"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 26 de outubro de 2010

SERRA, DILMA E MATO GROSSO

SERRA, DILMA E MATO GROSSO
José Antonio Lemos dos Santos


O artigo da semana passada recebeu diversos comentários com avaliações que foram do antológico ao idiota, refletindo a forte disputa entre as duas candidaturas a presidente neste segundo turno. Nele reclamei da ausência de propostas para a logística dos transportes em Mato Grosso na propaganda de José Serra, situação no mínimo estranha já que o assunto fora priorizado pelo próprio candidato ao destacá-lo no seu primeiro discurso em maio passado. A reclamação inclusive deu para alguns a falsa idéia de que eu teria mudado de candidato. Sou Serra por seus méritos, pelas obras estruturais em Mato Grosso concluídas ou deixadas em andamento pelo governo Fernando Henrique - depois paralisadas ou abandonadas - e por crer nos caminhos que aponta para o futuro do Brasil.
Mas o mais importante é a democracia, o direito e o dever do cidadão escolher quem vai presidir a nação a partir do ano que vem, com o respeito de todos os brasileiros, ainda que na oposição democrática. Independente do candidato, o fato é que Mato Grosso tem alguns assuntos pendentes junto ao governo federal que deverão ser resolvidos pela próxima administração federal, alguns já abraçados pelo governador Silval Barbosa, que certamente irá cobrá-los de quem quer que seja eleito. Presidente ou presidenta, estes assuntos exigem a condição de prioridade nacional, afinal, não se trata apenas de questões locais, e sim de uma das regiões mais dinâmicas do mundo e da viabilização ou do colapso da maior produção agro-pecuária do Brasil, hoje responsável pela metade do saldo comercial do país.
O mais premente, o Aeroporto Marechal Rondon exige solução que atenda suas taxas de crescimento e demanda atual, muitas vezes superior a capacidade instalada. A negligência da Infraero já é um gargalo para a economia estadual, e ainda põe em risco a Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Pantanal em 2014. A solução implica em firme decisão política e um choque de gestão na Infraero. Ainda dá. Brasília foi feita em três anos. Seja ele ou ela, terá que resolver.
Outro assunto é a questão ferroviária. Mato Grosso não pode mais prescindir das ferrovias, com cargas de ida e volta viabilizadoras de fretes compensadores, não só para o agronegócio, mas para toda a economia. A Ferronorte, já avançada em seu percurso, deve seguir seu trajeto original, passando por Cuiabá e seguindo o eixo da BR-163, reforçando a coluna vertebral do estado e distribuindo o desenvolvimento a leste e oeste do estado. A Ferronorte consolida Mato Grosso, possibilitando-lhe suportar unido o traçado transverso da nova ferrovia Leste-Oeste. Completando, é urgente a duplicação rodoviária de Rondonópolis a Posto Gil, prosseguindo de imediato até Sinop, Lucas e Sorriso, no mínimo. Seja ela ou ele, terá que resolver o assunto.
Por fim a questão do gás boliviano, que é muita energia - e energia limpa - matéria prima e desenvolvimento. É um acinte ver parado há mais de três anos o complexo gasoduto/termelétrica de 1 bilhão de dólares. Situação incompreensível ao leigo pois a Bolívia é um país amigo. Seja ele ou ela, há que enfrentar este desafio, alcançando uma solução permanente e confiável, sem mais lengalengas.
Mas, presidenta ou presidente, é essencial que os aqui já eleitos atuem de fato como propositores, defensores e cobradores ferrenhos dos interesses do estado, justificando o que lhes pagamos. E nós, cobrando sempre, mas também aplaudindo se for o caso. Que a cada dia de seus mandatos, o governador e cada um dos senadores, deputados federais e estaduais, vereadores e prefeitos renovem com realizações e atitudes seus compromissos com tudo o que Mato Grosso precisa e tem direito.

(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 26/10/10)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

SERRA, E MATO GROSSO?

SERRA, E MATO GROSSO?
José Antonio Lemos dos Santos


No início de maio último, em seu primeiro discurso como candidato à Presidência da República, José Serra lembrou o colapso dos transportes em Mato Grosso destacando ser “mais caro transportar uma tonelada de soja de Mato Grosso ao porto de Paranaguá do que levar a mesma soja do porto brasileiro até a China. Um absurdo.” Entusiasmou muitos mato-grossenses ver um dos principais problemas do estado destacado no primeiro discurso de um dos mais fortes candidatos na disputa presidencial que se iniciava. Com ampla divulgação nacional, rendeu-lhe também um artigo meu, modesto, mas com o alto prestígio de sair no mais tradicional jornal de Mato Grosso.
A credibilidade da citação era procedente não só pela seriedade do próprio candidato, ainda uma de suas virtudes, mas também porque a chegada da ferrovia a Mato Grosso foi uma das principais obras do governo Fernando Henrique, que Serra integrou. Aliás, na inauguração do terminal de Alto Taquari, o então presidente prometeu de viva voz a ferrovia em Cuiabá, concluindo sua promessa como um sonoro “palavra de presidente”, que virou out-doors nas principais vias de Cuiabá. Portanto nada mais natural do que a lembrança por Serra em sua proposta de governo daquela importante obra, paralisada nos governos do presidente Lula e só retomada agora às vésperas das eleições.
Eis que, para surpresa de todos, Mato Grosso não aparece nas propagandas de José Serra dedicadas à área de transportes. Será que ainda vai aparecer? Ou deixou de ser “um absurdo” o preço do transporte pago pelos produtores mato-grossenses? Fica a expectativa de que o candidato volte a se referir a Mato Grosso em suas propostas de governo, em especial à continuidade da Ferronorte até Santarém e Porto Velho, em seu trajeto original, aquele que reforça a BR-163 e consolida Mato-Grosso como o maior produtor agro-pecuário do país, e como o estado brasileiro de maior desenvolvimento.
Contudo, além do projeto da Ferronorte - sonho e luta do senador Vuolo - é importante o resgate de todas aquelas outras obras estruturantes do estado, frutos da visão de estadista de Dante de Oliveira, assumidas pelo governo Fernando Henrique. A começar pela reativação do gasoduto e a volta do gás boliviano, matéria-prima e fonte energética para as indústrias, insumo indispensável à reativação da termelétrica de Cuiabá. Destinado a assegurar confiabilidade energética ao estado, o complexo gasoduto/termelétrica de 1 bilhão de dólares encontra-se estupidamente parado há mais de 3 anos.
Da mesma forma, há que se retomar as obras do Aeroporto Marechal Rondon, cujo pouco caso da Infraero já parece intencional contra a Copa do Pantanal em Cuiabá. Também iniciadas na gestão FHC, com a Infraero administrada pelo saudoso cuiabano Orlando Boni, as obras de ampliação do aeroporto estão igualmente paralisadas. Não menos importante é o resgate da multifinalidade da barragem de Manso, também inaugurada no governo FHC, mas até hoje restrita às suas funções de regularização do rio e geração de energia, ela que foi prevista também para atividades diversas da aquicultura, irrigação, turismo e abastecimento de água para os municípios do vale do Cuiabá.
Todos estes projetos são bandeiras abandonadas pelo PSDB local pós-Dante, que está pagando caro por isso, mas, acredito, ainda não foram nem serão desprezadas pelo partido em nível nacional. Ademais, tão logo eleito o governador Silval Barbosa, em gesto de grandeza política, assumiu em atitudes concretas a retomada do gás, da termelétrica, do aeroporto e da Ferronorte. E, assim, tudo pode ficar mais fácil se retomadas por todos, para o bem de Mato Grosso.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ARQUITETOS E ENGENHEIROS UNIDOS

ARQUITETOS E ENGENHEIROS UNIDOS

José Antonio Lemos dos Santos

Estarrecedora a notícia trazida pela paralisação dos arquitetos e engenheiros da Prefeitura de Cuiabá: são apenas 34 profissionais da área da Engenharia e a Arquitetura no quadro administrativo municipal! O número é insignificante diante da complexidade técnica de uma cidade com quase 1 milhão de habitantes, se contada, além da população residente, a população flutuante, a estudantil universitária e a de outras cidades de Mato Grosso com uma segunda residência na capital. É muito pouco para uma cidade que polariza a região que mais cresce no Brasil, uma das mais dinâmicas do planeta, e que tem a obrigação de se preparar para sediar a Copa o Pantanal daqui a menos de 4 anos.
No Brasil são raros os casos de união entre arquitetos e engenheiros como no caso atual. Pelo contrário, são duas profissões que apesar de complementares, colocam-se mais em conflito entre si do que somando esforços na defesa de condições mínimas para o desenvolvimento de suas importantes funções sociais. Enquanto isso as nossas cidades beiram o caos e matam cada vez mais – mortes tecnicamente evitáveis - por falta desses profissionais especializados na gestão edilícia e urbanística em número e condições adequadas. E nesse processo as profissões perdem cada vez mais seu antigo prestígio na sociedade. De um modo geral no Brasil assistimos as cidades em degradação pela ausência da técnica disponível no mundo inteiro, em especial do urbanismo, e, abraçadas com elas, definhando socialmente as profissões técnicas diretamente ligadas ao seu desenvolvimento.
A cidade é uma invenção humana, a maior e mais bem-sucedida de todas. Também a mais complexa. É um objeto artificial que tem que ser construído, portanto, com uma dimensão técnica inalienável. Mas, tem também a característica especialíssima de ser uma construção coletiva com muitos donos. Quem constrói uma cidade não é a prefeitura ou quaisquer governos, mas o cidadão com sua casinha, oficina, loja ou borracharia, e o cidadão é o dono coletivo da cidade. Por isso ela tem também uma dimensão política, do mesmo modo, inalienável. Assim, a construção de uma cidade é um processo técnico e político ao mesmo tempo. Não pode ser só técnica, pois cairia nas garras da tecnocracia, nem só política, pois cai no engodo da politicagem e da demagogia.
O embate entre estas duas dimensões não foi devidamente equacionado no Brasil. Os políticos tradicionais ainda veem a cidade como um butim eleitoral, uma conquista a ser negociada ao longo dos mandatos como “recompensa” pelos esforços despendidos em cada eleição. Assim a técnica e os técnicos surgem como um estorvo e não interessam. A visão política prevalece e as cidades vão literalmente para o brejo, com a população pagando o preço do caos urbano, das inundações e desmoronamentos, dos engarrafamentos e mortalidade no trânsito, da demora burocrática, da ausência do planejamento, ou quando existente, da não execução de suas leis e projetos. Os técnicos em número ínfimo e sem condições adequadas de trabalho, não conseguem corresponder às expectativas da cidadania. Aí a justeza do movimento dos engenheiros e arquitetos da prefeitura de Cuiabá em um protesto que deveria ser ouvido muito além dos nossos limites municipais. No caso cuiabano a questão é antiga. Mesmo quando da implantação do Sistema Municipal de Desenvolvimento Urbano, continuado em diversas administrações, não se avançou na estruturação de um quadro técnico compatível com as dimensões da cidade. O atual prefeito que assumiu outro dia, por ser novo na política local pode ser a chance do resgate da visão técnica da problemática urbana. Cuiabá vive agora um dos mais ricos momentos de sua história. Não pode perder está chance.

Publicado em 12/10/2010 pelo Diário de Cuiabá

domingo, 3 de outubro de 2010

BOM DESPACHO VIVA

BOM DESPACHO VIVA
José Antonio Lemos dos Santos

A descida da Avenida Isaac Póvoas nos proporciona a visão de um dos mais belos cartões postais de Cuiabá, a igreja Nossa Senhora do Bom Despacho. Iluminada pelo sol ou artificialmente, mesmo nesta fumaceira dos dias atuais o belíssimo edifício se impõe sobranceiro no alto do morro do Seminário sobre o centro histórico da cidade e no coração dos cuiabanos, onde sempre teve reservado um cantinho privilegiado. Chegou a ser eleita pela população em 2004 como a “cara da cidade” em concurso realizado pelo Diário de Cuiabá, ela que teve sua construção iniciada em 1914. Idealizada pelo frei Ambrósio Daydé, foi construída por Leon Mousnier a partir de projeto de seu pai George Mousnier, Conde de Manoir, que projetou também a de Cáceres - esta com duas torres - e que na época já teria sido responsável por outras igrejas em algumas cidades da América do Sul.
Em estilo neogótico, a igreja foi projetada e construída por quem realmente conhecia o gótico original e é visita obrigatória para meus alunos quando tratamos o tema. Lá estão os pináculos, arcobotantes, abóbadas nervuradas, arcos ogivais, gabletes realizados com a maior competência e fidedignidade. Segundo o arquiteto Alex de Matos em seu livro “A Igreja do Bom Despacho – Arquitetura e simbolismo”, citando o padre Pedro Cometti, a construção resultou de uma salutar competição entre os frades de origem francesa e os padres salesianos de origem italiana que haviam iniciado em 1914 as obras da igreja de Nossa Senhora Auxiliadora. Segundo o autor, essa disputa pelos fiéis acabou deixando para Cuiabá duas maravilhas arquitetônicas, autênticas obras de arte, sendo que o projeto da Bom Despacho previa ainda a torre em agulha – não construída - similar a da Nossa Senhora Auxiliadora.
Durante algumas décadas a igreja do Bom Despacho teve uso bastante restrito, que levou a sua deterioração precoce, com infiltrações, rachaduras, queda parcial do telhado, colocando em risco a estrutura do grandioso edifício. Lembro que as obras de restauração, concluídas em 2004, causaram polêmica, como não podia deixar de ser tratando-se de algo tão valioso para a população. Hoje, lá está ela, bela, ornamentando a cidade e envaidecendo o cuiabano cujos antepassados tiveram a força e a capacidade de construí-la. Porém, mais que só bela, a Bom Despacho está viva, reviveu com as missas diárias e outros eventos que lotam suas naves aos domingos. Notável a presença de turistas, alguns assistem às missas, outros apenas apreciam o edifício e tiram fotos. Uma pena que não funcione aos domingos o Museu de Arte Sacra, que fica ao lado no antigo Seminário da Conceição, outro edifício extraordinário, que junto à Bom Despacho, ao Palácio Episcopal e à Santa Casa da Misericórdia forma um dos mais pitorescos conjuntos urbanísticos do oeste brasileiro.
Após restaurado poderia continuar com sua ocupação restrita, e a tendência seria um novo período de decadência e abandono. Mas, por iniciativa de Dom Milton Santos, arcebispo de Cuiabá, a antiga igreja foi promovida a Santuário Eucarístico, agregando funções e significados novos. O milagre da revitalização aconteceu com as paróquias da cidade abraçando o novo Santuário como um projeto coletivo, dividindo entre si as funções de animação e apoio diversos, muito bem coordenados pelo jovem padre Wagner Stephan.
Este assunto nos lembra muito e tem muito a ensinar sobre a falsa questão dos “elefantes brancos”, que busca indevidamente transferir para os edifícios as razões de seus eventuais maus usos ou mesmo abandonos. Mas este é um assunto a ser tratado em outro artigo.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 28/09/10)