"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 28 de janeiro de 2020

TRAGÉDIAS DA IMPUNIDADE

Área de risco em Belo Horizonte (Foto:reproduçãotvGlobo)

José Antonio Lemos dos Santos
     A Constituição Federal em capítulo dedicado à Política Urbana determinou que todas as cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes tenham um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). Passados mais de 30 anos certamente todas as grandes cidades do país, em especial as capitais, dispõem desse importante documento de controle e ordenação urbana. Grosso modo, pode se dizer que um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano seria o projeto da cidade, isto é, um documento firmado em lei que estabelece tecnicamente como ela deve se desenvolver em um horizonte de 20 a 30 anos tanto em suas condições sociais e econômicas, como em seus aspectos físicos-urbanísticos, em especial sua base geotécnica, a qual determina entre outras especificações as áreas proibidas ao parcelamento do solo pelos graves riscos que oferecem, seja por alagamento, enxurradas, deslizamentos, ou outros que tais. São as chamadas Áreas de Risco.
     Repito, todas as cidades brasileiras, se não todas, ao menos as capitais e as de grande porte dispõem de um PDDU, e mais, dispõem também de um órgão técnico de planejamento urbano destinado ao acompanhamento de sua implantação. Mas de que adianta as cidades terem seus PDDUs e órgãos de planejamento se eles, via-de-regra, não são obedecidos? Em sua quase totalidade os PDDUs são documentos para “inglês ver”, ou melhor, para os tribunais de contas e os ministérios públicos verem e atestarem a obrigação constitucional, mesmo que esta obediência se dê apenas nos papeis, principalmente no que diz respeito às ocupações das áreas de risco. Não vemos no país iniciativas consistentes no sentido de evitar novas ocupações em tais áreas de risco e muito menos no sentido de reduzi-las através de programas consistentes e bem planejados de transferências dignas das populações que se encontram sob constante ameaça. Só para se ter uma ideia, são estimadas 3,2 milhões de pessoas ocupando áreas de risco em apenas 8 capitais avaliadas por uma recente estimativa a que tive notícia.
     Pois bem, estamos no verão novamente e com ele novas tragédias sempre tratadas pelas autoridades como surpresas excepcionais, muito embora previstas e mapeadas nas leis de uso e ocupação do solo. Neste fim de semana passado 44 pessoas perderam a vida só em Minas Gerais, das quais 26 na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com 19 desaparecidos, 3.334 desabrigados e 13.887 desalojados, segundo o último boletim de domingo (26) da Defesa Civil. E de fato choveu como nunca em Minas. Muitos dos sobreviventes perderam tudo ou quase tudo o que tinham. Mas não foi só em Minas. Tristeza e dor se espalham por este Brasil a cada verão. Em geral as autoridades dedicam-se às emergências de praxe refugiando-se às indagações pertinentes e buscam salvação nos números da meteorologia, empurrando por entre lágrimas de crocodilo a culpa para São Pedro, e no esquecimento que sempre vem.
     A Civilização é um estágio em que o homem aceita submeter-se a um arcabouço de leis, normas, costumes e princípios em favor da vivência coletiva. Sem ela a cidade vira o algoz do cidadão, ao invés de promotora de sua qualidade de vida. A raiz dos atuais males que afligem as cidades está no descaso oficial com que são tratadas as determinações técnicas urbanísticas consolidadas nos PDDUs. É urgente uma lei de responsabilidade urbanística nos moldes da lei de responsabilidade fiscal com previsão de punição severa, como a perda da elegibilidade para os prefeitos complacentes com a expansão das ocupações em área de risco, conforme proposta em discussão no âmbito do Conselho de Arquitetura e Urbanismo. Condenados à Civilização, ou progredimos nela ou morreremos todos. E o pior já está acontecendo.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

AVENIDA PARQUE DO BARBADO

Avenida Parque do Barbado (Foto:Secom/MT)
José Antonio Lemos dos Santos
     Como técnico e cuiabano emocionou-me a inauguração da Avenida Parque do Barbado não só pela obra, mas pelo governador Mauro Mendes ter destacado o conceito de “parque” para a obra inaugurada, por razões que depois explico, e determinado a continuidade de seu projeto. Importantíssima obra por todos os significados e funções que ela traz para Cuiabá e Região Metropolitana, e também em especial pelo governador estar concluindo obras antigas, como as da Copa, criminosamente paralisadas, quebrando um antigo e nada republicano costume do político tradicional de “não colocar azeitona na empadinha do outro”, isto é, não concluir obra dos antecessores.
     Na verdade, trata-se da inauguração do primeiro trecho dessa grande avenida que um dia ligará a Fernando Correa à Avenida Rubens de Mendonça tendo como eixo um parque linear urbano com cerca de 13 ha. Vai mais além compondo um complexo viário com as avenidas Tancredo Neves, Ponte Sérgio Mota (que preferia denominada Dante de Oliveira), Dr. Paraná, Dom Orlando Chaves e Miguel Sutil, formando uma grande espiral de avenidas integradora das malhas urbanas de Cuiabá e Várzea Grande. Muitos podem não acreditar, mas a ponte Sérgio Mota foi locada em função desse complexo viário metropolitano pensado lá na primeira metade da década de 90. No trecho cuiabano este projeto é contemplado na Lei Municipal 3.870/99, conhecida como Lei da Hierarquização Viária** de Cuiabá, como Via Estrutural Circular Norte (VECI-N).
     Voltando à Avenida Parque do Barbado, ela teve origem na primeira administração municipal Dante de Oliveira quando veio uma verba para canalização do córrego, técnica comum na época para tratamento dos córregos vítimas do lançamento de esgoto, mas já superada ao menos nas academias. Não eram mais aceitáveis as canalizações de córregos com o sacrifício de suas áreas verdes naturais de proteção, principalmente em Cuiabá, premiada com seu clima especial diferenciado pelas altas temperaturas. Seria “matar o cachorro para acabar com as pulgas”, como argumentávamos junto ao então prefeito em favor do novo conceito que viria a ser o “avenida-parque”*, aceito e logo desenvolvido em estudo preliminar pelo setor de Projetos Especiais da prefeitura então coordenado pelo arquiteto Ademar Poppi. Ademais, a impermeabilização e retificação dos leitos dos córregos aumentam o volume e velocidade das águas incrementando as inundações nos córregos canalizados. De lá para cá a avenida-parque viveu avanços e retrocessos, até que a Copa veio resgatá-la neste primeiro trecho inaugurado, esbarrando depois em problemas técnicos e sem conseguir conclui-la. 
     Outra fundamental justificativa para a preservação do córrego vinha do saudoso professor Domingos Iglésias Valério nos ensinando que os corpos hídricos “respiram”, assim como os orgânicos. Isto é, enchem e esvaziam alternadamente, por isso, ele tratava suas áreas de expansão como “o império das águas”, contra o qual era e é impossível lutar. Os córregos são especialmente perigosos pois suas águas sobem e descem rapidamente pegando geralmente a população de surpresa. Aliás, a sociedade brasileira tem pago muito caro pela ocupação hoje ilegal destas áreas classificadas como “áreas de risco” ou de “preservação ambiental”, com mortes e grandes prejuízos materiais todos os anos.
Protagonismo da vegetação (Foto: José Lemos) 
     E tudo ficou muito bonito urbanisticamente, ainda mais com o COT da UFMT lindeiro, também resgatado da Copa pelo governador Mauro Mendes, excelente projeto do arquiteto José Afonso Portocarrero. Porém, o mais impactante no conjunto é a presença exuberante, viçosa e bela da vegetação ciliar antes relegada como “mato”, e hoje protagonista na composição do novo cartão postal de Cuiabá. Viva!

*  enviado por equívoco à imprensa como "córrego-parque"
**enviado por equívoco à imprensa como "Lei da Hierarquização Urbana"


terça-feira, 14 de janeiro de 2020

EXTENSÃO DA RUBENS DE MENDONÇA

José Antonio Lemos dos Santos
     Quando queremos falar de uma coisa simples, fácil de fazer, custa pouco e agrada quase todo mundo a gente diz que é um “mamão com açúcar”. A extensão dos padrões geométricos originais da Avenida Rubens de Mendonça até no mínimo onde há a interseção da Avenida Senador Jonas Pinheiro, poderia ser um projeto tipo “mamão com açúcar”, tendo em vista seus custos, facilidade de execução e sua importância para uma região que se expande rapidamente tanto em relação ao parcelamento e ocupação do solo, quanto em termos demográficos. E agradará a todos, em especial quem usa o trecho hoje.
     Por padrões geométricos originais refiro-me aos mesmos utilizados quando do projeto original da então chamada Avenida do CPA no início da década de 1970, isto é, 50 metros de caixa, com duas pistas de 10,5 metros e 3 faixas de rolamento cada, canteiro central de 11,0 metros e calçadas com 9 metros de cada lado. Isso, no mínimo! Como ser menor se em 1973 o projeto da avenida adotou estes padrões que se mostraram corretos? Aliás, muitos criticaram na época aquele dimensionamento alegando que “nem no ano 2000” Cuiabá teria um tráfego que justificasse uma avenida naquelas dimensões e nem o setor habitacional previsto para o CPA teria os 60 mil habitantes pensados inicialmente.
     Tenho andado por aquela área setentrional da Região Norte de Cuiabá e é extraordinário o processo de ocupação pelo qual vem passando. Extraordinário para o bem e para o mal. Para o bem, pelo dinamismo e capacidade construtiva da população, e para o mal pela incapacidade pública de dar um mínimo de ordenamento a este processo de ocupação. Basta olhar os mapas oficiais ou os do Google para entender o caos urbanístico já instalado. A impressão é que os parcelamentos foram surgindo ao longo das diversas administrações e depois o poder público vem atrás a consolidá-los com a implantação da devida e necessária infraestrutura.
     Aquele trecho norte da Avenida Rubens de Mendonça é o principal acesso a esse território, ligando-o ao conjunto da cidade de Cuiabá. Ele está previsto na Lei 3870/1999, chamada Lei da Hierarquização Viária da gestão Roberto França. Começou a ser implantada em uma só pista por volta do ano 2000, e é o único suporte até hoje, apesar da população ter explodido, num quadro de precariedade absoluta. A mesma Lei prevê sua continuidade até encontrar-se com a Via Estrutural do Contorno Leste (VECO-L) também prevista naquela importante Lei e cuja construção é prioritária na gestão do prefeito Emanuel Pinheiro.
     Contudo, não vejo qualquer intenção da prefeitura ou do estado quanto à extensão da Avenida Rubens de Mendonça, que acredito ser uma das maiores prioridades no sistema viário urbano de Cuiabá. Planejada, ela poderá ser o início de um processo de controle urbanístico na região. Hoje ainda está mais ou menos fácil disponibilizar uma faixa de cerca de 2 km, com 50 metros de largura para o projeto. Daqui a 5 anos talvez seja inviável, comprometendo o futuro daquela área.
     2020 é ano de eleições para prefeitos e vereadores. Trata-se de excelente oportunidade para o assunto ser adotado por todos os candidatos, já que consta de uma lei municipal e a realidade é angustiante para os milhares de moradores daquela dinâmica região. Talvez até o próprio estado se interesse pela obra pois a criação do CPA foi uma iniciativa estadual e o governador Mauro Mendes tem demonstrado sensibilidade com o sistema viário urbano da capital ao concluir a Avenida Arquiteto Hélder Candia e a Avenida do Barbado, bem como ter reiniciado as obras da 8 de Abril, estas duas últimas originalmente previstas para a Copa de 2014. Pode ser, por que não?

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

ENERGIA DA ESPERANÇA

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                                                                           (g1.globo.com)
José Antonio Lemos dos Santos
     Cá com meus botões estive pensando sobre o quanto é importante nosso calendário trazer o Natal junto às festas de passagem de ano. Fora os acontecimentos que independem das iniciativas pessoais, como um prêmio lotérico ou a perda de um ente querido, um ano que finda sempre suscita avaliações pessoais geralmente baseadas em promessas, metas ou convicções idealizadas, ou mesmo ilusórias, estabelecidas um ano atrás quando de seu início. Como as idealizações em geral não se realizam plenamente, e muito menos as ilusões, os resultados de tais avaliações não são tão felizes quanto o esperado e às vezes até são cruéis, capazes de prejudicar as perspectivas do novo ano que chega impoluto, insípido, incolor e inodoro, novinho em folha, pronto e livre para ser usado como cada um quiser. Daí a importância do Natal estar em data próxima trazendo a lembrança do nascimento do Menino Jesus, Deus feito homem, luz e salvação, aquele que mesmo com todo o seu périplo de sofrimento e morte chegou à vitória redentora. A esperança cristã é o combustível propulsor das viradas de ano. Sem ela cada Revéillon seria pouco mais que um momento avaliatório e o ano novo só mais uma etapa quase burocrática no cronograma da vida.
     “Revéillon” é uma palavra francesa adotada no mundo ocidental para designar as festividades referentes às passagens de um ano para outro. A Internet ensina que significa “acordar”, “reanimar” e viria de uma refeição noturna que os franceses faziam para mantê-los acordados. Felizmente essa palavra não encontrou similar convincente na língua portuguesa e nem foi abrasileirada. Já pensaram como seria comemorar um “reveião”? Jamais teria o mesmo charme.
     2019 para o Brasil e para os brasileiros não foi fácil. Parece ter sido o início de uma travessia dolorosa e ainda inconclusa, mesmo que necessária, de um modelo de governo para outro radicalmente oposto exigindo da cidadania um enorme esforço para mudança de rumo na direção do novo projeto de sociedade escolhido nas eleições de 2018. Para o bem ou para o mal, eis a grande questão que polarizou visceralmente o país colocando em campos opostos não só a classe política, mas toda a população, expondo divergências em sólidas relações profissionais, de amizade e até familiares. E democracia é progredir justo com debate entre as divergências. Em Mato Grosso saudamos enfim a chegada do asfalto da Cuiabá-Santarém ao porto de Miritituba no Pará, o compromisso da Rumo em trazer seus trilhos à Baixada Cuiabana e logo à Nova Mutum, a Ferrogrão, a Fico e o Cuiabá como Bicampeão da Copa Verde. 2020, apesar do recrudescimento dos entreveros no Oriente Médio, já começa bem para o estado com a Centro-Oeste Airport assumindo o Aeroporto Marechal Rondon apostando nas potencialidades logísticas de sua localização estratégica e com foco imediato na implantação de sua primeira linha aérea internacional.
     Será? Ainda cá com meus botões, talvez por isso mesmo o Réveillon seja a única festa anual que acontece duas vezes para cada ano. Uma vez até meia-noite, ainda no ano velho, reverenciando o tempo que passa, agradecendo a Deus o privilégio de tê-lo vivido e fazendo as inevitáveis avaliações positivas e negativas, bons e maus momentos, erros e acertos, bem como as alternativas para correções de curso. Outra vez após a meia-noite, já no ano novo com suas novas esperanças, quando se saúda o novo tempo com juras de novas metas, posturas e convicções idealizadas ou ilusórias que sabiamente nunca serão totalmente realizadas. Por isso a cada início de ano já fica marcada ao seu final uma outra festa para revê-las e consertá-las para o próximo Ano Novo que nos seja dado viver. Feliz 2020!