES, IPDU, Aglomerado Urbano e outras ferramentas, foi abortado nos últimos anos, justo quando devia dar seus mais completos frutos. Pior, os grandes projetos também. Cortaram o gás e pararam a termelétrica, o aeroporto e a ferrovia, para qual querem impingir uma inviabilidade fajuta. Não se fala mais em saída para o Pacífico e a duplicação Rondonópolis-Cuiabá segue a passos de quem não quer fazer. Por outro lado, providenciam a jato a ligação ferroviária de Lucas a Goiás e a ALL devolve à União os trechos da Ferronorte até Cuiabá e após Cuiabá.
     O atual salto histórico de Cuiabá vai muito além da Copa com suas 3 ou 4 dezenas de obras importantíssimas e marketing internacional. Mas é preciso saltar. O arranque até já começou pelo empurrão da história, vide o ritmo das construções e os empreendimentos como as fábricas têxtil e de cimento, hipermercados e novos hotéis. Agora é a vez da força da cidadania, com suas autoridades diretamente responsáveis e pagas para isso, e a participação do povo, torcendo, criticando, aplaudindo, reagindo às armações e, sobretudo cobrando seriedade com a cidade. A história não empurra amebas invertebradas e acríticas. O pote de ouro é a cidade dos nossos filhos e netos. Não temos o direito de perdê-lo pela omissão da comodidade ou covardia.
     2011 é a hora do cidadão, o dono da cidade, entrar em campo decidido a ganhar, com muita consciência para não fazer o jogo dos que ainda não assimilaram a Copa em Cuiabá, ou daqueles que possam querer se aproveitar das luzes nacionais e internacionais para se promoverem ao menor pretexto ou que queiram encher os bolsos indevidamente. Como seus anos imediatos, 2011 será de muita responsabilidade histórica para as gerações de cuiabanos vivos. Um preço que vale a pena pagar.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 04/01/2011)