"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 9 de dezembro de 2008

DURAS LIÇÕES QUE ESQUECEMOS

José Antonio Lemos dos Santos


     Novamente a população brasileira sofre com uma grande tragédia se abatendo sobre nossas cidades, chorando mortos, amparando desabrigados, contabilizando prejuízos e, sobretudo, esbanjando solidariedade. Mais uma vez nossas cidades são pegas despreparadas pelas chuvas que se repetem todos os anos, ciclicamente com maior ou menor intensidade. De novo nossas autoridades mostram-se tomadas pela surpresa, sensibilizadas, desdobrando-se no atendimento às vítimas e para o mais breve retorno à normalidade da vida anterior.
     E em breve estaremos de volta à normalidade da vida anterior, como se isso fosse possível para aqueles que perderam parentes, perderam o lar duramente construído. “O lar não mais existe, ninguém volta ao que acabou”, canta um belo e antigo samba. Como voltar? Não sei. O fato é que todos voltamos e antes do próximo ano tudo será esquecido, e a vida anterior é retomada, até que a próxima tragédia nos faça chorar de novo. As encostas, as áreas inundáveis e outras zonas de riscos voltam a ser ocupadas, sob a aprovação silenciosa de todos nós que, sem perceber – ou fingindo não perceber – tornamo-nos cúmplices da irresponsabilidade urbana que anualmente mata – e mata muito - sob os mais diferentes pretextos, não só nas chuvas.
     Pior é que a normalidade anterior volta plenamente como se nada tivesse acontecido, a não ser por algumas obras oportunistas, que na maioria das vezes não resolvem, ou até agravam, o problema que as justificaram publicamente. Findas as águas, nem as lições ficam para evitar futuras tragédias semelhantes. Mas, não custa pensar ao menos sobre duas das lições insistentemente repetidas por essas tragédias.
     A primeira delas é que a cidade é uma coisa muito séria e não pode mais ser tratada apenas como um objeto político. Quanto mais crescem, mais complexas ficam e devem ser tratadas também, por profissionais especializados nas diversas áreas de conhecimento que envolvem, com papel especial para o urbanista que tem a responsabilidade social de articulá-los em um conjunto objetivo. Nem só o político – a quem compete decidir, baseado em alternativas técnicas – nem só o técnico – que deve subsidiar o político com as soluções técnicas viáveis - com a participação institucional efetiva da sociedade civil organizada, através de conselhos setoriais, integrados em um conselho superior, de fatos representativos.
     Outra lição que salta aos olhos é a urgência da execução das leis dos planos diretores urbanos. Hoje praticamente todas as nossas cidades dispõem de seu plano diretor e das disposições para uso e ocupação do solo urbano, dele decorrente. São instrumentos elaborados para serem de fato aplicados e não só para cumprir exigências federais, ou compor a estante do gabinete dos prefeitos. Não se pode mais falar em falta de planejamento como álibi para crimes no gerenciamento do desenvolvimento urbano, em especial no processo da ocupação do solo das cidades. Temos leis de sobra, que deveriam estar sendo cumpridas, e não estão.
     A persistir a falsa alegação da falta de leis - sempre reiterada entre lágrimas nessas horas - que fosse então aplicada a Lei Federal 6766, de 1979 - isto mesmo, de 1979! – a lei Lehman, que proíbe em todo o Brasil, entre outros, o parcelamento de áreas inundáveis ou com declividade acima de 30%. Quanta gente teria sido salva, quantas tragédias evitadas, quanta qualidade de vida agregada às populações urbanas, se esta lei estivesse sendo aplicada nestas suas quase três décadas de existência oficial nos cartórios, mas criminosamente desconsiderada na vida real de nossas cidades.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 09/12/2008)

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