"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 28 de abril de 2009

INVIABILIZANDO A FERROVIA

José Antonio Lemos dos Santos


     No último dia 19 o Diário de Cuiabá trouxe matéria da jornalista Marianna Peres com o amigo Francisco Vuolo, vereador e também presidente do Fórum pela Ferrovia em Cuiabá. Intitulada “Prazo final exige celeridade para o cumprimento do aditivo”, diz um de seus trechos sobre a ferrovia: “Como ao longo dos anos houve interferências políticas sobre o projeto e entraves ambientais, a chegada à Capital sofreu a adição de cerca de mais 200 quilômetros no trecho para se distanciar da reserva indígena Teresa Cristina, como também, da Serra de São Vicente. “Com essas alterações, este outro trecho de Rondonópolis a Cuiabá tem orçamento de R$ 700 milhões também e agora prevê, neste percurso, o transporte de passageiros”. Como explicou Vuolo, esta última alteração ao projeto original, que busca autorização, repercutirá em uma injeção de recursos para cidades como Jaciara, Juscimeira e Barão de Melgaço.”.
     Resumindo, querem dobrar a distância e os custos do trecho ferroviário entre Rondonópolis a Cuiabá. Uma proposta absurda que se autodenuncia como tal. No afã de realizar a grande obra para Mato Grosso e sonho do seu pai, o vereador não percebeu a armadilha que lhe prepararam. Esse novo trajeto está sendo proposto justamente para inviabilizar a chegada dos trilhos a Cuiabá/Várzea Grande.
     A matéria também confirma a existência das interferências políticas antes tidas apenas como suposições. Que interferências políticas e entraves ambientais foram esses? Por que e quem decidiu abandonar o traçado original? Quando da audiência pública que discutiu o trajeto original até Cuiabá, a que estive presente, o único problema que persistiu foi sua passagem próxima a uma reserva indígena, fora da reserva quase 1 Km, rio abaixo. Seria suficiente para acrescentar mais 200 km ao trajeto, praticamente inviabilizando a ferrovia?
     Na verdade um terminal em Cuiabá inviabiliza os planos de alguns grupos de Rondonópolis que querem lá o maior terminal ferroviário de Mato Grosso. Existindo um terminal em Cuiabá, como determina a concessão federal e a lei, esvazia o projeto do maior terminal lá, pois toda a carga originária a oeste da área de influência da BR-163 com destino ao sudeste, para consumo interno ou exportação, será embarcada em Cuiabá, também o maior destino das cargas de retorno.
     Especialista em cidades, não em ferrovias, aprendi, porém, alguma coisa sobre elas em mais de 30 anos acompanhando o assunto sob o prisma do desenvolvimento urbano e regional. Uma delas é que se a ferrovia subir a serra, não desce de novo para chegar a Cuiabá, pelos custos desse percurso e pelo Parque Nacional de Chapada. Outro ponto é que a Ferronorte é diferente das antigas marias-fumaças, que passavam em cada vila, cada cidade. Sua lógica prevê terminais a cada 200 a 300 Km, em pontos concentradores de carga. E Cuiabá é o maior pólo concentrador de cargas do estado, de ida e de volta. Assim, a proposta do trem passar em Jaciara e Juscimeira (serra acima) e Barão de Melgaço (serra abaixo), afastando-se também da Serra de São Vicente, é um poço de contradições, incompatível com a seriedade do caso.
     Este aberrante “projeto” para o trecho Rondonópolis-Cuiabá revela o desespero daqueles que não querem a ferrovia em Cuiabá ante a iminência do estudo de viabilidade – ainda que desnecessário a meu ver - proposto pelo governador aprovar o traçado original defendido pelo eterno senador Vuolo. Seu aparecimento é apenas mais uma tentativa de inviabilizar a chegada a Cuiabá daquela que é uma das mais modernas ferrovias do mundo e, na atualidade, a mais viável de todas.
(Publicado pelo Diário de Cuiiabá em 28/04/2009)

terça-feira, 21 de abril de 2009

CRESCER PARA DENTRO (II)

José Antonio Lemos dos Santos


     A amplitude de um assunto como o controle do desenvolvimento de uma cidade com mais de meio milhão de habitantes, visando o adensamento e a otimização de sua infraestrutura em um horizonte de 10 anos, certamente foge ao escopo de um artigo. O da semana passada recebeu dos leitores bons comentários e questionamentos que ajudam a esclarecer a idéia proposta, e por isso abordo alguns deles.
     Primeiro, ao me referir à responsabilidade dos cidadãos, lideranças e autoridades da cidade no processo, referia-me não só ao prefeito, mas também, aos vereadores - co-autores da lei - e mesmo ao Ministério Público, não só o Estadual, mas sobretudo o Federal, pois o respeito ao perímetro urbano é determinado por lei federal.
     Outro ponto foi a expressão “crescer para dentro” ter erradamente dado a idéia de trazer toda a futura população adicional da cidade para o seu centro histórico, já congestionado, inviabilizando a qualidade de vida, ao invés de melhorá-la. Diferente disso, a idéia é crescer ocupando os espaços vazios e os milhares de lotes ociosos existentes dentro da macrozona urbana, excessivamente extensa devido a conjuntos oficiais construídos por governos no passado, fora do perímetro urbano da época, forçando sua ampliação para abrangê-los e permitir suas regularizações.
     Cuiabá tem uma macrozona urbana com 252 Km² de área, para cerca de 600 mil habitantes, o que dá a baixíssima densidade de 24 habitantes por hectare. Para comparação, a cidade de Nova York, na ilha de Manhattan, tem uma área de 59,5 Km² para 1,6 milhão de habitantes, enquanto que Paris tem 105,4 Km², para 2,2 milhões de habitantes, ambas, portanto, com densidades superiores a 200 hab./ha e, mesmo assim, referências mundiais em qualidade de vida urbana. Uma das razões desse padrão de qualidade é justamente a otimização do espaço urbano, pela qual ambas têm seus custos operacionais per capita 10 vezes menores que os de Cuiabá, por exemplo, podendo oferecer 10 vezes mais benefícios para sua população pelo mesmo preço.
     Mesmo que a Carta de Atenas recomende, não dá para chegar a tais padrões, nem se quisesse. Obedecidos os limites do perímetro urbano e mantidas as atuais taxas de crescimento demográfico para os próximos 10 anos, o adicional de população previsto para o período vai girar entre 130 e 150 mil habitantes, ou seja, não chegaríamos nem aos 30 hab/ha. Seria pouco (aparentemente) em termos de redução de custos, porém com a enorme vantagem de evitar seus acréscimos, como os já sofridos por Cuiabá por causa das ampliações urbanas irresponsáveis citadas.
     O crescimento demográfico previsto demandaria entre 33 a 38 mil novas moradias e, hoje, Cuiabá conta com 40 a 45 mil lotes ociosos, já com arruamento e alguns serviços urbanos, no mínimo. Então, em tese, toda a população adicional prevista para Cuiabá nos próximos 10 anos poderia ser acomodada em residências unifamiliares sem precisar abrir mais um metro de rua. Se um quadro desse fosse possível, os investimentos a ser feitos em novas áreas seriam aplicados em áreas já ocupadas, melhorando seus padrões de infraestrutura, beneficiando também os moradores atuais, carentes da qualidade urbana.
     Distantes dos níveis de Paris ou de Nova York, os 50 hab/ha de São José do Rio Preto são uma boa referência tupiniquim. O respeito aos limites do perímetro urbano é fundamental para que se alcance níveis mínimos de administrabilidade e viabilização urbanas, indispensáveis ao desenvolvimento dos padrões de qualidade da vida que queremos para Cuiabá por ocasião de seu tricentenário.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 21/04/2009)

terça-feira, 14 de abril de 2009

CRESCER PARA DENTRO

José Antonio Lemos dos Santos

     A uma década de seu tricentenário e vivendo pela primeira vez em sua história condições locais e regionais impulsionadoras, Cuiabá nesse período pode dar um salto significativo em sua qualidade de vida urbana. As condições existem e esse é o tempo mínimo necessário à construção do que seria o maior e melhor presente na festa de seus 300 anos. Para isso é preciso muito dinheiro, é óbvio. Público e privado. Felizmente, porém o dinheiro é apenas um grande problema que, entretanto, se tornará muito maior se adotado como início de uma empreitada deste tipo. Há outras maneiras mais corretas de iniciar.
     Em geral as cidades crescem a partir dos próprios recursos que geram ou que são capazes de atrair. Cuiabá vive um momento positivo, por polarizar uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que demanda novos empreendimentos estimuladores do capital local e, principalmente do capital externo. Assim, a cidade hoje tem recursos, notadamente privados, e por isso vem se transformando espontaneamente a olhos vistos. O dinheiro, ou melhor, o capital é atraído pelas suas chances de reprodução e, docilmente, como uma cadelinha amestrada de Nélson Rodrigues, vem lamber as botas das oportunidades que estão surgindo.
     Por onde então começar? Uma cidade é antes de tudo uma grande obra, e nela a primeira coisa que temos a fazer é a sua delimitação física. A delimitação de uma cidade é fundamental desde o tempo dos etruscos que tinham na limitatio a primeira das etapas de sua planificação urbana. No nosso urbanismo atual corresponde à definição do perímetro urbano e a conseqüente macrozona urbana, que uma vez estabelecido em lei específica, deve ser obedecido rigidamente.
     A delimitação de uma cidade tem a ver diretamente com sua densidade populacional e, daí, com os seus custos operacionais e de construção. Quanto mais espalhada uma cidade, menos densa ela é e mais elevados são os custos de sua infra-estrutura de equipamentos e serviços por habitante. As cidades medievais mantinham densidades acima dos 200 habitantes por hectare para manter principalmente sua muralha, seu principal e mais dispendioso equipamento urbano.
     A Carta de Atenas, um dos documentos básicos do urbanismo, recomenda densidades em torno dos 250 habitantes por hectare como o ideal, a expressão do encontro entre as curvas da economicidade e do conforto, ou seja, onde a população pode viver bem com os menores custos urbanos. Cuiabá convive com uma densidade baixíssima, pouco superior a 21 habitantes por hectare, isto é, em tese sua macrozona urbana teria condições de receber 10 vezes mais população do que a que tem hoje, reduzindo 10 vezes seus custos per capita. E quanto menores os custos, evidentemente, maior facilidade para disponibilização dos equipamentos e serviços urbanos. Resumindo, Cuiabá tem hoje, por exemplo, muito mais asfalto, iluminação pública, rede elétrica e de água, escolas, equipamentos de saúde, e seus ônibus e caminhões de lixo rodam muito mais do que seria necessário para atender sua população se estivesse disposta de forma mais compacta.
     Fazer a cidade crescer para dentro, evitando a qualquer custo a ampliação de sua macrozona urbana, é fundamental na busca da qualidade de vida urbana. A lei do perímetro já existe, basta cumpri-la nestes 10 anos. Não é preciso dinheiro adicional, só vontade e determinação do poder público e, principalmente, uma população consciente e disposta a cobrar sua execução. O adensamento urbano, otimizando a infra-estrutura e reduzindo os custos operacionais da cidade seria um ótimo começo na preparação da festa do tricentenário de Cuiabá.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 14/04/2009)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

CUIABÁ 300-10

José Antonio Lemos dos Santos


     Em um local chamado Ikuiapá, com grandes pedras claras onde se pescava com flecha-arpão e um corguinho desembocava em um belo rio, o ouro fez surgir, corgo acima, uma cidade que floresceu bonita e se chamou Cuiabá. Celula-mater do ocidente brasileiro, gerou muitas outras, inclusive estados. E o pequeno córrego tinha tanto ouro que era chamado Ikuiebo, córrego das estrelas, tantas as pepitas que cintilavam à luz do sol e da lua aos olhos bororos, nativos.
     Por breve tempo, Cuiabá foi a mais populosa cidade do Brasil, de onde a Europa levou muito ouro, dinamismo que só durou enquanto durou o ouro. Seu fim seria o das cidades-fantasmas dos garimpos não fosse sua localização mágica, privilegiada, no centro do continente, em terras espanholas na época, cuja perspectiva de riqueza chama a atenção de Portugal. E então o Papa decide que o limite entre as terras dos dois países não seria mais definido pela linha do Tratado de Tordesilhas e sim pelo seu uso. Por ser a vanguarda física da coroa portuguesa nessa disputa, Cuiabá sobrevive ao fim do ouro, dando seu primeiro salto de desenvolvimento – o da sobrevivência, agora baluarte português, apoio e defesa dos interesses lusos.
     Logo Portugal criou a Capitania de Mato Grosso cujo primeiro governo foi instalado em Cuiabá, permanecendo como sua sede durante a construção da futura capital, Vila Bela. Por dois séculos sobreviveu à duras penas, com tempos melhores e piores, inclusive, recuperando nesse ínterim o status de capital. Período heróico que forjou uma gente brava, alegre e hospitaleira, capaz de produzir um dos mais ricos patrimônios culturais do Brasil, com vultos e proezas históricas que merecem melhor tratamento da história oficial brasileira. Como um astronauta contemporâneo, vanguarda humana na imensidão do espaço, ligado à nave apenas por um cordão prateado, assim Cuiabá sobreviveu por séculos, solta na imensidão do hinterland continental, ligada à civilização apenas pelo cordão platino dos rios Cuiabá e Paraguai.
     Até que na década de 60 a cidade é sacudida novamente, transforma-se no “portal da Amazônia” e em pouco tempo viu sua população decuplicar. Foi o salto da quantidade, era a expansão física necessária como base à ocupação da Amazônia meridional, que se deu sem o preparo adequado nem o devido apoio federal que exigia essa importante função urbana de interesse nacional. Sozinha e sem recursos próprios, no centro de uma região que apoiava e promovia, mas que também não dispunha de recursos, Cuiabá teve que receber seus novos habitantes sem poder oferecer a devida qualidade de vida urbana.
     No alvorecer do novo milênio, Cuiabá vive o seu terceiro salto de desenvolvimento, agora o salto da qualidade. Cuiabá não é mais o centro de um vazio. Ao contrário, polariza uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que ajudou a construir e que hoje não apenas lhe cobra o apoio, mas também a impulsiona para cima, em um sadio e maduro processo de simbiose regional ascendente.
     Formando com Várzea Grande a maior cidade do oeste brasileiro, Cuiabá tem muito a comemorar nos seus 290 anos. Seu maior presente é o próprio presente que vive: dinâmica, moderna, globalizada, sintonizada como o mundo. Mas, mais que um aniversário, 290 anos é o início da última década antes do tricentenário. A responsabilidade da atual geração de cuiabanos, suas autoridades e lideranças, é fazer com que o salto da qualidade do novo tempo se materialize também na qualidade da cidade física em que vivemos, construindo aquele que será o maior presente para os 300 anos. E temos 10 anos para construí-lo.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 08/04/2009, excepcionalmente numa quarta-feira, aniversário da cidade)