"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 26 de agosto de 2014

MEU CARO ELEFANTE

gazetadopovo.com.br

José Antonio Lemos dos Santos

     Já estive diversas vezes dentro da Arena Pantanal, durante a Copa ou depois torcendo para nossos times locais. Neste último fim de semana voltei à grande praça da Arena Pantanal para uma saudável e prazerosa caminhada. Meu local favorito continua sendo o Parque Mãe Bonifácia, porém a Arena Pantanal chegou como uma promessa de espaço alternativo de grande qualidade, aberto às noites. Adotado imediatamente pela população, é muito bonito ver como de fato as pessoas abraçaram aquele espaço, e é notável como ela de fato carecia de espaços públicos como este com grandes áreas pavimentadas aptas à pratica segura de diversas formas de lazer e esporte, em especial os de rodas não motorizadas. Lá vemos, às centenas, pessoas contentes em seus diferentes tipos de skates, patins, bicicletas, velocípedes, pais ensinando às crianças a arte do equilíbrio nas rodas ou os primeiros chutes na bola, e aqueles caminhando ou correndo, ou só passeando com seus animais de estimação. Havia até uma entusiasmada fanfarra-mirim ensaiando para o 7 de Setembro. Usuários felizes num espaço projetado para esse fim, essa é a realização maior da Arquitetura. 
     Infelizmente, saí de lá preocupado. Parece que as previsões pessimistas começam a dar mostras de que podem acontecer em relação à Arena. Não pela temida insipiência de nosso futebol, que vem inclusive apresentando boa média de público em nível nacional para surpresa daqueles que não conheciam sua força, mas pela aparente incapacidade do governo em lidar com um equipamento como uma arena classificada entre as mais modernas, sofisticadas e complexas do mundo. As falhas na iluminação cenográfica das fachadas observadas no sábado chegaram a apagar totalmente a fachada leste no domingo, inclusive a iluminação da praça, deixando o povo no escuro. Tratando-se de um dos pontos altos e inovadores da Arena Pantanal essa iluminação cênica merece um tratamento especial constante. Presenciei também que os carros estão usando a praça como estacionamento e mesmo circulando entre as pessoas. Além do policiamento ostensivo presente, ainda que em número reduzido, certamente serão necessários orientadores ou monitores articulados com a segurança policial para evitar acidentes que venham quebrar a magia que ainda encanta os usuários da praça. 
     Aliás, na outra semana quando do jogo Cuiabá x Fortaleza, em rodada dupla com o Operário, houve também um show musical no local. Nada demais, já que se trata de um equipamento de múltiplo-uso, inclusive, com a previsão de espetáculos musicais. O problema é que não usaram a Arena, mas montaram um palco imenso, como esses usados nos grandes shows públicos itinerantes, sem o menor respeito por aquele que foi considerado um dos mais espetaculares projetos arquitetônicos do mundo, recém-inaugurado a um custo de R$ 600,0 milhões. E o pior, restaram cravados grampos e braçadeiras com porcas e parafusos expostos no piso antes lisinho da praça, expondo seus usuários a riscos de quedas e topadas perigosas. 
     Era sabido que a gestão seria o grande desafio de um equipamento como a Arena Pantanal. Não se trata apenas decidir se vai ser pública ou privada. Antes de tudo é preciso assegurar que um equipamento desse porte funcione como uma poderosa ferramenta de promoção da qualidade de vida para o povo mato-grossense. As experiências bem sucedidas geralmente trabalham com agências específicas de gestão, voltadas especificamente para o desenvolvimento das múltiplas potencialidades do equipamento. No caso, não só futebol, shows, e a atratividade turística do fantástico edifício, mas a própria praça em que está inserida e que caiu tão bem no gosto do povo. 
(Publicado em 26/08/2014 pelo Diário de Cuiabá, ...)



terça-feira, 19 de agosto de 2014

ELEIÇÕES E FERROVIA

amantesdaferrovia.com.br

José Antonio Lemos dos Santos

     Dá para desconfiar quando alguém diz querer resolver um problema urgente, mas em vez de escolher a solução mais viável, rápida e barata prefere outra com o dobro das dimensões, custos e dificuldades. É o caso da logística em Mato Grosso, que vem trazendo pesadas perdas à produção e ao ambiente, e, em especial, perdas de vidas humanas. Não dá para comparar os 560 Km da continuidade da Ferronorte de seu terminal operante em Rondonópolis passando por Cuiabá até Lucas do Rio Verde, com os 1200 Km da FICO de Lucas até a inoperante Norte-Sul. 
     Na verdade, por trás dessa questão da ferrovia estão em jogo dois projetos de futuro para Mato Grosso. Por um a ferrovia passa por Cuiabá, e pelo outro busca-se afastar o norte do sul mato-grossense, com Cuiabá no meio, isolada. Como Cuiabá é o maior reduto eleitoral do estado, esse jogo tem sido habilmente dissimulado por seus defensores. O primeiro projeto, a Ferronorte, tem quase 5 décadas e a cada ano é mais atual, mostrando a grande visão de seus idealizadores, os saudosos senador Vicente Vuolo e o professor Domingos Iglesias. Seu traçado vai até Santarém pela espinha dorsal do estado, a BR-163, com uma variante para Porto Velho e Pacífico, comportando outras extensões como para Cáceres, e mesmo para a FICO. Uma ferrovia que reforça a integridade geopolítica que faz de Mato Grosso um estado otimizado e o de maior sucesso produtivo no país. Uma ferrovia para levar e também trazer o desenvolvimento, não só uma esteira exportadora de soja.
     O outro projeto surgiu com o avanço da economia do estado e do oportunismo estratégico de algumas lideranças políticas que querem aproveitar da nova força para dividir o estado. Por ele a Ferronorte para em Rondonópolis e é complementado com a FICO ao norte, cortando o estado horizontalmente, sequestrando nossas cargas e empregos para Goiás e Rondônia. Basta lembrar do mapa do estado para entender a clara intenção de dividir a economia mato-grossense, deslocando artificialmente o centro geopolítico de Cuiabá para dois polos, Lucas e Rondonópolis, forçando uma futura divisão política do estado. O Mato Grosso platino fica excluído, inclusive Cuiabá e Cáceres com todas as potencialidades de seu porto e ZPE
     O problema deste projeto é a Grande Cuiabá, o maior centro de carga de ida e volta do estado. Temem que um terminal ferroviário em Cuiabá, ligado a Cáceres, Lucas, Porto Velho e aos portos do Pará inviabilize o terminal de Rondonópolis como o maior do estado, indispensável ao pretendido deslocamento geopolítico ao sul. Daí a necessidade de se isolar Cuiabá. Já o projeto da Ferronorte ficou órfão politicamente sem o senador Vuolo e Dante. Quem fará sua defesa? A FICO hoje foi abraçada pela classe política que trabalha por ela com um eloquente e covarde discurso de fingimento e omissão em relação à Ferronorte, em especial aqueles que não cresceram com o estado e para os quais a única chance de sobrevida política é reduzir Mato Grosso às suas próprias mediocridades. Mudos! Para estes a logística, o produtor e vidas humanas são secundários, só lhes interessa mais poder, mais cargos públicos, tudo pago pelo povo. 
     A Ferronorte não exclui a FICO, o inverso sim. E podem ser as duas. Em 70, na ligação asfáltica de Cuiabá o dilema era se seria por Goiânia ou Campo Grande. Aconteceram as duas e foi um sucesso. Mas hoje enquanto nos calamos o projeto excludente avança. Quem defenderá os trilhos para Cuiabá, Nova Mutum e Lucas, a continuação do atual Mato Grosso, unido e campeão, ao invés de rasgá-lo em dois ou mais, de volta ao fim da fila federativa, de novo sem poder, sem voz e vez? 
(Publicado em 19/08/2014 pelo Diário de Cuiabá, ...)

terça-feira, 12 de agosto de 2014

MUITO ALÉM DO BARREIRO BRANCO

skyscrapercity.com

José Antonio Lemos dos Santos

     Compactas, densas e diversificadas, 3 palavras que melhor resumiriam a doutrina urbanística atual sobre as cidades contemporâneas inteligentes e sustentáveis. Desde fins da década de 80, as extraordinárias equipes técnicas do extinto Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá – IPDU, recém criado à época, tiveram a capacidade de entender estes princípios ainda tenros na literatura urbanística de então e fazer propostas de vanguarda para Cuiabá tendo como foco a ideia do “crescer para dentro”, isto é, a cidade ocupar seus espaços vazios e aumentar sua densidade visando a otimização da infraestrutura e a redução de seus custos operacionais. Os estudos apontavam que, por conta de sua ocupação descontrolada, a cidade tinha uma densidade urbana muito baixa, ou seja, tinha uma Zona Urbana muito maior que a necessária para abrigar com conforto sua população. Era preciso então evitar a todo custo novas ampliações. 
     As metas de adensamento e compacidade das cidades foram reafirmadas depois pelo Estatuto da Cidade e hoje é o que existe de mais atual na literatura urbanística mundial. Reforçando a tese, em 2007 o então prefeito Wilson Santos através da Lei Complementar nº 150 proibiu por 10 anos a ampliação do perímetro urbano de Cuiabá. E pelo que sei continua proibido. Mas... A pressão pela expansão do perímetro urbano por força da valorização da terra é um fenômeno permanente aqui e em todo o mundo e seu controle em função do interesse público é básico, indispensável para o sucesso de qualquer política urbana.
     Na contramão da história, no início de 2011 foi extinto o IPDU e em fins de maio do mesmo ano durante a administração Francisco Galindo foi aprovada na surdina a Lei 5.395 criando os distritos do Sucuri, Aguaçu e Nova Esperança. Até aí tudo bem. Só que no bojo da criação dos distritos veio a definição das Zonas Urbanas das sedes dos tais distritos, cabendo à sede do Sucuri uma Zona Urbana com 1070 ha, injustificáveis tecnicamente, maior que a Morada da Serra, da ordem de 700 ha e que poderia ser a quarta ou quinta cidade do estado. Meses depois, quando o assunto veio à luz do conhecimento público, a leitura do encaminhamento topográfico do perímetro da nova Zona Urbana trouxe a explicação. Nela se observa que a nova Zona Urbana é colada à Zona Urbana de Cuiabá, configurando na prática uma ampliação desta em 1070 ha, ampliação proibida por 10 anos pela Lei Complementar 150/2007.
     Agora surge o projeto da transformação do Barreiro Branco em novo distrito municipal, próximo ou colado ao limite norte da Zona Urbana de Cuiabá, proibida de ser ampliada por 10 anos. Os discursos justificativos são relativos à qualidade de vida da população local, resumida em asfalto. Tomara que seja. Mais será que é? Uma coisa é certa, os políticos serão presenteados com mais uma estruturazinha de no mínimo 3 ou 4 cargos pagos com nossos impostos. Mas desconfio que vai além. Qual será a área da sede desse novo distrito e por acaso também ficará colada à Zona urbana de Cuiabá, de ampliação proibida? 
     Não podemos voltar ao antigo “faroeste urbano”, que nos reconduz à insegurança jurídica e à metástase urbana que pensávamos ter ficado no passado. O desenvolvimento das cidades deve ser conduzido pelos seus legítimos interesses públicos voltados ao bem comum. O cachorro deve abanar o rabo e não o inverso. Afinal, sustentabilidade, o conceito chave nos processos de desenvolvimento atuais, nada mais é do que pensar em nosso próprio bem, mas pensar também no bem de quem vem depois. Na real, que cidade queremos? Que cidade vamos deixar aos nossos filhos e netos, que cidade legaremos às futuras gerações? 
(Publicado em 12/08/2014 pelo Diário de Cuiabá)

terça-feira, 5 de agosto de 2014

PASSE LIVRE UNIVERSAL

Imagem: www.em.com.br

José Antonio Lemos dos Santos

     Final do mês passado a Firjan divulgou pesquisa mostrando que os custos dos congestionamentos viários geraram em 2013 um prejuízo de R$ 98,0 bilhões, apenas nas Regiões Metropolitanas do Rio e São Paulo, considerando apenas a produção não-concretizada e o gasto extra de combustíveis. Isso só em um ano e sem contar a perda do tempo da população, vidas ceifadas ou mutiladas, poluição, estresse, etc. E reclamamos dos gastos totais com a Copa, estimados em R$ 25,0 bilhões. 
     Vale recordar que mesmo com as superações trazidas pelos novos tempos, a velha Carta de Atenas segue como um documento básico do Urbanismo. Uma de suas principais interpretações confere às cidades 4 funções básicas, moradia, trabalho, lazer e circulação, com a “quarta função” tendo como objetivo “só” estabelecer uma “comunicação proveitosa” entre as outras 3 funções. Embora última na descrição das funções urbanas e sem um objetivo em si própria, a Carta chega, contudo, a tratá-la como “primordial” à vida urbana, pois a ela cabe conectar as demais 3 funções que não funcionam desconectadas entre si. Ou seja: sem circulação, as cidades param. Isso a Carta de Atenas já dizia. 
     Com o tempo os conceitos avançaram e a circulação chegou ao âmbito da mobilidade urbana, na qual as várias modalidades de transporte se integram, desde os pés, para articular as funções urbanas de forma segura, justa, sustentável e - por que não? – até prazerosa. As cidades cresceram em dimensões físicas, população, complexidade e dinamismo. Fazê-las caber no ciclo solar de 24 horas torna-se cada vez mais difícil. Hoje a circulação ultrapassa sua formulação original de função urbana, e chega a caracterizar-se como condição indispensável à vida das cidades, do banco à borracharia, da fábrica à escola, da mansão ao barraco, do patrão ao operário. Basta ver o colapso geral das cidades quando das paralisações no transporte coletivo, tronco principal da mobilidade urbana. Ou se atentar para os custos de seu mau funcionamento citadas no início deste artigo. 
     Ano passado o Brasil viveu grandes manifestações populares contra o desrespeito com que as coisas públicas são tratadas pelas autoridades no país, e um movimento pelo passe livre para todos – não só para estudantes - foi o deflagrador de toda essa saudável e democrática convulsão pública. De imediato muitas prefeituras reduziram as tarifas em alguns centavos, mas não foram a fundo na questão, e tudo parece ter ficado por isso mesmo. Mas não dá mais para esconder, a solução da mobilidade urbana hoje é fundamental para todos e não pode mais ser imputada apenas ao usuário de ônibus. 
     A solução exige uma revisão de conceitos sobre a cidade e nela a mobilidade urbana. O transporte público é um serviço de custo muito elevado que serve a todos, mas quem paga é só o usuário, justo aquele em piores condições para fazê-lo, mas que, além de pagar na tarifa, paga também na carne e na cuca as mazelas de um transporte de péssima qualidade. Distribuir seus custos e sua acessibilidade a todos através de uma política de passe livre universal é a solução a ser pensada como o eixo da necessária revolução na mobilidade urbana e, por consequência, nos padrões da vida urbana no Brasil. Tratá-la como já se faz com a iluminação pública? Não se trata da criação de um novo imposto, e sim de redistribuir entre todos aquele imposto em forma de tarifa que é pago só por uma parte da população. A baixa qualidade e o alto custo do transporte coletivo expulsam os usuários para outros modos de transportes, como a moto. Menos usuários, maior a tarifa, numa espiral negativa acelerada. Só o passe livre universal, numa nova visão de cidade e de mobilidade urbana, pode reverter essa tendência. 
(Publicado em 05/-8/2014 pelo Diário de Cuiabá)