"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O TRAÇADO DO RODOANEL

Imagem:Divulgação Governo
José Antonio Lemos dos Santos
     Em meados de agosto a Secretaria de Infraestrutura e Logística (Sinfra) do estado anunciou em matéria jornalística a retomada do processo de licitação para o rodoanel de Cuiabá/Várzea Grande prevendo para 2019 a retomada das obras paralisadas a 9 anos. Informa que o primeiro passo para a licitação será uma audiência pública já marcada para o próximo dia 12 de setembro. Trata-se de um projeto da maior importância para a Região Metropolitana de Cuiabá com previsão de 52 Km em pista dupla, dos quais 41 em Cuiabá e 11 em Várzea Grande, estimado em R$ 498,0 milhões do governo federal a fundo perdido.
     Mas essa história vem de muito tempo, desde quando ainda me encontrava à frente do antigo IPDU e por dever de ofício buscava sem êxito alguma informação sobre os boatos que corriam sobre o desenvolvimento em algum lugar desse projeto. Enfim veio à luz na primeira administração de Wilson Santos já apresentado ao prefeito como projeto pronto e recursos federais assegurados. A obra foi iniciada, mas logo paralisada por razões que não interessam aqui.
     Em 2007, durante a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), o projeto foi questionado em especial pelo seu potencial ampliador da Macro Zona Urbana de Cuiabá, quando a principal diretriz do PDDU era fazer a cidade “crescer para dentro” evitando seu maior espraiamento, que já era grande e com elevados custos operacionais urbanos. A preocupação se agravava em relação ao trecho conhecido como Contorno Norte pela ameaça às águas à montante da cidade e à pressão que exerceria sobre o Parque Nacional da Chapada. O então prefeito propôs na revisão do PDDU a proibição da expansão da Macro Zona Urbana por um período de 10 anos, vencida ano passado.
     Paralisadas as obras, o assunto reapareceu com a Copa do Mundo, repaginado com pistas duplas, viadutos nas interseções, licitado no valor de R$ 850,0 milhões conforme a matéria jornalística, chegando a receber Ordem de Serviço em 2014 para seu primeiro trecho, logo bloqueado de novo pelo TCU. O governo Pedro Taques refez o projeto “que estava defasado” chegando a “uma solução mais barata e eficiente”, segundo o secretário da Sinfra, e que apresenta agora.
     Evidente que um rodoanel não é apenas uma obra rodoviária, mas  uma intervenção também de caráter urbanístico tendo em vista o grande impacto que traz para as cidades, para o bem ou para o mal. Também é claro o grande interesse que desperta entre as empresas construtoras tanto por seus desafios técnicos quanto pelos valores envolvidos, bem como aos donos das terras do entorno urbano pela enorme valorização agregada pelo empreendimento às propriedades por onde passar. Seus traçados envolvem muitos interesses nem sempre republicanos, e mesmo nesse ambiente os interesses da população devem ser assegurados.
     Um bom projeto é aquele em que todos ganham, e todos podem ganhar, direta ou indiretamente. Mas o resultado republicano neste caso só é alcançável com transparência na formulação das propostas técnicas tendo como pano de fundo a interação entre os diversos níveis de governo envolvidos e os setores representativos da sociedade em questão. Até hoje não se tem notícia de consultas ou informações às prefeituras e Região Metropolitana ou a seus conselhos especializados. Afinal, como vem sendo traçado e retraçado a cada governo o trajeto do rodoanel cuiabano? Só uma dúvida por exemplo: ouvi na rádio que o novo trajeto abandona a Rodovia dos Imigrantes e percorre outras terras. Qual a justificativa técnica? Qual o impacto para o Distrito Industrial, Zona de Alto Impacto e a conexão ferroviária? Quais os riscos para a densidade urbana? Quem pagará a conta do futuro?

terça-feira, 21 de agosto de 2018

PROPORCIONAIS, A CILADA


José Antonio Lemos dos Santos
     Muito provavelmente você ainda se lembra em quem votou para vereador nas eleições de 2016 e se teve o privilégio de elegê-lo diretamente com seu voto, sorte (ou azar) que não tiveram cerca de 80% dos eleitores aqui de Cuiabá. Privilegiado, você pode acompanhar o parlamentar e avaliar se ele fez jus ao seu voto. Pior fica a situação daqueles cujo candidato não foi eleito, pois seu voto elegeu um outro candidato que nem sabe quem foi e muitas vezes queria até vê-lo banido da vida pública. Sem saber quem elegeu fica achando que não tem qualquer compromisso de acompanhar o desempenho do mandato conquistado com seu voto. Nas últimas eleições para vereador em Cuiabá dos 415.098 eleitores apenas 86.885 (21%) votaram diretamente nos eleitos. Hoje com alguns suplentes empossados, essa proporção diminui ainda mais. Já 196.236 eleitores (47%) votaram nos outros candidatos não eleitos.
     Nas eleições proporcionais o voto nunca é “perdido”. Sempre é bom lembrar que as eleições proporcionais são importantes e existem nas principais democracias do mundo, tendo por objetivo identificar a proporção em que se distribuem no eleitorado as ideologias políticas representadas pelos partidos. Esta proporção será reproduzida na distribuição das cadeiras dos parlamentos de acordo com o número de total de votos obtidos por cada partido ou coligação através de todos os seus candidatos colocados à apreciação do eleitor em uma lista, sendo então eleitos para ocupá-las apenas os mais votados de cada lista até completar as cadeiras conquistadas com os votos de todos, repito. A mais bela das eleições, mas que no Brasil virou uma arapuca.
     Além de mais belas são as mais importantes, embora as majoritárias sejam mais destacadas, como agora com as eleições para presidente e governadores. As proporcionais elegem a massa de políticos em que se baseia a oligarquia política que, mesmo execrada, domina o país, seus presidentes, governadores e prefeitos. E qual a mágica para se perpetuarem no poder? É simples, as listas dos candidatos nas proporcionais por partido ou coligação não são publicadas, isto é, não são dadas ao conhecimento do eleitor. Assim, o eleitor vota como se votasse em um candidato avulso numa eleição majoritária escolhendo aquele que acha o melhor sem se preocupar que seu voto pode eleger um outro, um preposto, filho, esposa ou amigo dos mandarins da nossa política, ou o próprio mandarim constante da lista na qual o eleitor ingenuamente votou sem saber. Desse jeito, o eleitor é enganado, chamado de burro, vendilhão de voto, sofre com as más gestões públicas e ainda paga a conta desse maquiavélico festim. 
     A cada eleição espero que os Tribunais Eleitorais publiquem em seus sites também as listas dos candidatos nas proporcionais por partido ou coligação, ao invés de só por ordem alfabética como tem acontecido, o que força o eleitor a malabarismos mentais para bem exercer o seu voto. Uso o Excel, mas nem todos tem essa facilidade. Seria fácil aos próprios Tribunais fazerem essa publicação. E que os partidos bem-intencionados não tivessem medo de publicar a lista de seus candidatos em seu material de campanha. Mesmo os candidatos poderiam fazê-lo no verso de seus santinhos, mostrando ao eleitor que não existem “vírus” eleitorais entre seus companheiros de chapa.
     Ao eleitor, paciência. Nas eleições ele é a majestade e pode decidir seu voto até na boca da urna. Não se comprometa precipitadamente com parentes, amigos, colegas antes de saber quem são aqueles outros que podem estar escondidos por trás deles e que poderão ser eleitos com seu precioso voto. Nas proporcionais não basta escolher um bom candidato. Calma, converse, informe-se antes de votar.

domingo, 12 de agosto de 2018

20 ANOS ATRÁS, 20 NA FRENTE

                                                            Foto arquiteto Ademar Poppi
José Antonio Lemos dos Santos
     No último dia 30 de julho o jornal O Globo trouxe matéria sobre o Plano Diretor Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio (PDUI) abordando algumas de suas principais propostas para mudanças no padrão de ocupação do solo visando melhorias na mobilidade urbana. A matéria “O caminho passa por novos centros” destaca entre as proposições que é preciso ocupar os vazios existentes na metrópole, conter a expansão de novas áreas, revitalizar as degradadas e que a cidade deve deixar o padrão 3D (dispersa, distante e desconectada) e adotar o padrão 3C (compacta, conectada e coordenada) incentivando o desenvolvimento de múltiplas centralidades para reduzir a atual demanda do “hipercentro”.
     A “nova lógica proposta” é que as pessoas prescindam de dirigir-se ao centro principal sendo-lhes oferecidas alternativas de trabalho, estudo, lazer e serviços diversos, próximas às suas moradias, ganhando em conforto pessoal, reduzindo custos e evitando viagens desnecessárias ao centro. A descompressão do centro é reforçada por interligações transversais superpostas ao sistema viário radial original conectando diretamente os sub-centros.
     Neste artigo homenageio os colegas de então da prefeitura de Cuiabá, em especial os do antigo IPDU e os conselheiros do finado Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) que juntos desenvolveram a Lei de Uso e Ocupação do Solo de Cuiabá (LUOS) aprovada em 1997, há pouco mais de vinte anos, na qual constam estas propostas do PDUI do Rio. A opção foi pela cidade compacta, densa e diversificada e sua elaboração passou por algumas administrações saindo quase do zero, desde o levantamento e sistematização de dados e mapas ainda sem a tecnologia do geoprocessamento, diagnóstico, prognóstico e o uso de metodologia participativa com um conselho, o CMDU, onde representantes dos principais agentes formadores da cidade tinham voz ativa. Nele as propostas técnicas do IPDU, autorizadas pelo prefeito, eram discutidas, aperfeiçoadas e aprovadas ou não.
     A LUOS de Cuiabá trouxe muitos conceitos inovadores à época e talvez tenha sido a primeira concebida tendo como diretriz maior a ideia da “cidade crescer para dentro” ocupando seus muitos espaços vazios, as áreas degradadas, promovendo o adensamento e a otimização da infra-estrutura existente. Tal qual o PDUI do Rio, a LUOS de Cuiabá fomenta o desenvolvimento de sub-centros para redução substancial da pressão sobre o antigo centro do século XVIII. A legislação anterior não permitia a consolidação dos sub-centros que naturalmente se esboçavam como o da Morada da Serra e do Coxipó. Complementando essa estratégia foi elaborado um plano de hierarquização viária, onde, dentre outras, foram propostas a Avenida das Torres, e as vias de contorno complementares à Miguel Sutil, dentre as quais a Avenida Parque do Barbado ligando o Cristo Rei pela Ponte Sérgio Mota ao CPA, e a VECO-L, saindo da Archimedes Lima em paralelo aos córregos do Moinho e Três Barras chegando à Avenida Rubens de Mendonça, a qual pelas notícias encontra-se em fase de projeto na prefeitura.
     Um dos entraves ao urbanismo no Brasil é a discrepância entre seu horizonte de planejamento de 20 a 30 anos e a gestão política atual que não consegue enxergar além das eleições, a cada 2 anos. Em Cuiabá o processo de planejamento foi interrompido e a aplicação do que foi planejado não aconteceu como devia, mas vai deixando efeitos positivos. De qualquer forma é gratificante ao técnico ver soluções que ajudou a formular a 20 anos atrás serem repetidas 20 anos depois em âmbito tecnicamente tão qualificado como o Rio de Janeiro.