"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 28 de julho de 2009

TRÊS NOVAS AVENIDAS

José Antonio Lemos dos Santos


     O trânsito é um dos principais desafios para Cuiabá nos dias atuais, e muito mais em termos do sucesso da realização da Copa do Pantanal em 2014. Dentre seus múltiplos componentes, o sistema viário é um dos que exige investimentos mais significativos e urgentes, mas, sobretudo, articulados e coerentes em função da cidade como um todo. Trato a seguir de três novas avenidas que me parecem fundamentais, projetos que foram ou estão sendo trabalhados pela prefeitura, mas que não constam das listas noticiadas de projetos para a Copa. Acompanham três viadutos complementares às avenidas e já necessários hoje.
     A primeira seria a Avenida do Barbado, entre os Shoppings Três Américas e Pantanal, seguindo o percurso do córrego do mesmo nome na ligação entre o Coxipó e o CPA, funcionando como uma paralela à Miguel Sutil, hoje sobrecarregada. Urgentíssima, foi incorporada à Lei 3870/99 que trata das Vias Urbanas de Cuiabá, compondo a Via Estrutural Circular Norte (Veci-N) que prevê a ligação contínua da Ponte Sérgio Mota até a Rodovia Hélder Candia (saída para Guia), atravessando a Fernando Correa e a Avenida Rubens de Mendonça através de viadutos hoje já indispensáveis. O trecho em questão foi pioneiro no uso da metodologia das “avenidas-parque”, combinando interesses viários e ambientais em um parque linear de proteção ao córrego, mantido quase todo em seu leito natural no trecho. Simpaticamente era conhecida pelos técnicos como “córgo-way”.
A citada Via Estrutural Circular Norte é também de grande importância na integração viária Cuiabá-Várzea Grande. Através da Avenida Tancredo Neves (a ser reurbanizada com mais uma pista interna – já necessária) e da ponte Sérgio Mota ela se liga à Avenida Dom Orlando Chaves, no Cristo Rei, a qual poderá cruzar a Avenida da FEB também através de viaduto já hoje indispensável, chegando a Ponte Nova e de novo a Cuiabá pela Miguel Sutil, principal acesso ao Verdão.
     A segunda nova avenida prioritária, seria a ligação da Beira-Rio com sua projetada extensão do outro lado do rio Coxipó (VEBR–S), com o trecho partindo das proximidades da Avenida General Mello, passando pelo bairro São Gonçalo Beira-Rio, através de uma nova ponte, e prosseguindo rumo ao sul até a Rua “J” do Parque Atalaia e por esta até a Avenida Palmiro Paes de Barros, no acesso ao Parque Cuiabá. Esta nova avenida chegou a ter sua obra lançada ao final da administração Roberto França e tem como objetivo conectar toda a região de influência da Avenida Palmiro Paes de Barros na Região Sul da cidade com os centros de Cuiabá e Várzea Grande, sem passar pela Fernando Correa, desafogando este importante eixo estrutural viário da cidade.
     Por fim, mas não menos importante, a terceira avenida prioritária seria o trecho oeste do chamado Rodoanel, ligando a Rodovia Helder Candia ao Sucuri e ao Trevo do Lagarto em Várzea Grande, através de uma nova ponte sobre o rio Cuiabá. Do trevo do Lagarto prosseguiria até a Avenida Fernando Correa com a duplicação da Rodovia dos Imigrantes preparando esta via como eixo da Zona Especial de Alto Impacto, conforme define a Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano de Cuiabá. O novo e importante acesso rodoviário para o norte do estado através de Acorizal e Jangada somente fluirá sem conflitos se concluída esta sua ligação direta ao Trevo do Lagarto e ao Contorno Sul. Sem ela, o tráfego rodoviário termina sendo despejado nas Avenidas Antártica e Miguel Sutil, bem como no Trevo do Santa Rosa, o que já acontece hoje, ajudando na geração dos engarrafamentos cotidianos, desconfortáveis e desnecessários. Segundo foi noticiado, já existiria recursos para essa obra, bastando apenas priorizá-la.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 28/07/09)

terça-feira, 21 de julho de 2009

O TOCO E A GOVERNABILIDADE

José Antonio Lemos dos Santos

     As explicações sobre a vexatória situação da entrada de Cuiabá pela Ponte Júlio Muller confirmaram as preocupações do nosso artigo do dia 7 passado. O site Midianews de Cuiabá no dia seguinte ao artigo informou que a prefeitura tem um projeto para aquela área e que o principal entrave à sua execução seriam duas garagens de veículos que “teimam” em permanecer no local. Informa ainda o site que o deputado Roberto França em seu programa Resumo do Dia, na noite do mesmo dia 7 lembrou que também tinha um projeto semelhante quando prefeito, e que também “tentou, sem sucesso, remover as tais garagens”.
     Na verdade a prefeitura há muito tempo desenvolve projetos para essa entrada da cidade, sempre com obstáculos aparentemente intransponíveis, mas superados progressivamente por diferentes administrações. Mais recentemente, lembro do prefeito José Meirelles na transferência da antiga feira do chamado Mercado do Peixe, que para ser viabilizada exigiu um dos mais amplos e belos trabalhos de assistência social que já vi, e a construção do novo mercado no chamado Campo do Bode, moderno e simpático, hoje muito querido por toda a cidade. Muitos não acreditavam em tal façanha. Depois de liberada a área, já com Roberto França, dá-se a reurbanização da Beira-Rio, a criação do Museu do Rio e do Aquário Municipal e a implantação do binário da XV com a Ten. Cel. Duarte. A intenção era atravessar de imediato a XV de Novembro chegando ao Cais Flutuante com o projeto de reurbanização. Assim, foi terminada a canalização da Prainha, que parava na Carmindo de Campos, construídas a Estação Elevatória e as pistas de ligação da XV com a Beira-Rio e Cel. Duarte. Mas no meio do caminho, em plena curva apareceu um mourão de arueira. Parou tudo e a cidade espera até hoje numa situação de desconforto e risco, sem falar, no deprimente espetáculo de estética urbana e atraso civilizatório, logo na sua principal entrada.
     Problemas desse tipo fizeram surgir no mundo mecanismos de controle urbano para assegurar que as cidades se desenvolvam à luz do interesse público, mecanismos hoje indispensáveis a tudo o que Cuiabá pode e deve projetar para a Copa e o Tricentenário. Mas, se não conseguimos vencer um toco, de que adiantaria sonhar com metrôs, monotrilhos, free-ways? Adianta sim, pois os sonhos é que nos farão superá-lo. Longe de considerar um problema simples, há que reconhece-lo em toda a complexidade de suas dimensões jurídicas, administrativas, políticas e de relacionamento entre poderes. Daí a importância de encará-lo imediatamente, com atenção especial. Não se trata de buscar culpados e nem de rebaixar qualquer instituição perante outra, mas de todos se dobrarem ao interesse público maior que lhes dá origem, focados unicamente na solução de um problema grave que interessa a todos. A partir do projeto urbanístico para a área e definidos os direitos das partes, que sejam então feitas as desapropriações necessárias, com a prefeitura cumprindo sua obrigação exclusiva do exercício do poder de polícia urbanística, sem o qual a cidade fica ingovernável e, sem governabilidade, só lhe resta o caos.
     Logo que surgiu esse entrave, ainda na primeira administração Roberto França, lembro-me do prefeito ter pensado em voz alta em um trator D-8 para resolvê-lo, decepcionado com a situação. Responsável, porém, ouviu sua Procuradoria, o IPDU (eu, então superintendente) e até um reconhecido “estopim-curto”, o estimado secretário de Obras da época, todos confiantes nos trâmites legais normais, certos de que logo o problema estaria resolvido, o interesse público vitorioso e as obras em andamento. Já se foi mais de uma década.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 21/07/2009)

terça-feira, 14 de julho de 2009

A ENTRADA DA CIDADE (II)

José Antonio Lemos dos Santos

     Não foi fácil escrever o artigo da semana passada, principalmente por ter que falar mal de minha cidade abordando seu acesso pela Ponte Júlio Muller e a impressão negativa que deixa ao visitante e mesmo ao cidadão comum. O tempo é um recurso não renovável e por isso é sempre escasso, principalmente para Cuiabá tendo em vista a Copa de 2014 e o tricentenário em 2019. Cinco ou dez anos passam voando e é fundamental que sejam usados positivamente na construção da qualidade urbana indispensável à realização dos dois extraordinários eventos. Contudo, muitas vezes é necessário tocar em algumas feridas urbanas pois podem esconder problemas maiores, prejudiciais à construção do futuro.
     Arquitetura é a arte de transformar os espaços e assim, por formação, o arquiteto e urbanista é um visionário que sempre vê a realidade na perspectiva de sua transformação para melhor, sonhando utopias e imaginando soluções que originam as maravilhas construídas pelo mundo inteiro. A entrada de Cuiabá apesar dos problemas de gestão urbana descritas no artigo anterior, esconde imensas potencialidades naturais, culturais e paisagísticas que devem ser trabalhadas já e que são um “prato cheio” para os arquitetos, cada qual dando asas à sua imaginação a cada passagem por lá. Cito alguns pontos.
     Limite municipal de Cuiabá, mas coração da região metropolitana, centro e borda, a entrada da cidade é uma área rica urbanisticamente, com valores cujo aproveitamento correto pode torná-la um dos pontos mais belos e significativos da cidade. A começar pelo próprio rio que lhe deu origem, com sua beleza natural, sua ponte, e a foz do Prainha – o Ikuie-bo dos Boróros - cujas pedras ainda existentes estão na origem seu nome e do próprio rio, chamadas pelos moradores originais de Ikuia-pá – lugar onde se pesca com flecha-arpão. Deviam estar iluminados, sinalizados, legendados didaticamente e glamourizados turisticamente, com a ponte revista arquitetonicamente, até resgatando seu sentido de monumento urbano com seu antigo e pitoresco arco.
     Para a ponte convergem três grandes avenidas que devem ser repaginadas, com ênfase nos objetivos da mobilidade urbana segura, confortável: nova e especial iluminação viária com fiação rebaixada, arborização, nova sinalização horizontal e vertical, padronização de calçadas. De cara, topa-se no contra-fluxo com a XV de Novembro, de largura generosa, cuja perspectiva monumental é fechada pela torre da Igreja de São Gonçalo, com seu magnífico Redentor de 3,4 metros de altura pairando sobre o globo terrestre a 36 metros do solo. A direita o acesso à Beira-Rio (Avenida Manuel José de Arruda) e a Ten. Cel Duarte, que devem ser articuladas por uma rótula paisagisticamente tratada de forma a presentear a cidade com uma nova perspectiva monumental da Avenida Tenente Coronel Duarte, modernizada como uma autentica passarela de boas vindas aos visitante. Mais a frente, o antigo cais flutuante, hoje abandonado mas sempre sugerindo um pedestal a espera de um grande monumento sobre o rio, livre de ocupações em suas proximidades, que bem poderia ser em homenagem aos intrépidos e esquecidos navegantes platinos, os grandes viabilizadores da ocupação deste miolo continental sul-americano.
     Não há como deixar de referir a um novo tratamento para o espaço do centro esportivo do Dom Aquino, que pode continuar a sê-lo pela facilidade de acessos, envolvendo em seu complexo inclusive a terceira idade, que hoje encontra-se em um espaço segregado. Por fim, mas não menos importante, um novo edifício para o Shopping Popular, agora projetado em caráter definitivo com diversos pisos, destacando numa arquitetura contemporânea, o tradicional caráter inclusivo da cidade.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 14/07/2009)

terça-feira, 7 de julho de 2009

A ENTRADA DA CIDADE

José Antonio Lemos dos Santos

     Dizem que a primeira impressão é a que fica. Sendo assim, Cuiabá dificilmente deixa uma boa impressão aos seus visitantes quando chegam. Não trato dos acessos rodoviários, nem do muquifo de desembarque da Infraero. Trato da entrada de Cuiabá pela Ponte Júlio Muller, que pode ser considerada seu acesso principal, usado pelos principais formadores de opinião nacionais e internacionais, tais como autoridades, empresários, artistas, grupos turísticos, etc. Limite municipal, na prática, não limita nem divide nada, mas é o centro de uma grande cidade que envolve alguns municípios. De fato, uma das importantes áreas metropolitanas do país como pólo de uma das regiões mais dinâmicas do planeta e por sua posição estratégica continental. Centro e limite, essa entrada de Cuiabá é uma área rica urbanisticamente, com muitos valores cenográficos e culturais cujo aproveitamento correto pode torná-la um dos pontos mais belos e significativos da cidade. Contudo o que se tem hoje é o que há de pior, um faroeste urbanístico logo de cara, na entrada da cidade!
     Em grande parte remanescente do antigo “Acampamento Couto Magalhães”, da época da Guerra do Paraguai, nesse local existiram os bairros do Terceiro, Ana Poupino e Barcelos, destruídos pela cheia de 1974. A partir daí surgiram algumas ocupações compatíveis, como o Parque de Exposições e o belo Centro Esportivo Dom Aquino, bem com outras ocupações de regularidade discutíveis e discutidas até hoje. Muitas foram retiradas pela prefeitura, outras permanecem, e o que é pior, algumas outras estão sendo acrescentadas hoje. O símbolo maior de toda essa bagunça urbana bem poderia ser um mourão de arueira cravado além da tangência da curva da principal via de acesso a Cuiabá, para dentro de uma das pistas de rolamento. Todo dia engarrafamentos, acidentes, desconforto e acima de tudo, feiúra e desurbanidade, sinônimo de incivilidade. Ainda não aconteceu um acidente de maiores proporções porque o Senhor Bom Jesus de Cuiabá continua generoso e condescendente com sua terra.
     Resumindo, para doer menos: é péssima e vergonhosa a impressão desse primeiro contato. Pior, é uma impressão inescapável, cotidiana, que se renova dolorosa no peito cuiabano, pois se trata do core da grande cidade, passagem obrigatória da maioria da população. Feio, inseguro e incivilizado, expressa a impotência de todos os poderes públicos responsáveis pela construção da civitas, o bem urbano comum, impotência que na verdade envolve uma complexidade de autonomias e competências que se superpõem e se entrechocam por quase duas décadas e que supera a vontade individual dos governantes em resolver um assunto aparentemente tão simples. Como servidor público, participei de grande parte desse processo, e sou testemunha das dificuldades geradas por um barroquismo institucional descabido, incompatível com os tempos atuais e com uma cidade moderna e dinâmica.
     Há que se fazer um corte decisório e decisivo, em que todas as instituições envolvidas se re-unam pela solução de um problema comum grave, que vai além da estética urbana, envolve a segurança pública e questiona nossos padrões de civilidade. Que sejam definidos logo os direitos das partes e, segundo critérios técnicos, regularizado o que puder ser regularizado, desapropriado devidamente o que tiver que ser desapropriado, mas que se libere a área para ser urbanizada de acordo com os padrões contemporâneos e com o interesse público prevalecendo. E tem que ser urgente, pois o tempo voa. De outra forma, outras décadas passarão, e a chegada dos turistas de 2014 não será necessária para passarmos a vergonha que já passamos hoje.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 07/07/2009)