"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 22 de junho de 2020

OS RATOS DE OSWALDO CRUZ

                                                                                      Revista História Ciências Saúde Manguinhos

José Antonio Lemos dos Santos
     Conta a história que no começo do século passado o Rio de Janeiro era assolado pela peste bubônica transmitida pela pulga dos ratos, e o grande sanitarista Oswaldo Cruz, ainda jovem, mas já responsável pela Saúde Pública na então capital federal, adotou como uma de suas principais medidas a compra dos animais mortos, pagando ao cidadão um preço razoável por unidade. Sem dúvida, em tese uma ótima estratégia com perspectivas de excelentes resultados. Só que o jovem doutor não contava com a criatividade nacional. Logo descobriu que a medida havia desencadeado uma “cadeia produtiva” que ia de produtores de ratos, a importadores, passando por toda uma gama de intermediários.
     Aparecerem aqueles que compravam os bichinhos do povo e os revendiam ao governo, levando um lucrozinho na transação. Inclusive é contada a história de um destes “empresários” que ficou conhecido apenas pelo nome de “Amaral” que criou uma verdadeira rede de compra de ratos pela cidade, ficou milionário e acabou preso. Pode até ter tido a boa intenção de facilitar a implantação da ideia do governo criando uma “economia em escala”, já que a cidade já era grande e parte da população poderia ter dificuldades para acessar os pontos de compra do governo. Virou figura popular, personagem de charges e música de carnaval. Não sei que fim levou, nem se entrou para a política depois de solto. Houve também casos daqueles que importavam ratos de outros municípios, bem como os que montaram verdadeiros criatórios de ratos pela cidade. Assim, uma boa ideia acabou sendo distorcida. Se bem aplicada poderia ter reduzido o período em que a epidemia prevaleceu na cidade e o número de mortes resultante.
     Episódio semelhante teria acontecido na Índia, durante o período do domínio britânico. Não sei se foi antes ou depois do caso de Oswaldo Cruz. O problema lá foi com uma proliferação de serpentes que se espalharam pelas cidades colocando em risco a população, tantos os nativos quanto os britânicos. É claro que o governante teve que tomar providências e a principal delas foi a compra das cobras com o governo pagando um preço atraente por exemplar entregue pela população. Adivinha o que aconteceu? Exatamente o que aconteceu no Rio. Só que ao ser suspensa a política pelo governo, a população abriu os criatórios e as cobras se espalharam em quantidades superiores às de antes. A criatividade então não seria privilégio brasileiro.
     O mundo luta hoje contra a pandemia da Covid-19. No Brasil, qualquer que fosse o governo federal, a medida preventiva primordial seria a declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública, preparando as estruturas governamentais para os procedimentos rápidos necessários ao tratamento da grave ameaça que se avizinhava. A necessidade de repatriação urgente de brasileiros moradores da cidade de Wuhan, na China, epicentro mundial da contaminação, talvez tenha apressado a emissão da tal declaração de Emergência que veio pelo Decreto do dia 4 de fevereiro, antes da comprovação de qualquer caso em território brasileiro. Parecia que tudo estava bem encaminhado.
     Contudo entre as medidas agilizadoras do Estado de Emergência estava a contratação emergencial sem licitação, ou seja, a liberação para aquisição de bens e serviços sem licitação. Traduzindo: bilhões em hospitais de campanhas para construir; respiradores e testes para comprar. Depois o governo decidiu remunerar em dobro os leitos em UTI’s destinados ao Covid-19 em relação aos ocupados por outras enfermidades. Daí, tal como no caso dos ratos de Oswaldo Cruz ou dos indianos, a praga virou oportunidade aos “amarais” de hoje. E a Covid-19 matadora cruel passou de foco a pretexto, enquanto o povo morre.

Ouça a marchinha da época do site da FioCruz:
https://www.bio.fiocruz.br/images/marchinha-ratos-ratos-ratos.mp3

segunda-feira, 15 de junho de 2020

CONTANDO VIDAS

                                           Uma nova alvorada                               (Foto: Felício)
José Antonio Lemos dos Santos
     A tragédia continua e a dor ainda é muita, em especial por estas bandas de cá, Mato Grosso, com a população apreensiva com o súbito aumento no número de infectados e de óbitos chegados numa onda retardada da pandemia que avança pelo coração do Brasil. Em um primeiro momento dava a impressão de que a praga por aqui pudesse ser menos cruel. Qual o que, os números avançam e os cuidados pessoais e sociais precisam atenção especial. Entretanto, aqui quero tratar de esperança, só de esperança, mesmo que ainda como uma tênue luz a brotar no horizonte dos números gerais nacionais da pandemia, como um possível bálsamo em meio a tanta dor.
     Ninguém morre na véspera diz o velho ditado. E nem no dia seguinte, talvez fosse um complemento válido. Porém, contrariando a sabedoria popular, a burocracia do Ministério da Saúde desde o início da pandemia vinha utilizando uma forma de contabilização dos óbitos no mínimo estranha, sem dúvida equivocada e, pior, aterrorizante. Recorro ao meu artigo de fins de abril passado UM IDIOTA NA PANDEMIA, quando reclamei do assunto. Ora, sob alegação de dificuldades na análise técnica dos óbitos, muitos destes ficavam para trás e divulgados posteriormente, com atrasos constatados em mais de 50 dias.
     Só que, absurdo, vinham sendo lançados no último dia da contagem, sob o título de “óbitos registrados nas últimas 24 horas”, o que dava a entender ao cidadão, que aquele era o número de mortes ocorrido de fato naquele dia, quando na verdade, a grande maioria destas ocorreram em dias anteriores não especificados. Além de gerar um clima de pânico na população, falseava as estatísticas, a ponto de se poder prever que passada a última morte real causada pela covid-19 no Brasil, ainda sobrariam óbitos a serem lançados nas estatísticas brasileiras. Ou seja, a pandemia oficial brasileira só terminaria após seu fim real.   Evidente que cada morte tem seu dia, e deve ser respeitado como um direito natural do homem, como sua data de nascimento. Sendo mesmo inevitáveis esses diagnósticos atrasados, pois então que fossem lançados na data de cada óbito, numa distribuição menos concentrada e distorcida, além de mais fidedigna à realidade e menos apavorante.
     No dia 29 de maio assisti a uma exposição do Ministério da Saúde em que se tratava do assunto mostrando inclusive uma nova forma de apresentação na qual em um gráfico simples de se entender eram mostrados de forma distinta os óbitos ocorridos de fato em suas datas de lançamento e os lançados posteriormente, mas cada um em sua respectiva data de ocorrência. Perfeito. Aguardo a mudança. De fato, algum tempo depois, ainda que no jeito atabalhoado deste governo se comunicar, quase sempre gerando polêmicas evitáveis, foi anunciada a mudança na forma de apresentação dos dados da pandemia. Aleluia! A meu ver ficou muito mais completo e compreensível.
     Quanto ao gráfico com os óbitos em seus respectivos dias, ainda não foi disponibilizado até está segunda-feira quando escrevo o artigo, mas vi em entrevista o ministro falar bem sobre ele, justificando o atraso por estar em fase final de ajustes.
     De qualquer forma, ficou tão melhor a apresentação que seu gráfico “Número de óbitos por semana endêmica”, mostrou com clareza que a semana passada foi a primeira a registrar um número de óbitos inferior à anterior, ou melhor, menor que as duas semanas anteriores, poupadas 306 vidas preciosas. Uma grande notícia não noticiada. Será apenas um momento de alívio nesta desgraceira toda? ou uma expectativa que já pode ser pensada como tendência? ou a esperança de que em breve passaremos a contar vidas, vidas poupadas, ao invés de mortes?

segunda-feira, 8 de junho de 2020

MEIO AMBIENTE, O RETORNO DA PARTÍCULA

Lixo espacial - Nossa Ciência
                                         Lixo Espacial  (imagem: nossaciencia.com.br)
José Antonio Lemos dos Santos
     Segundo Erich Fromm, um dos fundadores da psicanálise moderna, o surgimento do homem se dá no momento em que ele perde seu equilíbrio com a Natureza, simbolizado pelo autor na imagem da expulsão do Jardim do Éden com dois anjos com espadas de fogo impedindo-lhe a retorno. A partir daí vive em constante busca por esse equilíbrio perdido. Em Gordon Childe esse momento poderia ser identificado na crise de aquecimento vivido pelo planeta do plistoceno para o holoceno, na passagem da Selvageria para a Barbárie, quando, segundo ele, o homem deixa de ser “parasita” da Natureza para ser seu “sócio”.
     Sendo ao nascer, ainda segundo Fromm, carente de adaptação instintiva à Natureza, o homem é o que precisa de muito mais tempo de proteção dentre os animais. Tinha tudo para dar errado, porém, se espalhou por toda a superfície da Terra e ainda avança buscando expandir-se fora dela. Sua evolução se baseia no fato de haver deixado sua origem, a Natureza, e jamais poder voltar a ela, restando-lhe um só caminho: “encontrar uma nova pátria — criada por ele ao tornar o mundo humano e ao tornar-se humano também”, conforme o autor. Tem que transformar o mundo para sobreviver, e nisso, também é transformado.
     O grande problema humano e ao mesmo tempo o grande propulsor da humanidade está na necessidade de encontrar soluções para seus gargalos de subsistência não mais solucionáveis naturalmente, desafios estes sempre renovados pois cada solução encontrada gera um novo problema de ordem superior. Resolve a demanda da fome e aumenta a população que por sua vez exigirá a produção de mais alimentos. Sem a casinha nas costas, resolve o problema do abrigo, aumentando as condições de sobrevivência, reduzindo óbitos e gerando a necessidade de mais moradias, mais cidades para mais gente.  Sem asas, resolve o problema das distâncias com o avião e o automóvel criando o engarrafamento e a poluição. A cada superação mais avança sobre a natureza e mais transforma seu ambiente natural. A cada sucesso o homem atinge um nível superior de problema e de evolução tecnológica, tecnologia condutora e conduzida, sua filha prendada e madrasta nesse processo. Ou como na velha charge do burro puxado pela cenourinha que lhe vai à frente, presa a uma vara em seu próprio dorso.
     De parasita a sócio, em 10 mil anos de transformações o homem chegou a se arvorar a dono absoluto da Natureza na tentativa de fazê-la escrava, senhor de poder irrestrito ilusório para transformar o próprio ambiente a seu bel prazer.  E começou a receber de volta duras lições das quais começa a aprender que se por um lado em sua origem ele deixou a Natureza enquanto animal, por outro lado ele ainda está nela como sua grande mãe, a Mãe-Terra, Gaia, já identificada pela mitologia grega a mais de três mil anos, ou a “óikos” da Ecologia moderna. Não pode maltratá-la sem maltratar-se também.
      A evolução humana, porém, ampliou em muito a presença transformadora do homem por sobre todo o planeta e já arranha as bordas do espaço sideral, com estação espacial, satélites, e outros objetos e seu consequente lixo espacial, instigando estas reflexões em mais um Dia do Meio Ambiente. A situação atual conduz a percepções mais amplas que a do simples âmbito local, urbano, regional, de biomas ou bacias, ou planetário e exige uma reconsideração da Natureza em sua abrangência universal, ou seja o homem inserido racionalmente no dinamismo cósmico como uma de suas partículas mínimas, entretanto protagonista da grande transformação permanente, sem esquecer a eterna busca do reequilíbrio perdido. Apesar das espadas de fogo.
NOTA: Este artigo foi publicado em alguns sites como o título MEIO AMBIENTE E A REINSERÇÃO DA PARTÍCULA.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

A PRAÇA E A DEMOCRACIA

                                                                              (Imagem:cultura.df.gov.br - marcação adicionada ) 
José Antonio Lemos dos Santos
     A Democracia surgiu na ágora grega, uma praça na parte baixa das cidades gregas clássicas, onde os cidadãos se reuniam e escolhiam seus representantes no governo. Não trato aqui de política partidária ou ideológica, mas de Política Urbana, esta com “p” maiúsculo, destacando a amplitude do Urbanismo como ciência que vai muito além do conjunto construído, uma de suas dimensões, a mais visível. Servem de pretexto as manifestações públicas que ocorrem neste momento difícil pelo qual passa o Brasil na Praça dos Três Poderes, em Brasília, ela própria uma cidade cheia de simbolismos criados por sua população ou aqueles projetados por seu urbanista criador, Lúcio Costa.
     Vale lembrar o próprio Lúcio Costa explicando o partido urbanístico de Brasília, a ideia inicial, com o próprio sinal da cruz – um símbolo, como o “gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse de uma terra” - outro símbolo, objetivo maior do presidente JK para a construção da nova capital. Cumpria o presidente determinação de todas as constituições republicanas brasileiras, de 1981 a 1946. A grande motivação era a ocupação territorial brasileira quase que exclusivamente litorânea, alvo fácil para ataques externos e, pior, relegando o interior do país. Brasília é a concretização dessa decisão geopolítica com imediata repercussão positiva em todo interior brasileiro. Cuiabá é um bom exemplo desta decisão acertada.
     Os dois eixos da cruz original foram acomodados às curvas de nível arqueando ligeiramente um deles dando sua forma, popularizada como a de um avião. Em uma extremidade do eixo reto, o Eixo Monumental, o urbanista instalou em um triângulo as sedes dos poderes representativos do governo federal, que chamou de Praça dos Três Poderes, com o Executivo e o Judiciário nos vértices de sua base enquanto que o Legislativo, representativo do povo, ficou em posição destacada no vértice de frente para a cidade em um plano mais elevado. Entre eles, interligando-os independentes de forma harmoniosa e bela, a Praça dos Três Poderes para o povo, verdadeiro poder maior da Nação, do qual emanam todos os demais poderes. Quanto simbolismo!
     Ademais, a sede do Congresso Nacional, como poder representativo do povo também deveria ocupar o edifício mais alto da cidade – outro símbolo, decisão esta que gerou polemica durante o chamado período militar e depois com a redemocratização do país. Os militares não aceitaram que o edifício do Congresso fosse o mais elevado e edificaram um mastro para a Bandeira Nacional com altura superior, simbolizando a ideologia vigente: Brasil acima de tudo. Durante o processo de redemocratização este simbolismo voltou a ser questionado e o mastro foi alvo de críticas e promessas de demolição. Resistiu.
     A principal função da Arquitetura, e do Urbanismo como uma de suas principais especializações, é a transformação do espaço em abrigo de acordo com a necessidade do homem, seu usuário. Sua máxima realização se dá na realização exitosa desta relação espaço/usuário. No caso da Praça dos Três Poderes com o povo fazendo uso de seu espaço expressando sua indignação ou aprovação, repulsa ou aplauso ao funcionamento dos Poderes da República. Arquitetura sem gente é escultura. Geralmente as manifestações têm ocorrido na Esplanada dos Ministérios, cuja destinação não é bem esta e o povo some em sua monumentalidade. Pela primeira vez vejo a Praça dos Três Poderes funcionando como idealizada. Pena que em um dos momentos mais dramáticos da história brasileira. Mas é em horas como esta que o povo deve estar lá, ocupando seu espaço, o espaço especial para o maior de todos os poderes, aquele que dá origem e sentido aos demais.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A HISTÓRIA DE UM ANIVERSÁRIO



Bandeira de Mato Grosso foi uma das primeiras do período ...
                                                                                        (Imagem g1.globo.com)
José Antonio Lemos dos Santos
     Nestes tempos de pandemia é melhor a gente que já passou dos 35 colocar a barba de molho e ir compartilhando aquilo que porventura um dia possa ser útil e ainda não foi compartilhado. É o caso da história da instituição do dia 9 de maio como efeméride estadual comemorativa do aniversário de Mato Grosso, que neste ano festejou seus 272 anos. Aliás, o intento original deste artigo era enaltecer o aniversariante como faço quase todos os anos, contando um pouco de sua história, destacando suas riquezas e por fim saudando seus tempos atuais como uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta.
     Entretanto, ao invés de repetir esta versão laudatória de todos os anos, optei por contar essa história da própria criação do aniversário de Mato Grosso, uma história conhecida por poucos. Na verdade, contar a parte que conheço dela e que certamente será complementada por outros que a conhecem e até mesmo foram seus protagonistas também. O interesse especial desta história está em sua construção democrática, espontânea, desenvolvida a partir de um punhado de cidadãos reunidos em total discrição através da Internet e que com um ano ou mais de pesquisas individuais e debates de alto nível, chegou à sensibilização política e governamental indispensáveis à concretização legal da proposta.
     O que muitos jovens talvez desconheçam é que até a bem pouco tempo não existia uma data comemorativa oficial ou extraoficial para o aniversário de Mato Grosso. Confundia-se um pouco com o aniversário de Cuiabá, cuja fundação lhe é anterior, confusão esta que expressava uma forte relação umbilical então existente entre o estado e sua capital, mas que foi sendo ameaçada à medida da ocupação do território estadual pela muito salutar imigração oriunda das mais díspares regiões brasileiras com outras culturas e costumes, ainda quase sem qualquer contato com a história da nova terra em que se instalava.
     As conversas sobre uma data para o aniversário de Mato Grosso começaram, como já disse, com a recém-nascida Internet em um grupo de discussão por e-mails chamado “defesadematogrosso” criado na virada do século, integrado por mato-grossenses de coração, natos ou não, jovens e menos jovens, entre os quais o deputado que veio ser o autor da futura lei e alguns hoje já falecidos, todos preocupados com a integração e unidade estadual em risco. A estratégia imediata foi, ao invés de discutir as diferenças entre os antigos e os novos moradores, buscar o que poderia haver de comum entre estes grupos tão diferentes por fora, com força suficiente para uni-los? A resposta: o imenso, rico e belo território mato-grossense e o hercúleo desafio de continuar sua transformação na grande casa de todos, Mato Grosso, com qualidade de vida, justiça social, ambiental e cultural crescentes.
     Depois de muitas discussões e até algumas incisivas desavenças, chegou-se ao dia 9 de maio de 1748 como o marco zero da enorme construção a ser prosseguida por todos que é Mato Grosso, data em que o Rei de Portugal Dom João V assinou Carta Régia criando duas Capitanias, “uma nas Minas de Goiás e outra nas de Cuiabá”. Esta proposição brotada espontaneamente no seio da cidadania foi transformada na Lei 8.007/2003, de 26 de novembro de 2003. Quis a providência histórica, ou divina, que a autoria da referida lei fosse do então deputado João Antônio Cuiabano Malheiros, cuiabano até no nome, e sancionada por um dos novos mato-grossenses imigrados, o então governador Blairo Maggi. E a Capitania das Minas de Cuiabá virou Capitania de Mato Grosso e agora é o Estado de Mato Grosso, esse gigante produtivo que alimenta o mundo, orgulho de seus habitantes.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

URBANISMO E PÓS-PANDEMIA


Isolamento social é prorrogado; confira as medidas adotadas ...
            Centro Cuiabá na quarentena (Foto:Diário de Cuiabá)
José Antonio Lemos dos Santos
     A ação síntese da Arquitetura é a transformação do espaço em abrigo de acordo com as necessidades do Homem. Vitrúvio, arquiteto romano do primeiro século depois de Cristo, explicitou que esta transformação deveria ser acompanhada de três condições conhecidas como Tríade Vitruviana: Firmitas, Utilitas e Venustas, traduzidas grosso-modo como Segurança, Funcionalidade e Beleza. Vale destacar a essencialidade do abrigo para a vida humana, sem ele o Homem não sobrevive, e é tão essencial como a alimentação. Pior pois ele não nasce com a casinha nas costas e nem sabendo como construir seu ninho. O Homem teve que inventar a Arquitetura e aprender a fazê-la e reinventá-la de acordo com a evolução de suas necessidades.
     O Urbanismo é uma visão ampliada da Arquitetura. Da mesma forma visa a transformação do espaço em abrigo para o Homem, só que para suas relações urbanas, um estágio da evolução humana alcançado com o surgimento das atividades especializadas livres da produção de subsistência, exigentes da criação de um novo tipo de espaço para abrigá-las e que veio a se chamar cidade, a maior, mais importante, mais complexa e a melhor sucedida das invenções humanas. Porém, a evolução do Homem em seus processos de urbanização e metropolização acelerados atingiu níveis de complexidade tais que hoje a problemática urbana é tida como o principal desafio do Século XXI. Mais que nunca o Urbanismo se apresenta como uma ciência essencial para a existência humana assim como a própria cidade, com mais da metade da população do planeta vivendo nelas. Contudo, o Urbanismo, o urbanista e seus planos não são reconhecidos em consonância com a premência da problemática que trabalham, de maneira muito especial no Brasil.
     Importante destacar que as necessidades de abrigo humano são históricas, isto é, evoluem e se sofisticam com o tempo agregando ao Urbanismo e à Arquitetura um caráter evolutivo constante. Assim, o Urbanismo no mundo em sua essência será o mesmo na pós-pandemia, isto é, continuará sua função de buscar soluções espaciais adequadas para os problemas urbanos, só que agora com os novos colocados pelo vírus, ou redimensionados por ele, mas contará também com novos recursos tecnológicos testados à exaustão na quarentena como o “home office”, as videoconferências e o comércio por aplicativos, e muitos outros. 
     Quanto ao Brasil, aqui sim tenho esperança de grandes mudanças, começando pelo começo, isto é, que finalmente a ciência do Urbanismo chegue ao país com seus profissionais e seus planos sendo respeitados e aplicados em benefício de toda a população de forma concreta e não apenas para a construção de algumas poucas cidades oficiais e empresariais, ou como exercício intelectual, comercial ou político distantes de suas finalidades originais. Produtos da evolução histórica, as cidades normais também evoluem e são objetos em constante construção que precisam ter o Urbanismo constantemente ao seu lado com acompanhamento e orientações técnicas em todos os seus setores. Hoje no Brasil isso acontece em 5 ou 6 de suas cidades e o resto é abnegação dos profissionais da área, em número e condições muito aquém das necessidades, quando existem. E que a nova abordagem urbanística que vier privilegie a questão da moradia digna, primordial para a vida do Homem e um de seus Direitos Fundamentais, tratada hoje como simples produção de “casinhas” destinadas antes a movimentar a economia do que garantir qualidade de vida para a população. A Covid-19 veio demonstrar que o problema da moradia não resolvido transborda e coloca em risco a todos. A cidade, o objeto do Urbanismo, que ajudou a Humanidade a dar saltos de qualidade, não pode virar seu carrasco.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

UM IDIOTA NA PANDEMIA

Cuiabá na Quarentena (Foto: arquiteto Mario Gomes Monteiro)
José Antonio Lemos dos Santos
O título poderia ser idiotas, no plural, pois tem muita gente boa como “bobó lelés” angustiados como eu com os números oficiais do covid-19 no Brasil. Sou daqueles que não gostam de andar de passageiro em acontecimentos que nos envolvem. Procuro sempre estar informado, pesquisando para me balizar sobre o que está acontecendo, em que rumo seguimos, quais riscos ou potencialidades podem estar à nossa frente. A terrível pandemia nos assola, apavora e vem nos impondo sacrifícios diversos, econômicos, sociais e familiares.
     Fato é que resolvi acompanhar para meu consumo a pandemia em nosso país coletando alguns dados mais significativos sobre sua evolução, e até de outros países para efeito comparativo. A primeira dificuldade foi escolher quais seriam estes dados principais e mais confiáveis em um país  com uma burocracia lerda, despreparada para  acompanhar a velocidade da covid-19, carente de pesquisas e levantamentos adequados,  que convive com erros comuns sem dolo, mas considerando estes tempos de radical polarização político-ideológica, é obrigado também a se precaver contra dados errados intencionalmente para favorecer esta ou aquela “narrativa”, palavra da moda.
     Escolhi o número de óbitos como o principal dado para o meu acompanhamento. Um dado também não confiável, considerando os riscos de super ou de subnotificações, conforme me alertam os amigos e parentes que compartilham estas preocupações. A escolha se deu porque diante das possibilidades de problemas nas notificações, seria dificílimo ocultar uma quantidade de óbitos significativa para um país com mais de 210 milhões de habitantes. Outro fator que ajudou na escolha foi a pandemia no Brasil ter começado pela classe média, que, via de regra, é bem informada e dificilmente deixaria de cobrar a informação oficial sobre o desaparecimento de um ente querido. Um outro fator a favor da escolha é a fantástica câmera do celular. Depois dela, não existe mais segredo, tudo é bisbilhotado e imediatamente compartilhado.
     Pois não é que através de um artifício burocrático conseguiram esconder os óbitos em grande quantidade? Sob a alegação de atraso na análise final dos corpos para definir a “causa mortis”, deixam sempre uma quantidade de óbitos em suspenso aguardando sua liberação, e quando liberados, são lançados como ocorridos no último dia publicado. E esta prática vem desde o começo da pandemia. Ademais, não informam quantos dos óbitos ocorreram de fato naquele dia, o que acaba falsificando as estatísticas, que deveriam ser boas representações da realidade. Pior ainda, levanta a suspeita que estes óbitos atrasados possam ser lançados de forma fraudulenta em dias convenientes, para reduzir ou aumentar o número de vítimas. Caso sejam mesmo inevitáveis esses diagnósticos atrasados, pois então que sejam lançados na data de cada óbito, numa distribuição mais suave e fidedigna à realidade.
     Este artigo foi pensado ainda gestão Mandetta, mas com sua troca por outro tido como técnico de alta capacidade acreditei que o problema fosse corrigido. Ficou na mesma. No último dia 23, por exemplo, o Ministério da Saúde afirmou em nota oficial após a coletiva, que dos 407 óbitos divulgados naquele tarde, o recorde de óbitos para um dia com quase o dobro de mortes do recorde anterior, “112 ocorreram nos últimos três dias e os demais (295) antes desse período”. Ou seja, no dia do recorde anunciado pode até não ter havido sequer um óbito. E eu, idiota, apavorado como o Brasil inteiro com falsos números crescentes nos óbitos diários, alardeados como se fossem do dia. Mas, o mais difícil é não poder abraçar os netinhos.

terça-feira, 21 de abril de 2020

OS 600 (ISSO!) ANOS DE BRASÍLIA

Brasília ostenta altos níveis de desigualdade, diz pesquisa ...
Brasília e as perspectivas monumentais  (Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br)

José Antonio Lemos dos Santos
     Em 1420, seiscentos anos atrás, foi iniciada a construção da cúpula da igreja Santa Maria del Fiore, em Florença, um desafio que o engenho humano não tinha conseguido resolver até aquele momento. E esta evolução técnica se deu graças a Filippo Brunelleschi, originalmente um joalheiro que precisou de muito esforço para mostrar ser capaz de construir a grandiosa cúpula e ser comissionado para construí-la. Ao final não só construiu a cúpula, mas com ela marcou o início do Renascimento na Arquitetura e fixou as bases do que é hoje o projeto arquitetônico. A sua nova maneira de projetar estabeleceu que qualquer obra deve ser definida em todos os seus detalhes antes de construída, algo tão óbvio hoje que parece ter sido sempre assim.
     Em seguida vem Alberti, um quase contemporâneo que levou o mesmo raciocínio para a cidade, considerando-a uma “grande casa”, portanto um edifício também sujeito à maneira de projetar de Brunelleschi, ou seja, a cidade também deveria ser concebida totalmente antes de ser construída. Surge então o urbanismo clássico com suas formas geométricas engenhosas, as cidades-estrêla, as perspectivas monumentais, o monumento alvo, etc. Brasília é assim, séculos depois, genialmente concebida “in totum”, tal como na fórmula inicial renascentista, um objeto pré-definido em todos os seus detalhes.
     Aconteceu que os próprios renascentistas não tiveram chances de aplicar a pleno suas teorias urbanísticas. A Europa vinha de um período de longas guerras e epidemias, sem demanda para novas cidades. Quando havia, resumia-se a pequenos arranjos em função das guerras religiosas, defesas militares e portos comerciais. Fora isso, só intervenções em cidades já existentes, reformas ou ampliações, não chegando a ver suas ideias aplicadas em uma nova cidade de porte significativo. Teriam que esperar Brasília, a coragem política de JK, a genialidade de Lúcio Costa e a força do trabalho do povo brasileiro. Porém, do século XV até a construção de Brasília muita coisa aconteceu na história do mundo e no desenvolvimento do urbanismo.
     Arriscando um resumo, nesse ínterim a grande inflexão histórica foi a Revolução Industrial com transformações sociais e descobertas científicas. A urbanização é acelerada e os problemas da recém nascida cidade industrial forçam, no meio do século XIX, o surgimento de novas propostas no urbanismo, como as dos socialistas científicos e utópicos, e as leis sanitárias de Londres e Paris. Logo surgem a Cidade Industrial de Garnier, a Cidade Linear de Soria, a Cidade Jardim de Howard, a “unidade de edificação” de Berlage e a “unité d´habitation” de Le Corbusier, como um cadinho efervescente preparando uma solução contemporânea para a nova cidade que surgia. Enfim, abraçando todo esse substrato de proposições históricas, é elaborada em 1933 a Carta de Atenas, documento mestre do Urbanismo Modernista.
     Brasília é a materialização da Carta de Atenas e a realização maior dos fundamentos do urbanismo renascentista, indispensável à sua crítica essencial como em sua natural superação pela própria dinâmica da História e da prática do urbanismo posterior. Brasília é resultado do pensamento urbanístico acumulado, em especial do Renascimento até sua concepção e constitui com muita justiça um dos mais autênticos e expressivos patrimônios da humanidade. Tivesse sido europeia, seria melhor considerada pela cultura oficial brasileira. Brunelleschi e Lúcio Costa formam o alfa e o ômega desse processo que completa 600 anos e precisam ter seus nomes devidamente reavaliados nos momentos históricos que ajudaram a construir e nos quais foram os principais protagonistas, contudo marginalizados, senão esquecidos.   

segunda-feira, 20 de abril de 2020

CUIABÁ 320-19

CAPITANIA FLUVIAL DO PANTANAL CHEGA A CUIABÁ-MT | CFPN
                Rio Cuiabá      (Foto: Marinha do Brasil)
José Antonio Lemos dos Santos
     Uma cidade não dá no pé como caju ou goiaba. A cidade é uma invenção humana, aliás, a maior, a mais importante, a mais bem sucedida e, também, a mais complexa. Ela é um objeto construído pelo homem, normalmente edificada a cada dia pelos seus donos, os cidadãos, numa obra sem fim, um grande e permanente canteiro de obras. Ao contrário do que parece, não são os governos que constroem a cidade normal e saudável. Ela é construída aos poucos e cotidianamente pelo cidadão, do mais simples ao mais poderoso; aos governos cabem as obras comuns de infraestrutura, bem como sua ordenação, através do planejamento e controle dessa grande obra.
     Assim é Cuiabá, nascida à beira de um corguinho chamado Ikuiebô,  o “córrego das estrelas” para seus habitantes originais, os Bororos, pelas pepitas que faiscavam em suas margens à luz da lua. A monumental Enciclopédia Bororo dos Salesianos ensina que a cidade recebeu o nome das pedras que ainda hoje ficam na foz deste mesmo corguinho, agora um canal de esgoto sob a grande avenida Coronel Duarte, a popular Prainha, e que eram chamadas pelos autóctones de Ikuiapá, lugar onde se pesca com flecha-arpão. Já existiam ocupações anteriores nas regiões do São Gonçalo Beira-Rio e do Coxipó do Ouro, hoje áreas dinâmicas e integradas da cidade, embora na época distantes e em decadência pela descoberta do ouro às margens do Ikuiebô.
     E ela floresceu formosa, mãe de cidades e estados, mãe do próprio Mato Grosso. O aniversário de Cuiabá deveria ser também o aniversário deste “Ocidente do imenso Brasil”. Sobreviveu a duras penas, forjando uma gente corajosa e sofrida, mas alegre e hospitaleira, dona de rico patrimônio cultural e com proezas que cobram mais carinho dos historiadores. Cuiabá hoje vibra em dinamismo, globalizada e provinciana, festeira e trabalhadora, centro de uma das regiões mais produtivas do planeta, agora abalada com o mundo pela covid-19.
     Mas Cuiabá que já venceu males maiores como a varíola e a gripe espanhola, vencerá mais esta, seguindo vibrante na construção do seu futuro a ser planejado e controlado em favor do bem comum, para que a soma do trabalho de cada um na grande obra urbana resulte numa cidade cada vez mais bela, justa, confortável, segura e ambientalmente sustentável, com padrões crescentes de qualidade de vida. Neste processo, 2020 é especial pelas eleições municipais previstas, que mesmo ameaçadas pela pandemia, serão um tempo para a sociedade pensar seu futuro, eleitores e candidatos.
     Para o Tricentenário, a cada ano escrevi artigos em contagem anual regressiva a partir do 290º aniversário da cidade. Passados os 300 anos, Cuiabá deveria adotar um novo marco a ser alcançado, por exemplo o seu 320º aniversário, um prazo de 20 anos, horizonte mínimo para o planejamento de uma cidade e um tempo com alguma chance de alcançar com meus artigos. Neste período além de metas macro como o resgate do Sistema de Municipal de Desenvolvimento Urbano, um urgente e agressivo plano de recuperação econômica pós pandemia, a otimização da infraestrutura, o ajustamento da malha viária através dos padrões geométricos mínimos de cada via e a desocupação digna das áreas de risco, poderiam ser incluídos também projetos específicos perseguidos a tempos pela cidade metropolitana, entre estes a revitalização do Centro Histórico, a ferrovia, o Rodoanel, o centro cultural sul-americano, a internacionalização do aeroporto e seu hub aeroviário, a distribuição do gás e a consolidação da Região Metropolitana como principal polo de verticalização da economia do estado. E por que não um time na série “A” do brasileirão? 20 anos dá? Agora só faltam 19.

domingo, 12 de abril de 2020

EXPECTATIVA OU ESPERANÇA

Decoração com girassol: cafona ou não? Confira 10 curiosidades sobre a planta (Foto: Getty Images)
Girassol, energia positiva e boa sorte            (Foto: Casa Vogue)

José Antonio Lemos dos Santos
     Antes de tudo, que os números alvissareiros apresentados aqui reforcem a necessidade de continuarmos seguindo as recomendações oficiais brasileiras sobre o assunto. Tais números são só um alento a todos nós mostrando que os sacrifícios vividos neste quase um mês de quarentena e outros procedimentos parecem estar dando certo e podem, podem, destaco, durar menos do que o projetado inicialmente pelos cientistas. Ainda é muito cedo para a confirmação de qualquer tendência, mas os números dos últimos dias referentes à pandemia no Brasil têm sido promissores, só isso. Podem ser vistos como alguma esperança que surge em meio a tantas notícias ruins, mas também pode ser que hoje a situação se inverta com os números da tarde. Deus queira que não.
     Outra consideração inicial: Não quero me referir nem estou me referindo a pessoas, políticos ou autoridades públicas. Passo aqui longe de política, em especial as visando as próximas eleições. Nem a remédios, tipos de quarentena, hipóteses sobre clima, formas de tratamento, etc. Qualquer ilação que vá além dos números e das operações simples de aritmética, das quatro operações e da regra de três que aplico, fica por conta do leitor. E espero que o ajude. Uso basicamente os dados que o Ministério da Saúde vem disponibilizando todas as tardes por volta das 17 horas (hora de Brasília).
     Com todo o respeito aos familiares dos falecidos, e mesmo parecendo um absurdo, são promissores o número de 68 óbitos registrados de anteontem (10/04) para ontem (11/04). Tento explicar. Ontem foram 68, mas anteontem foram 115, ou seja, 47 mortes a menos em um dia, ou de outra forma, 47 vidas poupadas em um dia nesta mortandade que assistimos. Nos dias imediatamente anteriores foram 141, 133 e 114 óbitos, respectivamente. Ou seja, de forma clara o número de mortes reduziu significativamente nestes últimos dias. Esta é a boa notícia que não é destacada no noticiário e fica despercebida ajudando a deprimir a população em meio a tantos sacrifícios. Consequentemente, o percentual de crescimento do número de mortes por dia também caiu de 20,6% para 20%, para 17,6%, para 12,2% anteontem e 6,4% ontem. São bons números em meio à tragédia. A comparação com a evolução da pandemia em outros países, por exemplo com a Itália e Espanha também nos permite no momento alguma redução nas dramáticas perspectivas iniciais para o Brasil. Sigo torcendo e orando para que os números de hoje à tarde (12/04) continuem nesta trajetória ajudando a configurar no Brasil uma tendência firme no rumo do fim das mortes por esta pandemia. Tendência que ainda não pode ser confirmada e, portanto, vamos continuar seguindo as orientações oficiais com a mesma atenção. 

terça-feira, 7 de abril de 2020

PRETO CLARO OU CINZA ESCURO

Decoração com girassol: cafona ou não? Confira 10 curiosidades sobre a planta (Foto: Getty Images)
Girassol, energia positiva dos sol e boa sorte   (Foto: Casa Vogue)

José Antonio Lemos dos Santos
     Houvesse apenas um óbito e já seria motivo para todo nosso respeito e lamentação. Assim, considerar como notícia auspiciosa as 54 mortes de brasileiros pelo covid-9 de sábado para o domingo passado, só faz sentido tendo como referência os 73, 60 e 58 óbitos dos dias imediatamente anteriores, ou se em relação à taxa de crescimento diário do total de mortos que chegou aos surpreendentes 12,5% neste mesmo fim de semana, muito inferior à série também decrescente de 20%, 20% e 24% dos dias anteriores.
     Não sou especialista na área, porém como um dos bilhões de habitantes do planeta angustiados com esta pandemia, e como um septuagenário em aparente gozo de minhas faculdades mentais, aqui de minha quarentena absoluta de quase 20 dias, penso ter o direito de compartilhar esta fresta de esperança vislumbrada nos números deste último fim de semana. Esperança pode até não passar de uma quimera e se esvanecer antes mesmo deste artigo ser publicado. Contudo sempre traz uma perspectiva de ser real. E a ela me agarro hoje.
     Algo de novo e bom estaria acontecendo, mas que por razões desconhecidas os donos do mundo não querem fazer chegar ao conhecimento dos reles mortais? Por exemplo, o sempre eficiente e hoje famoso remédio para malária, a hidroxicloroquina, em parceria ou não com sua amiga cujo nome não lembro, estaria vencendo o terrível corona? Em uma tragédia com previsão de centenas de milhares de mortos é no mínimo estranho que de vários lugares do mundo cheguem relatos de experiências bem sucedidas da aplicação desse remédio setentão que nem eu, mas que não é liberado pelas autoridades pois faltariam estudos comprobatórios de sua eficiência e riscos. É muita moagem! Aliás, obrigado em quarentena a ficar ligado nas notícias da internet quase o dia inteiro, jamais vi qualquer notícia desabonadora do tal remédio. Só favoráveis. Ainda bem que o medicamento vem sendo usado no mundo todo. Numa hora destas, diante da decisão médica entre a vida e a morte concretas, às favas os protocolos. Dizem que, de fato, por traz desta moagem enroladora estariam interesses comerciais, políticos e até ideológicos, incompatíveis com a grave situação que vivemos, já com quase 1.000 mortos por dia no mundo.
     De fato, a impressão que fica é que as ciências da saúde foram pegas de calças curtas e não estavam preparadas para enfrentar uma pandemia como esta, embora as pandemias venham se sucedendo com frequência crescente. As posições dos cientistas se contradizem em inconclusivos debates, assim como entre órgãos supranacionais, nacionais e internos aos países. Um dia é uma coisa, outro dia é outra. Parece que na falta de um tratamento claro para o assunto, a discussão permanente entre cientistas, políticos e autoridades governamentais é a melhor solução, e daí, qualquer pretexto é válido: vida ou economia, curva alta ou baixa, quarentena “horizontal” ou “vertical” (e agora a “diagonal”), de quem é a culpa? qual a nacionalidade do vírus? Enquanto isso o povo é mantido entretido e se dá tempo para que o vírus seja derrotado pelo próprio cansaço.
     Preto claro ou cinza escuro? Se não fosse a mesma coisa, seria só uma questão de boa vontade em ajustar os tons. Minha saudosa avó, que perdeu o esposo com a gripe espanhola (que agora também nem é mais espanhola) dizia que se dois não querem, um não briga. Ou ao inverso para os dias atuais, quando dois ou mais querem brigar, polemizar, qualquer coisa pode ser pretexto. E ao povo resta contar com a apreensão e o medo de ser ou não sorteado, ou um parente, um amigo, nesta grande e terrível loteria pandêmica que vivemos.

segunda-feira, 30 de março de 2020

PANDEMIA E HOLÍSTICA


Adão e Eva sendo expulsos do Paraíso (Esboço Prof. José Maria)
José Antonio Lemos dos Santos
     É lugar comum dizer que as crises são também oportunidades, em especial para aprender. Vivemos a grande crise global do coronavírus e mesmo com toda a dramaticidade que envolve, ela também tem muito a ensinar. Caso este artigo passe alguma ideia de aclamação à pandemia, peço de antemão desculpas ao leitor, pois em minha quarentena também acompanho preocupado e com tristeza solidária todo o sofrimento pelo qual passa o mundo. Apenas quero marcar aqui uma notável e esperançosa lição, dentre as muitas que a tragédia trará no sentido de se evitar episódios semelhantes e de construir um mundo melhor.
     A importante discussão sobre a questão da quarentena como medida a ser adotada no Brasil, passou pelo sim ou não, pelo total ou parcial, horizontal ou vertical e acabou colocando em posições antagônicas os conceitos de vida e de economia. Em uma versão simplificada das posições, de um lado colocam-se os favoráveis à quarentena total, aos quais justifica-se a paralisação da economia com o isolamento máximo da população, reduzindo a velocidade da contaminação para evitar sobrecarga e colapso do sistema de saúde e consequentemente salvar vidas. De outro lado, colocam-se os que defendem a garantia da continuidade da economia evitando crises de renda e de abastecimento da população, e de sobrecarga e colapso dos sistemas de segurança pública, com graves consequências sociais e políticas. Para os primeiros a economia é recuperável e as vidas não. Para os outros, a economia paralisada acarretará fome, miséria e convulsões sociais, adicionando número significativo de mortes às causadas pelo vírus. Para muitos apenas firulas políticas enroladoras, no entanto, envolvem formas diferentes de ver o mundo.
     A visão holística foi um dos maiores avanços alcançados pela Humanidade e ela parte do princípio de que todas as coisas estão articuladas entre si, influenciando-se mutuamente. Nada existe de forma isolada no universo, mesmo que algumas coisas possam estar mais próximas ou mais distantes. Ainda mais um conceito tão complexo como o de vida que envolve tantas interrelações para sua existência. Continuando com o exemplo da vida que, apesar de dependente, não depende só da saúde, assim como, apesar de dependente, a saúde não depende só da medicina. Você pode gozar de plena saúde e ser atropelado por um carro, assim como o médico pode receitar um xarope adequado para uma criança, mas o barraco onde mora o pequeno é incapaz de protegê-lo do frio ou da chuva podendo levá-lo à morte com ou sem a medicação. Dois exemplos nas áreas da arquitetura e do urbanismo de como a vida pode ter outras dependências além da saúde e da medicina.
     Aliás o ministro Mandetta abordou corretamente este assunto ao dizer de sua esperança de que após a passagem da pandemia, o Brasil mude a maneira de tratar suas cidades, atribuindo um novo valor ao planejamento urbano, com destaque, para ele, nas áreas da Habitação e do Saneamento Básico. Além das duas áreas citadas eu acrescentaria todas as demais, já que a cidade é o objeto holístico por excelência e não pode ser tratada por partes isoladas.
     As ligações entre vida e economia são mais estreitas ainda e, sem querer exagerar, vêm desde o Livro do Gênesis quando Deus nos expulsou do Paraíso determinando que a partir daquele momento teríamos que viver (Vida) do suor de nosso próprio trabalho (produção, Economia)e até colocou um ou dois anjos com espadas de fogo impedindo-nos voltar. Findo o Paraíso, nada mais cai do céu e o trabalho é essencial à vida. Espero que as autoridades e a sociedade encontrem um meio termo entre as quarentenas “horizontais” e “verticais”. Mas tem que ser já.

segunda-feira, 23 de março de 2020

IKUIAPÁ EM TEMPO DE CORONAVÍRUS

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    Pedras do Ikuiapá       (Foto: Ignácio Roman/TVCA/ G1)
José Antonio Lemos dos Santos
     Para este artigo havia planejado sugerir uma espécie de mirante para as pedras do Ikuiapá no projeto de extensão da Orla do Porto em implantação pela prefeitura. Como desconheço o projeto, pode ser que a ideia já tenha sido contemplada dada a qualidade dos arquitetos e urbanistas da municipalidade, ainda que poucos para a grandeza da demanda da cidade por estes profissionais. Neste caso o artigo ficaria como um aplauso por mais este esforço municipal no sentido da cidade se voltar para o rio Cuiabá, seu principal cartão postal natural, desvirando-lhe as costas. Vale lembrar que segundo a Enciclopédia Bororo, monumental obra dos salesianos, a origem no nome Cuiabá está naquelas pedras próximas à foz do córrego da Prainha, chamadas pelos autóctones de Ikuiapá, lugar onde se pesca com flecha-arpão, verdade toponímica que não deveria deixar dúvidas sobre o assunto.
     Mas, em tempo de coronavírus todas as demais prioridades viraram “piqui-roído”, como diríamos nós cuiabanos. Esvaíram. O que importa hoje como os Bororos chamavam este ou aquele lugar?  De que vale hoje se a cuia de estimação de um distraído português caiu no rio e se foi nas águas no século XVII? Se é pintado ou cachara? ou talvez jaú? Se gosto mais do amarelo que do vermelho? ou o inverso? Mixto, Operário, Dom Bosco, ou o Cuiabá? Tradicional ou puro malte? Pibão ou pibinho? O fato é que nos enfiamos todos em um imenso globo como bolinhas numeradas a serem sorteadas amanhã, ou daqui a um mês ou dois. No pico de uma curva elevada ou achatada? O que fizemos com o velho e colorido planeta Terra, até outro dia pleno de vida, a mãe Gaia?
     Septuagenário recente, estou na chamada “população de risco” embora a ameaça paire sobre todas as idades. Fixarei no que ficou de bom, ou promete sê-lo, já que o de ruim anda com suas próprias pernas.  Com minha esposa, estou em quarentena, restrito à minha casa onde subitamente desabrocha um mundo com tanta coisa a ser revisitada ou revivida, joias inúteis sem destinação precisa ou bugigangas preciosas a serem reguardadas com um toque maior de carinho. Livros, revistas, coleções, fotos, vinís, CD’s, DVD’s, VHS’s, o velho violão e as revistinhas de músicas cifradas, um mundo antigo sendo revalorizado.
     E tem a internet maravilhosa com seus comentários, documentários, bobagens em geral, filmes e shows do passado distante ou recentes que jamais pensamos assistir ou que sempre quisemos rever, mas nunca sobrava tempo. E tem a cozinha com as velhas receitas familiares.  A necessidade de ficar preso em casa tem trazido boas surpresas jamais pensadas. A tão sonhada viagem cancelada e quase toda paga não está fazendo a menor falta, trocada que foi por uma viagem compulsória e gratuíta para dentro do próprio lar e para dentro de nós mesmos.
     Como país e sociedade global também estamos aprendendo, revendo valores e descobrindo potencialidades inesperadas. Depois da tempestade, os que sobreviverem terão um novo Brasil, um novo mundo. Por exemplo, outro dia o Senado Federal votou importantíssima matéria pela internet. Já pensaram a revolução na qualidade dos votos e da representatividade dos políticos se todos votarem as matérias em suas próprias bases eleitorais olhando na cara de seus eleitores, sem desculpas para fugas de votações importantes?  Domingo passado eu e minha mulher assistimos à missa pela TV. Também descobrimos que os serviços de delivery já substituem com vantagens as saídas pessoais para abastecimento. Só nestes exemplos, quanto de economia em energia, mobilidade urbana, acidentes de trânsito, custos financeiros e ambientais, saúde pública, etc.? Mas os netinhos são insubstituíveis e suas ausências, estas sim, já estão sendo cruéis com tantas saudades.

segunda-feira, 16 de março de 2020

ÁRVORES E PESSOAS

BH está em risco geológico por causa da chuva  — Foto: Reprodução/TV Globo
                Área de risco urbana   (Foto: Reprodução/TV Globo)
José Antonio Lemos dos Santos
     Outro dia ouvi no rádio do carro parte da entrevista de uma autoridade de Mato Grosso sobre os planos que o governo estadual havia preparado para proteção das florestas em seu território. Não ouvi a entrevista inteira, peguei já começada e tive que descer do carro antes de sua conclusão. Imagino ter sido motivada pela visita que o coordenador do Conselho da Amazônia, General Mourão, vice-presidente da República, faria dias depois a Cuiabá para tratar desse assunto.
     Entretanto o que me chamou a atenção foi o aparato técnico e a quantidade de recursos humanos e financeiros disponíveis e que estão sendo incrementados para enfrentar essa grande e importante questão dos cuidados com a Amazônia. Ocorre que naqueles dias vivíamos mais uma das tragédias urbanísticas que assolam as cidades brasileiras a cada verão. Mal havia passado o drama no Espírito Santo e em Minas Gerais, o fenômeno se deslocou para a região de São Paulo capital e logo após para a Baixada Santista deixando um rastro total de dor com mais de 100 mortes, quase 80 feridos, mais de 10 mil desabrigados e 50 mil desalojados, conforme consegui somar das informações esparsas na internet para essas regiões até começo de março.
     Além da criação desse conselho interministerial para a Amazônia e de uma Força Militar Ambiental, os recursos financeiros nacionais e internacionais previstos são bastante significativos. Se muito ou pouco para atender este problema não sei dizer, mas com certeza imenso se compararmos com o tratamento dispensado às populações em áreas de risco nas cidades brasileiras. Entendo a importância da criação de um conselho articulador interministerial e jamais pensaria na redução dos recursos para a área ambiental. O que me assustou foi a comparação.
     A diferença dos tratamentos dados aos dois problemas, expressando uma priorização dos sucessivos governos e da opinião pública brasileira e internacional me deixou encucado. Será que é isso mesmo? A situação das árvores e das florestas seria mais prioritária que a das pessoas que, por não terem condições de acessar por conta própria ao seu direito constitucional a uma moradia digna - e dignidade inclui segurança - vivem às margens de córregos e rios ou em barracos “pendurados no morro e pedindo socorro”? Hoje eu acrescentaria, com a constante ameaça de uma imensa pedra acima da cabeça prestes a rolar e de um solo encharcado em baixo, prontinho para deslizar. Que me perdoe o poeta. Tudo devidamente registrado, carimbado, rotulado e mapeado nas cartas geotécnicas das nossas leis de uso do solo urbano como Áreas de Risco, proibidas ao uso residencial. Cabe ao poder público, no caso aos prefeitos, cumprirem a lei sob pena de crime de responsabilidade, sujeitos a julgamento do Poder Judiciário, independente de pronunciamento da Câmara de Vereadores. Mas, e daí?
     O sistema de monitoramento do desmatamento dispõe de satélites e pode trabalhar com imagens quase em tempo real identificando uma árvore em uma área mais de 5 milhões de Km², colocando seus agentes no local em tempo cada vez mais curto. Contudo, as autoridades municipais não enxergam um barraco na sua cidade e só alegam conhecer moradores em áreas de risco após mortos, desabrigados, desalojados ou feridos pelas tragédias. Não caberia o compartilhamento destas ferramentas de monitoramento remoto com as prefeituras? E mesmo um programa conjunto federal e estadual de apoio às municipalidades na criação de estruturas de planejamento urbano capaz de usá-las, dando fim a estas tragédias urbanísticas anuais? Mas que tudo se apoie em uma lei similar a de Responsabilidade Fiscal para punição dura às autoridades pelos crimes urbanísticos, pois sem punição, tudo ficará como está.

segunda-feira, 9 de março de 2020

A MAIS IMPORTANTE DAS ELEIÇÕES

Câmara Municipal de Cuiabá (Foto: José Lemos)

José Antonio Lemos dos Santos
     A injusta e polêmica cassação do vereador Abílio Júnior, arquiteto e urbanista de formação, destacou a importância das Câmaras Municipais para o destino dos municípios, para o bem ou para o mal. Ademais, reforçou o cuidado que devemos ter com nosso voto nas eleições municipais, em especial nas proporcionais se avizinham. Tida erroneamente por alguns como uma eleição menor face às eleições para os cargos estaduais e federais, muitos desprezam seu voto comprometendo-se com o primeiro candidato parente, amigo ou colega que lhes dá um tapinha às costas, ou deixam para última hora votando em qualquer um, ou em branco. Ou nem comparecem à votação.
     Que me perdoem os especialistas em política, mas, o urbanismo é dependente dos poderes públicos e, assim, o urbanista tem quase por dever de ofício se preocupar com a escolha dos dirigentes dos destinos de nossa terra. Atenção maior merecem as eleições proporcionais, ou melhor, a forma como são praticadas no Brasil distorcendo as intenções de voto do eleitor que paga a conta e fica com a culpa. Sabemos que no Brasil temos dois tipos de eleições, as majoritárias e as proporcionais, e é importante que existam as duas como nas democracias mais avançadas do mundo, uma privilegiando o candidato individual e a outra a proporção das várias correntes ideológico-partidárias no eleitorado. Nas majoritárias vence o candidato com mais votos. Todos sabem em quem vota e elege. As proporcionais já não são tão simples. Nestas o objetivo é eleger a proporção das correntes partidárias na sociedade, proporção expressa no número de cadeiras que cada corrente conquistar, somando os votos de todos os seus candidatos. Estas cadeiras, conquistadas com o voto de todos, repito, de todos os candidatos serão ocupadas apenas pelos mais votados, os quais, em geral não são os escolhidos diretamente pelo eleitor. Então, o voto proporcional nunca é perdido, sempre elege alguém.  Esta é a beleza das eleições proporcionais, mas também seu mal entre nós.
     Em suma, o eleitor pode escolher um bom candidato e eleger sem querer outro, até mesmo um que ele quisesse banido da vida pública. Isto acontece porque não lhe é suficientemente informado que nas eleições proporcionais ao escolher isoladamente um candidato ele antes estará votando na lista de candidatos do partido do candidato escolhido e da qual só serão eleitos os mais votados. Assim, pode votar em um, mas eleger outro. E pior, estas listas são montadas habilmente pelos chefes partidários de forma a garantir sua própria permanência no poder ou a eleição de seus escolhidos ou prepostos.
     Usando os dados de Cuiabá para ilustrar um quadro que parece ser nacional, nas eleições de 2016, que nos legou a atual composição da Câmara de Cuiabá, dos 283.121 votos válidos dados aos candidatos (votos nominais) apenas 82.545 (29%) foram dados diretamente aqueles que comporão a Câmara de Cuiabá após o episódio da cassação, bem menos de 1 em cada 3 votos. Os demais 200.576 em grande maioria sequer sabem que seu voto ajudou a eleger alguém. E nem sabe quem. Considerando todo o eleitorado de Cuiabá com seus 415.098 eleitores em 2016, fica pior ainda pois de cada 5 eleitores cuiabanos apenas 1 (20%) votou nos eleitos, ou seja, um total de 332.553 (80%) escolheu faltar as eleições, anular seu voto, votar em branco ou em outros candidatos.
     Enfim, é fundamental que todos votem e votem bem, aguardando as listas partidárias para só então escolher seu candidato, não comprando gato por lebre. Ao contrário do que pensam alguns, as eleições para vereador são as eleições mais importantes no Brasil pois elas são o ninho criatório dos políticos e a base da pirâmide política nacional.

quarta-feira, 4 de março de 2020

COMENTÁRIOS - TORCIDAS AO SOL

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                            Torcida ao sol                              (Imagem:noticiasdabaixada)
José Antonio Lemos dos Santos
     Acho uma tremenda besteira, ou melhor, burrice mesmo, os times mandantes dos jogos das 15 horas na Arena, colocarem a torcida adversária no setor leste, de frente para o sol. Sou a favor do televisionamento dos jogos, mas é cruel este horário das 15 horas que dizem ser exigência da TV para combinar com sua grade de programação. Mesmo com a TV e o sofá da sala, prefiro torcer pelo meu time lá na Arena. Acontece que nos grandes centros o jogo é 16 h, dá tempo para um almoço de domingo mais tranquilo, com um clima menos intenso, em especial o sol mais brando. 16h de lá são 15 h aqui, chega a ser desumano com os jogadores, pessoal que trabalha nos jogos e em especial os torcedores que são submetidos àquele solão, lembrando que entre estes existem crianças, mulheres e pessoas de mais idade. Este ano já não fui a 2 jogos do meu time porque alguém mandou a torcida do meu time para o setor Leste, com o solão das 15 horas na cara. Tive que me contentar com a TV. O problema também é financeiro já que meu ingresso vale tanto quanto o do torcedor mandante. E aqueles que iriam com esposa e filho, ou quer levar algum amigo ou visitante? O público que já é pequeno, com certeza fica menor. Domingo tem Cuiabá x União, com os dois times muito bem. Será um jogo decisivo. Mesmo com a TV transmitindo para lá, certamente muita gente de Rondonópolis vai querer estar presente ao jogo empurrando e dando força ao time de sua cidade lá na Arena. Espero que o Cuiabá não cometa essa burrice de obrigar a torcida de Rondonópolis, e de outros jogos em que for mandante, ficar no setor Leste, no mínimo vai perder uma boa renda. É um absurdo, numa Arena de 44 mil assentos, com cerca de 22 mil lugares na sombra, porque não colocar a torcida adversária no andar superior do setor Oeste, na sombra, com boa visão lateral do campo. Ou no setor Norte, ainda que com um posicionamento atrás do gol, menos favorável. Para jogos menos decisivos com previsão de menores públicos, as duas torcidas podem ficar até mesmo na mesma arquibancada inferior do setor Oeste. As torcidas não ficavam lado a lado no Dutrinha ou no Verdão? Com certeza será um grande jogo e com certeza muitos torcedores dos dois times querem estar presentes na Arena. Não é muita coisa não, mas é jogo para bater o recorde de público do estadual 2020. Mas, “pelo amor de meus netinhos”, como diria o Silvio Luiz, que esta reclamação não seja pretexto para alguma autoridade luminar (que não esteja nem aí para o futebol mato-grossense) interdite a Arena por não ser toda coberta.

segunda-feira, 2 de março de 2020

UM NOVO BINÁRIO CENTRAL PARA CUIABÁ

Trevo Circulo Militar
                                             Rotatória Círculo Militar               ( Imagem: rdnews)
José Antonio Lemos dos Santos
    Feliz a cidade com o dinamismo de Cuiabá, rica em oportunidades de desenvolvimento que trazem melhorias, ainda que tragam também problemas. São os tais ônus e bônus da vitalidade urbana. As cidades vivas geram aumentos de demandas em todas as áreas, e muito especialmente na mobilidade urbana, onde cresce o número de pessoas e de veículos, surgem novos bairros e polos geradores de tráfego, exigindo de seus administradores providências garantidoras da fluidez indispensável com segurança e conforto. Isso não é problema, é vida urbana. Cabe às autoridades públicas se anteciparem às novas demandas.
     Nessa dinâmica as soluções para problemas pontuais muitas vezes pedem soluções ampliadas, integradas às de outros problemas na aparência isolados. Assim, as rotatórias do Círculo Militar, do Santa Rosa e do Centro de Convenções se integram como um pesado subsistema dentro da Miguel Sutil envolvendo as avenidas José Monteiro, José do Prado e das Flores, um crescente adensamento residencial e nove fortes polos geradores de tráfego: os Supermercados Extra, Makro e BigLar, os shoppings Estação e Goiabeiras, o Centro de Convenções e nas extremidades os complexos médico-hospitalares polarizados pelos hospitais Santa Rosa, Jardim Cuiabá e agora o novo Hospital Municipal.
     Trata-se de uma supercarga que coloca próximas do estrangulamento as rotatórias que deveriam garantir fluidez ao subsistema. A solução mais completa está em reduzir a demanda de tráfego para elas, criando alternativas auxiliares para o subsistema crítico da Miguel Sutil, como a extensão da Avenida Beira-Rio à Oeste (VEBR-O), prevista em 1999 na Lei da Hierarquização Viária ligando a rotatória da Barão de Melgaço com a Avenida Antártica, bem como o Rodoanel que não sai do papel desde 2005, com verba e tudo. São obras portentosas, mas necessárias, que além de beneficiar o trânsito em toda a cidade, reduzirá o volume de tráfego na Miguel Sutil, que não pode mais ser considerada uma via perimetral de trafego rodoviário e altas velocidades, mas como uma via circular central de caráter urbano, distribuidora de fluxos ao centro da cidade através de rotatórias. Para evitar o colapso iminente, enquanto estas grandes obras não vêm restam obras emergenciais paliativas, mas importantes, relativamente baratas como a trincheira do Círculo Militar e duas outras a seguir.
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                                                                (Imagem: OlharDireto)
     Uma seria a viabilização de um retorno semaforizado entre as rótulas do Centro de Convenções e do Santa Rosa. O fluxo no sentido Centro de Convenções/Santa Rosa, porém com destino às regiões Norte e Sul (CPA,Coxipó) não sobrecarregaria necessariamente a rotatória do Santa Rosa, como se dá hoje, aliviando também a Avenida José Monteiro e José do Prado. Outra obra seria uma nova rotatória na Miguel Sutil no eixo da Rodrigo de Noronha e sua continuidade até ao Santa Rosa. Esta obra, mais que um paliativo para a Miguel Sutil, seria a viabilização de um novo binário estrutural de tráfego para a cidade descendo pela Ramiro de Noronha/ Thogo Pereira até a XV de Novembro, com variante pela 8 de Abril, e subindo pela Dom Bosco/Filinto Muller/Ramiro de Noronha, criando uma alternativa de grande potencial para o binário Getúlio Vargas/Isac Póvoas, também já sobrecarregado.
     Mais uma rotatória, quando as existentes já dão tantos problemas? Sim, pois o problema não está nas rotatórias, mas no adensamento da ocupação do solo da região e na mudança de função da Avenida Miguel Sutil, prevista de início como avenida perimetral para tráfego rodoviário rápido e pesado, mas que está em sobrecarga crescente ao exercer também a função de via circular de distribuição central de tráfego. Não dá para misturar. Rodoanel já! e a nova rotatória também.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

RASCUNHANDO CONTRA AS TRAGÉDIAS

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                                                                                                                                                                                          (Imagem:ggn)
José Antonio Lemos dos Santos
     Há alguns anos venho aventando uma forma de punição efetiva aos prefeitos inadimplentes com a legislação urbanística, em especial em pontos que ameaçam a vida do cidadão. Tal preocupação decorre das tragédias que se repetem nas cidades brasileiras a cada período chuvoso, sempre resultando em mortes e grandes prejuízos financeiros tanto ao erário público quanto a empresas e famílias, em especial às mais carentes que muitas vezes perdem tudo o que foi obtido com muito sacrifício. O objetivo seria promover através da punição a aplicação das medidas ordenadoras preventivas já existentes nas leis urbanísticas municipais, sejam avulsas ou decorrentes dos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano (PDDUs) exigidos pela Constituição Federal. Num segundo momento, no futuro, poderiam até ser pensadas formas de premiações como estímulos às boas e bem sucedidas práticas.
     A referência inicial da ideia é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que prevê ao mau administrador punições que podem ir até a perda de cargo eletivo e a suspensão dos direitos políticos. Na verdade, tudo já era previsto na legislação anterior, mas foi preciso fazer uma outra específica para que as regras começassem a valer (nem tanto). A desobediência ou negligência para com leis urbanísticas também se caracterizam como crimes e já são puníveis pela legislação vigente, porém, são acintosamente desrespeitadas sem quaisquer tipos de punição, com as consequências nefastas para as cidades e seus habitantes. Talvez uma legislação específica, como no caso da LRF, traga o indispensável e urgente respeito às leis urbanísticas.
     Neste rascunho seriam cobrados alguns indicadores específicos da legislação urbanística básicos à vida do cidadão e ao ordenamento do espaço urbano como: ocupações em Áreas de Risco, ocupações em Áreas de Proteção Ambiental, extensão de córregos canalizados e dimensão da Zona Urbana.  Ao final de seu mandato o prefeito não poderia deixar a maior qualquer um destes indicadores, do contrário seria julgado por improbidade administrativa ou crime de responsabilidade, ou o que for definido numa formatação jurídica final para esta proposta (se um dia acontecesse), pelo não cumprimento da legislação urbanística.
     A existência de uma legislação nestes moldes puxaria de imediato alguns benefícios concretos. Um deles, a necessidade de estruturação técnica dos municípios para acompanhamento de seu desenvolvimento urbano para aqueles que ainda não tem, ou a disponibilização de programas mantidos pelos estados e pela União de apoio aos municípios menores, incapazes de sustentar este serviço por conta própria. Para o caso dos 4 indicadores propostos nem seria assim tão dispendioso tendo em vista os imensuráveis benefícios humanitários que trariam, ou pela disponibilidade de ferramentas de sensoriamento remoto tão comuns hoje, como as populares do Google, ou as usadas pelo IBAMA no controle de focos de incêndios ou desmatamentos, que identificam cada foco de calor na Amazônia ou cada árvore sacrificada. Acho que poderiam muito bem atender também à tarefa de salvar vidas humanas nas cidades.
     Implicaria também na reconceituação dos PDDUs como processos contínuos de planejamento e não mais como produtos ou “pacotes” adquiridos apenas para cumprir formalmente a exigência constitucional.     Talvez o mais importante, despertaria a necessidade de se rever o conceito de Política Habitacional, não mais como uma ferramenta de promoção da indústria da construção civil, só para enriquecer empresários e políticos construindo casinhas mesmo em áreas sem características de urbanidade, mas como ferramenta efetiva de promoção do habitat urbano e da qualidade de vida digna para suas populações.