"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



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terça-feira, 24 de outubro de 2017

MARAVILHAS EM RISCO

Lucas do Rio Verde 2014 (JopiPetengill/Secom-MT)
José Antonio Lemos dos Santos
     Mato Grosso é rico em belas atrações naturais ou construídas pelo homem. Dentre estas estão as cidades geradas pelo agronegócio, novas cidades reconhecidas nacional e internacionalmente por sua organização urbanística, elevados padrões de vida e IDHs permitidos com certeza por suas rendas per capita bem superiores à média nacional decorrentes de seus altos níveis de produção em alta tecnologia. Semana passada estive em Sinop e Sorriso onde pude observar seus sucessos. Intencionalmente voltei de ônibus pinga-pinga para aproveitar e rever essa região que não via há muito tempo.
     Ainda espero um dia parar com mais tempo para apreciar cada uma delas em todo esse chamado “nortão”. Acompanho esse desenvolvimento à distância, mas com muito interesse, não só por ser mato-grossense, como também por dever de ofício como arquiteto e urbanista, observando esse imenso laboratório de desenvolvimento urbano. Como profissional, tive a sorte de trabalhar nos projetos do CPA em Cuiabá e depois em Brasília na antiga Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste (SUDECO) e logo após no antigo Ministério do Interior (MINTER), envolvido nas áreas urbanas e regionais dos programas de desenvolvimento da época tais como PRODEPAN, POLAMAZONIA, POLONOROESTE, PROMAT e PROSUL, elaborando projetos, acompanhado suas execuções e avaliando os resultados para as novas cidades que começavam a surgir. Algumas surgiram depois e ainda nem as conheço.
Sinop 2017 (Foto José Lemos)

     Hoje estão bonitas e são motivos de justo orgulho para Mato Grosso. Então, qual o problema? Tento explicar. As cidades são como organismos vivos que nascem e crescem. Só que não “dão no pé” como uma goiaba. Elas são construídas cotidianamente por seus cidadãos e por isso precisam ter uma ordem, um plano ou projeto. Se não, viram bagunça e o caos urbanístico. As cidades que tratamos aqui tiveram esse bom início já que em sua maioria vieram de projetos de colonização e cada qual teve seu planejamento, ainda que comercial. Mais que isso, foram construídas sob rígido controle das empresas de colonização, evitando o espraiamento e otimizando os custos da infraestrutura lançada e a lançar. Assim, as cidades nasceram ordenadas espacialmente e, logo os bons resultados começam ser vistos pelos habitantes produzindo uma cultura de respeito urbanístico e de cuidados urbanos. A cultura dos imigrantes formadores de suas populações também foi componente considerável na formação e consolidação dessa cultura cidadã.
     Qual o problema então? A preocupação é que todo planejamento de uma cidade tem um horizonte, em geral de 20 a 30 anos ao fim do qual ele se esgota. Por isso hoje os planos são entendidos como processos contínuos com acompanhamento da evolução da cidade passo a passo. As cidades transformam-se a cada dia, em especial cidades com alto potencial de desenvolvimento e os planos dos colonizadores estão esgotados após 40 anos de elaborados. Mais do que quaisquer outras, estas cidades precisam já estar projetando daqui a 20 ou 30 anos, antecipando o futuro como fizeram seus colonizadores. A ameaça a estas maravilhas está na passagem da bem sucedida gestão empresarial para a gestão pública ligada à política, hoje tão questionada no Brasil. Além do dinamismo extremo e das imensas perspectivas de futuro, as terras planas tão favoráveis à agricultura não são tão adequadas ao urbanismo, exigindo cuidados especiais na expansão das zonas urbanas. Sinais preocupantes foram a inundação em Campo Novo e a denúncia de suborno de um vereador na ampliação de um loteamento em Primavera do Leste. Que estas nossas maravilhas possam continuar maravilhosas.
(Publicado em 24/10/2017 pelo Diário de Cuiabá, Midianews, Folhamax, Página d o Enock, Blog do Lúcio Sorge,  ...)

sábado, 18 de fevereiro de 2017

CIDADES E PEPINOS

Campo Novo do Parecis - midianews

José Antonio Lemos dos Santos

     Minha avó quando a gente era criança e precisava de um corretivo dizia para minha mãe: “Olha, é de menino que se torce o pepino”. Visitando o Google soube que esse conselho vem dos agricultores buscando conseguir a forma mais valiosa para o legume. É clara então a intenção carinhosa e cuidadosa da transposição dessa sabedoria popular para o desenvolvimento das crianças. Gosto de aplicá-lo também nas explicações sobre o desenvolvimento das cidades. As cidades também evoluem. Apesar de óbvio, muita gente pensa que nascem prontas e assim permanecerão para sempre, esquecendo que elas nascem, evoluem, podem estagnar ou até definhar, e morrerão um dia, como muitas já morreram.
     A calamidade que se abateu sobre Campo Novo do Parecis além de ter comprovado o espírito de solidariedade do mato-grossense, deve também motivar reflexões sobre a evolução urbana em Mato Grosso. Um estado com desenvolvimento acelerado tem muitas de suas cidades com ritmos extraordinários de crescimento que implicam em acompanhamento técnico sistemático, seja no quadro macro do estado, seja pontualmente no âmbito de cada município. Não conheço pessoalmente Campo Novo, mas preocupam sempre os sítios urbanos muito planos por suas dificuldades de drenagem, com é caso de algumas das belas cidades geradas pelo agronegócio, em regiões planas ótimas para a agricultura extensiva, mas exigentes em termos de urbanismo.
     O fato de serem muito novas ou não, não importa. Todas precisam de cuidados técnicos especializados para cuidar do presente e do futuro, preservando seus DNAs históricos. Há aqueles que dizem que as cidades mais velhas não têm mais jeito. Para estes cabe a pergunta, se fosse assim o que dizer de Londres, Amsterdã, por exemplo? E para as novas, dizem que não precisam pois são muito pequenas e já foram planejadas na origem. Para estes, o ensinamento do cultivo do pepino.
     De fato, a grande maioria das nossas cidades novas nasceu de processos de colonização e contou no mínimo com um traçado pensado com antecedência e, principalmente, com uma gestão da ocupação do solo urbano racional, o qual, ainda que com origem empresarial, deu a estas cidades uma cultura do controle urbano, das vantagens de se respeitar uma autoridade que cuide da cidade como um todo coerente e ordenado. Este para mim é maior patrimônio delas e que não pode ser perdido. Hoje elas são autônomas, em 2 ou 3 décadas cresceram tanto que já estão chegando nos limites daquele planejamento original e algumas até já ultrapassaram. Como resultado desse processo temos cidades magnificas, com elevados padrões urbanísticos e de qualidade de vida.
     O melhor e o pior é que além do grande dinamismo elas apresentam um potencial de crescimento futuro fantástico. O lado bom é que esse é o desejo da maioria das cidades. O lado ruim é o risco da recém conquistada autonomia leva-las de uma gestão empresarial bem sucedida aos braços da politicalha que domina o cenário urbano brasileiro e ao faroeste urbano. Até aqui, maravilha, todo mundo encontrou seu melhor lugar no sítio urbano pré-planejado, e temos cidades exemplares. E quanto ao futuro? Ultrapassados os limites do planejamento original, como garantir que estas cidades continuem belas, bem estruturadas e capazes de oferecer altas qualidades de vida?
     A resposta está no que as fez exitosas, o planejamento, um planejamento sistemático e contínuo, com estruturas técnicas permanentes capazes de segui-las dia a dia oferecendo alternativas técnicas de futuro e, sobretudo, criando uma cultura urbanística própria, conhecendo seus trejeitos e especificidades, pois as cidades são únicas, incomparáveis em suas potencialidades e em seus problemas.