"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



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segunda-feira, 6 de julho de 2020

ADENSAMENTO URBANO PÓS-PANDEMIA

Bares fechados, restaurantes abertos para almoço e rodízio de ...
                        Vazios urbanos (Foto: Olhar Direto)
José Antonio Lemos dos Santos
     Preconizado nas últimas décadas pelo Urbanismo e agora contestado pela pandemia da Covid-19, o adensamento urbano foi um dos destaques em recente discussão virtual promovida pela Academia de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso – AAU/MT. Esta discussão envolvendo saúde e desenvolvimento urbano vem pelo menos desde meados do século XIX, com o avanço da Revolução Industrial e o surgimento das primeiras metrópoles, cidades medievais crescidas em tamanho e população sem quaisquer cuidados, em especial os sanitários. Deu em colapso forçando as primeiras leis urbanísticas, que, por sinal foram leis sanitárias, em Londres e Paris. Daí essas discussões não pararam mais.
     A Carta de Atenas em 1933 falava em densidades entre 250 a 300 hab/ha, o que jamais chegou a ser consenso. Enquanto Frank Lloyd Wright propunha 10 hab/ha em sua Broadacre City, Le Corbusier, defendia 3.000 hab/ha em seu Plano Voisin. Cuiabá tem uma densidade urbana bruta próxima a 24 hab/ha, cerca de 1 décimo da prevista pela Carta de Atenas! Há alguns anos Cuiabá tinha quase 50 mil lotes urbanos oficiais ociosos com moradores esparsos, mas com arruamento e, possivelmente, água e energia elétrica, o mínimo exigido para se implantar um loteamento na época, pois os moradores ainda que esparsos também tem direito a eles. Tem até glebas urbanas em algumas avenidas principais. Ônibus e caminhões de lixo andando a mais, tubulações, fiações, serviços, iluminação pública desperdiçados, encarecendo operacionalmente a cidade! Impede a elevação dos padrões urbanísticos. 
     As cidades são como organismos vivos.  Com suas peculiaridades, cada cidade é única. Cidades-tipo só existem na teoria e soluções-tipo também só podem existir na teoria como padrões de referência geral para discussões em tese, mas sua aplicação tem que ser individualizada pelo urbanista e com a ciência do Urbanismo, conforme cada caso. Por exemplo cidades com risco de terremotos tendem a ser espraiadas (México, Los Angeles). Cidades muito planas favoráveis a alagamentos, como nossas belas cidades do agronegócio, sugerem a compacidade e o consequente adensamento para redução da área de captação das chuvas.
          Densidades muito baixas se referem à cidades com infraestrutura ociosa. Para estas sempre falaremos em aumentar a densidade urbana ao menos como forma de reduzir os custos operacionais da cidade. Por isto a Lei do Uso e Ocupação do Solo Urbano de Cuiabá em 1997 adotou o paradigma de “crescer para dentro”, como estratégia para a ocupação de seus espaços vazios e otimização da infraestrutura existente. A mim a estratégia continua correta. Mas, adensar até quando? Até quando a curva do custo operacional da cidade cruzar com a das deseconomias ou desconfortos urbanos, dependendo do estudo de cada caso. A grande maioria das cidades brasileiras está muito longe disso e o imperativo do adensamento racional deve permanecer, acompanhado dia a dia pelos profissionais competentes. Mantidos o atual perímetro e o ritmo oficial subestimado de crescimento populacional, Cuiabá levaria cerca de 80 anos para dobrar sua densidade. Mesmo assim, ainda que lento, é melhor reduzir custos do que aumentar.
     Sem esquecer a dimensão política, a cidade é um objeto técnico complexo que se transforma cotidianamente e deve ser tratada tecnicamente de forma sistemática e permanente. Espero que uma das grandes transformações trazidas pela pandemia seja a do próprio homem na sua forma de ver a cidade e o Urbanismo, sua ciência. E em especial transforme a nós próprios, arquitetos e urbanistas, para que assumamos enfim a responsabilidade de protagonistas como orientadores do cidadão na construção da cidade, sua grande casa e seu bem maior.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

 Resultado de imagem para bandeira do urbanismo
José Antonio Lemos dos Santos
     A cidade constitui a maior, a mais complexa e bem-sucedida das invenções do homem. Surgida há 5 mil anos, com ela veio a Civilização que acelera a evolução humana. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e a partir de 2008 se tornou mais urbano que rural.
     Com a Revolução Industrial a cidade viveu sua maior inflexão até os dias atuais. Até então ela não fora questionada, mesmo tendo enfrentado enormes crises em seu desenvolvimento. Com a industrialização, a urbanização acelera e as cidades se desequilibram gravemente, exigindo controle e intervenções em suas evoluções. Surge então a ciência do Urbanismo, que evolui e supera o urbanismo de Haussmann, o modernismo da Carta de Atenas, passa pelas experiências pós-modernistas e chega à revolução da eletrônica, da internet e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e da busca pelas cidades inteligentes, verdes e sustentáveis.
     De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até às megalópoles ou às megarregiões urbanas, chegando a centenas de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um recipiente espacial articulado regional e globalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las nesta função é o objetivo do Urbanismo. Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade da evolução urbana e abrange os diversos campos de conhecimento envolvidos. Assim, o urbanista não pode ser um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. Ao urbanista cabe saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, saber que, embora essencial, sua ciência é nada desacompanhada das diversas especialidades nas múltiplas facetas da problemática urbana.
     Semana passada vivemos sem maiores reverências o dia 8 de novembro, o Dia Mundial do Urbanismo, data estabelecida em 1949 para estimular a reflexão global sobre o assunto, hoje ainda mais urgente. As cidades vivem nova e grave inflexão diante da revolução dos satélites, das fibras óticas e da internet que acenam com perspectivas inimagináveis desconstruindo conceitos fundamentais como tempo, espaço e distância, agora na realidade fantástica do ciberespaço, porém ainda atolada no drama da iminência do colapso com a água, lixo, mobilidade, poluição, energia, emprego, fome, moradia e segurança. O problema maior do século XXI são as cidades, mesmo com tantas perspectivas extraordinárias. E as cidades falhando, explode a civilização.
     Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como podem existir cidades sem órgãos técnicos especializados que a estudem contínua e sistematicamente, mostrando à cidadania boas opções para seu desenvolvimento? A ausência do Urbanismo asfixia as cidades brasileiras que estressam, mutilam e matam muito. Mas elas ainda são os locais da diversidade e da inovação. As criações do Conselho de Arquitetura e Urbanismo em 2010 com sua Resolução 51 e da Academia de Arquitetura e Urbanismo no ano passado, bem como a realização do Congresso da UIA no Rio ano que vem, são gotas de esperança neste oceano geral de insensibilidade. Crise é risco e oportunidade. Junto à possibilidade da tragédia está a chance da reinvenção urbana em busca de cidades mais justas, seguras, sustentáveis e humanas. E da própria reinvenção do homem.   

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

Bandeira do Urbanismo
José Antonio Lemos dos Santos
     A cidade constitui a maior, a mais complexa e bem-sucedida das invenções do homem. Surgida há 5 mil anos, com ela veio a civilização que acelera a evolução humana. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e a partir de 2008 já é mais urbano que rural.
     Com a Revolução Industrial a cidade viveu sua maior inflexão até os dias atuais. Até então ela não fora questionada, mesmo tendo enfrentado enormes crises em seu desenvolvimento. Com a industrialização, a urbanização acelera e as cidades se desequilibram gravemente, exigindo controle e intervenções em suas evoluções. Surge então a ciência do Urbanismo, que evolui e supera a etapa do urbanismo modernista da Carta de Atenas, passa pelas experiências pós-modernistas e chega à revolução da eletrônica, da internet e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e da busca pelas cidades inteligentes, verdes e sustentáveis.
     De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até as megalópoles ou às megarregiões urbanas, chegando às centenas de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um enorme recipiente, articulado regional e globalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua múltipla diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las no cumprimento desta função é o objetivo do Urbanismo.
     Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade de seu objeto de trabalho e abrange os diversos campos de conhecimento que a cidade envolve. O urbanista não pode ser um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. O urbanista precisa saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, saber que esse conhecimento, embora indispensável, é nada sem a companhia das diversas especializações técnicas nas múltiplas facetas da cidade e da problemática urbana.
     Como me lembrou o colega Altair Medeiros, e como comemoro em artigos quase todos os anos, 8 de novembro é o Dia Mundial do Urbanismo, criado em 1949 para uma reflexão global sobre o assunto. As cidades de novo vivem uma inflexão profunda diante da revolução dos satélites, das fibras óticas e da internet que acena com perspectivas inimagináveis desconstruindo conceitos fundamentais como tempo, espaço e distância, agora na realidade fantástica do ciberespaço, mas ainda atolada no drama da iminência do colapso com a água, lixo, mobilidade, poluição, energia, emprego, fome, moradia e segurança. Mesmo com tantas perspectivas extraordinárias, o problema maior do século XXI são as cidades. E as cidades falhando, explode a civilização.
     Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como podem existir cidades sem órgãos técnicos especializados que a estudem contínua e sistematicamente, mostrando à cidadania opções para suas perspectivas de desenvolvimento? Ainda mais nestes tempos de grave crise urbana geral refletida por exemplo em sua mobilidade. A ausência do Urbanismo asfixia as cidades brasileiras que estressam, mutilam e matam. Mas ainda são os locais da diversidade e da inovação. A criação em 2010 do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e a Resolução 51/13 são esperanças. Crise é risco e oportunidade. Junto à possibilidade da tragédia está a chance da reinvenção urbana em busca de cidades mais justas, seguras, sustentáveis e humanas. E da própria reinvenção do homem.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

DIA MUNDIAL DO URBANISMO


José Antonio Lemos dos Santos

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

     Amanhã, dia 5, acontecerão as eleições para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso – CAU/MT, data auspiciosamente próxima ao Dia Mundial do Urbanismo, 8 de novembro. Tão importante quanto sua criação e sua recente implantação no estado, esta sob o comando do arquiteto Cláudio Miranda, busca-se agora a afirmação do órgão que cuida especificamente do exercício profissional do Arquiteto e Urbanista, especialista na transformação do espaço de acordo com as necessidades de abrigo do homem, do planejamento de interiores ao regional, passando pelas escalas do edifício, do bairro e da cidade. Daí a peculiaridade destas eleições tão próximas à data dedicada ao Urbanismo, ciência voltada ao principal problema do século, a cidade.
     A cidade constitui a maior, a mais complexa e bem-sucedida das invenções do homem. Surgida há 5 mil anos, com ela veio a civilização que acelera a evolução humana. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e desde 2008 já é mais urbano que rural. E o Urbanismo que vem lá de Alberti no Renascimento, passa pelas cidades liberais da Revolução Industrial, pelo Urbanismo Modernista da Carta de Atenas, pelo Novo Urbanismo da Carta de Charlestown, chega hoje à revolução da eletrônica, da internet e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e das possibilidades das cidades inteligentes, verdes, justas e sustentáveis.
     De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até as megalópoles ou às megarregiões urbanas, chegando aos milhares de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um enorme recipiente, articulado regional e globalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua múltipla diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las no cumprimento desta função é o objetivo do Urbanismo.
     Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade de seu objeto de trabalho e abrange os diversos campos de conhecimento que a cidade envolve. O urbanista não pode ser um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. O urbanista precisa saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, saber que esse conhecimento, embora indispensável, é nada sem a companhia das diversas especializações técnicas nas múltiplas facetas da cidade e da problemática urbana.
     As cidades vivem uma inflexão profunda diante da revolução dos satélites, das fibras óticas e da internet que acenam com perspectivas inimagináveis desconstruindo conceitos fundamentais como tempo, espaço e distância colocados agora no seio da realidade fantástica do ciberespaço, mas ainda atolada no drama da iminência do colapso com a água, lixo, mobilidade, poluição, energia, emprego, fome, moradia e segurança. E as cidades falhando, a civilização explode.
     Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como podem existir cidades sem órgãos técnicos especializados que a estudem contínua e sistematicamente, propondo alternativas para seu desenvolvimento? A falta do Urbanismo asfixia as cidades brasileiras que estressam, mutilam e matam, mas que ainda são os locais da diversidade e da inovação. O surgimento e a consolidação do CAU é uma grande esperança. Crise é risco e oportunidade. Junto à chance da tragédia está a oportunidade da reinvenção urbana. E da própria reinvenção do homem.



terça-feira, 5 de agosto de 2014

PASSE LIVRE UNIVERSAL

Imagem: www.em.com.br

José Antonio Lemos dos Santos

     Final do mês passado a Firjan divulgou pesquisa mostrando que os custos dos congestionamentos viários geraram em 2013 um prejuízo de R$ 98,0 bilhões, apenas nas Regiões Metropolitanas do Rio e São Paulo, considerando apenas a produção não-concretizada e o gasto extra de combustíveis. Isso só em um ano e sem contar a perda do tempo da população, vidas ceifadas ou mutiladas, poluição, estresse, etc. E reclamamos dos gastos totais com a Copa, estimados em R$ 25,0 bilhões. 
     Vale recordar que mesmo com as superações trazidas pelos novos tempos, a velha Carta de Atenas segue como um documento básico do Urbanismo. Uma de suas principais interpretações confere às cidades 4 funções básicas, moradia, trabalho, lazer e circulação, com a “quarta função” tendo como objetivo “só” estabelecer uma “comunicação proveitosa” entre as outras 3 funções. Embora última na descrição das funções urbanas e sem um objetivo em si própria, a Carta chega, contudo, a tratá-la como “primordial” à vida urbana, pois a ela cabe conectar as demais 3 funções que não funcionam desconectadas entre si. Ou seja: sem circulação, as cidades param. Isso a Carta de Atenas já dizia. 
     Com o tempo os conceitos avançaram e a circulação chegou ao âmbito da mobilidade urbana, na qual as várias modalidades de transporte se integram, desde os pés, para articular as funções urbanas de forma segura, justa, sustentável e - por que não? – até prazerosa. As cidades cresceram em dimensões físicas, população, complexidade e dinamismo. Fazê-las caber no ciclo solar de 24 horas torna-se cada vez mais difícil. Hoje a circulação ultrapassa sua formulação original de função urbana, e chega a caracterizar-se como condição indispensável à vida das cidades, do banco à borracharia, da fábrica à escola, da mansão ao barraco, do patrão ao operário. Basta ver o colapso geral das cidades quando das paralisações no transporte coletivo, tronco principal da mobilidade urbana. Ou se atentar para os custos de seu mau funcionamento citadas no início deste artigo. 
     Ano passado o Brasil viveu grandes manifestações populares contra o desrespeito com que as coisas públicas são tratadas pelas autoridades no país, e um movimento pelo passe livre para todos – não só para estudantes - foi o deflagrador de toda essa saudável e democrática convulsão pública. De imediato muitas prefeituras reduziram as tarifas em alguns centavos, mas não foram a fundo na questão, e tudo parece ter ficado por isso mesmo. Mas não dá mais para esconder, a solução da mobilidade urbana hoje é fundamental para todos e não pode mais ser imputada apenas ao usuário de ônibus. 
     A solução exige uma revisão de conceitos sobre a cidade e nela a mobilidade urbana. O transporte público é um serviço de custo muito elevado que serve a todos, mas quem paga é só o usuário, justo aquele em piores condições para fazê-lo, mas que, além de pagar na tarifa, paga também na carne e na cuca as mazelas de um transporte de péssima qualidade. Distribuir seus custos e sua acessibilidade a todos através de uma política de passe livre universal é a solução a ser pensada como o eixo da necessária revolução na mobilidade urbana e, por consequência, nos padrões da vida urbana no Brasil. Tratá-la como já se faz com a iluminação pública? Não se trata da criação de um novo imposto, e sim de redistribuir entre todos aquele imposto em forma de tarifa que é pago só por uma parte da população. A baixa qualidade e o alto custo do transporte coletivo expulsam os usuários para outros modos de transportes, como a moto. Menos usuários, maior a tarifa, numa espiral negativa acelerada. Só o passe livre universal, numa nova visão de cidade e de mobilidade urbana, pode reverter essa tendência. 
(Publicado em 05/-8/2014 pelo Diário de Cuiabá)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

Emblema do Urbanismo:sol, vegetação, ar                        caudf.org.br


José Antonio Lemos dos Santos

     A cidade constitui a maior, a mais complexa e bem-sucedida das invenções do homem. Surgida há 5 mil anos, com ela veio a civilização que acelera a evolução humana. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e a partir de 2008 já é mais urbano que rural.
     Com a Revolução Industrial a cidade viveu seu momento de maior inflexão até os dias atuais. Até então ela não fora questionada, ainda que tenha enfrentado importantes crises em seu desenvolvimento. Com a industrialização, a urbanização acelera e as cidades se desequilibram gravemente, exigindo controle e intervenções em seu desenvolvimento. Surge então a ciência do Urbanismo, que evolui e supera a etapa do urbanismo modernista da Carta de Atenas – implodido em Pruitt-Igoe - passa pelas experiências pós-modernistas do Novo Urbanismo Americano e chega à revolução da eletrônica, da internet e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e das possibilidades das cidades inteligentes, verdes e sustentáveis.
     De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até as megalópoles ou às megarregiões urbanas, chegando aos milhares de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um enorme recipiente, articulado regional e globalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua múltipla diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las no cumprimento desta função é o objetivo do Urbanismo.
     Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade de seu objeto de trabalho e abrange os diversos campos de conhecimento que a cidade envolve. O urbanista não pode ser um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. O urbanista precisa saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, saber que esse conhecimento, embora indispensável, é nada sem a companhia das diversas especializações técnicas nas múltiplas facetas da cidade e da problemática urbana.
     8 de novembro é o Dia Mundial do Urbanismo, criado em 1949 para uma reflexão global sobre o assunto. As cidades de novo vivem uma inflexão profunda diante da revolução dos satélites, das fibras óticas e da internet que acena com perspectivas inimagináveis desconstruindo conceitos fundamentais como tempo, espaço e distância colocados agora no seio da realidade fantástica do ciberespaço, mas ainda atolada no drama da iminência do colapso com a água, lixo, mobilidade, poluição, energia, emprego, fome, moradia e segurança. Mesmo diante de tantas perspectivas extraordinárias, o problema maior do século XXI são as cidades. E as cidades falhando, a civilização explode.
     Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como podem existir cidades sem órgãos técnicos especializados que a estudem contínua e sistematicamente, apresentando à cidadania alternativas para suas perspectivas de desenvolvimento? Ainda mais nestes tempos dos grandes investimentos da Copa e da grave crise da mobilidade urbana. A falta do Urbanismo asfixia as cidades brasileiras que estressam, mutilam e matam. Mas ainda são os locais da diversidade e da inovação. O surgimento do CAU no ano passado e a Conferência Nacional das Cidades agora em novembro são esperanças. Crise é risco e oportunidade. Junto à possibilidade da tragédia está a oportunidade da reinvenção urbana em busca de cidades mais justas, seguras, sustentáveis e humanas. E da própria reinvenção do homem. 

(Publicado em 05/11/2013 pelo Diário de Cuiabá)

terça-feira, 2 de julho de 2013

PASSE LIVRE, JUSTO E NECESSÁRIO

noticias.universia.com.br

José Antonio Lemos dos Santos

     Mesmo com as superações importantes trazidas pela evolução do mundo, a velha Carta de Atenas continua sendo um documento referencial do Urbanismo. Uma de suas principais interpretações confere às cidades 4 funções básicas, moradia, trabalho, lazer e circulação, com a “quarta função” tendo como objetivo “só” estabelecer uma “comunicação proveitosa” entre as outras 3 funções. Embora última na descrição das funções urbanas e sem um objetivo em si própria, em nenhum momento a Carta atribui menor importância à circulação, ao contrário, chega a tratá-la como “primordial” ou “vital” à vida urbana. Cabe a ela conectar as outras 3 funções do Urbanismo que não funcionam desconectadas entre si. Sem circulação as cidades param.
     Com o tempo os conceitos avançaram e a circulação ampliou-se no âmbito da mobilidade urbana, na qual as várias modalidades de transporte se integram, desde os pés, para articular todas as funções urbanas de forma segura, justa, sustentável e - por que não? – até prazerosa. As cidades cresceram em dimensões físicas, população, complexidade e dinamismo. Fazê-las caber no ciclo solar de 24 horas torna-se cada vez mais difícil. Hoje a circulação ultrapassa sua formulação original de função urbana, e chega a uma situação de condição indispensável à vida das cidades, do banco à borracharia, da fábrica à escola, da mansão ao barraco, do patrão ao operário. Basta ver o colapso geral das cidades quando das paralisações no transporte coletivo, tronco principal da mobilidade urbana. Ou atentar para os custos de seu mau funcionamento tais como as deseconomias diversas, poluição, stress, desperdício energético, perdas de horas de trabalho e, principalmente de preciosas horas de vida do cidadão ou a mortalidade no trânsito. A solução da mobilidade urbana hoje é uma questão fundamental para todos, não só para o usuário de ônibus.
     Junto com a Copa das Confederações, nas últimas semanas o Brasil vive grandes manifestações populares em quase todas suas cidades em protesto contra o desrespeito com que as coisas públicas são tratadas pelas autoridades no país. O Brasil parece afinal ter se posto de pé no seu berço esplêndido. Um movimento pelo passe livre foi o deflagrador de toda essa saudável e democrática convulsão pública. Em resposta, de imediato muitas prefeituras reduziram as tarifas em alguns centavos. Mas o movimento avançou e os governantes agora buscam soluções desesperadas para reduções maiores, paliativas, mas não para o passe livre para todos, cobrado pelo Movimento Passe Livre (MPL), deflagrador das manifestações, a saída inexorável para os dias atuais.    
     A solução exige uma revisão de conceitos sobre a cidade e, nela, a mobilidade urbana. O transporte público é um serviço de custo elevado que serve a todos, mas quem paga é só o usuário, justo aquele em piores condições para fazê-lo. Hoje o transporte público eficiente é uma condição indispensável ao bom e saudável funcionamento da vida urbana. O passe livre universal é a solução e deve ser pensado como o eixo de uma necessária revolução na mobilidade urbana e, por consequência, nos padrões de qualidade de vida urbana no Brasil. Não se trata da criação de um novo imposto, e sim de redistribuir entre todos aquele imposto que já existe em forma de tarifa e que é pago só por uma parte da população. E mais, usando o transporte coletivo o cidadão presta um serviço à sociedade em geral e deveria ser bonificado no rateio total de custos numa futura implantação do passe livre universal, justo e necessário. Nas ruas conforto e segurança com menos poluição, acidentes, engarrafamentos, desperdício de vidas, tempo e energia. Também menos motos e carros. E é aí que o bicho pega.
(Publicado em 02/07/2013 pelo Diário de Cuiabá)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

DIA MUNDIAL DO URBANISMO


ARTIGO PUBLICADO EM  8 DE NOVEMBRO DE 2011




José Antonio Lemos dos Santos
(Charge do professor arquiteto José Maria de Andrade)

     A cidade constitui a maior, mais complexa e mais bem-sucedida das invenções do homem. Surgida há 5 mil anos, com ela surge a civilização transformadora e aceleradora da evolução humana. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e a partir de 2008 a população global urbana supera a população rural, com muitos países com percentuais superiores a 80%, como o Brasil.
     Na história da cidade a grande mudança foi com a Revolução Industrial. Até então ela não fora questionada, ainda que tenha enfrentado importantes crises em seu desenvolvimento. Com a industrialização, a urbanização acelera e as cidades se desequilibram gravemente, exigindo controle e intervenções em seu desenvolvimento. Surge então a ciência do Urbanismo, que evolui e supera a etapa do urbanismo modernista da Carta de Atenas, passa pelas experiências pós-modernistas do Novo Urbanismo, e chega a uma nova Revolução, a da informática e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e das possibilidades das cidades inteligentes, verdes e sustentáveis.
     De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até as megalópoles, chegando a centenas ou milhares de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um enorme recipiente, articulado regionalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua múltipla diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las no cumprimento desta função é o objetivo do Urbanismo.
     Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade de seu objeto de trabalho e abrange os diversos campos de conhecimento que a cidade envolve. O urbanista não é mais um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. O urbanista precisa saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, saber que esse conhecimento é quase nada sem a companhia das diversas especializações técnicas nas múltiplas facetas da cidade.
     8 de novembro é o Dia Mundial do Urbanismo, criado em 1949 para uma reflexão global sobre o assunto. As cidades de novo vivem uma Revolução com as perspectivas da informática, do ciberespaço, e a iminência do colapso com a água, lixo, transportes, poluição, energia, emprego, uso do solo e segurança. As cidades falhando, a civilização explode. O problema maior do século XXI são as cidades. Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como pode uma cidade como Cuiabá ter nos quadros de sua prefeitura apenas seis arquitetos? E quantos dedicados ao Urbanismo? Como pode Cuiabá extinguir seu órgão específico de planejamento urbano? Como pode uma nova lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano ser aprovada por unanimidade em apenas um dia de tramitação na Câmara de Cuiabá? E a marginalização dos urbanistas na preparação da cidade para a Copa? A falta do Urbanismo asfixia as cidades brasileiras, estressando, mutilando e matando seus cidadãos. Mas ainda são os locais da diversidade e da inovação. Crise é risco e oportunidade, e a crise urbana é o grande desafio global e local. Ao lado da aparentemente inevitável tragédia urbana global está a oportunidade da reinvenção urbana em busca de cidades mais justas, seguras, sustentáveis e humanas.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá e Blog do José Lemos em 08/11/2011)

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O LUGAR MÁGICO DE CUIABÁ

José Antonio Lemos dos Santos

     Toda cidade tem uma dimensão regional que lhe dá origem e sentido. As cidades surgem na história quando uma região passa a produzir o excedente econômico necessário ao surgimento da divisão de trabalho urbano/rural e, por conseguinte capaz de sustentar e promover a própria vida urbana. A Carta de Atenas, documento fundamental do urbanismo, diz que o limite de uma cidade é função dos limites de sua ação econômica. Assim, a maioria dos fatores que determinam o desenvolvimento de uma cidade encontra-se fora de seus traçados urbanísticos, muitas vezes muito distantes, fora de seus limites municipais, estaduais ou até mesmo nacionais como é caso dos centros regionais, nacionais ou das atuais metrópoles globais.
     Para Cuiabá a dimensão regional sempre foi determinante. Com a exaustão do seu rápido ciclo da extração do ouro no século XVIII, à cidade não restava outro destino a não ser o declínio e o desaparecimento, como o de muitas cidades garimpeiras ou mineradoras ao fim de suas atividades extrativistas. Salvou-a, porém sua localização estratégica a oeste da Linha de Tordesilhas. A Coroa Portuguesa sempre manteve a expectativa de que o território de sua colônia ainda viesse render muitas riquezas minerais, a exemplo das vizinhas colônias espanholas. Com o aparecimento do ouro em Cuiabá, Minas e Goiás essa expectativa aumentou e então Portugal resolveu manter a Vila do Senhor Bom Jesus de Cuiabá como um bastião português em pleno território espanhol, uma vilazinha no centro do continente sul-americano. E Cuiabá solitária desempenhou esse papel de defensora e apoiadora do território brasileiro ocidental, do atual Mato Grosso do Sul aos limites do Acre, mesmo depois da independência, até hoje.
     Como todas as cidades, Cuiabá também está intimamente ligada à sua região. Cuiabá sempre viveu de sua importante função regional, e sua vasta região sempre encontrou nela o apoio urbano necessário ao seu desenvolvimento, em pacífica simbiose. Durante séculos essa região configurou um quase vazio econômico, mais de interesse estratégico para o país do que produtivo. O povo mato-grossense e cuiabano comeu o pão que o diabo amassou, porém durante esse período forjou-se uma população valorosa, destemida, alegre e hospitaleira capaz de produzir um vasto acervo cultural com sua gastronomia, sua forma de falar, de cantar, de dançar e de viver. Com o passar do tempo, contudo, o trabalho dessa gente foi transformando a região que, ao invés do antigo imenso vazio econômico, hoje impressiona o mundo como uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta, cujo principal centro regional continua sendo a velha e querida Cuiabá. 
     Conquistado a base de muito sofrimento e trabalho, este lugar mágico de Cuiabá com todas as suas perspectivas de futuro é o maior legado de nossos antepassados aos mato-grossenses e cuiabanos de hoje. Cabe à atual geração a responsabilidade de repassá-lo às gerações que virão. Que o debate eleitoral que se encerra nesta semana produza, mais que um administrador local, um prefeito estadista com a compreensão de toda a grandeza regional cuiabana, que extrapola os limites físicos do município e aos limites administrativos da prefeitura. Um líder que corra atrás dos interesses da cidade onde quer que estejam e que entenda que a tricentenária Cuiabá hoje vive o choque da transformação regional e espontaneamente se revitaliza adequando-se às novas funções urbanas e aos novos e sofisticados patamares de demanda de seu hinterland. Um prefeito que a ajude nesse grande salto qualitativo, realizando todas as potencialidades de sua centralidade mágica em favor da qualidade de vida de sua gente. 
(Publicado em 23/10/2012 pelo Diário de Cuiabá)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

DIA MUNDIAL DO URBANISMO
José Antonio Lemos dos Santos


Surgida há 5 mil anos a cidade constitui a maior, mais complexa e mais bem sucedida das invenções do homem, transformando o mundo e acelerando a evolução da humanidade. Com ela surge a civilização. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e a partir de 2008 a população global urbana supera a população rural, com muitos países com percentuais superiores a 80%, como o Brasil.
Em sua história a grande mudança foi com a Revolução Industrial. Até então a cidade não fora questionada, ainda que tenha enfrentado importantes crises em seu desenvolvimento. Com a industrialização, a urbanização acelera e as cidades se desequilibram gravemente, exigindo controle e intervenções em seu desenvolvimento. Surge então a ciência do Urbanismo, que evolui e supera a etapa do urbanismo modernista da Carta de Atenas, passa pelas experiências pós-modernistas do Novo Urbanismo, e chega a uma nova Revolução, a da informática e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e das possibilidades das cidades inteligentes, verdes e sustentáveis.
De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo, só que em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até as megalópoles, chegando a centenas ou milhares de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um enorme recipiente, articulado regionalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua múltipla diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las no cumprimento desta função é o objetivo do Urbanismo.
Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade de seu objeto de trabalho e necessariamente envolve os diversos campos de conhecimento que a cidade envolve. Assim, o urbanista não é mais um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. O urbanista precisa saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, deve saber que seu conhecimento é quase nada e não pode prescindir da companhia das muitas outras especializações técnicas que tratam das múltiplas facetas da cidade.
8 de novembro é o Dia Mundial do Urbanismo, criado em 1949 para uma reflexão global sobre o assunto. As cidades de novo vivem uma revolução com as perspectivas da informática, do ciberespaço, e a eminência do colapso com a água, lixo, transportes, poluição, aquecimento, energia, emprego, uso do solo e segurança. Se as cidades falharem, a civilização explode. O problema maior do século XXI são as cidades. Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como pode uma cidade como Cuiabá ter nos quadros de sua prefeitura apenas seis arquitetos? Um para mais de cem mil habitantes? E quantos dedicados ao Urbanismo? Logo a secularmente conhecida Cidade Verde? A falta do Urbanismo mata as cidades brasileiras, estressando, mutilando e matando seus cidadãos. Mas ainda são os locais da diversidade e da inovação. A existência do Ministério da Cidade e a promessa do governador Silval Barbosa de uma Secretaria das Cidades são alentadores, desde que dedicadas à promoção e apoio aos municípios no efetivo e urgente controle do desenvolvimento urbano em bases técnicas e democráticas. Crise é risco e oportunidade, e o problema urbano é o grande desafio global. E local.

(Publicado no Diário de Cuiabá em 09/11/2010)

terça-feira, 27 de abril de 2010

OS 590 ANOS DE BRASÍLIA

José Antonio lemos dos Santos

     Em 1420 foi iniciada a construção da cúpula da igreja Santa Maria del Fiore, em Florença, um desafio até então não superado pelo engenho humano. Aí apareceu Filippo Brunelleschi, um joalheiro que precisou de muito esforço para mostrar ser capaz de construir a grandiosa cúpula, tanto que para alguns o desafio do “ovo em pé”, atribuído a Colombo, teria sido posto por Brunelleschi em sua argumentação. Ao final não só construiu a cúpula, mas com ela marcou o início do Renascimento na Arquitetura e fixou as bases do que é hoje o projeto arquitetônico. A sua nova e revolucionária maneira de projetar estabeleceu que qualquer obra deve ser definida em todos os seus detalhes antes de construída, algo tão óbvio hoje que parece ter sido sempre assim.
     Em seguida vem Alberti, um quase contemporâneo que levou o mesmo raciocínio para a cidade, considerando-a uma “grande casa”, logo um edifício também sujeito à maneira de projetar de Brunelleschi, ou seja, a cidade também deveria ser concebida totalmente antes de ser construída. Surge então o urbanismo clássico com suas formas geométricas engenhosas, as cidades-estrêla, as perspectivas monumentais, o monumento alvo, etc. Brasília é assim, séculos depois, genialmente concebida in totum, tal como na fórmula primordial renascentista, limitada e definida, sugerindo a forma de um avião.
     As possibilidades e a vontade de fazer eram muitas. Porém, os próprios renascentistas não tiveram chances de aplicar a pleno suas teorias urbanísticas. A Europa vinha de um período de longas guerras e epidemias, sem demanda para novas cidades. Quando havia, resumia-se a pequenos arranjos em função das guerras religiosas, defesas militares e portos comerciais. Fora isso, só intervenções em cidades já existentes, não chegando a ver suas idéias aplicadas em uma nova cidade de porte significativo. Teriam que esperar Brasília, a coragem política de JK, a genialidade de Lúcio Costa e a força do trabalho do povo brasileiro. Mas de lá até a construção muita coisa aconteceu na história do mundo e no desenvolvimento do urbanismo.
     Arriscando um resumo, nesse ínterim a grande inflexão histórica foi a Revolução Industrial.  transformações sociais e as descobertas científicas se sucedem, a urbanização é acelerada e os problemas da recém nascida cidade industrial forçam, no meio do século XIX, o surgimento de novas propostas no urbanismo, como as dos socialistas utópicos e as leis sanitárias de Londres e Paris. Surgem ainda a Cidade Industrial de Garnier, a Cidade Linear de Soria, a Cidade Jardim de Howard, a “unidade de edificação” de Berlage e a “unité d´habitation” de Le Corbusier, como um cadinho efervescente preparando uma solução contemporânea para a nova cidade que surgia. Enfim, abraçando todo esse substrato de proposições históricas, é elaborada em 1933 a Carta de Atenas, documento mestre do Urbanismo Modernista.
     Brasília é a materialização da Carta de Atenas e a realização maior do urbanismo renascentista em seus fundamentos, indispensável ao aprendizado crítico concreto de suas muitas virtudes, e sua natural superação pela própria dinâmica da História na prática do urbanismo posterior. Brasília é resultado do pensamento urbanístico acumulado, em especial desde o Renascimento até sua concepção. Ainda que não fosse reconhecida pela UNESCO, mesmo assim seria um dos mais autênticos e expressivos patrimônios da humanidade. Se européia, seria melhor considerada pela cultura oficial brasileira. Brunelleschi e Lúcio Costa formam o alfa e o ômega de um processo de quase 600 anos e precisam ser devidamente reavaliados nos momentos históricos que ajudaram a construir e nos quais foram os principais protagonistas.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 27/04/2010)

terça-feira, 21 de abril de 2009

CRESCER PARA DENTRO (II)

José Antonio Lemos dos Santos


     A amplitude de um assunto como o controle do desenvolvimento de uma cidade com mais de meio milhão de habitantes, visando o adensamento e a otimização de sua infraestrutura em um horizonte de 10 anos, certamente foge ao escopo de um artigo. O da semana passada recebeu dos leitores bons comentários e questionamentos que ajudam a esclarecer a idéia proposta, e por isso abordo alguns deles.
     Primeiro, ao me referir à responsabilidade dos cidadãos, lideranças e autoridades da cidade no processo, referia-me não só ao prefeito, mas também, aos vereadores - co-autores da lei - e mesmo ao Ministério Público, não só o Estadual, mas sobretudo o Federal, pois o respeito ao perímetro urbano é determinado por lei federal.
     Outro ponto foi a expressão “crescer para dentro” ter erradamente dado a idéia de trazer toda a futura população adicional da cidade para o seu centro histórico, já congestionado, inviabilizando a qualidade de vida, ao invés de melhorá-la. Diferente disso, a idéia é crescer ocupando os espaços vazios e os milhares de lotes ociosos existentes dentro da macrozona urbana, excessivamente extensa devido a conjuntos oficiais construídos por governos no passado, fora do perímetro urbano da época, forçando sua ampliação para abrangê-los e permitir suas regularizações.
     Cuiabá tem uma macrozona urbana com 252 Km² de área, para cerca de 600 mil habitantes, o que dá a baixíssima densidade de 24 habitantes por hectare. Para comparação, a cidade de Nova York, na ilha de Manhattan, tem uma área de 59,5 Km² para 1,6 milhão de habitantes, enquanto que Paris tem 105,4 Km², para 2,2 milhões de habitantes, ambas, portanto, com densidades superiores a 200 hab./ha e, mesmo assim, referências mundiais em qualidade de vida urbana. Uma das razões desse padrão de qualidade é justamente a otimização do espaço urbano, pela qual ambas têm seus custos operacionais per capita 10 vezes menores que os de Cuiabá, por exemplo, podendo oferecer 10 vezes mais benefícios para sua população pelo mesmo preço.
     Mesmo que a Carta de Atenas recomende, não dá para chegar a tais padrões, nem se quisesse. Obedecidos os limites do perímetro urbano e mantidas as atuais taxas de crescimento demográfico para os próximos 10 anos, o adicional de população previsto para o período vai girar entre 130 e 150 mil habitantes, ou seja, não chegaríamos nem aos 30 hab/ha. Seria pouco (aparentemente) em termos de redução de custos, porém com a enorme vantagem de evitar seus acréscimos, como os já sofridos por Cuiabá por causa das ampliações urbanas irresponsáveis citadas.
     O crescimento demográfico previsto demandaria entre 33 a 38 mil novas moradias e, hoje, Cuiabá conta com 40 a 45 mil lotes ociosos, já com arruamento e alguns serviços urbanos, no mínimo. Então, em tese, toda a população adicional prevista para Cuiabá nos próximos 10 anos poderia ser acomodada em residências unifamiliares sem precisar abrir mais um metro de rua. Se um quadro desse fosse possível, os investimentos a ser feitos em novas áreas seriam aplicados em áreas já ocupadas, melhorando seus padrões de infraestrutura, beneficiando também os moradores atuais, carentes da qualidade urbana.
     Distantes dos níveis de Paris ou de Nova York, os 50 hab/ha de São José do Rio Preto são uma boa referência tupiniquim. O respeito aos limites do perímetro urbano é fundamental para que se alcance níveis mínimos de administrabilidade e viabilização urbanas, indispensáveis ao desenvolvimento dos padrões de qualidade da vida que queremos para Cuiabá por ocasião de seu tricentenário.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 21/04/2009)

terça-feira, 14 de abril de 2009

CRESCER PARA DENTRO

José Antonio Lemos dos Santos

     A uma década de seu tricentenário e vivendo pela primeira vez em sua história condições locais e regionais impulsionadoras, Cuiabá nesse período pode dar um salto significativo em sua qualidade de vida urbana. As condições existem e esse é o tempo mínimo necessário à construção do que seria o maior e melhor presente na festa de seus 300 anos. Para isso é preciso muito dinheiro, é óbvio. Público e privado. Felizmente, porém o dinheiro é apenas um grande problema que, entretanto, se tornará muito maior se adotado como início de uma empreitada deste tipo. Há outras maneiras mais corretas de iniciar.
     Em geral as cidades crescem a partir dos próprios recursos que geram ou que são capazes de atrair. Cuiabá vive um momento positivo, por polarizar uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que demanda novos empreendimentos estimuladores do capital local e, principalmente do capital externo. Assim, a cidade hoje tem recursos, notadamente privados, e por isso vem se transformando espontaneamente a olhos vistos. O dinheiro, ou melhor, o capital é atraído pelas suas chances de reprodução e, docilmente, como uma cadelinha amestrada de Nélson Rodrigues, vem lamber as botas das oportunidades que estão surgindo.
     Por onde então começar? Uma cidade é antes de tudo uma grande obra, e nela a primeira coisa que temos a fazer é a sua delimitação física. A delimitação de uma cidade é fundamental desde o tempo dos etruscos que tinham na limitatio a primeira das etapas de sua planificação urbana. No nosso urbanismo atual corresponde à definição do perímetro urbano e a conseqüente macrozona urbana, que uma vez estabelecido em lei específica, deve ser obedecido rigidamente.
     A delimitação de uma cidade tem a ver diretamente com sua densidade populacional e, daí, com os seus custos operacionais e de construção. Quanto mais espalhada uma cidade, menos densa ela é e mais elevados são os custos de sua infra-estrutura de equipamentos e serviços por habitante. As cidades medievais mantinham densidades acima dos 200 habitantes por hectare para manter principalmente sua muralha, seu principal e mais dispendioso equipamento urbano.
     A Carta de Atenas, um dos documentos básicos do urbanismo, recomenda densidades em torno dos 250 habitantes por hectare como o ideal, a expressão do encontro entre as curvas da economicidade e do conforto, ou seja, onde a população pode viver bem com os menores custos urbanos. Cuiabá convive com uma densidade baixíssima, pouco superior a 21 habitantes por hectare, isto é, em tese sua macrozona urbana teria condições de receber 10 vezes mais população do que a que tem hoje, reduzindo 10 vezes seus custos per capita. E quanto menores os custos, evidentemente, maior facilidade para disponibilização dos equipamentos e serviços urbanos. Resumindo, Cuiabá tem hoje, por exemplo, muito mais asfalto, iluminação pública, rede elétrica e de água, escolas, equipamentos de saúde, e seus ônibus e caminhões de lixo rodam muito mais do que seria necessário para atender sua população se estivesse disposta de forma mais compacta.
     Fazer a cidade crescer para dentro, evitando a qualquer custo a ampliação de sua macrozona urbana, é fundamental na busca da qualidade de vida urbana. A lei do perímetro já existe, basta cumpri-la nestes 10 anos. Não é preciso dinheiro adicional, só vontade e determinação do poder público e, principalmente, uma população consciente e disposta a cobrar sua execução. O adensamento urbano, otimizando a infra-estrutura e reduzindo os custos operacionais da cidade seria um ótimo começo na preparação da festa do tricentenário de Cuiabá.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 14/04/2009)