"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A NOIVA DO SOL

Foto José Lemos

José Antonio Lemos dos Santos

     No Hino de Mato Grosso quando Dom Aquino fala em “terra noiva do sol” por certo se refere a Cuiabá, em especial às suas condições de convivência prazerosa com elevadas temperaturas. Hoje quando os automóveis e a demência humana esparramam asfalto e concreto ao léu, ninguém escapa aos efeitos do calor intenso em que vive a cidade. Todos sofrem, reclamam dele, transforma-se até em assunto obrigatório para quando não se tem por onde iniciar uma conversa. Assim, pouca gente se lembra ou percebe que nossa cidade é a Cidade Verde – ainda – pois a natureza, sempre sábia, ao nos abraçar com seu calor intenso, ofereceu em troca um sítio urbano densamente drenado com córregos e inclusive dois rios, bem como uma invejável cobertura vegetal. 
     Essa contrapartida jamais pode ser esquecida ou confundida com “mato”, “lixo” para ser imolada à sanha de algum tipo pervertido de progresso. Ao contrário, é essa “mixagem”, essa mistura de calor com muito verde e muita água que produz aquela condição climática gostosa tão lindamente definida por Carmindo de Campos como um “calor sadio que às vezes é melhor, bem melhor que o frio”. Daí também a imagem genial da “noiva do sol”, cujo vestuário natural lhe cobre de verde, ornado com fios de água corrente, brilhantes e cristalinos, traje mais que apropriado, indispensável à uma convivência ensolarada saudável. 
     Nas últimas seis décadas nossa cidade revitalizou-se, voltou a crescer de forma intensa, envolvendo as duas margens do rio que lhe deu origem, com um dinamismo extraordinário. Esse processo nada mais é que a realização da vocação de uma cidade fincada no coração de um continente, encontro de caminhos, divisor das águas amazônicas e platinas e hoje, às vésperas de seu Tricentenário, centro de uma das regiões mais produtivas do planeta. Não foi à toa que nossa gente ficou por aqui por séculos mesmo quando todas as condições lhe eram desfavoráveis. A cidade vai continuar dinâmica, e é bom que seja assim. Mas o que desafia e exige a intervenção do interesse público é a qualidade desse dinamismo. O progresso da cidade tem que se dar a favor de seus cidadãos e do planeta, e não contra. É possível isso? É. Para tanto existem as técnicas do planejamento urbano e suas leis urbanísticas; para isso a Constituição instituiu o Plano Diretor Urbano e os Poderes Públicos têm seu poder de polícia. Entretanto para que essas coisas funcionem é preciso uma indubitável decisão política no sentido do controle da cidade, em clima de colaboração civilizada e de mútua confiança democrática, envolvendo não apenas as autoridades executivas e legislativas, mas a comunidade como um todo. 
     Podíamos ter feito e podemos fazer muito mais por nossos rios, córregos, parques, áreas verdes e ZIAs, afinal, muito antes da grande onda das preocupações verdes envolverem o mundo, nossos antepassados já haviam escolhido para nossa cidade o título de “Cidade Verde” como o único modelo viável a ser seguido para a qualificação ambiental de nossa Cuiabá, a Ikuiapá dos bororos, onde pescavam com flecha-arpão.


Foto José Lemos

     Reescrevo este artigo publicado em 1991 no saudoso Jornal do Dia, a quase um quarto de século. O calor aumenta e não é mais assunto apenas para puxar conversa. É pauta de todas as conversas, do barzinho à porta da igreja. Talvez enfim o paradigma da “Cidade Verde” seja compreendido em toda sua sabedoria e abraçado com determinação por um povo que superou muitas provações. A natureza deu para nossa cidade um clima especial e as condições naturais de adequação a ele. Cabe a nós decidirmos o que fazer delas, por ação ou omissão. Infelizmente, não seremos nós a pagar pela eventual escolha errada ou tardia. Serão nossos filhos. Idos 25 anos, nossos netos, toda nossa descendência. 
(Publicado em 27/10/15 pela Página do Enock, em 28/10/15 pela FolhaMax e HíperNotícias, e em 29/10/15 pelo Diário de Cuiabá ...)



quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ARENA ESPETACULAR

     Recebi esta foto da Arena Pantanal feita pela arquiteta Cássia Abdallah, para mim uma das melhores fotos da praça esportiva multiuso, mostrando sua integração com a cidade física e com as pessoas da cidade.

Foto Cássia Abdallah Out/15

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

VIVAS!

Foto José Lemos 10/10/15

José Antonio Lemos dos Santos

     Como um milagre, de repente só boas notícias. Impressão minha ou os tempos estão dando sinais de mudanças positivas, para frente, ao menos em Mato Grosso? Claro que ajudou muito esta visão mais otimista do mundo a estada de meus quatro netos em minha casa neste fim de semana prolongado dedicado às crianças e à Nossa Senhora Aparecida. É importante o passado e as investigações oficiais sobre seus acertos e erros, mas sem prejuízo da construção positiva do futuro. 
     Pois bem, a sexta feira, dia 9, amanhece com a notícia do governo do estado ter assinado ordem de serviço para retomada das obras do Aeroporto Marechal Rondon, paradas há no mínimo 10 meses. Nestes tempos globalizados o privilégio de um aeroporto de porte internacional é uma vantagem comparativa excepcional que não pode ser desprezada, mas trabalhada como poderosa ferramenta de desenvolvimento local e regional dado seu poder atrativo de investimentos como diferencial gerencial e logístico. Ainda mais, Mato Grosso, hoje uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta, com interesses pelo mundo todo. Trata-se de sua principal porta de entrada que deve estar sempre bonita, confortável, segura, moderna e compatível com as projeções de desenvolvimento regional. No caso do Marechal Rondon, trata-se ainda de um hub aeroviário continental em potencial por sua localização estratégica única no centro do continente sul-americano. Aliás, jamais será demais lembrar a fantástica visão de futuro dos que na década de 40 tiveram a coragem de destinar na Cuiabá de então mais de 700 hectares à ainda incipiente aviação comercial. Era muita confiança no desenvolvimento do estado e da aviação. Tinham a visão correta do futuro. Hoje entre os 14 mais movimentados do país. Este ano passou os de Manaus e Goiânia. Profetas. Quantos deles teríamos hoje? Para chamar de “elefante branco” sim, aliás, muitos.
     Outra ótima do fim de semana foi a proposta do governador Pedro Taques de criar um espaço cultural multiuso para a população na área do 44º BIM. Sensacional! Lembra Dante de Oliveira e a parceria similar com o Exército, que resultou no fantástico Parque Mãe Bonifácia. O 44º sempre me lembra o presidente Dutra, seu construtor ainda quando ministro. Cuiabaninho vendedor de bolos feitos por sua mãe no centro de Cuiabá, pobre, saiu daqui sem qualquer ajuda, negada reiteradas vezes, em busca dos estudos em um colégio militar a que tinha direito como órfão de veterano da Guerra do Paraguai. E foi lavando pratos nas lanchas e trens que alcançou seu destino como presidente da República eleito e conquistou seu lugar na História. Cuiabá, Mato Grosso e o Brasil têm uma imensa dívida com Dutra, um grande presidente que entre outras coisas convocou a Constituinte que produziu a Constituição mais democrática que o Brasil já teve, e ficou conhecido como “o homem do livrinho” por obedecê-la e pelo exemplar que levava sempre em seu bolso. Tudo a ver com nosso governador, também defensor incondicional da Constituição. A bela proposta do governo estadual comportaria um Memorial Dutra, nele incluso um Colégio Militar para ajudar nossas crianças a sonhar serem novos Dutra, novos Rondon? É bom lembrar que em 1957 a prefeitura doou a área hoje ocupada pelo Círculo Militar para ser o Colégio Militar de Cuiabá. Até hoje... 
     Ainda apareceu ouro em Pontes e Lacerda, mas é bom esperar mais notícias. Prefiro lembrar a alegria de rever a Arena Pantanal com sua espetacular fachada cênica iluminada como espero que permaneça sempre como um elemento a mais de atração turística em Mato Grosso. Levava uns amigos de Mato Grosso do Sul para conhecer a Arena e para minha surpresa estava iluminada. Também surpresos, ficaram maravilhados! 
(Publicado em 14/10/15 pela Pàgina do Enock, em 15/10/15 pelo Diário de Cuiabá, Midianews, ...)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

FICO E VLT

Colisão de VLT e BRT em charge do Professor José Maria Andrade, especial para o meu livro "Cuiabá e a Copa- A preparação."


José Antonio Lemos dos Santos

     Cerca de um mês atrás, o prefeito de Lucas do Rio Verde, Otaviano Pivetta, atacou em entrevista o projeto do VLT em Cuiabá, dizendo entre outras coisas tratar-se de um “crime” e “um dinheiro que foi tirado das necessidades prioritárias do Estado, para fazer esse sonho louco, que eu não sei de quem foi”. Pena que o sr. Pivetta não tenha usado do seu indiscutível prestígio empresarial e político quando do momento da intempestiva troca do BRT pelo VLT, para tentar impedi-la. Também considerei absurda a troca em artigo intitulado “Sou BRT”, mas, em março de 2011, época da discussão. Hoje, depois gastos mais de R$ 1,0 bilhão, já acho que um absurdo seria o abandono de suas obras.
     Contudo, ao trazer à baila o VLT, o sr. Pivetta nos faz lembrar a tão prometida ferrovia de Integração do Centro Oeste – a Fico, da qual, por coincidência, é um dos principais idealizadores, de 1.200 km, surgida também de uma hora para outra em troca da paralização do projeto da Ferronorte em Rondonópolis, a 460 km de Nova Mutum. Assim, lado a lado, a Fico e o VLT lembram o caso do sujo e do mal lavado.    
     Não sou contra o VLT nem contra a Fico. Sou contra a oportunidade de ambos. O VLT é um modal usado no mundo inteiro e que muito bem pode ser utilizado em qualquer cidade do mundo, em sistemas de modais integrados conforme recomenda a moderna técnica da mobilidade urbana. Mas, considerando que a demanda na época da troca era atender a Copa em um prazo exíguo de 3 anos, era claro que não dava para ser executado. Deveria então ser mantida a opção pelo BRT, já com projeto e financiamento aprovados, de execução mais rápida e a um custo 3 vezes inferior ao do VLT, este sem projeto e ainda em um processo de discussão de financiamento que enfim se desenrolou de forma tumultuada, com denúncia de troca de pareceres técnicos no Ministério das Cidades e, inclusive, com queda de ministro. Um escândalo.    
     Também não sou contra a Fico. Mato Grosso é um gigante produtivo centro-continental e sua redenção é a abertura de caminhos, em todos os modais e direções. Quanto mais, melhor.
Assim, penso que em breve chegará o momento para a Fico. Mas nosso problema hoje é atender a questão da logística de transportes que vem travando nossa potencialidade produtiva, com imensos prejuízos aos nossos bravos produtores, prejudicando o meio ambiente e matando muita gente querida nas estradas. Aliás, este artigo foi provocado pelos dados divulgados pelo Ipea, na semana passada, dando conta que em 2014 ocorreram 4.460 acidentes nas rodovias federais em Mato Grosso, com 283 mortes, mais que a tragédia da boate Kiss que nos faz chorar até hoje a morte de 242 jovens. Nossas estradas tornaram-se trágicas graças, em grande parte, ao dinamismo mato-grossense ter extrapolado em muito a capacidade do modal rodoviário, exigindo ferrovias e hidrovias complementares. Em 2014, esses acidentes em nossas estradas custaram R$ 486,7 milhões, e na produção 18 milhões de toneladas de grãos ficam ao relento aguardando transporte e, quando transportados, cerca de 2 milhões de toneladas de soja e milho por ano são perdidos, “vazando” pelas rodovias. Triste. Puro desrespeito a um povo trabalhador.    
     Nesse quadro emergencial e dramático é incompreensível a paralização do projeto da Ferronorte em Rondonópolis com o maior terminal ferroviário da América Latina em total funcionamento a apenas 460 km de Nova Mutum, em plena área de produção de grãos, a 230 km de Cuiabá, maior polo consumidor, distribuidor e concentrador de mão de obra do estado. 
Projeto paralisado em troca da Fico com 1.200 km em direção à ferrovia Norte-Sul, inacabada em Goiás. Enquanto isso a natureza sofre, a economia perde e o povo morre nas estradas.   

(Publicado em 06/10/2015 pelo Midianews, Jornal Oeste, ....)

Comentários:
No Midianews:
Jorge Luiz  06.10.15 08h56
É bom que os eleitores de MT, principalmente do Vale Cuibá, tenham consciência política e saibam escolher representantes para o Estado, não apoiando políticos bairristas como o Sr. Otaviano Piveta. MT se entende como 141 municípios, não apenas Lucas do Rio Verde.

Lopes  06.10.15 08h26
O que o sr. Piveta queria a época daquele comentário fora de tempo, era isso: REFLETORES

sábado, 3 de outubro de 2015

E A NOSSA FERROVIA?

constran.com.br

Jandira Maria Pedrollo, arquiteta e urbanista.

     Por décadas a fio o povo mato-grossense esperou a conclusão da tão sonhada ferrovia Senador Vicente Vuolo. Agora, quando essa se aproxima do Centro Geodésico da América Latina, na capital do Estado, novos fatos se apresentam com a priorização de outras possibilidades até então não cogitadas, deixando a população da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá apreensiva. 

     “O trem chegará a Cuiabá?” 

     Novos rumos foram traçados sem que a população mato-grossense tivesse a oportunidade de se manifestar. 
     Conforme noticiado no site do Ministério do Planejamento em junho de 2015, referente às obras do PAC, para a ferrovia entre Lucas do Rio Verde (MT) e Miritituba (PA) serão destinados R$ 9,9 bilhões; consta também a projeção de R$ 40 bilhões para o trecho brasileiro da Ferrovia Bioceânica (também chamada transoceânica ou transcontinental), que interligará o Centro-Oeste e o Norte do país ao Peru. Trata a nova ferrovia como sendo um investimento estratégico para o escoamento de produção agrícola via Oceano Pacífico até os mercados asiáticos. 
     Apesar de no site anunciar a ligação do Centro-Oeste do país e Norte ao Peru, o que tem sido noticiado na imprensa é que a ferrovia atravessará o continente, ligará o oceano Atlântico ao Pacífico. Trata também da ligação de Lucas do Rio Verde ao Pará como fato isolado, e não como uma complementação da malha ferroviária federal. 
     É de estranhar, há um ano a ferrovia planejada para Mato Grosso era a Senador Vicente Vuolo. Tanto que a matéria veiculada em 4 de maio de 2014, no site Portos S.A., Revista de Logística e Comércio Exterior, com o título: “Sai o traçado da ferrovia entre Rondonópolis e Cuiabá” noticiava a conclusão do estudo de viabilidade dessa Ferrovia e estimativa em R$ 1,4 bilhão o custo do trecho. E ainda que técnicos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) haviam entregado à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) o modelo do traçado ideal para a ligação ferroviária entre Rondonópolis e Cuiabá. 
     Porém, pelas notícias atuais, a prioridade do momento deixou de ser a continuidade da Ferrovia Senador Vicente Vuolo até Cuiabá e sua continuidade até o Norte do Estado e em sequência a região Norte do País. Ferrovia que serviria ao abastecimento da região mais populosa de Mato Grosso, ao transporte de insumos, combustíveis e ao mesmo tempo o escoamento da safra e dos produtos aqui industrializados. A facilidade no transporte favoreceria a industrialização de Mato Grosso e o beneficiamento da matéria prima aqui produzida. Um ano após a entrega dos estudos, pelo qual o governo mato-grossense aguardava ansioso, surge nova prioridade, fora do até então planejado. Pensando apenas em “escoamento da safra”, exportação de minérios e não mais na produção ou recepção de produtos industrializados para o abastecimento do consumo interno ou mesmo combustíveis e insumos para a produção agrícola. 
     Vemos que o Brasil, na contramão da economia, está se desindustrializando. Estamos enviando matéria-prima bruta para o exterior e produzindo empregos na China. Grande número de indústrias brasileiras se transferiu para lá enquanto dispomos de mão de obra ociosa. 
     No sentido inverso importamos diversos produtos chineses até então desnecessários ou mesmo inconvenientes, como sacos plásticos para lixo produzidos com resíduos sólidos reciclados. Em resumo, o lixo chinês já está sendo depositado no Brasil, na forma de produto industrializado. 
     Entendemos a ligação ferroviária Leste – Oeste como benéfica ao país, a Mato Grosso, ao governo chinês e aos empreendedores do norte mato-grossense, porém devemos ter o cuidado com as condições impostas pelo governo chinês para a implantação do empreendimento. Assim como não podemos descartar a continuidade de um planejamento viário iniciado há décadas e onde já foram investidos muitos recursos, que é a continuidade da implantação da Ferrovia Senador Vicente Vuolo. Tais ferrovias somente farão sentido se interligadas entre si e a outros modais de transporte. 
     Referente à posição da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá, estando localizada no “Centro Geodésico da América do Sul” não pode ficar desconexa das principais vias de transporte nacional, tanto ferroviárias, rodoviárias, aeroviárias e mesmo hidroviárias sob o risco de ser excluída do processo produtivo mato-grossense. 

(Publicado em 01/10/15 pelo RDNews e em 03/10/15 pelo Diário de Cuiabá)