"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O LARGO DO ROSÁRIO

Foto José Lemos
José Antonio Lemos dos Santos
     Suponhamos que você tenha adquirido um imóvel e precisasse demolir uma edificação existente no terreno. Depois por algum motivo você teve que interromper a demolição e essa interrupção durou mais do que o esperado deixando no local as ruínas da demolição não concluída, enfeiando a cidade e oferecendo riscos à segurança e à saúde da população. Se isso acontecesse e se vivêssemos num país onde as leis fossem cumpridas, em especial as a favor da população, em pouco tempo seu imóvel seria vistoriado pela prefeitura para avaliar os riscos à segurança pública ou os prejuízos à estética da cidade e em caso de confirmação dos malefícios, você seria intimado a tomar as providências devidas com prazo fixado e sem prejuízo de multas.
     Seguindo o raciocínio, quando o governo desapropria um imóvel também está assumindo as responsabilidades por ele, ficando sujeito às mesmas regras cabíveis aos simples mortais. Quando o governo decidiu implantar o VLT em Cuiabá tinha como uma de suas primeiras tarefas a desapropriação dos imóveis por onde o projeto passaria. E, de fato desapropriou diversos imóveis. Fato é que, por razões que extrapolam a este artigo, o empreendimento governamental foi paralisado e até hoje, passados quase cinco anos ou mais, não existe perspectiva de prazos para sua continuidade, a não ser a manifestação do governador e seu secretário de infraestrutura no sentido de decidir se sim ou não em um ano, mas afirmam, com preferência inicial pela implantação. Acho bom.
Foto José Lemos
     Enquanto seguia o projeto do VLT muitos dos imóveis desapropriados foram devidamente demolidos e seus entulhos retirados, porém sem nenhum outro cuidado adicional, nem fechamento ou limpeza, e muitos estão hoje servindo para depósito de lixo ou entulhos de terceiros, abrigo de marginais, foco de animais peçonhentos e aedes aegypti, além de enfeiar a cidade. E continuam assim, de mal a cada vez pior. Por suposto a prefeitura não visitou o setor competente do governo cobrando providências ou, se foi, nem deram bola.
     Uma quadra inteira no centro histórico de Cuiabá chamada hoje de “ilha da banana” por parecer com a fruta nas imagens de satélite, é o símbolo maior dessa vexatória situação que traz tão graves prejuízos à cidade. Localizada no sítio onde se deu a descoberta do ouro da origem de Cuiabá, bem em frente a alguns de seus cartões postais como a igreja do Rosário e São Benedito, a igreja do Senhor dos Passos, a mesquita de Cuiabá e colada ao Morro da Luz, deveria ser um dos pontos mais acarinhados pelo cuiabano no Tricentenário. Mas ao contrário, teve a quase totalidade de seus imóveis desapropriados e demolidos restando lá suas ruínas já a anos, colocando sob diversos e graves riscos a população, dando péssima impressão aos turistas, em suma, maculando um espaço que deveria ser sagrado ao cuiabano. Enquanto isso a prefeitura corre atrás de novos projetos para “embelezar” a cidade, quando podia também concentrar esforços na “ilha da banana”.
     No ano do Tricentenário de Cuiabá essa situação não pode perdurar. Como não dá tempo para implantar de forma definitiva o “Largo do Rosário” proposto com o VLT, por certo que até a Festa de São Benedito ainda daria para limpar aquela área, aplainá-la, basicamente um trabalho de tratores complementado com passeios, bancos, iluminação, arborização e gramados em um projeto emergencial simples, compatível com o prazo e a versão definitiva do “Largo”. Muitos dos largos históricos começaram como um espaço simples aberto à frente de igrejas ou órgãos públicos. Alguns dirão que não dá tempo nem para isso. Então, que no mínimo limpem a área despoluindo a paisagem. O que não dá é continuar do jeito que está.
Foto José Lemos

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

DIFERENCIAL HISTÓRICO DE CUIABÁ

Foto José Lemos
José Antonio Lemos dos Santos
     As melhores cidades do mundo aprenderam faz tempo que o patrimônio histórico urbano não é uma carga inútil ou um sacrifício. Ao contrário, ensinam tratar-se de enorme riqueza e que seu aproveitamento sustentável é seguramente um investimento com enorme potencial de retorno financeiro pelo incremento turístico e de outras atividades produtivas na área beneficiada, ou em termos de empregos, renda, merchandising urbano e elevação da autoestima da população. Esta lição vale para qualquer cidade, pois todas têm o que mostrar, contar e encantar aos seus visitantes. É claro que estes benefícios variarão conforme a importância do patrimônio considerado e seu poder de atração, as facilidades de acesso e as possibilidades de combinação com outras atrações otimizando o investimento do turista.
      O centro histórico de Cuiabá tem um significado que transcende a história local, pois a cidade que nasceu do ouro como tantas outras, foi também a ocupação portuguesa mais a oeste da linha de Tordesilhas, em terras então espanholas, quando este Tratado era rediscutido visando a redefinição dos limites da ocupação continental entre portugueses e espanhóis. Prevaleceu então o direito pela posse, o “Uti Possidetis”, e Cuiabá nessa discussão passa desde cedo a ter uma função estratégica para a Coroa Portuguesa na ocupação da hinterlândia continental que veio posteriormente a se consolidar como território brasileiro. Mais que a história de uma cidade, a história de Cuiabá se confunde com a história do oeste brasileiro, aspecto ainda pouco reconhecido pela história oficial brasileira. Com base neste papel transcendental, Dom Aquino chamou Cuiabá de “Celula Mater”, a célula mãe que está na origem de 3 estados e praticamente todos seus municípios, peça chave na ocupação, defesa, promoção e suporte para esta imensa região que hoje se apresenta como uma das mais dinâmicas no mundo. Este grande diferencial está registrado na fisionomia atual da cidade, ainda que seus traços mais antigos estejam desaparecendo.
     Mas o cuiabano histórico, além da fibra, valentia, alegria e hospitalidade que sempre o caracterizaram, ele é também um personagem simples, pacato e de extrema boa-fé, incapaz de reconhecer seus próprios méritos e virtudes. Assim quando se comemora o aniversário da cidade, de fato deveríamos estar comemorando em conjunto o aniversário do oeste brasileiro. Mas, agora de quê? Ao tratar seu patrimônio histórico o cuiabano deveria estar tratando de um registro cultural pertencente também ao Brasil. Aliás, que outro motivo levaria o Centro Histórico de Cuiabá ao tombamento pelo Patrimônio Histórico Nacional? 
     O Centro Histórico de Cuiabá merece tratamento à altura de seu significado diferenciado, postura que deve fundamentar a busca pelas devidas parcerias com o governo federal, também com grande responsabilidade no assunto. Debaixo de um sol inigualável no exato centro geodésico da América do Sul, à beira do Pantanal, próxima à Chapada dos Guimarães, Nobres, termas de São Vicente, das belezas amazônicas e do cerrado, e mesmo das plantações high-tech com suas floradas dos girassóis e algodoais, Cuiabá não pode abrir mão de seu patrimônio histórico urbano enlaçando um extraordinário pacote turístico para Mato Grosso como poderosa ferramenta para seu desenvolvimento e do estado. Porém uma empreitada como esta exige firme convergência de interesses das lideranças políticas e empresariais, da sociedade civil organizada e das autoridades governamentais em todos os poderes e instâncias. Em suma, união e vontade política, recursos indispensáveis, mas que infelizmente se mostraram escassos nestas décadas em que o assunto tem sido tratado. 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

RUÍNAS DO CENTRO HISTÓRICO

José Antonio Lemos dos Santos
     As lágrimas que caem a cada desmoronamento no centro histórico de Cuiabá, mesmo as dos crocodilos, não caem pelo patrimônio que se esvai, caem por nós. O que estamos fazendo com a história de Cuiabá, parte significativa da história do Brasil, faz lembrar John Donne, que conheci numa citação de Hemingway: ”A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
     A história é antes de tudo a história dos homens que a protagonizam deixando marcas ao longo do tempo em suas diversas manifestações como arquitetura, pintura, música, literatura, tecnologia e outras que passam a ser consideradas a própria história que as gerou, tomando a obra pelo seu criador. Parafraseando Donne, a cada patrimônio perdido diminui cada cuiabano de coração, nato ou não, pois somos parte direta dessa história de Cuiabá. Daí, a dor e as lágrimas dos cuiabanos pela destruição acelerada de seu centro histórico pois é a destruição da história de cada um de nós e de todos nós, e um povo sem história morre, desaparece. Não pergunte, pois, por quem choramos, choramos por nós, pela nossa própria destruição, que acelera a cada eventual patrimônio que desaparece.
     O que seria a história presente se não a construção do futuro com as condições deixadas pelo passado? Ou, a história não seria o futuro chegando rapidinho, tornando-se presente e de imediato virando passado? Passado, presente e futuro são momentos diferentes de um mesmo fluxo, a história. Assim, chorar pela destruição da história é prantear também pelo presente e pelo futuro. Em especial no caso de Cuiabá pois seu maior patrimônio histórico é o futuro. Que outro motivo haveria para as gerações passadas sofrerem tanto isolados neste ermo do mundo, a não ser para legar ao futuro uma localização mágica, que hoje se revela privilegiada e estratégica no exato centro do continente sul-americano e centro de uma das regiões mais ricas do planeta? Daí o atual dinamismo vivido por esta cidade, iluminada pelo futuro que brilha à sua frente. Bem diferente de suas irmãs do ciclo do ouro transformadas em museus, Cuiabá segue viva em função do futuro que lhe foi legado. Falta-lhe compatibilizar o futuro com o passado, como fazem as melhores cidades do mundo. Sabem que cuidar do passado é promover o orgulho local e gerar renda e empregos de qualidade.
     Outro dia desmoronou a Gráfica Pepe, casarão de refinada arquitetura, queda anunciada e assistida por todos pois já há algum tempo a fachada se inclinava sob o peso do belo e autêntico frontão eclético, uma joia que foi caindo à vista de todos e caiu. Ano trasado foi a Casa de Bem-bem, peça rara da arquitetura colonial brasileira. Antes, a casa de Rolim de Moura, primeiro governador do estado e primeiro Vice-Rei do Brasil. Foram-se também as de Dutra e Murtinho. Foi-se o Palácio Alencastro, depois a Catedral e o sobradão do antigo PSD. Qual será o próximo? Talvez a Casa Orlando do último abastecimento do lendário Coronel Fawcett? O sobradão do Beco Alto? as casas de Generoso Ponce e Deodoro? A de Floriano nem se tem notícia.
     O mesmo acontece com a Arena Pantanal, moderna, mas não menos histórica, um edifício aclamado no mundo, palco para grandes eventos nacionais e internacionais, porém, criminosamente abandonada. E com ela vai o futuro que prometia, assim como o futuro prometido pela ferrovia, pelo gasoduto e termelétrica, pelo Porto Seco, pela internacionalização do aeroporto, pelos COTs da Copa e tantas outras potencialidades, tudo abandonado. E nós cuiabanos assistindo, quando muito choramos, lágrimas para nós mesmos. Até quando?