"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 1 de março de 2022

A ESPAÇONAVE

 

As 4 arquibancadas da Arena (Imagem: baixadacuiabana.com.br)


José Antonio Lemos dos Santos

     Correta a decisão do estado em desautorizar um show musical que seria realizado dias antes de um time mato-grossense de futebol estrear em uma competição internacional, sem tempo hábil para a recuperação daquele que é hoje um dos melhores gramados do Brasil, privilégio que um dia foi do antigo Verdão. A experiência do Morenão de Campo Grande no último dia 19 comprovou os temores: mantido o show, o Cuiabá perderia o mando de campo e a Grande Cuiabá perderia os 3 jogos programados da Copa Sul-Americana, com eles o bom número de torcedores nacionais e estrangeiros que movimentarão o comércio, criando empregos, gerando renda, e promovendo nossa cidade e estado.

     Não fui contra o show em si, mas contra o uso do gramado como plateia para milhares de pessoas sacrificando o principal palco do futebol estadual e um dos principais do país. O gramado da bela Area Pantanal, assim como de todas as arenas do mundo, deve ser mantido de acordo com normas internacionais como palco para o futebol, sua função principal. Contudo, uma arena é diferente de um estádio e para uma arena realizar-se como tal ela deve ser entendida como uma plataforma midiática multifuncional cuja viabilização vai bem além de seu número de assentos e do rendimento de suas bilheterias. Sua gestão deve corresponder a esta distinção e, nesta condição, uma arena pode e deve receber shows e outros espetáculos. Assegurado o calendário do futebol, sua função precípua, uma arena deve abrir sua agenda com janelas para outras atividades compatíveis, atraindo interessados, e aproveitando ao máximo suas potencialidades como centro difusor de cultura e entretenimento, bem como garantindo sua sustentabilidade.

     Desde que compatíveis, a Arena Pantanal pode receber shows e espetáculos artísticos ou desportivos diversos, e outros, mas com o público restrito às arquibancadas, jamais ao gramado. Lá pelos anos 80 assistimos no antigo Verdão ao show “Emoções” de Roberto Carlos, com grande orquestra e coro. Mas com o público nas arquibancadas, em degraus de cimento, desconfortáveis, e lembro que foi um grande sucesso. Ocupando pequena área do campo, apenas o palco, um palco bem menor que os atuais, montado no dia anterior e desmontado no dia seguinte. E era Roberto Carlos, com orquestra e coro! E funcionou.

     Sempre fui um entusiasmado pela Arena Pantanal. Entre as soluções específicas dadas pelo arquiteto Sérgio Coelho, observei que seu partido arquitetônico é dividido em quatro blocos separados, quatro “dutrinhas”, com dois andares de arquibancadas cada, permitindo 5 alternativas com capacidades diferentes para cada tipo de demanda: 44 mil, 12 mil, 8 mil, 5 mil e 3,5 mil lugares que podem ter usos diversos. Mas no gramado só o palco, semelhante aos usados para distribuição de medalhas e entrega de taças ao fim dos campeonatos, montáveis e desmontáveis com rapidez. E assim, a meu ver, a Arena Pantanal, com os devidos estudos e laudos técnicos, pode e deve transformar-se, além de uma praça esportiva, também em um grande centro difusor de cultura, com shows musicais, ballet, teatro, palestras, boxe e outros, desde que preservando o calendário e o palco do futebol, sua finalidade principal.

     Sempre tratei a Arena Pantanal como uma nave intergaláctica que pousou em Cuiabá, espetacular, como atestou à época da construção o jornal espanhol El Gol Digital. As arenas modernas são um novo tipo de edifício fruto das demandas e possibilidades tecnológicas do mundo moderno. São filhas do tempo atual, irmã da nossa fantástica agropecuária high tech, que alimenta boa parte do mundo e ajuda a segurar a balança comercial brasileira. Mas para essa nave voar e trazer seus benefícios é preciso antes entendê-la e aprender a pilotá-la. Acho que começamos a avançar nisso.