"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A VENDA DA RUA

José Antonio Lemos dos Santos


     Volto à questão da venda da rua Tuffik Affi, que seria melhor tratada como a venda da entrada da cidade. Na verdade ao vir a público a venda da rua, aflorou também a venda da área lindeira acontecida anteriormente, pelo mesmo questionável “método” usado na venda da rua, por razões, valor e data até hoje do desconhecimento público. O conjunto rua/área localiza-se na principal entrada da cidade, vindo do aeroporto, uma ampla área pública predestinada a receber um tratamento urbanístico especial, digno das entradas das verdadeiras civitas, capaz de envaidecer os cidadãos e bem recepcionar o turista nacional e internacional com uma boa primeira impressão, que é a que fica. A prefeitura vendeu a entrada da cidade, não apenas uma rua.
     Mas a importância desta área vai além, pois é também local privilegiado de fruição do rio Cuiabá em todas as suas dimensões, em especial pelo que representa como história, paisagem, ou ambiente natural aberto. Ressalte-se que fica justo sobre a canalização do córrego da Prainha e contígua à sua foz, onde ainda resistem as pedras do I-Kuia-pá, origem do próprio nome da cidade. Está também na interseção de duas importantes avenidas da Grande Cuiabá, a avenida Manuel José da Arruda (a Beira-Rio) e o binário XV/Cel.Duarte, que junto com a avenida da FEB formam o eixo estrutural que corta a Grande Cuiabá de norte a sul, do Mapin até o CPA.
     Portanto, não se trata de uma área qualquer da cidade, mas sim de uma de suas áreas mais nobres, urbanisticamente falando. Ao contrário do que aconteceu, se fosse de propriedade privada, certamente deveria ser desapropriada, mormente agora com a aprovação pelo governo federal do projeto da calha central para o BRT, proposto pela própria prefeitura, que vai passar por ali, com o prefeito falando inclusive na construção de uma nova ponte no local. Como vai acontecer? Pela sua importância certamente esta interseção precisará de espaço, o máximo possível, para que possam ser acomodados seus raios de curvas, faixas de rolamento, canteiros e calçadas, generosas, permitindo fluidez, conforto e segurança aos transeuntes, pedestres ou motorizados, inclusive, para a circulação exclusiva do novo transporte coletivo.
     Dois meses após a venda da rua ter vindo à luz, a prefeitura ainda não explicou a razão da venda. “Pouco movimento” não basta para desafetar uma rua. Só se integrante de um projeto urbanístico para a área, que tivesse sido apresentado antes à população ou, no mínimo, aos vereadores para discussão sobre sua utilidade pública. Até hoje nenhum projeto. Aliás, a situação esdrúxula é bem ilustrada na imprensa pelo vereador Francisco Vuolo ao dizer que o projeto “chegou no Legislativo no mesmo dia, minutos antes de ser colocado em votação”, e pelo vereador Toninho de Souza: "Eu nunca iria votar um projeto desse para vender uma rua. Isso não existe. Se eu fizesse isso, teria que sair preso da Câmara. O projeto que aprovamos não dizia nada sobre venda de rua e, se isso aconteceu, fomos enganados.".
     A indignação manifestada pela população em todos os meios de comunicação e a pronta ação do Ministério Público junto ao Judiciário, através do promotor Gérson Barbosa, trazem a certeza de que o assunto não está encerrado e a cidade poderá ainda voltar a dispor de seu valioso patrimônio urbanístico. Este assunto é fundamental para a tão necessária elevação dos padrões urbanísticos de Cuiabá e não pode ser jogado na vala comum dos bate-bocas emocionais das eleições que se avizinham nem, muito menos, ser abandonado no estoque dos escândalos que tanto indignam nossa gente, mas que logo são esquecidos.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 26/01/2010)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

MATO GROSSO, O NOVO GIGANTE

José Antonio Lemos dos Santos


     A recente divulgação dos números da balança comercial do Brasil é mais uma oportunidade de reflexão sobre a nova situação de Mato Grosso no contexto econômico nacional e no quadro de distribuição de poder entre as unidades federativas. Convém registrar este momento de Mato Grosso nem que seja como uma homenagem ao trabalhador mato-grossense de todos os recantos do estado – autônomo, patrão ou empregado - que realmente produziu esses números tão extraordinários, apesar de todas as dificuldades, dos governos e dos políticos, mostrando mais uma vez que Mato Grosso unido é muito mais forte e maior que todas as crises.
     Os números são eloqüentes e deveriam ser amplamente divulgados para que os mato-grossenses tenham a perfeita noção da importância para o Brasil de seus esforços. Com US$ 7,7 bilhões de saldo, Mato Grosso foi responsável por 30% do superávit da balança comercial brasileira em 2009. Isto é, Mato Grosso trouxe 1 de cada 3 dólares que o Brasil ganhou no ano passado em suas relações comerciais. Um número imenso, equivalente, por exemplo, ao custo de quase quatro ferrovias ligando Alto Araguaia à Sinop, passando por Rondonópolis, Cuiabá e Lucas, ou duplicar 13 vezes a rodovia no mesmo trajeto, sem excluir ninguém. Esse é o valor que Mato Grosso rendeu ao Brasil no ano passado. Só rendeu menos que Minas Gerais, um estado que tem minas até no nome, e cujo povo, além de simpático e trabalhador, também tem a fama de não abrir a mão nem para dar tchau, muito menos para importar.
     O interessante é que ao estudar os dados do MDIC, observa-se que Mato Grosso é superavitário ao menos desde 1998, quando os dados estão disponibilizados, de forma fortemente crescente, tendo superado a casa do US$ 1,0 bi no ano 2001. Somados os saldos de Mato Grosso nestes primeiros 9 anos do século, teríamos acumulado uma bagatela de US$ 33,7 bi. Bilhões de dólares! Aliás, em 2009, um ano difícil, de crise, 10 estados foram deficitários em suas balanças comerciais, São Paulo deu um déficit de US$ 8,0 bi (de US$ 9,0 em 2008), e apenas 3 superaram os US$ 7,0 bilhões em superávit, Mato Grosso entre estes.
     O mais extraordinário é que estes números acontecem justamente em um estado completamente abandonado pelos poderes públicos, notadamente pela União, em especial neste período em que dá um show de produção. Um dos únicos estados sem ter uma Base Aérea - ainda que com 1100 quilômetros de fronteira, sem ter um hospital público federal, sem ter um centro de pesquisa da EMBRAPA - embora sendo o maior produtor agropecuário do país, sem ter estradas federais dignas desse nome – ainda que sendo o segundo maior produtor de álcool, produtor de 26 milhões de toneladas de grãos e 26 milhões de cabeças de gado - Mato Grosso assistiu a paralisação das obras da ferrovia que mal atravessou sua fronteira sudeste, viu serem paralisadas as obras de seu principal aeroporto, assistiu à paralisação da termelétrica que lhe garantia quantidade e confiabilidade em seu suprimento energético, viu cortarem o gás do gasoduto que começava a abastecer seus veículos e industrias e agora ainda assiste, incrédulo, a quererem dar fim ao tradicional Hospital Universitário Júlio Muller, tudo sem o menor resmungo de qualquer uma de suas autoridades ou representantes políticos.
     Mato Grosso é um gigante recém crescido ainda sem consciência de sua força, com uma população que não percebeu que não precisa mais viver do desprezo e das migalhas da União e nem mais aceitar o silêncio e a omissão daqueles que são pagos para lhe representar à altura. E o gigante precisa aprender a viver como tal, usando seu novo peso federativo também a seu favor na distribuição das riquezas nacionais, em cuja produção tem participação cada vez maior.
(Publicado no Diário de Cuiabá em 190110)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

CRIMES SOB AS CHUVAS

José Antonio Lemos dos Santos


Mais uma virada de ano com os brasileiros sofrendo com tragédias urbanas, chorando mortos, amparando sobreviventes, contabilizando prejuízos. Outra vez nossas cidades são pegas despreparadas pelas chuvas que se repetem todos os anos. De novo nossas autoridades se mostram surpresas, uma surpresa injustificável já que conhecem os problemas de suas cidades, principalmente os que envolvem diretamente a vida da população em áreas de risco, justo os mais evidentes.
Logo, contudo, voltaremos à “normalidade” da vida anterior, como se isso fosse possível para aqueles que perderam parentes, perderam o lar arduamente construído, perderam tudo. Antes do próximo ano tudo será esquecido, a vida anterior retomada, até que outra tragédia nos faça chorar de novo. Onde acontecerá? As encostas, as áreas inundáveis e outras zonas de riscos voltam a ser ocupadas, com a aprovação silenciosa de todos e, fingindo não perceber tornamo-nos cúmplices da irresponsabilidade urbana que mata – e mata muito - sob os mais diferentes pretextos, não só nas chuvas. Findas as chuvas, nem as lições ficam para evitar tragédias semelhantes. Não custa, porém, registrar ao menos duas das duras lições que todos os anos se repetem.
A primeira é que a cidade é uma coisa muito séria e não pode mais ser tratada apenas como um objeto político. Grandes ou pequenas, são complexas e devem ser tratadas por profissionais especializados nas diversas áreas de conhecimento que envolvem, com papel especial para o urbanista que tem a visão de seu conjunto. Nem só o político, a quem compete decidir baseado em alternativas técnicas – nem só o técnico, que deve subsidiar o político com as soluções técnicas, mas também com a participação institucional efetiva da sociedade civil organizada.
Outra lição que salta aos olhos é a urgência da execução das leis urbanísticas. Hoje praticamente todas as cidades têm um plano diretor e suas disposições para uso e ocupação do solo urbano, que existem para serem de fato aplicados – é óbvio - e não só para cumprir exigências legais, ou compor a estante do gabinete dos prefeitos. Não é mais admissível se ouvir falar em falta de planejamento como álibi para crimes na gestão do desenvolvimento urbano, em especial no processo da ocupação do solo das cidades. Temos planos e leis de sobra que deveriam estar sendo cumpridas, e não estão. O Plano Diretor de Cuiabá, por exemplo, de 1992, é pioneiro no Brasil no uso de uma Carta Geotécnica, tão falada hoje nos comentários nacionais pós-catástrofe. Para que, se as leis resultantes não são respeitadas?
Repetido o falso argumento da falta de planejamento - sempre alegada entre lágrimas nessas horas – pois que fosse então aplicada a Lei Federal 6766 de 1979, que proíbe em todo o Brasil o parcelamento de áreas inundáveis ou com declividade acima de 30%. Uma só! Quanta gente teria sido salva e dores evitadas se ao menos esta lei fosse aplicada em suas três décadas de existência oficial, mas de criminosa desconsideração na vida real de nossas cidades.
Assistindo nestes dias ao fantástico Avatar em 3D e à belíssima Corrida de Reis, pensei sobre a rápida difusão da tecnologia de ponta em todos os setores da vida, menos na gestão das cidades brasileiras. Apesar de abrigar a maioria da população, nas suas realidades não conseguem usufruir do urbanismo em toda sua ciência e tecnologia. A esperança é a pressão da cidadania a ser um dia puxada por seus segmentos especializados, notadamente as universidades e o sistema Confea/Crea, cobrando a estruturação técnica legalmente competente das administrações e a responsabilização das autoridades, em todos os níveis, pela cruel negligência com a legislação urbanística.
(Publicado no Diário de Cuiabá em 120110)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

INTENÇÕES CIDADÃS

José Antonio Lemos dos Santos


2010 chega pleno de perspectivas para Mato Grosso e Cuiabá. Entre elas, duas destacam-se em especial pela imperiosidade da participação cidadã, a qual fará a diferença para ambas entre o sucesso e o desastre. Agendá-las para a atenção cidadã ao longo do ano pode ser útil, pois correm o risco de ficar em segundo plano em um ano que traz acontecimentos envolventes como as eleições e a Copa do Mundo na África, além do carnaval e do Campeonato Brasileiro de todos os anos.
O primeiro compromisso é com a preparação da cidade para a Copa do Pantanal, conquista importante, mas que traz a obrigação de ser transformada em realidade de sucesso, não apenas para o evento, mas, principalmente na esperada agregação de qualidade de vida em Cuiabá e Mato Grosso. A Copa do Pantanal, como exaustivamente repetido, antes de um evento internacional importante, para Cuiabá é uma oportunidade, talvez única, da cidade se adequar ao seu novo patamar de desenvolvimento, com obras e serviços estruturais. E a Copa de 2014 já começou com um cronograma exíguo de 5 anos, dos quais agora restam 4, que na verdade são 3, pois em compromissos dessa natureza os cronogramas exigem pelo menos 20% de segurança por eventuais atrasos, muito prováveis em um país infiel à horários e onde os processos são mais importantes que os produtos, expondo obras e serviços à miríades de exigências e possibilidades de embargos. Superada a implantação da Agecopa, neste ano de 2010 os projetos têm que estar definidos, e bem definidos, com recursos financeiros alocados e, iniciados os de maior prazo de execução, tarefa fundamental e intransferível das autoridades. Desde já a participação cidadã é importante, acompanhando tudo atentamente, encontrando formas de apoiar e aplaudir todo o processo, bem como de criticar e cobrar construtivamente, mas de forma efetiva e, sobretudo, inteligente, evitando confusões com as emoções dos debates eleitorais que se avizinham. Dificílimo, convenhamos.
O segundo grande compromisso é com as eleições. Nada mais importante para uma cidade do que ter bons governantes nos diversos poderes, em todos os níveis. Além da responsabilidade de sempre escolher bem os candidatos, este ano traz uma inovação que já vem da eleição passada, decorrente da decisão do STF confirmando que os cargos das eleições proporcionais são dos partidos e não dos candidatos, esclarecendo de vez esse assunto basilar. Com a importante decisão, as eleições proporcionais exigem atenção redobrada, pois deixou claro que nosso voto conta primeiro para os partidos ou coligações, depois é que vai servir para eleger os candidatos, dentre os mais votados por partido ou coligação. Assim, não basta votar em um bom candidato, é preciso também saber se o seu escolhido não tem maus companheiros na lista de candidatos que participa. E é aí que mora o perigo. Nas eleições proporcionais seu voto nunca é perdido: se não elege aquele em quem votou, elege outro, às vezes um que você não queria eleger. Tarefa difícil, mas imprescindível na nossa democracia.
Duas missões dificílimas, contudo extremamente saudáveis e bem-vindas em um momento crucial da história do desenvolvimento mato-grossense e cuiabano. O exercício consciente da democracia é a melhor e, talvez, a única maneira de um povo dirigir seus destinos com reais possibilidades de êxito. A Copa do Pantanal é a chance de ouro para Cuiabá e Mato Grosso darem um salto qualitativo em seus padrões urbanos e na qualidade de vida de seus habitantes. E o poeta me vem à lembrança: “Vam’bora que a hora é essa e vamos ganhar ...”.
(Paublicado no Diário de Cuiabá em 05/01/10)