"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 30 de dezembro de 2008

DE 1988 A 2008

José Antonio Lemos dos Santos


     No início de 1989 escrevi no Diário de Cuiabá o artigo “88, o ano de Cuiabá” avaliando o ano recém findado como “talvez o mais positivo da história recente” de Cuiabá, tendo em vista o início da construção de Manso, a aprovação pela Sudam do projeto da ligação de Cuiabá ao sistema ferroviário nacional, e o lançamento da proposta da saída rodoviária para o Pacífico, por San Matias. Com estes três projetos estariam equacionados os problemas da distância aos centros produtores e consumidores e a deficiência energética, considerados o “calcanhar de Aquiles” de Cuiabá e de Mato Grosso, consolidando a vocação de Cuiabá de grande entroncamento sul-americano multimodal de transporte. Após 20 anos, o que restaria da euforia daquele artigo?
     A obra de Manso foi iniciada em 1988, paralisada um ano após com grandes prejuízos, e reiniciada em 1998. Inaugurada em fins de 2000, Manso trouxe a regularização de vazão do rio Cuiabá, a proteção urbana contra as grandes cheias – seu objetivo inicial - e a geração adicional de 210 MW de energia. Poderia ter ido além, mas até hoje pouca gente importante sabe que APM Manso significa “aproveitamento múltiplo”, que prevê também o abastecimento de água por gravidade para Cuiabá e Várzea Grande, a irrigação de 50 mil hectares na Baixada Cuiabana, empreendimentos na área de turismo e da aqüicultura.
     Quanto à ferrovia, aconteceram muitos avanços, como em 1989 a outorga da Concessão à Ferronorte, a inauguração em 1998 da ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, seu principal e mais dispendioso obstáculo, e a chegada dos trilhos a Alto Araguaia. Já a saída para o Pacífico encontrou alento no início do primeiro governo Maggi, com o governador pessoalmente liderando uma expedição ao Chile. Mas ficou por aí, talvez devido ao atual quadro de insegurança na Bolívia, com a própria expedição do governador sofrendo ameaças de seqüestro.
     Hoje vemos que, em energia, fomos aos céus e voltamos ao inferno. A geração de Manso foi reforçada pelo gasoduto e a termelétrica (um complexo de mais de 1,3 bilhão de dólares!) e Mato Grosso passou a ser exportador de energia, abrindo extraordinárias perspectivas de desenvolvimento, conforto e segurança para sua gente. Em 2007 o desastre! Por razões verdadeiras ainda não esclarecidas, a Bolívia cortou o gás que fornecia a Mato Grosso, o governo federal não se importa com o caso e nossas autoridades e lideranças ficam omissas, ou sem reação à altura. O Estado estaria às velas não fosse Manso, porém no limite e sem nenhuma confiabilidade no sistema.
     Da mesma forma, nos transportes fomos do sonho ao paroxismo. Apesar de definida em Lei Federal, de ser objeto de uma Concessão da União, da sede oficial da Ferronorte ser em Cuiabá, depois de tanta luta e vencidos mais da metade de seus 974 km previstos até Cuiabá, a ferrovia está parada em Alto Araguaia desde 2002, e subitamente vê questionada a viabilidade econômica do trecho Rondonópolis/Cuiabá, seus últimos 200 Km. No PAC foi trocado por uma ligação Lucas do Rio Verde/Uruaçu, Goiás, idéia nova sem nada definido publicamente, que poderá até ter sua viabilidade comprovada, mas nunca mais viável que a ligação de Cuiabá. As estradas não suportam o movimento e chegam ao colapso. O Marechal Rondon, com as obras paralisadas, insuficiente, ganha o “reforço” de sua velha ala de desembarque, sem ar e sem água.
     Eufórico, o artigo de 89 concluía que “para 1989 a responsabilidade é imensa, principalmente para aqueles que são pagos para zelar pelos interesses do nosso povo, que são os políticos. Não se pode admitir qualquer retrocesso nesses projetos, pois o mais difícil já foi superado.” Será? O alerta de 89 parece valer para 2009.
(Piblicado pelo Diário de Cuiabá em 30/12/2008)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A FORÇA ECONÔMICA DE CUIABÁ

José Antonio Lemos dos Santos


     Por mais que alguns insistam em difundir a falsa idéia de que Cuiabá não produz nada, que Cuiabá só tem funcionários públicos, a realidade salta aos olhos de forma eloqüente e indiscutível, como nos mostram os dados do IBGE, divulgados pelo Diário de Cuiabá no último dia 17, em matéria de Marianna Peres. A insuspeita pesquisa mostra uma realidade dinâmica e de acentuado crescimento, comprovando tudo o que o simples bom senso percebe nas ruas, no comércio, indústrias, etc., mesmo nos dias de hoje, em plena crise global.
     Sem contar Várzea Grande que forma com Cuiabá um mesmo núcleo urbano, segundo os dados do IBGE a economia cuiabana apresentava em 2006 um PIB de R$ 7,12 bilhões, o 42º entre os mais de 5 mil municípios brasileiros, sendo o segundo maior do Centro-Oeste! Já o PIB per capita salta de R$ 7,75 mil em 2002 para R$ 13,24 mil em 2006, com um crescimento espetacular de 70,8%, já considerando o ano de 2006, de forte crise, especialmente em nossa região. “Mesmo sob o ‘ápice da crise’, a renda média de 2006 na Capital ficou 4,8% acima da média brasileira, que foi de R$ 12,68 mil”, ressalta a matéria.
     Em termos de Mato Grosso, a matéria jornalística informa que “as riquezas produzidas na Capital são o maior contribuinte ao PIB do Estado, que em 2006 somou R$ 35,38 bilhões”, isto é, mais de 20% da economia estadual (exatos 20,12%)! Isto, repito, sem contar Várzea Grande, que forma com Cuiabá uma mesma cidade. “Ah, mas essa proporção já foi muito maior no passado”, repetem os que insistem em promover uma falsa decadência cuiabana. Correto, quando só existia Cuiabá no estado, a economia cuiabana era 100% da economia do estado, e de lá para cá essa proporção (número relativo) só vem decrescendo, à medida que acontece o desejável e extraordinário desenvolvimento do interior mato-grossense. Mas os números absolutos crescem sempre, tanto na capital quanto no interior, com uma realidade impulsionando a outra mutuamente, numa simbiose ascendente de sucesso.
     Os dados divulgados corrigem também uma afirmação que já foi válida, mas que nos dias atuais revela-se totalmente incorreta, qual seja, a de que a economia cuiabana depende da administração pública. Segundo a mesma pesquisa, com um grau de participação estatal oscilando entre 10 e 13%, Cuiabá atualmente situa-se em 16º lugar entre as capitais nesse quesito, mostrando que a economia local já alcançou sua autonomia em relação ao estado, que ainda tem participação significativa, mas muito longe de uma relação de dependência. Na década de 70 chegava a 60%! Daí a lenda.
     Cuiabá e interior, centro polarizador e seu hinterland, são duas faces de uma mesma moeda que é a região. No nosso caso, uma das regiões mais dinâmicas do planeta. Não há como dissociar o desenvolvimento de uma e de outra. Quanto mais cresce o interior mais cresce a capital, e vice-versa. Qualquer crescimento, estagnação ou queda na economia regional se refletirá em todas as dimensões regionais. Os atuais tempos globais apontam para dificuldades na economia, que serão melhor enfrentadas se considerado o conjunto regional, em um esforço colaborativo entre as cidades do estado.
     Os dados do IBGE trazem esclarecimentos há muito necessários e surgem como importante presente natalino para Cuiabá. Só uma correta leitura da realidade regional possibilitará que as autoridades e lideranças locais situem-se de fato à altura de nossa cidade, de forma a prepará-la adequadamente para continuar desempenhando seu papel polarizador, ajudando a promover o desenvolvimento regional e recebendo os benefícios desse desenvolvimento.
(Publicado pelo Di[ário de Cuiabá em 23/12/2008)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

CUIABÁ E SUAS ÁREAS DE RISCO

José Antonio Lemos dos Santos


     As recentes tragédias urbanas no Sul/Sudeste brasileiro, em especial em Santa Catarina, recomendam uma reflexão sobre as condições de risco das nossas cidades. Dependendo do potencial de risco de cada caso, talvez fosse a hora de reflexões coletivas, tais como seminários técnicos abertos ao público em geral para esclarecimento e divulgação do assunto. Como bem mostram os 127 mortos e os quase 30 desaparecidos em Santa Catarina, trata-se de assunto sério sobre o qual a população deveria ser mais informada, estimulando seu interesse e participação no controle da evolução da ocupação do solo de suas cidades.
     Nunca se pode ficar tranqüilo em relação às áreas de risco. Enquanto restar uma pessoa ocupando uma delas, a situação é grave, e todos os esforços devem ser envidados para sua desocupação total. Colocada a questão dessa forma pode-se dizer, grosso modo, que, com relação aos períodos das chuvas, em Cuiabá temos dois tipos de áreas de risco: as áreas inundáveis ligadas ao rio Cuiabá, e as áreas de enxurradas ligadas ao rio Coxipó e aos diversos córregos que cortam a cidade. Ambas exigem a atenção permanente da prefeitura, através de seus órgãos de monitoramento urbano e da sempre atenta Defesa Civil, bem com dos governos estadual e federal, com recursos para as desocupações necessárias, em projetos consistentes, e de todos os cidadãos, apoiando e cobrando quando necessário. E a prefeitura vem realizando importantes ações nesse sentido, ainda que persistam muitas ocupações de alto risco, e outras continuem aparecendo isoladamente.
     Nesse assunto Cuiabá tem a seu “favor” o trauma da cheia de 1974, ocorrida no início da explosão demográfica do último fim de século, fazendo que o processo de ocupação posterior acontecesse com um pouco de respeito e temor pelas águas, principalmente em relação ao rio. Infelizmente esse mesmo sentimento não se estendeu aos córregos, que apresentam riscos maiores, pois enchem e vazam rapidamente, sem dar tempo para fugas, sacrificando principalmente crianças, em tragédias que ainda se repetem entre nós.
     Desponta nesse período a figura do professor Domingos Iglesias, que, como técnico e chefe da Defesa Civil estadual por muito tempo, acompanhou sempre de perto, com cuidado e firmeza a evolução das ocupações irregulares, cobrando sempre das autoridades as providências de controle. Nesse tempo ensinava sobre o “império das águas”, áreas de “respiração” dos rios, nas quais exercem seu poder e cobram seu espaço de forma inexorável e, muitas vezes, cruel.
     Outro efeito da cheia de 74 foi a construção de Manso, concebida primordialmente para a proteção de Cuiabá e Várzea Grande contra novas cheias daquele porte, tarefa que vem cumprindo com eficiência. Por exemplo, em 15 de janeiro de 2002, seu primeiro ano de existência, impediu que passassem por Cuiabá 3250 m3 de água por segundo, um volume superior ao verificado na cheia de 74. Diferente do que muitos pensam, essa é a principal função de Manso, e não a geração de energia. E ai de nós hoje se não fosse ela, com o inaceitável corte do gás boliviano e a paralisação da termelétrica.
     Outro avanço de nossa cidade é a disponibilidade da Carta Geotécnica, elaborada pela UFMT na segunda gestão municipal de Frederico Campos, início da década de 1990, como um dos principais subsídios à elaboração do seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Destaque-se que Cuiabá foi uma das pioneiras no Brasil a produzir este instrumento fundamental para o planejamento urbano, e até hoje ainda é uma das únicas a tê-lo. Deveria ser matéria obrigatória do nosso ensino de primeiro grau.
(Publicado pelo Diáro de Cuiabá em 16/12/2008)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

DURAS LIÇÕES QUE ESQUECEMOS

José Antonio Lemos dos Santos


     Novamente a população brasileira sofre com uma grande tragédia se abatendo sobre nossas cidades, chorando mortos, amparando desabrigados, contabilizando prejuízos e, sobretudo, esbanjando solidariedade. Mais uma vez nossas cidades são pegas despreparadas pelas chuvas que se repetem todos os anos, ciclicamente com maior ou menor intensidade. De novo nossas autoridades mostram-se tomadas pela surpresa, sensibilizadas, desdobrando-se no atendimento às vítimas e para o mais breve retorno à normalidade da vida anterior.
     E em breve estaremos de volta à normalidade da vida anterior, como se isso fosse possível para aqueles que perderam parentes, perderam o lar duramente construído. “O lar não mais existe, ninguém volta ao que acabou”, canta um belo e antigo samba. Como voltar? Não sei. O fato é que todos voltamos e antes do próximo ano tudo será esquecido, e a vida anterior é retomada, até que a próxima tragédia nos faça chorar de novo. As encostas, as áreas inundáveis e outras zonas de riscos voltam a ser ocupadas, sob a aprovação silenciosa de todos nós que, sem perceber – ou fingindo não perceber – tornamo-nos cúmplices da irresponsabilidade urbana que anualmente mata – e mata muito - sob os mais diferentes pretextos, não só nas chuvas.
     Pior é que a normalidade anterior volta plenamente como se nada tivesse acontecido, a não ser por algumas obras oportunistas, que na maioria das vezes não resolvem, ou até agravam, o problema que as justificaram publicamente. Findas as águas, nem as lições ficam para evitar futuras tragédias semelhantes. Mas, não custa pensar ao menos sobre duas das lições insistentemente repetidas por essas tragédias.
     A primeira delas é que a cidade é uma coisa muito séria e não pode mais ser tratada apenas como um objeto político. Quanto mais crescem, mais complexas ficam e devem ser tratadas também, por profissionais especializados nas diversas áreas de conhecimento que envolvem, com papel especial para o urbanista que tem a responsabilidade social de articulá-los em um conjunto objetivo. Nem só o político – a quem compete decidir, baseado em alternativas técnicas – nem só o técnico – que deve subsidiar o político com as soluções técnicas viáveis - com a participação institucional efetiva da sociedade civil organizada, através de conselhos setoriais, integrados em um conselho superior, de fatos representativos.
     Outra lição que salta aos olhos é a urgência da execução das leis dos planos diretores urbanos. Hoje praticamente todas as nossas cidades dispõem de seu plano diretor e das disposições para uso e ocupação do solo urbano, dele decorrente. São instrumentos elaborados para serem de fato aplicados e não só para cumprir exigências federais, ou compor a estante do gabinete dos prefeitos. Não se pode mais falar em falta de planejamento como álibi para crimes no gerenciamento do desenvolvimento urbano, em especial no processo da ocupação do solo das cidades. Temos leis de sobra, que deveriam estar sendo cumpridas, e não estão.
     A persistir a falsa alegação da falta de leis - sempre reiterada entre lágrimas nessas horas - que fosse então aplicada a Lei Federal 6766, de 1979 - isto mesmo, de 1979! – a lei Lehman, que proíbe em todo o Brasil, entre outros, o parcelamento de áreas inundáveis ou com declividade acima de 30%. Quanta gente teria sido salva, quantas tragédias evitadas, quanta qualidade de vida agregada às populações urbanas, se esta lei estivesse sendo aplicada nestas suas quase três décadas de existência oficial nos cartórios, mas criminosamente desconsiderada na vida real de nossas cidades.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 09/12/2008)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

JOAQUIM MURTINHO E OS BANCOS

Joaé Antonio Lemos dos Santos


     É bom lembrar que a atual crise global originou-se nos bancos das grandes nações; agora o mundo todo busca arrumar rapidamente trilhões de dólares para salvá-los. Mas, para matar a fome na África... Não é preciso ser financista para se preocupar com tal quadro, que me faz lembrar Joaquim Murtinho, conterrâneo que no próximo 7 de dezembro comemoraria 160 anos de nascimento.
     Joaquim Murtinho era engenheiro civil e médico homeopata, e para Rubens de Mendonça, o maior estadista e financista brasileiro no período republicano. Nascido em 1848, em Cuiabá, foi professor da Escola Politécnica, Deputado Federal, Senador, Ministro da Viação e da Fazenda de Campos Sales. Muitos hoje só o conhecem como nome de rua, aqui, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campo Grande, onde é ainda nome de escola, ou como nome de cidades em Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
     Seu prestígio era tamanho que certa vez Dom Pedro II, Imperador do Brasil, tido como um dos governantes brasileiros mais cultos, assistindo a uma palestra dele sobre homeopatia, quis questioná-lo e recebeu de volta a sugestão de que quando "tivesse ímpetos de assistir a uma defesa de tese que Sua Majestade não entenda, deixe-se ficar em casa e leia uma página de Spencer".
     Pioneiro da homeopatia no Brasil foi, porém, como Ministro da Fazenda que ficou na história. Cito Joelmir Betting em trechos de um artigo de 1984, na Folha de São Paulo, mostrando sua atualidade: “O saneamento da moeda nacional começou com a presença mágica do ministro Joaquim Murtinho (a partir de 1899). Murtinho só não é apostila nas escolas de economia do mundo ocidental porque nasceu no Brasil, teorizou no Brasil – e não em algum reduto da aristocracia acadêmica nos dois lados do Atlântico Norte.”
     Diz mais: “Mal empossado no cargo de chanceler do Tesouro, que ele chamava de “monarca dos entulhos”, Joaquim Murtinho disparou um vigoroso “pacote” econômico, politicamente atrevido: a palavra de ordem era a de acabar, em rito sumário, com a especulação financeira do setor bancário”, e segue, “Murtinho entendia que o Brasil da virada do século não podia tolerar uma economia meramente escritural, era preciso promover o refluxo da poupança nacional do mercado de papéis e de divisas para o mercado de produtos e de serviços.” Para Betting, como resultado a inflação foi quase a zero, mas gerando o “pânico bancário” de 1900, com o sistema financeiro “experimentando uma quebradeira em cascata.”
     Reconhecendo o valor dos bancos - aprendi com meu pai, que era bancário – fecho com Betting em sua conclusão: “O “czar” Murtinho lavou as mãos enluvadas: que se quebrem todas as casas bancárias, desde que se salvem todas as fábricas, empórios e fazendas...”
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 02/12/2008)