"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



quarta-feira, 10 de abril de 1991

CUIABÁ DE ONTEM E DE HOJE

 José Antonio Lemos dos Santos

     Ikuiapá, lugar onde se pesca com arpão, assim era conhecido pelos Bororos aquele lugar onde o córrego da Prainha desemboca no Cuiabá. Embora tão sujo e desprezado, feio mesmo nos dias de hoje, aquele pedaço de Cuiabá tem muita história para contar, história da origem de nossa cidade, que também é a origem de nosso estado e da ocupação de todo este “Ocidente do imenso Brasil”. Por aquela foz podia-se acessar o “córrego das estrelas”, Ikuiebo para os Bororos, hoje Avenida Ten. Cel. Duarte. Segundo a Enciclopédia Bororo, as estrelas do córrego eram as pepitas douradas, cintilantes como estrelas no chão nas noites enluaradas. 

     Julga ainda a referida Enciclopédia que o nome Cuiabá “não seja outra coisa que a corrupção e sonorização de IKuiapá”. Nada mais convincente. Ora, se aquele lugar, que hoje está no centro da Grande Cuiabá, tinha um nome como esse, tão parecido ao atual, Ikuiapá/Cuiabá, qual a necessidade de outras explicações? Nada como “gente caída”, “cuias perdidas”, ou coisas que tais, nada pode ser tão diretamente explicativo como a beleza simples, sonora, de objetividade toponímica de Ikuiapá.

     Cuiabá completa 272 anos. As cidades nascem para serem eternas, assim para elas o tempo não tem outro sentido que não o de dimensionar a história acumulada, seu estoque cultural, o que só não é importante para quem não tem. Contudo, não é o tempo que define sua juventude ou velhice. Roma, Paris Veneza parecem eternamente jovens, enquanto que outras, de origens muito mais recentes, já se apresentam tão velhas.

     Cuiabá, apesar de viver o seu terceiro século de existência, parece estar numa espécie de adolescência urbana, vivendo uma fase plena de transformações estruturais que a conduzirão a novos patamares qualitativos enquanto cidade. Tanto para a cidade como para as pessoas, este é um período muito rico, mas também decisivo na formação de sua personalidade futura, na medida em que nela são feitas algumas opções irreversíveis. Cuiabá vai receber seu milionésimo habitante ainda nesta década e sua expansão inevitável de forma humana e sem o sacrifício de seu magnífico patrimônio ambiental. Pode, e é nossa a responsabilidade da escolha.

     Institucionalmente Cuiabá dispõe hoje de todo um conjunto de mecanismos suficientes para realizar suas opções e orientar seu destino. Sua Lei Orgânica instituiu a Política Municipal de Desenvolvimento Urbano a ser implementada através de um complexo no qual se articulam os principais agentes produtores da cidade, oficiais e civis, somando seus esforços em torno da grande obra comum em andamento. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU), o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano (IPDU) e o Plano Diretor (PDDU) são algumas das peças chaves deste sistema, que, uma vez criadas, reclamam a participação cidadã para seu funcionamento.

     A cidade vive dos que vivem nela, como nos ensinou Alves de Oliveira. Ela não é uma dádiva dos deuses ou de administradores, e sim o resultado concreto do esforço de seus cidadãos. Ikuiapá, Cuiabá nos seus 272 anos tem muito a comemorar: um passado exuberante, um rico presente e, principalmente, as extraordinárias possibilidades de construir um belo futuro. Se a cidade somos nós, estamos todos de parabéns. 

(Publicado em 10/04/1991 pelo extinto Jornal do Dia, de Cuiabá)


sábado, 16 de fevereiro de 1991

A NOIVA DO SOL

José Antonio Lemos dos Santos



      Na letra do Hino de Mato Grosso quando D. Aquino fala em "terra noiva do sol" certamente ele se refere a Cuiabá, em especial às suas condições de convivência prazeirosa com elevadas temperaturas. Principalmente nos dias atuais em que o asfalto e o concreto avançam, ninguém desconhece os efeitos do calor intenso em que vive a cidade. Todos sofrem, reclamam dele, transforma-se até em assunto obrigatório para quando não se tem por onde começar uma conversa.
     Assim, pouca gente se lembra ou tem condições de perceber que nossa cidade é a Cidade Verde - ainda – pois a natureza, sempre sábia, ao mesmo tempo que nos abraçou com seu calor intenso, ofereceu como contrapartida um sítio urbano densamente drenado com córregos e inclusive dois rios, além de uma invejável cobertura vegetal. Essa contrapartida jamais pode ser esquecida, ou mesmo confundida com "mato", "lixo", como vulgarmente são tratadas as coisas destinadas a serem inexoravelmente imoladas à sanha de um tipo pervertido de progresso.
     Ao contrário, é essa "mixagem", essa mistura de calor com muito verde e muita água que produz aquela condição climática gostosa tão lindamente definida por Carmindo de Campos como um "calor sadio, às vezes melhor, bem melhor que o frio". Daí também a imagem genial da "noiva do sol", cujo vestuário natural lhe cobre de verde, ornado com fios de água corrente, brilhantes e cristalinos, traje mais que apropriado, indispensável, à uma convivência ensolarada saudável.
     Nestas últimas décadas nossa cidade revitalizou-se, voltou a crescer de forma intensa, envolvendo as duas margens do rio que lhe deu origem e com indicações seguras de que ainda antes do final da década estará abrigando seu milionésimo habitante. Esse processo nada mais é que a realização da vocação de uma cidade fincada no coração de um continente, encontro de caminhos, junto ao divisor das águas amazônicas e platinas. Estrategicamente localizada, não foi à toa que nossa gente ficou por aqui por séculos mesmo quando todas as condições lhes eram desfavoráveis.
     A cidade vai continuar crescendo, e é bom que seja assim. O que interessa e exige a intervenção do interesse público é a qualidade desse crescimento. O progresso da cidade tem que se dar a favor de seus cidadãos e não contra.
     É possível isso? É. Para tanto existem as técnicas do Planejamento Urbano e as Leis urbanísticas; para isso a Constituição instituiu o Plano Diretor e os Poderes Públicos são dotados de poder de polícia. Entretanto para que essas coisas funcionem é preciso uma indubitável decisão política no sentido do controle da cidade, em clima de colaboração civilizada e de mútua confiança democrática, envolvendo não apenas as autoridades executivas e legislativas, mas a comunidade como um todo.
     O que estamos fazendo, ou deixando que façam com nossos rios córregos e área verdes é um crime. As margens do Cuiabá estão sendo totalmente invadidas, e não mais por habitações, mas por atividades de comércio que muito bem podem ser desenvolvidas em outros lugares. Existem soluções viáveis não só para a Beira-Rio como também para nossos córregos, que podem se integrar à vida de uma cidade verdadeiramente moderna sem perder a naturalidade de seus leitos e margens, e, justamente por eles, funcionarem como equipamentos urbanos de lazer, de dissipação de calor ou ainda como eixos de grandes e necessárias vias estruturais circulares.
     A natureza deu para nossa cidade um clima especial e as condições naturais de adequação a ele. Cabe a nós decidirmos o que fazer delas, por ação ou omissão. Infelizmente, não seremos nós a pagar pela nossa eventual escolha errada ou tardia. Serão nossos filhos.

P.S. - Este texto é uma reverencia ao Morro da Luz, que, apesar de tudo, ainda pode continuar existindo como Parque, conforme define a Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo, de 1982.

(Artigo publicado pelo extinto Jornal do Dia em 16/02/1991 antes da desocupação da antiga feira do mercado do Peixe,  e da atual urbanização da Beira-Rio entre as pontes Nova e Velha, com a revegetação da margem do rio.)

sábado, 12 de janeiro de 1991

DE VOLTA PARA O FUTURO

 

José Antonio Lemos dos Santos

(Publicado pelo Jornal do Dia em 12/01/1991)

Coincidindo com o início de um novo ano, começam a vir a público os primeiros resultados dos trabalhos do Plano Diretor de Cuiabá, ao mesmo tempo em que despontam os primeiros candidatos à sucessão municipal de 1992. Seria muito bom que aqueles que já se colocam como candidatos, ou que ainda pretendem se colocar, tivessem acesso ao conteúdo desses trabalhos que vêm sendo produzidos pela Prefeitura através de seu Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano -  IPDU.

     A cidade de Cuiabá, o aglomerado como um todo ou apenas a sede do Município felizmente é um complexo extremamente dinâmico. Isso significa vantagens comparativas, potencialidade econômica e boas perspectivas de futuro, coisas que muitas cidades gostariam de ter, mas que não bastam por si só, precisam ser competentes competentemente administradas para não serem perdida. É importante que seus administradores tenham o máximo de conhecimento sobre a estrutura de todo esse dinamismo para 1) que a cidade possa tirar o melhor proveito possível de suas potencialidades e, 2) evitar que o processo de desenvolvimento se dê como “um tiro pela culatra” contra a qualidade de vida dos cidadãos.

     Uma vez democratizado o país em todos os seus níveis, é razoável esperar um novo perfil de campanha para a próxima sucessão municipal, no qual sejam privilegiados os problemas da cidade e as propostas efetivas para seu desenvolvimento. É importante a superação daquele discurso que dominou o Brasil de ponta a ponta e que se restringia a “baixar o pau” na administração que se sucede ou nos próprios candidatos, como se o eleito devesse ser sempre aquele com menos defeitos e não o de maiores virtudes.

     Cuiabá cresce muito e reclama soluções imediatas, voltadas para o futuro, visto que suas soluções mesmo para hoje não podem estar fora de uma perspectiva no mínimo de médio prazo. Dobrando a população, como o bom senso recomenda esperar,  não há como fugir da inevitabilidade da construção de uma outra cidade quase igual a esta atual até o final do século. Ela poderá ser melhor ou pior, dependendo das diretrizes que se seguir.  Por isso as proposições para médio e longo prazos também tornam-se tão urgentes.

     O conjunto de estudos que a prefeitura vem preparando e a base de planejamento que se espera implantada até o final desta administração, permitirão uma sólida discussão sobre o futuro de nossa cidade. Questões como o uso e ocupação do solo, energia, empregos, sistema viário, habitação, transportes, educação, saúde, meio ambiente, entre outras, não podem ser relegadas em função de “querelas” eleitoreiras sem nenhum sentido que não onde fazer jogo de cena. Como deixar de lado o crime que é a falta de acesso dos cuiabanos a todas as redes de televisão comumente acessíveis a todos os demais brasileiros? E a questão das da ferrovia? Como ela anda e como será sua conexão com a cidade? E o gerenciamento urbano? Como resolver a questão dos recursos viabilizadores de uma administração adequada para a cidade? Aliás, dizem as más línguas, que existem administradores que estão com medo de um dia aparecerem os recursos que tanto reclamam, pois assim perderiam o álibi para suas dificuldades administrativas. A falta de recursos estaria sendo altamente confortável para muita gente por esse Brasil afora. Entretanto, dentro em breve essa história não vai “colar” mais pois começam a circular exemplos de alternativas bem-sucedidas em lugares diversos mostrando que as soluções existem de fato.

     Pode parecer muito cedo para se pensar a sucessão municipal, entretanto, esta precocidade talvez seja muito oportuna na medida em que os candidatáveis venham se atualizar ou mesmo conhecer melhor os problemas do município preparando-se para transformar a próxima campanha eleitoral em um grande debate de ideias e proposições sobre a qualidade de vida de nossa gente, no qual o passado entre apenas como instrumental importante para a continuidade da grande construção de nossa cidade.


sábado, 5 de janeiro de 1991

CUIABÁ E O ANO DE 1990

José Antonio Lemos dos Santos


     Uma retrospectiva sobre o desenvolvimento de nossa cidade em 1990 não pode deixar de basear-se primeiramente nas grandes questões que se encontravam pendentes no seu alvorecer, entre elas a ligação ferroviária, a hidrelétrica de Manso e a saída para o Pacífico.
     E, 90, logo após sua posse, o presidente Collor esteve na fazenda Itamaraty, do mesmo proprietário da Ferronorte, dando a entender q importância da chamada ferrovia Leste-Oeste para o seu governo. Essa importância talvez tenha algo a ver com a denominação de “ano ferroviário” para o ano de 91 dada, em recente entrevista, pelo ministro da Infra-Estrutura, o qual, por sinal, tem como seu secretário geral o conterrâneo Simá de Freitas, nomeação destacável por si só, mas que também pode constituir mais uma evidência em favor do nosso antigo sonho ferroviário.
     Destaca-se no caso da ferrovia o compromisso público do governador de São Paulo, que quer ser presidente, em iniciar a tão esperada ponte sobre o rio Paraná. Cabe ser lembrado também o dispendioso encarte na revista Veja, patrocinado por Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo, defendendo que a ferrovia passe por seus territórios. Assim, a ligação ferroviária virou um projeto nacional, restando saber qual o seu percurso. Por que não começar por Cuiabá enquanto se discute o resto?
     Outra questão pendente era a saída para o Pacífico através da Bolívia, e as informações são de que a estrada está em construção, ainda que com dificuldades, tanto do lado do Brasil quanto da Bolívia. De qualquer forma em 90 já começaram a se tornar comuns visitas a San Matias.
     Quanto à Usina de Manso, aconteceu aquilo que de melhor poderia ter acontecido: entrou no orçamento da União. Nestes tempos de crise trata-se de algo que não pode ser menosprezado, o que infelizmente vem sendo feito. Foi uma grande conquista, cabendo agora aos políticos e às lideranças mais diretamente interessadas garantir que esses recursos sejam realmente efetivados.
     1989 deixou para 1990 o início da instalação da fábrica da Antártica. Depois de muitas postergações a Licença Ambiental foi concedida e, ao final, não se sabe em que pé está a situação. Um estado que precisa de empregos e renda deve preparar-se para respostas mais rápidas e precisas na área do meio ambiente, principalmente a respeito de indústrias alimentícias e outros tipos de agroindústrias de impactos ambientais relativamente baixos. Se não pudermos ter esse tipo de indústria, que outro tipo de industrialização nos restaria?
     Fora estas questões advindas de anos anteriores, 1990 foi muito restrito em novidades. Foram aprovadas as novas Leis Orgânicas de Cuiabá e Várzea Grande e a prefeitura iniciou a implantação do Instituo de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá (IPDU). Tivemos finalmente as imagens da TV Universitária e a UFMT poderia fazer o mesmo com a FM Educativa.. Permanece entretanto o absurdo dos cuiabanos e varzeagrandenses não terem acesso as programações das redes Manchete e SBT.
     90 trouxe a seleção brasileira de futebol, e temos a notícia de sua volta em 91. O Muxirum Cuiabano consolidou-se como o grande movimento cultural pelos nossos valores e, na sua esteira, firmou-se a figura de Liu Arruda, criando tipos magníficos, produzindo arte das mais puras em terreno perigosamente próximo ao deboche e ao ridículo.
     Contudo a grande notícia do ano, embora tão pouco divulgada, é a da vinda do Papa João Paulo II à nossa cidade em outubro próximo. Poucas cidades começarão melhor a última década do século. Como os recursos para Manso, esta visita também pode não se efetivar, o que será bem difícil, principalmente se toda a comunidade, com suas autoridades, interessar-se objetivamente pela sua realização.

José Antonio Lemos dos Santos, cuiabano, arquiteto.

(Publicado pelo extinto Jornal do Dia em 05/01/1991)

terça-feira, 28 de agosto de 1990

PERGUNTAS À INFRAERO


José Antonio Lemos dos Santos

(Publicado pelo Jornal do Dia em 28 08 90)

     As informações da Infraero sobre o aeroporto Marechal Rondon trazidos a público recentemente por importante reportagem da imprensa local, constituem oportunidade para nossa cidade voltar a discutir um assunto da maior importância para o seu desenvolvimento. Muito embora tratando-se de competência federal nosso cidadão não pode ficar fora de assuntos de assuntos que lhe dizem respeito e a sua qualidade de vida. O cidadão tem que ser informado para poder discutir e reivindicar aquilo que lhe é de direito, não ficando a reboque de sua própria história.

     A leitura das potencialidades da Grande Cuiabá apresenta como uma de suas principais tendências o papel de entro de entroncamento intermodal de transportes de caráter nacional e, mesmo continental. Assim tem sido no seu passado e será no futuro, ainda com muito mais ênfase, como ligação ferroviária entre a Amazônia e o Sudeste, com as saídas boliviana e peruana para o pacífico e com o Porto fluvial de Cáceres. Cabe a participação cidadã em favor da realização dessas potencialidades em toda a plenitude, no menor espaço de tempo.

     Muito embora dando a impressão de que se esperava um resultado de maior destaque para nosso aeroporto, a referida reportagem é a confirmação da tendência histórica de nossa cidade. Afinal não é pouca coisa estar situado em Várzea Grande o 15º aeroporto do país, dentre os mais de 4 mil municípios brasileiros. Mesmo entre os 62 administrados pela Infraero, a 15ª colocação é extraordinária, invejada por muitas outras cidades. Seria interessante que a Infraero oferecesse a lista completa, com os aeroportos antes e depois do “Marechal Rondon”. Talvez descobríssemos que alguns de menor importância dispõe de maior e melhor infraestrutura, vem merecendo maiores investimentos ou gozando de “status” mais elevado na política da empresa.

     Estas questões complementam as informações indispensáveis a compreensão do assunto em sua totalidade. Do mesmo modo quando é dito que nosso aeroporto é deficitário, seria importante saber quantos e quais outros são superavitários, se é que existem.  Caberia ainda perguntar qual o crescimento do número de passageiros nos seus outros aeroportos na última década para uma correta avaliação dos “apenas 47por cento” de crescimento do Marechal Rondon no mesmo período.

     Outro dado que merece atenção é a “queda de 37 por cento” no “movimento geral”. Essa informação não estaria refletindo a criação do aeroporto de Santo Antônio? Este absorveu praticamente toda a aviação de pequeno porte, sem contudo, impedir o incremento no número de passageiros do Marechal Rondon.

     A importante reportagem traz ainda a notícia de que já existe um projeto para a nova estação de passageiros, elaborado em 1985 para ser implantado entre 2005 e 2010. Não seria um excesso de confiança na capacidade de previsão e planejamento da empresa? Ou os destinos aeroportuários no Brasil já estão traçados com tanta antecedência? Se assim for, quem definiu e qual o papel destinado ao nosso aeroporto?  A ocupação da Amazônia, 60% do país, exigirá a instalação de pelo menos mais um aeroporto de grande capacidade, além dos de Manaus e Belém. Será que já foi decidido que este aeroporto não será em nossa cidade? mesmo dispondo de uma posição estratégica privilegiada e de continuar sendo a grande base meridional da ocupação amazônica?

     Ninguém desconhece o papel da aviação no mundo moderno, principalmente para a vida de uma cidade. Ainda mais a nossa que tem no turismo uma de suas principais perspectivas de desenvolvimento, com o centro de da América do Sul, o Pantanal, a Chapada e as termas de São Vicente. Ter um aeroporto de grande porte jamais poderá ser uma hipótese descartada para uma cidade que se localiza no centro de um continente, no meio de grandes rotas, presentes e futuras.

Publicado pelo Jornal do Dia em 28 08 90

     

sábado, 3 de fevereiro de 1990

O PLANO DAS APROXIMAÇÕES SUCESSIVAS

 

José Antonio Lemos dos Santos

     Grosso modo pode-se dizer que o Plano Diretor Urbano é o projeto de uma cidade. Quando a gente vai construir um edifício, uma casa por exemplo, é necessário que se tenha um "projeto" daquilo que vai ser construído, nem que seja na cabeça do proprietário, capaz de permitir que as diversas pessoas que trabalham na obra possam produzir integradamente, resultando um produto coerente e de acordo com o que se pretendia inicial mente. A maior ou menor qualidade do "projeto" vai influir diretamente no resultado, na sua qualidade e nos seus custos. Assim também com uma cidade. Ela também é construída, só" que por muito mais gente; e, também tem que agradar ao seu dono, só que ela é de muitos, de todos os seus cidadãos. 

     Evidentemente que as semelhanças podem ficar por aí, no fundamental, já que a partir desse ponto uma cidade torna-se tecnicamente diferente de uma casa por suas próprias dimensões, complexidade e dinamismo emprestando ao seu projeto, isto e, seu Plano Diretor Urbano, características que também o diferenciam do projeto de uma casa. A ideia da cidade como uma casa, que leva à ideia do Plano como um projeto, encontra-se, entretanto na raiz de algumas das dificuldades que enfrentamos hoje com relação aos Planos Diretores. Projeto é um produto finito, estático, acabado. Plano é uma forma de abordagem, dinâmica, processual, que não tem fim, tem horizontes. A confusão vem colocando as municipalidades num beco sem salda pois, enquanto projeto, o Plano Diretor implica na expectativa de um produto acabado, no tratamento da cidade inteira de uma vez só, o que se torna impossível tendo em vista a situação atual de baixa qualidade das informações urbanas de um modo geral, a fragilidade técnica dos municípios e principalmente a falta dos recursos financeiros que seriam necessários para enfrentar de uma s6 vez toda a problemática de uma cidade. A velha ideia do artista que se senta sozinho na sua prancheta e desenha a cidade, que se pensava superada a muito tempo, na verdade ainda persiste, infelizmente. E desse jeito é impossível. Técnica, financeira ou politicamente falando, a cidade moderna, dinâmica, complexa, participativa e democrática não comporta mais esse tipo de tratamento, A convivência com a problemática específica de Cuiabá e o acompanhamento daquilo que vem acontecendo em outras cidades apontam para a inviabilidade total dos Planos tipo "pacotes", técnica e financeiramente , principalmente para cidades consideradas de porte médio para cima. Ao mesmo tempo, porém, permite que se vislumbre um caminho que seria o de se buscar aproximações sucessivas, de ir se chegando aos poucos, no qual o Plano fosse sendo progressivamente construído, completado e aperfeiçoado, discutido e aprovado em Lei por "pedaços", a partir de uma metodologia a ser desenvolvida e aprovada pelas Câmaras Municipais. A lógica parece recomendar tal tipo de solução não só pela questão financeira, mas também, inclusive, por implicações técnicas como a incorporação de novas tecnologias de levantamento de dados e diagnoses, de novos sistemas de gerencia mento ou até pela necessidade de compatibilização com informações produzidas por outros órgãos com cronogramas próprios de trabalho, como por exemplo as do Censo Demográfico, cujos relatórios definitivos somente deverão estar disponíveis um ou dois anos após sua coleta. Esta compreensão dos Planos Diretores como algo vivo, em constante construção e aperfeiçoamento, algo que evolui, implicaria necessariamente na existência de uma Política Municipal de Desenvolvimento Urbano que assegure sua forma de implementação, na existência de um órgão municipal de planejamento capaz de coordenar a execução técnica e de um conselho superior capaz de compatibilizar num mesmo sentido os esforços de todos os principais construtores da cidade. 

JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, 39, Arquiteto.

(Publicado pelo Jornal do Dia, em 04/02/1990)



domingo, 21 de janeiro de 1990

CONURB: A RE-UNIÃO DA CIDADE

 José Antonio Lemos dos Santos

     Parece que à medida em que os problemas da cidade se avolumam, mais e mais a gente assiste o despertar de iniciativas no sentido de busca das soluções tão sonhadas e tão necessárias. ADEMI, CREA, IAB/MT, Sindicatos de Arquitetos e Engenheiros, Instituto de Engenharia de Mato Grosso, Associações de Moradores, UFMT, são apenas exemplos de entidades que já desde algum tempo vem batalhando em favor do controle do nosso desenvolvimento. 

     A própria Prefeitura, aliás desde a administração passada, vem reconhecendo o esforço dessas entidades e a elas tem recorrido com alguma frequência, em busca de pareceres e contribuições em suas respectivas áreas. Recentemente temente tivemos a Prefeitura consultando diversos setores da comunidade sobre seu projeto de Lei para reformulação da legislação urbanística de Cuiabá; agora temos uma saudável aproximação entre as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, e da SEPLAN com a UFMT sobre o Plano Diretor Urbano e uma série de outros procedimentos de aproximação entre as peças chave para o desenvolvimento da cidade. Talvez pelo fato da nossa problemática urbana ter atingido níveis dramáticos, tenha chegado a hora da compreensão de que cada parte da cidade não pode mais ser entendida como trincheiras políticas, ou mesmo pessoais, a digladiarem entre si, em detrimento do conjunto, da grande síntese que é a cidade. A cidade, qualquer que seja ela, é o resultado do esforço de seus cidadãos; sua qualidade, entretanto, reflete necessariamente o grau de compreensão e integração entre esses esforços. É do senso comum que consta até do Evangelho (MT. 12,25), que uma cidade dividida não pode subsistir. 

     Se existe tamanha vontade de participação, se a necessidade é tão evidente, se as coisas parecem caminhar no sentido dos intercâmbios setoriais espontâneos, por que essas parcelas urbanas, esses agentes da construção da cidade, não se reúnem todos, publicamente, ao menos uma vez? A desintegração setorial da cidade está na base de todos os seus males. Cada um tem feito aquilo que acha melhor, e a soma não vem dando certo. É necessário partir em busca da integridade perdida. A integração de esforços tem a capacidade de potencializá-los, multiplicando os recursos que estão tão escassos.  

     A Lei Municipal 2646/88 que instituiu uma Política Municipal Urbana para Cuiabá, criou o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, o CONURB, justamente refletindo essa situação natural de reaproximação entre os principais agentes construtores da cidade. Só com o fato se sentarem publicamente à mesma mesa, três ou quatro vezes ao ano, os diversos agentes da construção da cidade, oficiais e civis, permitirão à autoridade municipal descobrir uma infinidade de novos recursos em cada um deles e também em cada uma de as interfaces de atuação. A união faz a força e o CONURB é um poderosíssimo instrumento para nossa Política Urbana. Poderosíssimo e extremamente barato. É a cidade reunida, re-unida. Nunca foi utilizado, como aliás nenhum dos outros instrumentos definidos na Lei.

     Por mais que pareça estranho discutir sobre a conveniência da aplicação de uma Lei, aprovada pelo Legislativo, com tudo certinho, o momento atual não seria extremamente oportuno para se reunir o CONURB, tendo em vista a elaboração da nova Lei Orgânica para o Município? Ao menos para instalá-lo oficialmente e ensinar que as Leis são para ser cumpridas, já que sem o cumprimento delas não tem Lei Orgânica, não tem Política Urbana, não tem Plano Diretor, não tem controle urbano que possa ajudar uma cidade como Cuiabá a recuperar níveis dignos de vida para seus cidadãos. 

José Antonio Lemos dos Santos, 38, Arquiteto, Cuiabano.

     Publicado no Jornal do Dia em 21/01/1990