"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O TREM A JATO

José Antonio Lemos dos Santos


     A gente já conhecia o trem a vapor, a velha “maria-fumaça”, o trem a diesel, o trem elétrico e até o trem bala, mas jamais soube de um trem a jato. Pois surgiu. E aqui em Mato Grosso, despercebido, meio escondido, sem retrato ou foguete, como diria Noel, sem manchetes nos jornais, bandas de música, como sugere um fato como este. Ainda mais na política, onde não se pinta um meio-fio sem comício e foguetório.
     Refiro-me a proposta de ferrovia rasgando horizontalmente o médio-norte de Mato Grosso, ligando Lucas do Rio Verde a Uruaçu (GO), e posteriormente, a Vilhena (RO) – com Sapezal bem no meio do caminho. Nem inteirou dois anos das primeiras notícias sobre a idéia, já entrou no Plano Nacional de Viação (PNV). Rapidíssimo! Lembro da festa quando em 1976 o senador Vuolo incluiu nesse mesmo Plano a ligação ferroviária de Rubinéia (SP) a Cuiabá, após uma difícil luta que era de conhecimento de todos. Agora, um enorme projeto envolto no desconhecimento público total.
     E mais, com velocidade supersônica, nem bem entrou no PNV, sem nenhum estudo, já foi incluído no PAC, desbancando o trecho de 200 Km entre Rondonópolis a Cuiabá, isto é, a ligação ao sistema ferroviário nacional das duas maiores cidades de Mato Grosso, sua capital e Várzea Grande, que juntas formam o maior centro produtor, consumidor, distribuidor e concentrador de cargas do estado. É bom lembrar que este trecho já foi submetido na década passada a uma Audiência Pública, a qual estive presente, com seu traçado técnico questionado por passar próximo – não dentro - da Reserva Tereza Cristina, 700 metros rio abaixo, e bastava essa correção. Hoje o trânsito rodoviário nesse trecho supera 15 mil veículos diários, a maioria carretas e treminhões, com alto impacto negativo econômico, ambiental e humano. Mas foi trocada por uma ferrovia cuja descrição técnica no PAC diz apenas “obra em fase de estudo”. Será que Lula sabe? Tudo sob o olhar atento e convicto do cumprimento do dever de nossos congressistas.
     Desde dezembro passado, quando o PAC foi noticiado de forma mais compreensível, o assunto é uma pulga atrás da orelha de muitos cuiabano/varzea-grandenses. Afinal foram abertas as cartas desse estranho jogo de interesses que virou a ferrovia, confirmando antigas suspeitas que a extrema boa-fé cuiabana sempre recusou a acreditar? Da forma como se combinam a absurda exclusão do PAC do trecho Cuiabá-Rondonópolis com a proposta da nova ferrovia e o conseqüente seqüestro de cargas de Mato Grosso para Goiás, trata-se muito mais do que um projeto ferroviário, e sim de um audacioso e questionável plano geopolítico para Mato Grosso, que precisa ser muito bem conhecido e discutido por todos os mato-grossenses antes de ser implementado.
     Não seria mais lógica e prática a inclusão no PAC do trecho Rondonópolis/Cuiabá/Lucas do Rio Verde, já, inclusive, objeto de concessão da União? Percorrendo uma área antropizada, com menores impactos ambientais ou sobre reservas indígenas, sem necessidade de novas grandes obras de arte, esta solução sem dúvida agilizaria uma ferrovia de fato necessária não apenas para levar a produção estadual, mas também para trazer os insumos necessários ao progresso do estado, através de seus maiores centros urbanos consumidores e distribuidores. Uma ferrovia não é feita só para ir, mas para ir e voltar com cargas de ida e vinda, disseminando o desenvolvimento. Se o que se quer é o desenvolvimento equilibrado e sustentável de Mato Grosso, sem exclusões regionais ou mais agressões ambientais, nada mais correto e urgente que a execução do projeto já outorgado à Ferronorte em 1989.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 27/01/2009)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A CONSTRUÇÃO DA CIDADE

José Antonio Lemos dos Santos


     O artigo anterior lembrando o tricentenário de Cuiabá e a necessidade da preparação da cidade desde já para a grande festa, rendeu vários comentários entusiasmados, com um destacando a importância da subsede da Copa 2014, e alguns com dúvidas quanto ao grau de sucesso possível. A desconfiança viria do que alguns chamam de “falta de cultura urbana do povo”, da qualidade dos nossos políticos e da dificuldade de obtenção de recursos públicos para investimentos.
     Não creio que estes argumentos possam reduzir o entusiasmo por uma empreitada comum pelos 300 anos. O importante é que existe uma forte motivação pela cidade, ainda que latente, como confirmada pelos comentários ao artigo, e que pode muito bem convergir em um esforço coletivo desse tipo. As dificuldades alegadas são falsos problemas, tradicionalmente alimentados em todo o Brasil como “álibis” para as mazelas a que sempre são relegadas as coisas públicas.
     Na verdade, o cerne da questão encontra-se na qualidade da nossa gestão urbana, que ainda se encontra nos tempos de “El-Rey” - o dono de tudo, inclusive das cidades, as vilas-reais - aguardando que as coisas aconteçam vindas de cima. Quando vem, bem, quando não vem, amém, repetimos hoje o que diziam os antigos. O ano que abre a última década do terceiro século de existência de Cuiabá marca também os 120 anos da proclamação da República, e apesar de todo esse tempo, até hoje o brasileiro ainda não assumiu como sua a coisa pública, a res-publica. Continua esperando as coisas virem de cima. E o salto na qualidade urbana no Brasil, e não apenas em Cuiabá, só acontecerá quando a cidadania assumir a cidade como de fato sua, não apenas quando da escolha de seus governantes, mas na participação efetiva em todos os momentos de sua gestão, colaborando, fazendo a sua parte, mas também cobrando, exigindo institucionalmente ou não das autoridades a execução das ações estabelecidas em favor do bem-comum.
     Quanto aos recursos, Cuiabá é uma cidade de muitos recursos, muitos ainda inexplorados, como as potencialidades do centro geodésico continental. Uma cidade dinâmica e saudável é um organismo vivo, que cresce e se transforma o tempo todo através dos recursos que gera e que atrai do ambiente econômico externo, bem como através da renovação urbana, que salta aos olhos em Cuiabá, com residências que viram comércio, pequenas lojas que viram centros comerciais, vazios urbanos que viram indústrias, conjuntos residenciais, shoppings, etc. Dessa forma as cidades são construídas e estão em constante construção. Bastaria o controle público firme dessa grande obra para se alcançar padrões urbanos superiores para nossas cidades, evitando os processos de metástase urbana que as afligem e fazem sofrer seus habitantes.
     A atual estrutura produtiva instalada aliada a projetos fundamentais que precisam ser concretizados ou reativados (gasoduto, ferrovia, aeroporto, etc.) assegura a vitalidade de Cuiabá e a continuidade de sua evolução, para o bem ou para mal. O rumo será ditado pela qualidade de sua gestão urbana, nela envolvidos o planejamento, o gerenciamento urbano, e, principalmente a participação pró-ativa da população. Sem esta última, os sistemas de gestão municipais funcionam apenas precariamente, produzindo este quadro local e nacional caótico e trágico. Além da motivação latente, mais do que esperar é preciso participar consciente e positivamente da construção da cidade. O que interessa para nós é que essa grande obra coletiva siga o rumo da melhoria da qualidade de vida urbana e que Cuiabá possa comemorar seu tricentenário não apenas como uma cidade grande, mas como a grande cidade que todos queremos.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 20/01/2009)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

DE 2009 A 2019

José Antonio Lemos dos Santos

     Para Cuiabá o ano de 2009 é especial pois abre a última década de seu terceiro século de existência. Não é pouca coisa para uma cidade que teve que enfrentar inúmeras dificuldades para manter-se viva. Sem nunca ter o apoio nacional nos investimentos necessários à sua promoção ou sobrevivência - a não ser na gente das mais diversas origens que veio para formar o povo cuiabano - primeiro serviu como bastião da coroa portuguesa em meio ao território espanhol de então, depois, vanguarda ocidental na defesa e ocupação do território brasileiro e, hoje, como cidade moderna e dinâmica, centro polarizador e articulador de uma das regiões mais dinâmicas do planeta.
     Qual o presente para uma cidade que completa 300 anos? Como para qualquer pessoa, o principal é que o aniversário reflita um momento saudável, feliz, com amplas perspectivas de realizações com todos os seus. O presente é apenas uma lembrança física desse momento. Para uma cidade isto significa o funcionamento de suas atividades com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça, isto é, a utopia do Urbanismo, uma situação não realizada por qualquer cidade no mundo e a ser buscada constantemente por elas. A década que iniciamos é o que nos resta para a construção dessa utopia em Cuiabá, o melhor presente para seu tricentenário, em 2019.
     Em 1999, faltando 20 anos para os 300 anos da cidade, o IPDU propôs a adoção do tricentenário como foco das ações do desenvolvimento urbano a partir daquela data, lançando a expressão “Cuiabá 300”. Com o mesmo objetivo, o prefeito Wilson Santos, em sua primeira administração concebeu o projeto “Cuiabá 300 Anos”. Tanto agora, como a 10 anos atrás, a proposta não conseguiu sensibilizar a cidadania a ponto de envolvê-la em um grande projeto comum.
     Sabemos que Cuiabá está distante da utopia urbana e 10 anos é um tempo curto para uma empreitada de tal porte, o que deve ser compensado com o envolvimento e a participação de toda a cidadania, a verdadeira dona e construtora da grande obra comum que é a cidade. A motivação coletiva é o primeiro desafio a ser superado e, uma vez conseguido, há quer mantido crescente de forma a explodir na festa de 2019. Um desafio supra-partidário a ser encarado sobretudo pela parte da sociedade civil organizada que já se preocupa com o assunto, e pela prefeitura, que não pode desistir de seu grande projeto, indispensável como instrumento de catalisação e controle de todos os esforços.
     No meio do caminho, a Copa do Mundo de 2014 pode ser o grande exercício desse esforço coletivo por um objetivo comum. Assim também a realização anual da Corrida de Reis, cada ano mais bela e importante no cenário esportivo. Desde já, porém, não se pode pensar a festa de 2019 com o aeroporto do jeito que está, com o gasoduto e a termelétrica desativados, a rodovia Cuiabá-Rondonópolis em pista única e, principalmente, sem os trilhos da ferrovia. A história não perdoará esta geração de cidadãos e de políticos.
     Motivação é matéria prima abundante a ser despertada, exigindo para isso, entretanto, competência, persistência e, principalmente, confiabilidade permanente. Todo mundo quer uma cidade melhor. O problema é que muitos entendem que essa cidade melhor é obrigação dos outros e não sua também. A cidade é uma obra de todos, e mais se aproximará do ideal, quanto mais a cidadania assumi-la como sua, de seu interesse, com obrigações a cumprir e a cobrar junto aos governos, aos demais moradores e a si própria enquanto conjunto de cidadãos.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 13/01/2009)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

VIVA 2009!

José Antonio Lemos dos Santos

     Bem antes de seu início, o ano de 2009 já foi taxado como um ano de crise, crise que pode vir como um tsunami ou uma simples marola. Aliás, em nome da tal crise muitos grupos poderosos já levantaram bilhões de dólares de diversos governos pelo mundo afora, ainda que muitos deles responsáveis pela própria crise. Nenhuma surpresa, pois aprendemos na vida e na história que crise é uma mistura de riscos, oportunidades e também oportunismo, o qual chega sempre na frente. Ainda que atentos aos oportunistas, contra quem aparentemente pouco podemos fazer, melhor nos importar com as oportunidades, já que os riscos vêm junto destas como seus limites, sinalizadores de até onde podemos ir para aproveitá-las.
     As crises expressam situações que não são mais adequadas e que precisam ser mudadas, são prenúncios de mudanças necessárias. Todos sabemos que o mundo vinha se consumindo ambientalmente e que vivia pendurado em ficções financeiras especulativas danosas a todos, inclusive à economia produtiva. Um quadro insustentável e era esperada a explosão. Só nesse duplo corretivo já teríamos um lado bom da crise. Mais ainda, como Mato Grosso em geral não vive de papéis, mas da sua produção real baseada na agropecuária, mesmo com essa crise dá para antever, ao menos na visão leiga, boas perspectivas para o estado, desde que se agregue a indispensável sustentabilidade à sua economia.
     Com ou sem crise, o mundo vai continuar demandando alimentos e energia de forma crescente. A inviabilização dos combustíveis fósseis e a alternativa dos biocombustíveis, bem como as preocupações mundiais com a preservação dos últimos redutos naturais do planeta, também parecem conspirar a nosso favor. Seja para alimentos ou combustíveis, a última grande fronteira agrícola global está aqui, na otimização produtiva da área já ocupada pela agropecuária de alguns estados do Brasil, em especial, em Mato Grosso.
     Outra defesa de Mato Grosso contra a crise está na sua extensão territorial, envolvendo uma multiplicidade de oportunidades produtivas. Já se disse, há algum tempo, que em Mato Grosso, terra que não servia para agricultura dava ouro ou diamante. Agora dá também o calcário, o fosfato, e já estão procurando até petróleo e gás. Brincadeiras à parte, essa mosaico de alternativas permite um certo equilíbrio, com um setor produtivo compensando outro que eventualmente vá mal. Ao mesmo tempo, apresenta um custo otimizado da administração pública. Mato Grosso pode não ser do tamanho dos estados americanos criados nos tempos das diligêcias e das comunicações por tambores ou fumaça, mas certamente tem o tamanho certo para os tempos do avião a jato, das estradas asfaltadas, das comunicações via satélite e da internet, com um só Executivo, Legislativo e Judiciário em condições racionais de governo. Mato Grosso unido é maior que todas as crises.
     Para Mato Grosso, 2009 pode ser o ano das oportunidades. Oportunidade de adequar-se ambientalmente e assim consolidar-se como grande produtor de alimentos e de energia para o mundo; oportunidade de desenvolver, interna e externamente, a colaboração produtiva dos tempos globais, ao invés da velha competição predadora que a atual crise questiona; oportunidade de resgatar projetos fundamentais paralisados como o gasoduto, a termelétrica, o aeroporto Marechal Rondon, a chegada dos trilhos da ferrovia até Cuiabá e a oportunidade de continuar exercitando a união laboriosa entre seus cidadãos. Um ano novo com Mato Grosso amadurecendo suas relações ambientais, com seus municípios e cidades integrados solidariamente em uma sinergia regional multiplicadora de suas potencialidades. Feliz 2009!
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 06/01/2009)