"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 25 de março de 2019

ARQUITETOS E FERROVIAS

Rede urbana brasileira (Universia)
José Antonio Lemos dos Santos   
     Em respeito às indagações que surgem, de vez em quando tento esclarecer porque um arquiteto se arvora a falar sobre ferrovias, oportunidade também para explicar a abrangência de uma profissão tão importante e incompreendida pela sociedade e, por isto, tão subutilizada por ela. Sempre começo explicando que o objetivo central da arquitetura é a transformação do espaço em abrigo digno, funcional, belo, seguro e sustentável, indispensável ao desenvolvimento do ser humano em suas diversas atividades. Sem abrigo o homem não sobrevive, isto é, morre. Assim, uma primeira conclusão sobre a arquitetura é que se trata de uma de uma das profissões mais essenciais à sociedade, e não uma profissão fútil como alguns são levados a entender por problemas da própria categoria profissional que apenas há pouco passou a ter um conselho específico para organizar e promover a profissão.
     Só que o espaço é continuo e o arquiteto trata desde os espaços interiores de uma residência até o espaço regional de um estado ou país, passando pelo espaço urbano do bairro, cidade ou metrópole. Hoje com a globalização também não podem lhe faltar os indispensáveis cuidados com a sustentabilidade do planeta em decorrência de suas intervenções espaciais. É claro que dada a amplitude de seu campo de estudo, impossível de ser dominado por um só profissional, os arquitetos tendem a se especializar, como na medicina, por exemplo, em áreas complexas que já dispõem de um vasto manancial teórico próprio.
     Encurtando o assunto, na área do planejamento urbano e regional as cidades são entendidas como centros produtores de bens e serviços destinados a atender cada qual uma região, e que se interconectam em redes através de fluxos de pessoas, informações, serviços e, entre outros, cargas. Tais fluxos mantêm a cidade viva e são responsáveis pelo seu desenvolvimento e de sua população, deslocando-se através de canais especializados, ou modais, tais como aerovias, rodovias, dutovias, infovias, hidrovias, e inclusive as tais ferrovias, pretexto deste artigo explicativo. Conforme seus níveis de centralidade e a evolução desses níveis os canais precisam ser ampliados e até complementados por outros tipos de maior capacidade de transporte, o que é o caso de Mato Grosso, e de Cuiabá em especial, cujo desenvolvimento na geração e recepção de cargas não pode mais ser atendido só pelo transporte rodoviário sob pena de estrangulamento.
     As cidades não são mais vistas como pontos isolados, mas como centros organizados em redes hierarquizadas funcionalmente, as chamadas redes urbanas que estruturam e definem a fisionomia de cada região. Os modais de transportes dos diferentes fluxos da conexão interurbana são então fundamentais para o desenvolvimento e o desenho das cidades e das regiões e aí o assunto passa a ser também do interesse e da competência do arquiteto enquanto tratador do espaço.
     Então ao arquiteto dedicado ao planejamento urbano e regional é fácil entender a importância da extensão da Ferronorte até Cuiabá e sua sequência imediata ao norte até encontrar a Ferrogrão, como urgente reforço à BR-163 eixo da estrutura espacial de Mato Grosso, espinha dorsal unificadora e fiadora do desenvolvimento integrado de um estado campeão nacional em produção e uma das regiões mais produtivas do planeta, apesar de seus governos. Ao invés, também lhe é fácil ver o desastre que adviria com o projetado seccionamento da Ferronorte e o isolamento ferroviário de Cuiabá como querem alguns. Mas a força atrativa da economia de aglomeração instalada na Grande Cuiabá é poderosa e já sensibilizou a Rumo, sucessora da Ferronorte, conforme tratado no artigo anterior.


segunda-feira, 18 de março de 2019

AEROPORTOS,FERROVIAS E SENADORES


José Antonio Lemos dos Santos
     Paira sempre no ar a falsa ideia de que Cuiabá não tem carga que
justifique uma ferrovia, falácia que vem sendo incutida na cabeça da
população do estado nas últimas décadas com objetivos que escapam ao
escopo deste artigo que só pretende comemorar duas ótimas notícias
para Mato Grosso e suas cidades. Ao contrário, a Grande Cuiabá é no
estado o maior centro consumidor, distribuidor e produtor - não de
grãos, mas em serviços técnicos, comércio, educação, saúde, etc., em
apoio a região - e como tal não gera carga significativa de saída, mas
recebe muita carga destinada ao consumo local e redistribuição
regional. Tem ainda a carga de passagem originária das áreas
produtoras do agronegócio em especial do Médio-Norte e Norte do estado
com destino ao consumo interno do país e aos portos do sudeste.
     E tem ainda a sempre desconsiderada carga de retorno. Em palestra
realizada em setembro passado na CDL em Cuiabá, Guilherme Penin, um
dos diretores da Rumo Logística detentora da concessão do que restou
da Ferronorte, informou que a carga destinada a Cuiabá para consumo e
redistribuição é estimada em 20 milhões de toneladas por ano! Para
comparar, toda a produção de grãos de Mato Grosso do Sul no ano
passado foi de 16,23 milhões de toneladas. Segundo ele, a implantação
do trecho Rondonópolis/Cuiabá é de grande interesse para a empresa,
seguindo depois para Nova Mutum, em direção à Ferrogrão, bastando para
isso a ampliação da concessão dos 10 anos que restam hoje para 35
anos. Para mim, este trecho e a mais viável e urgente das ferrovias.
Mas essa é notícia velha. 
     A boa novidade foi a manifestação em uníssono dos três senadores de Mato Grosso 
cobrando do ministro da Infraestrutura essa extensão até Cuiabá em audiência na 
Comissão de Infraestrutura do Senado. É rara a unidade de discursos em nossos
representantes e por isso a surpresa positiva, mesmo diante da
resposta um pouco desdenhosa do ministro em relação ao assunto. Esta
convergência de interesses da Rumo com a Ferrogrão vai significar o
fortalecimento da espinha dorsal do estado, hoje marcada pela BR-163,
e a redenção logística de Mato Grosso.
     Outra boa notícia foi o leilão dos aeroportos de Alta Floresta,
Sinop, Rondonópolis e Cuiabá, arrematados em conjunto pelo consórcio
Aeroeste. A expectativa é de que o interesse privado aproveite todas
as potencialidades dos aeroportos de Mato Grosso, em especial o de
Cuiabá que por sua localização centro-continental e uma área de 700 ha
em pleno centro da Região Metropolitana da capital tem todas as
condições de se transformar em um importante “hub” aeroviário
centralizando voos nacionais e internacionais, inclusive com espaço
para uma nova pista e até uma nova estação conforme já previsto em seu
Plano Diretor elaborado pela Infraero. Há também o potencial para
instalações de processamento industrial e comercial para exportação,
em articulação com o Porto-Seco e a Receita Federal.
     Mas o melhor vem de uma das empresas componentes do consórcio
vencedor atuar nas áreas de hotelaria e turismo abrindo a perspectiva
de que finalmente o imenso potencial turístico de Mato Grosso venha a
ser tratado em toda sua amplitude, das belezas naturais do Pantanal,
Amazônia e Cerrado às fantásticas plantações e criações high-tech do
agronegócio, passando pelas riquezas do patrimônio histórico e
cultural, distribuindo emprego e renda nas diversas regiões do estado.
Baixando o entusiasmo, é bom lembrar que para estas expectativas se
realizarem ainda será preciso muito trabalho e empenho como o mostrado
pelos nossos senadores, juntando-se a eles a sociedade organizada
mato-grossense e suas lideranças políticas e empresariais.

segunda-feira, 11 de março de 2019

AS CHEIAS DE SÃO JOSÉ

José Antônio Lemos dos Santos
     Diziam os antigos que a estação das chuvas em Cuiabá tinha dois picos, um em dezembro/janeiro e outro em março, também chamado de “repique”, por volta do dia de São José encerrando o período chuvoso, e as cheias eram aguardadas nessas épocas, ainda que nem sempre ocorrendo as duas com a mesma intensidade. Domingo que vem, 17 de março marcará os 45 anos do dia da cota máxima da cheia de 1974 em Cuiabá, chegando a 10,87 metros, desabrigando milhares de pessoas nos antigos bairros do Terceiro (“de Dentro” e “de Fora”), Barcelos e Ana Poupino, a região mais populosa da cidade. A cheia de São José naquele ano foi uma tragédia para a cidade logo quando esta dava um salto de crescimento em decorrência da inauguração de Brasília, dentre outros fatores. Grosso modo Cuiabá saltava de 56 mil habitantes em 1960 para 240 mil em 80. Um crescimento para o qual a cidade não estava preparada, nem seus cidadãos e governantes após décadas de estagnação. Ninguém entendia quando alguns visionários, verdadeiros profetas propunham a necessidade de preparar a cidade para aquela expansão.
     A calamidade daquela cheia serviu para dar uma sacudida nas autoridades. O governo Geisel tomara posse dois dias antes já com a inundação avançada. De imediato o ministro do Interior Rangel Reis veio a Cuiabá e tomou duas decisões radicais marcantes para a cidade e que não podem ser esquecidas. Determinou a demolição do que sobrara dos bairros atingidos, transferindo suas populações para conjuntos residenciais a serem construídos, um deles o Novo Terceiro. Nesse processo foram perdidos alguns marcos da cultura de Cuiabá que viraram saudade nas lembranças dos blocos carnavalescos “Sempre Vivinha”, “Coração da Mocidade” e “Estrela Dalva”, por exemplo.
     Outra determinação do ministro foi a realização de estudos técnicos buscando evitar novas tragédias semelhantes em Cuiabá. Daí resultou Manso, em princípio só para reduzir futuros picos de novas enchentes, um “açudão” de proteção urbana. Embora pouco divulgado, Manso cumpriu essa função ao menos em 2002 e 2010 impedindo que volumes de água superiores aos 3.025 m³/s de 74 chegassem a Cuiabá. Fosse só este seu objetivo, Manso já teria valido a pena.
     Depois, já em 1978, no antigo Minter, a Comissão da Divisão do Estado, da qual tive o privilégio de participar, propôs em conjunto com técnicos do estado a transformação de Manso em um projeto de aproveitamento múltiplo (APM) de barragem, pioneiro no Brasil para solucionar também a questão energética, na época o principal problema estadual. Junto com a energização do “açudão”, foram acrescidos os objetivos de regularização de vazão do rio, garantindo uma cota mínima além da redução das cotas máximas, prevendo ainda o abastecimento urbano de água e irrigação rural para a Baixada Cuiabana, três barragens a fio d’água rio abaixo, sendo que seu lago poderia também receber projetos de piscicultura, turismo e lazer.
     Ainda há quem pense que Manso foi construída para gerar energia, o que seria um absurdo pela dimensão de seu lago, maior que a Baía da Guanabara e 10 vezes o Lago de Brasília gerando apenas 210 MW (só a Termelétrica gerava 480 MW antes de ser abandonada). E a geração elétrica é um subproduto importante pois vem garantindo a estabilidade energética ao estado. Mas Manso ainda tem muitos outros potenciais que só começam a ser explorados agora, como a aquicultura e o turismo. O correto aproveitamento integrado de Manso, além de importante para o desenvolvimento regional, seria também uma homenagem ao flagelo da cheia de 1974. O fato é que hoje, em seu Tricentenário Cuiabá pode receber com mais tranquilidade a benção das águas de São José.    

segunda-feira, 4 de março de 2019

AS OBRAS DO VLT


Foto José Lemos
José Antonio Lemos dos Santos
     O artigo da semana passada sobre o “Largo do Rosário” trouxe à baila questões similares sobre as demais obras componentes do projeto do VLT. De fato, o projeto do VLT envolve vários “sub-projetos” muitos também parados, atravancando e enfeiando o espaço urbano, outros já em uso pela população e outros que também poderiam estar sendo usados bastando o interesse público e algumas intervenções inteligentes. Como o objetivo final do projeto do VLT é vê-lo rodando, enquanto isso não acontece a impressão que se tem é que nada foi feito. Mas foi, e o que foi feito, ainda que paralisado e não concluído, podia estar sendo melhor aproveitado paliativamente, ou pelo menos mantido em condições que não prejudicasse tanto a cidade e o cidadão.
     Antes, duas considerações. Primeira, abordo este assunto com tranquilidade pois à época em que se rediscutia a opção entre o BRT e o VLT, posicionei-me em artigo a favor do BRT. O VLT venceu, foi tocado e investidos mais de R$ 1,0 bilhão (sem as correções), dois terços do projeto. A partir daí, sem retorno, sou favorável à sua conclusão. Outra preliminar é que não trato sobre a propalada e provável corrupção que tenha acontecido, assunto para as polícias e tribunais nas suas diversas competências. Reflito aqui sobre alternativas provisórias de utilização para as obras do VLT, não todas as obras da Copa, ainda que antes de concluídas e que estão aí paradas em diversos estágios de execução, sem uso ou até atentando contra a estética e a segurança urbana em pleno Tricentenário de Cuiabá.
     Dentre as obras que já servem à cidade talvez a principal seja a trincheira do Quilômetro Zero. Inimaginável como estaria se não existisse. Outra muito útil é o viaduto “Hotwheels”, como ficou conhecido. Logo que liberado ao uso ficou tão bom que resolveram aproveitar para criar um novo acesso à região administrativa do CPA, complicando de novo o trânsito daquele trecho. Também de grande utilidade são os viadutos da saída para Santo Antônio e o da UFMT, este com problemas iniciais de alagamentos depois aparentemente resolvidos e sofrendo com a não conclusão da nova avenida do Barbado. Ambos com problemas em alças de conversão que podem ser melhoradas com pequenas desapropriações, talvez até previstas no projeto, mas não realizadas. Se não está ótimo com eles, imaginem se não existissem.
Foto José Lemos
     Outras obras inconclusas do VLT também já poderiam ser úteis à cidade como o terreno deixado pelo deslocamento do Atacadão, logo no principal acesso à capital, vindo do aeroporto. Vira um espaço útil apenas com a limpeza do terreno, iluminação, arborização, criação de passeios públicos e a colocação de bancos e aparelhos de ginástica. Que ao menos fosse limpo e feitas as calçadas, que são equipamentos de segurança pública exigidas por lei. Outra obra que pede um uso digno é a estação do VLT em frente ao aeroporto. Com pequenas adaptações poderia servir como confortável abrigo para os ônibus urbanos e metropolitanos que hoje param ali, mas fora da cobertura e na pista de rolamento da avenida pondo em risco o trânsito e os usuários. Outra é o viaduto da Trigo de Loureiro, pronto, mas ainda fechado. Sua desobstrução, sem dúvida ajudaria muito a Avenida do CPA em um de seus trechos de maior conflito. Por fim, a terceira ponte Júlio Muller que muitos nem sabem que foi feita e não é utilizada pelos veículos. Poderia ser tratada urbanisticamente como ciclovia e passagem de pedestres facilitando a vida dos que cruzam diariamente o rio, em especial os moradores do Porto e da Alameda. Talvez até desse um belvedere para apreciação privilegiada do rio por turistas ou mesmo pela população local. Sugestões ainda para o ano do Tricentenário.