José Antonio Lemos dos Santos
Comemorar os 292 anos de Cuiabá é festejar uma cidade que brotou entre as pepitas da beira de um corguinho que, de tanto ouro que tinha, era chamado pelos nativos bororos de Ikuiebo, o córrego das estrelas. E o córrego das estrelas desaguava em um belo rio, num lugar de grandes pedras onde se pescava com flecha-arpão, e que por isso se chamava Ikuiapá. E a cidade floresceu bonita e se chamou Cuiabá, transformando-se na célula-mater do oeste brasileiro, mãe original de tudo o que veio a suceder na região, mãe de cidades e de estados.
No breve tempo que durou o ouro, levado quase todo para a Europa, Cuiabá chegou a ser a mais populosa cidade do Brasil. O ouro acabou rápido e seu destino seria o das cidades-fantasmas garimpeiras não fosse a localização mágica, centro do continente, em terras à época espanholas, cuja expectativa de riqueza interessava Portugal. Então o Papa decide que o limite entre as duas coroas não seria mais definido por Tordesilhas, mas pela posse das terras. E Cuiabá sobrevive ao fim do ouro como bastião português, apoio e defesa dos interesses lusos e dá seu primeiro salto de desenvolvimento, o da sobrevivência.
Logo Portugal criou a Capitania de Mato Grosso com sua sede instalada em Cuiabá enquanto era construída a futura capital, Vila Bela. Por dois séculos sobreviveu à duras penas, quando voltou a ser capital, período heróico que forjou uma gente brava, sofrida mas alegre e hospitaleira, capaz de produzir um dos mais ricos patrimônios culturais do Brasil, com vultos e proezas que merecem ser melhor tratadas e destacadas na história oficial brasileira. Como um astronauta contemporâneo, vanguarda humana na imensidão do espaço, ligado à nave apenas por um cordão prateado, assim Cuiabá sobreviveu por séculos, solta na vastidão centro-continental, ligada à civilização apenas pelo cordão platino dos rios Cuiabá e Paraguai.
Até que na década de 60 a cidade vibra novamente, transforma-se no “portal da Amazônia” e em pouco tempo sua população decuplica. Foi o salto da quantidade, a expansão necessária como base à ocupação da Amazônia meridional, a qual se deu sem a menor preparação e sem qualquer apoio da União, que lhe era devido pela importante função estratégica que desempenhava. Sozinha e sem recursos próprios, no centro de uma região que apoiava e promovia, mas que ainda não dispunha de recursos, Cuiabá explodiu em todos os sentidos, em dinamismo, em desenvolvimento, mas também no rompimento de sua estrutura urbana, despreparada para tão grande e súbita demanda.
No alvorecer do novo milênio, Cuiabá está em seu terceiro salto de desenvolvimento, agora o salto da qualidade. Não é mais o centro de um vazio. Ao contrário, polariza uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que ajudou a construir e que hoje não apenas lhe cobra o apoio, mas também a empurra para cima cobrando sempre mais, em um sadio e maduro processo de simbiose regional ascendente.
A oito anos de sua data mais significativa, o tricentenário, Cuiabá vive o melhor momento de sua história, impulsionada pelo desenvolvimento regional e turbinada como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. Nos seus 292 anos, mais do que reverenciar o passado e festejar o presente, é forçoso cuidar melhor do futuro. A Copa é um estratagema do Bom Jesus de Cuiabá para forçar nosso olhar para frente, para o positivo e o construtivo, um choque de adrenalina e capacitação, tentando nos colocar, cidadãos, políticos e dirigentes, à altura da cidade que temos. Só assim será possível prepará-la para a Copa e para a festa dos trezentos anos, que também já está bem aí. A cidade deu saltos de desenvolvimento, a cidadania ainda não.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 05/04/2011)
José Antonio Lemos dos Santos, arquiteto e urbanista, é professor universitário aposentado . Troféu "João Thimóteo"-1991-IAB/MT/ "Diploma do Mérito IAB 80 Anos"/ Troféu "O Construtor" - Sinduscon MT Ano 2000 / Arquiteto do Ano 2010 pelo CREA-MT/ Comenda do Legislativo Cuiabano 2018/ Ordem do Mérito Cuiabá 300 Anos da Câmara Municipal de Cuiabá 2019.
"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)
Mostrando postagens com marcador portal da Amazônia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador portal da Amazônia. Mostrar todas as postagens
terça-feira, 5 de abril de 2011
CUIABÁ 300-8
Marcadores:
292,
cidade,
Copa,
Cuiabá,
desenvolvimento,
história,
Ikuiapá,
Ikuiebo,
Jesus,
milênio,
ouro,
portal da Amazônia,
Portugal,
tricentenário,
União,
urbana,
Vila Bela
quarta-feira, 8 de abril de 2009
CUIABÁ 300-10
José Antonio Lemos dos Santos
Em um local chamado Ikuiapá, com grandes pedras claras onde se pescava com flecha-arpão e um corguinho desembocava em um belo rio, o ouro fez surgir, corgo acima, uma cidade que floresceu bonita e se chamou Cuiabá. Celula-mater do ocidente brasileiro, gerou muitas outras, inclusive estados. E o pequeno córrego tinha tanto ouro que era chamado Ikuiebo, córrego das estrelas, tantas as pepitas que cintilavam à luz do sol e da lua aos olhos bororos, nativos.
Por breve tempo, Cuiabá foi a mais populosa cidade do Brasil, de onde a Europa levou muito ouro, dinamismo que só durou enquanto durou o ouro. Seu fim seria o das cidades-fantasmas dos garimpos não fosse sua localização mágica, privilegiada, no centro do continente, em terras espanholas na época, cuja perspectiva de riqueza chama a atenção de Portugal. E então o Papa decide que o limite entre as terras dos dois países não seria mais definido pela linha do Tratado de Tordesilhas e sim pelo seu uso. Por ser a vanguarda física da coroa portuguesa nessa disputa, Cuiabá sobrevive ao fim do ouro, dando seu primeiro salto de desenvolvimento – o da sobrevivência, agora baluarte português, apoio e defesa dos interesses lusos.
Logo Portugal criou a Capitania de Mato Grosso cujo primeiro governo foi instalado em Cuiabá, permanecendo como sua sede durante a construção da futura capital, Vila Bela. Por dois séculos sobreviveu à duras penas, com tempos melhores e piores, inclusive, recuperando nesse ínterim o status de capital. Período heróico que forjou uma gente brava, alegre e hospitaleira, capaz de produzir um dos mais ricos patrimônios culturais do Brasil, com vultos e proezas históricas que merecem melhor tratamento da história oficial brasileira. Como um astronauta contemporâneo, vanguarda humana na imensidão do espaço, ligado à nave apenas por um cordão prateado, assim Cuiabá sobreviveu por séculos, solta na imensidão do hinterland continental, ligada à civilização apenas pelo cordão platino dos rios Cuiabá e Paraguai.
Até que na década de 60 a cidade é sacudida novamente, transforma-se no “portal da Amazônia” e em pouco tempo viu sua população decuplicar. Foi o salto da quantidade, era a expansão física necessária como base à ocupação da Amazônia meridional, que se deu sem o preparo adequado nem o devido apoio federal que exigia essa importante função urbana de interesse nacional. Sozinha e sem recursos próprios, no centro de uma região que apoiava e promovia, mas que também não dispunha de recursos, Cuiabá teve que receber seus novos habitantes sem poder oferecer a devida qualidade de vida urbana.
No alvorecer do novo milênio, Cuiabá vive o seu terceiro salto de desenvolvimento, agora o salto da qualidade. Cuiabá não é mais o centro de um vazio. Ao contrário, polariza uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que ajudou a construir e que hoje não apenas lhe cobra o apoio, mas também a impulsiona para cima, em um sadio e maduro processo de simbiose regional ascendente.
Formando com Várzea Grande a maior cidade do oeste brasileiro, Cuiabá tem muito a comemorar nos seus 290 anos. Seu maior presente é o próprio presente que vive: dinâmica, moderna, globalizada, sintonizada como o mundo. Mas, mais que um aniversário, 290 anos é o início da última década antes do tricentenário. A responsabilidade da atual geração de cuiabanos, suas autoridades e lideranças, é fazer com que o salto da qualidade do novo tempo se materialize também na qualidade da cidade física em que vivemos, construindo aquele que será o maior presente para os 300 anos. E temos 10 anos para construí-lo.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 08/04/2009, excepcionalmente numa quarta-feira, aniversário da cidade)
Em um local chamado Ikuiapá, com grandes pedras claras onde se pescava com flecha-arpão e um corguinho desembocava em um belo rio, o ouro fez surgir, corgo acima, uma cidade que floresceu bonita e se chamou Cuiabá. Celula-mater do ocidente brasileiro, gerou muitas outras, inclusive estados. E o pequeno córrego tinha tanto ouro que era chamado Ikuiebo, córrego das estrelas, tantas as pepitas que cintilavam à luz do sol e da lua aos olhos bororos, nativos.
Por breve tempo, Cuiabá foi a mais populosa cidade do Brasil, de onde a Europa levou muito ouro, dinamismo que só durou enquanto durou o ouro. Seu fim seria o das cidades-fantasmas dos garimpos não fosse sua localização mágica, privilegiada, no centro do continente, em terras espanholas na época, cuja perspectiva de riqueza chama a atenção de Portugal. E então o Papa decide que o limite entre as terras dos dois países não seria mais definido pela linha do Tratado de Tordesilhas e sim pelo seu uso. Por ser a vanguarda física da coroa portuguesa nessa disputa, Cuiabá sobrevive ao fim do ouro, dando seu primeiro salto de desenvolvimento – o da sobrevivência, agora baluarte português, apoio e defesa dos interesses lusos.
Logo Portugal criou a Capitania de Mato Grosso cujo primeiro governo foi instalado em Cuiabá, permanecendo como sua sede durante a construção da futura capital, Vila Bela. Por dois séculos sobreviveu à duras penas, com tempos melhores e piores, inclusive, recuperando nesse ínterim o status de capital. Período heróico que forjou uma gente brava, alegre e hospitaleira, capaz de produzir um dos mais ricos patrimônios culturais do Brasil, com vultos e proezas históricas que merecem melhor tratamento da história oficial brasileira. Como um astronauta contemporâneo, vanguarda humana na imensidão do espaço, ligado à nave apenas por um cordão prateado, assim Cuiabá sobreviveu por séculos, solta na imensidão do hinterland continental, ligada à civilização apenas pelo cordão platino dos rios Cuiabá e Paraguai.
Até que na década de 60 a cidade é sacudida novamente, transforma-se no “portal da Amazônia” e em pouco tempo viu sua população decuplicar. Foi o salto da quantidade, era a expansão física necessária como base à ocupação da Amazônia meridional, que se deu sem o preparo adequado nem o devido apoio federal que exigia essa importante função urbana de interesse nacional. Sozinha e sem recursos próprios, no centro de uma região que apoiava e promovia, mas que também não dispunha de recursos, Cuiabá teve que receber seus novos habitantes sem poder oferecer a devida qualidade de vida urbana.
No alvorecer do novo milênio, Cuiabá vive o seu terceiro salto de desenvolvimento, agora o salto da qualidade. Cuiabá não é mais o centro de um vazio. Ao contrário, polariza uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que ajudou a construir e que hoje não apenas lhe cobra o apoio, mas também a impulsiona para cima, em um sadio e maduro processo de simbiose regional ascendente.
Formando com Várzea Grande a maior cidade do oeste brasileiro, Cuiabá tem muito a comemorar nos seus 290 anos. Seu maior presente é o próprio presente que vive: dinâmica, moderna, globalizada, sintonizada como o mundo. Mas, mais que um aniversário, 290 anos é o início da última década antes do tricentenário. A responsabilidade da atual geração de cuiabanos, suas autoridades e lideranças, é fazer com que o salto da qualidade do novo tempo se materialize também na qualidade da cidade física em que vivemos, construindo aquele que será o maior presente para os 300 anos. E temos 10 anos para construí-lo.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 08/04/2009, excepcionalmente numa quarta-feira, aniversário da cidade)
Marcadores:
cidade,
Cuiabá,
desenvolvimento,
Ikuiapá,
milênio,
ouro,
platino,
portal da Amazônia,
Portugal,
simbiose regional,
terceiro salto,
Tordesilhas,
tricentenário,
Várzea Grande,
Vila Bela
Assinar:
Postagens (Atom)