"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 27 de julho de 2020

PARA ONDE FOI SEU VOTO?


José Antonio Lemos dos Santos
     Na eleição de 2016 que definiu a atual composição da Câmara Municipal de Cuiabá, dos 283.121 votos válidos dados aos candidatos apenas 86.885 foram diretamente nos eleitos, menos de 1 (31%) em cada 3 votos! Ou seja, 86.885 eleitores votaram nos eleitos e 196.236 eleitores votaram em outros candidatos. Considerado todo o eleitorado de Cuiabá na época com 415.098 eleitores a situação foi pior pois de cada 5 eleitores cuiabanos apenas 1 (21%) votou nos eleitos, ou seja, um total de 328.213 (79%) escolheu faltar as eleições, anular seu voto, votar em branco ou em outros candidatos, não nos eleitos. Se fosse futebol, os eleitos na verdade teriam sido goleados por 5 x 1!
     É injusto dizer que o brasileiro não sabe votar, ao menos nas condições atuais em que se realizam as eleições proporcionais, e neste ano de novo temos eleições para vereadores. Importantes, elas definem a base do quadro político nacional, a sustentação dos caciques que os apadrinham. Nos resultados das últimas eleições é nítido que o eleitor tem evitado os maus políticos. Falta-lhe, entretanto, conhecer o cerne das eleições proporcionais: as listas dos candidatos por partido.
     Por querer ou não, estas listas no Brasil não são facilitadas ao conhecimento do eleitor e nas eleições proporcionais o voto nunca é perdido. Ao escolher um candidato, seu voto é contado primeiro para a lista ou “chapa” do partido do candidato escolhido, definindo o número de cadeiras que este partido terá com base no quociente eleitoral, que é o quanto “custa” em número de votos cada cadeira nos legislativos. Os mais votados de cada lista são os eleitos para ocupá-las. Só aqui é contado o voto no candidato. Ao escolher um candidato, sem saber escolhe uma lista cuja composição ignora, e assim em sua maioria elege outro. Trágico, o quociente eleitoral da eleição passada foi 11.939 votos e o candidato mais votado teve 5.620 votos, o menos, 1.938. Em suma, todos usaram de votos dados a outros candidatos para se elegerem, o que, quase certo foi o caso do seu. Quem seu voto elegeu?
     Nestas eleições não teremos as famigeradas “coligações”, o que facilitará o voto. Mesmo assim, caro eleitor, antes de nos comprometer com o candidato parente, amigo, colega ou compadre é importante aguardar a oficialização das candidaturas pela Justiça Eleitoral e torcer para que ela te facilite as listas dos candidatos por partido, ao menos em seu site. Ou que algum partido aceite o desafio de orgulhosamente publicar sua lista de candidatos, por exemplo no verso dos “santinhos” de propaganda dos candidatos. O voto é a mais poderosa arma da cidadania, não vamos continuar a usá-lo contra nós mesmos.
     Sabemos que a regra para os candidatos é começar cedo, isto é, chegar nos eleitores antes de outros para “beber água limpa”. Em geral o assédio começa pelos familiares, amigos, colegas de trabalho ou dos bancos escolares, em resumo, aquele conjunto de pessoas supostamente formador de seu capital político pessoal. Com base nesses laços pessoais arrancam compromissos de difícil escapatória futura, vários amarrados em respostas ditas para não desagradar. Aí mora o perigo.     
     Sem duvidar da qualidade dos eleitos e nem colocar alguma culpa neles pela situação, tem algo muito errado em nossas eleições proporcionais, e não é o eleitor. Certo que nas democracias mais avançadas não há mal no eleitor votar em um e eleger outro, a diferença é que nelas o eleitor sabe quem pode ser eleito com seu voto. Aqui não, o eleitor às cegas tenta acertar seu voto em uma lista oculta, habilmente montada pelos caciques para se perpetuarem no poder. Além de enganado, o eleitor paga a conta e nem pode cobrar do eleito pois a maioria não sabe quem elegeu. E ainda leva a culpa.


terça-feira, 21 de julho de 2020

DESAFIO AOS PARTIDOS


Charge: Prof.. José Maria Andrade
José Antonio Lemos dos Santos
     Estamos perto de novas eleições municipais, confirmadas para os dias 15 e 29 de novembro deste ano. Mesmo sem aprovação das convenções partidárias, desde antes da pandemia já começaram a ser esboçadas algumas candidaturas. A regra em especial para os novos candidatos é começar cedo para “beber água limpa”, isto é, chegar nos eleitores antes que outros eventuais candidatos. De um modo geral começam buscando familiares, colegas de trabalho, velhos colegas até então esquecidos dos bancos escolares, amigos, em suma, aquele conjunto de pessoas potencialmente formador do que seria seu capital político pessoal. Com base nesses laços pessoais acabam arrancando compromissos amarrados em “fios de bigode” de difícil escapatória futura, vários sacramentados em frases ditas sem muito pensar às vezes para não ser desagradável ou para evitar uma conversa chata. Aí mora o perigo.
     Em 2017 houve a tão necessária reforma política esperada para ser a mãe de todas as reformas, mas que acabou parindo um rato. Em relação ao voto em si quase tudo ficou como antes, e este ano abrange a escolha para os cargos de vereador e prefeito em eleições proporcionais e majoritárias, que continuam para o eleitor basicamente do mesmo jeito, só que sem aquela aberração das coligações dos partidos para as eleições do legislativo. Já foi um importante passo. Sabemos que os dois tipos de eleição são necessários e existem nas democracias mais avançadas do mundo, uma privilegiando o candidato individual e a outra a proporção em que se distribuem as diversas correntes ideológico-partidárias no eleitorado.
     O voto majoritário é simples, para prefeito vencerá o candidato que tiver mais votos. Já o voto proporcional não é tão simples assim. Nelas vota-se em listas de candidatos oferecidas pelos partidos, através dos votos dados diretos aos partidos ou aos candidatos nelas constantes, agora sem coligações. Nas eleições proporcionais busca-se a distribuição dos eleitos na proporção da representatividade dos partidos no universo eleitoral. Ocupam as cadeiras os candidatos mais votados de cada lista, a maioria dos quais não é escolhida diretamente pelo eleitor. Os outros ficam como suplentes. Assim, o cidadão escolhe um candidato e seu voto pode eleger outro. Esta é a beleza das eleições proporcionais, mas também seu mal entre nós pois as listas dos candidatos por partido não são facilitadas ao conhecimento do eleitor. Será que nestas eleições algum partido terá a coragem de publicar sua lista com os nomes que submetem à escolha do eleitorado?
     Muitos pensam que as eleições para vereador são as menos importantes. Fakenews! Ela forma a base onde se apoia a política nacional. Votando em listas desconhecidas, definidas e escondidas pelos caciques partidários, o eleitor escolhe um candidato e pode eleger sem querer outro, mesmo um que queira banir da vida pública. E assim são mantidos aqueles de sempre. O povo é enganado, forçado a eleger e legitimar com seu próprio voto muitos dos que não queria eleitos ou reeleitos. É ludibriado, paga a conta e ainda leva a culpa.
     Nestas eleições proporcionais a consciência do eleitor precisa estar mais alerta. Antes de nos comprometer com o candidato parente, amigo, colega ou compadre é importante aguardar a oficialização das candidaturas e torcer para que a Justiça Eleitoral facilite ao eleitor as listas dos candidatos por partido, incrementando a representatividade das eleições. Ou que algum partido aceite o desafio de orgulhosamente publicar a sua. Podia ser no verso dos “santinhos” de propaganda dos próprios candidatos. O verdadeiro amigo candidato entenderá. O voto é a mais poderosa arma da cidadania. Cuidemos dele.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

ADENSAMENTO URBANO PÓS-PANDEMIA

Bares fechados, restaurantes abertos para almoço e rodízio de ...
                        Vazios urbanos (Foto: Olhar Direto)
José Antonio Lemos dos Santos
     Preconizado nas últimas décadas pelo Urbanismo e agora contestado pela pandemia da Covid-19, o adensamento urbano foi um dos destaques em recente discussão virtual promovida pela Academia de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso – AAU/MT. Esta discussão envolvendo saúde e desenvolvimento urbano vem pelo menos desde meados do século XIX, com o avanço da Revolução Industrial e o surgimento das primeiras metrópoles, cidades medievais crescidas em tamanho e população sem quaisquer cuidados, em especial os sanitários. Deu em colapso forçando as primeiras leis urbanísticas, que, por sinal foram leis sanitárias, em Londres e Paris. Daí essas discussões não pararam mais.
     A Carta de Atenas em 1933 falava em densidades entre 250 a 300 hab/ha, o que jamais chegou a ser consenso. Enquanto Frank Lloyd Wright propunha 10 hab/ha em sua Broadacre City, Le Corbusier, defendia 3.000 hab/ha em seu Plano Voisin. Cuiabá tem uma densidade urbana bruta próxima a 24 hab/ha, cerca de 1 décimo da prevista pela Carta de Atenas! Há alguns anos Cuiabá tinha quase 50 mil lotes urbanos oficiais ociosos com moradores esparsos, mas com arruamento e, possivelmente, água e energia elétrica, o mínimo exigido para se implantar um loteamento na época, pois os moradores ainda que esparsos também tem direito a eles. Tem até glebas urbanas em algumas avenidas principais. Ônibus e caminhões de lixo andando a mais, tubulações, fiações, serviços, iluminação pública desperdiçados, encarecendo operacionalmente a cidade! Impede a elevação dos padrões urbanísticos. 
     As cidades são como organismos vivos.  Com suas peculiaridades, cada cidade é única. Cidades-tipo só existem na teoria e soluções-tipo também só podem existir na teoria como padrões de referência geral para discussões em tese, mas sua aplicação tem que ser individualizada pelo urbanista e com a ciência do Urbanismo, conforme cada caso. Por exemplo cidades com risco de terremotos tendem a ser espraiadas (México, Los Angeles). Cidades muito planas favoráveis a alagamentos, como nossas belas cidades do agronegócio, sugerem a compacidade e o consequente adensamento para redução da área de captação das chuvas.
          Densidades muito baixas se referem à cidades com infraestrutura ociosa. Para estas sempre falaremos em aumentar a densidade urbana ao menos como forma de reduzir os custos operacionais da cidade. Por isto a Lei do Uso e Ocupação do Solo Urbano de Cuiabá em 1997 adotou o paradigma de “crescer para dentro”, como estratégia para a ocupação de seus espaços vazios e otimização da infraestrutura existente. A mim a estratégia continua correta. Mas, adensar até quando? Até quando a curva do custo operacional da cidade cruzar com a das deseconomias ou desconfortos urbanos, dependendo do estudo de cada caso. A grande maioria das cidades brasileiras está muito longe disso e o imperativo do adensamento racional deve permanecer, acompanhado dia a dia pelos profissionais competentes. Mantidos o atual perímetro e o ritmo oficial subestimado de crescimento populacional, Cuiabá levaria cerca de 80 anos para dobrar sua densidade. Mesmo assim, ainda que lento, é melhor reduzir custos do que aumentar.
     Sem esquecer a dimensão política, a cidade é um objeto técnico complexo que se transforma cotidianamente e deve ser tratada tecnicamente de forma sistemática e permanente. Espero que uma das grandes transformações trazidas pela pandemia seja a do próprio homem na sua forma de ver a cidade e o Urbanismo, sua ciência. E em especial transforme a nós próprios, arquitetos e urbanistas, para que assumamos enfim a responsabilidade de protagonistas como orientadores do cidadão na construção da cidade, sua grande casa e seu bem maior.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

OS RATOS DE OSWALDO CRUZ

                                                                                      Revista História Ciências Saúde Manguinhos

José Antonio Lemos dos Santos
     Conta a história que no começo do século passado o Rio de Janeiro era assolado pela peste bubônica transmitida pela pulga dos ratos, e o grande sanitarista Oswaldo Cruz, ainda jovem, mas já responsável pela Saúde Pública na então capital federal, adotou como uma de suas principais medidas a compra dos animais mortos, pagando ao cidadão um preço razoável por unidade. Sem dúvida, em tese uma ótima estratégia com perspectivas de excelentes resultados. Só que o jovem doutor não contava com a criatividade nacional. Logo descobriu que a medida havia desencadeado uma “cadeia produtiva” que ia de produtores de ratos, a importadores, passando por toda uma gama de intermediários.
     Aparecerem aqueles que compravam os bichinhos do povo e os revendiam ao governo, levando um lucrozinho na transação. Inclusive é contada a história de um destes “empresários” que ficou conhecido apenas pelo nome de “Amaral” que criou uma verdadeira rede de compra de ratos pela cidade, ficou milionário e acabou preso. Pode até ter tido a boa intenção de facilitar a implantação da ideia do governo criando uma “economia em escala”, já que a cidade já era grande e parte da população poderia ter dificuldades para acessar os pontos de compra do governo. Virou figura popular, personagem de charges e música de carnaval. Não sei que fim levou, nem se entrou para a política depois de solto. Houve também casos daqueles que importavam ratos de outros municípios, bem como os que montaram verdadeiros criatórios de ratos pela cidade. Assim, uma boa ideia acabou sendo distorcida. Se bem aplicada poderia ter reduzido o período em que a epidemia prevaleceu na cidade e o número de mortes resultante.
     Episódio semelhante teria acontecido na Índia, durante o período do domínio britânico. Não sei se foi antes ou depois do caso de Oswaldo Cruz. O problema lá foi com uma proliferação de serpentes que se espalharam pelas cidades colocando em risco a população, tantos os nativos quanto os britânicos. É claro que o governante teve que tomar providências e a principal delas foi a compra das cobras com o governo pagando um preço atraente por exemplar entregue pela população. Adivinha o que aconteceu? Exatamente o que aconteceu no Rio. Só que ao ser suspensa a política pelo governo, a população abriu os criatórios e as cobras se espalharam em quantidades superiores às de antes. A criatividade então não seria privilégio brasileiro.
     O mundo luta hoje contra a pandemia da Covid-19. No Brasil, qualquer que fosse o governo federal, a medida preventiva primordial seria a declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública, preparando as estruturas governamentais para os procedimentos rápidos necessários ao tratamento da grave ameaça que se avizinhava. A necessidade de repatriação urgente de brasileiros moradores da cidade de Wuhan, na China, epicentro mundial da contaminação, talvez tenha apressado a emissão da tal declaração de Emergência que veio pelo Decreto do dia 4 de fevereiro, antes da comprovação de qualquer caso em território brasileiro. Parecia que tudo estava bem encaminhado.
     Contudo entre as medidas agilizadoras do Estado de Emergência estava a contratação emergencial sem licitação, ou seja, a liberação para aquisição de bens e serviços sem licitação. Traduzindo: bilhões em hospitais de campanhas para construir; respiradores e testes para comprar. Depois o governo decidiu remunerar em dobro os leitos em UTI’s destinados ao Covid-19 em relação aos ocupados por outras enfermidades. Daí, tal como no caso dos ratos de Oswaldo Cruz ou dos indianos, a praga virou oportunidade aos “amarais” de hoje. E a Covid-19 matadora cruel passou de foco a pretexto, enquanto o povo morre.

Ouça a marchinha da época do site da FioCruz:
https://www.bio.fiocruz.br/images/marchinha-ratos-ratos-ratos.mp3

segunda-feira, 15 de junho de 2020

CONTANDO VIDAS

                                           Uma nova alvorada                               (Foto: Felício)
José Antonio Lemos dos Santos
     A tragédia continua e a dor ainda é muita, em especial por estas bandas de cá, Mato Grosso, com a população apreensiva com o súbito aumento no número de infectados e de óbitos chegados numa onda retardada da pandemia que avança pelo coração do Brasil. Em um primeiro momento dava a impressão de que a praga por aqui pudesse ser menos cruel. Qual o que, os números avançam e os cuidados pessoais e sociais precisam atenção especial. Entretanto, aqui quero tratar de esperança, só de esperança, mesmo que ainda como uma tênue luz a brotar no horizonte dos números gerais nacionais da pandemia, como um possível bálsamo em meio a tanta dor.
     Ninguém morre na véspera diz o velho ditado. E nem no dia seguinte, talvez fosse um complemento válido. Porém, contrariando a sabedoria popular, a burocracia do Ministério da Saúde desde o início da pandemia vinha utilizando uma forma de contabilização dos óbitos no mínimo estranha, sem dúvida equivocada e, pior, aterrorizante. Recorro ao meu artigo de fins de abril passado UM IDIOTA NA PANDEMIA, quando reclamei do assunto. Ora, sob alegação de dificuldades na análise técnica dos óbitos, muitos destes ficavam para trás e divulgados posteriormente, com atrasos constatados em mais de 50 dias.
     Só que, absurdo, vinham sendo lançados no último dia da contagem, sob o título de “óbitos registrados nas últimas 24 horas”, o que dava a entender ao cidadão, que aquele era o número de mortes ocorrido de fato naquele dia, quando na verdade, a grande maioria destas ocorreram em dias anteriores não especificados. Além de gerar um clima de pânico na população, falseava as estatísticas, a ponto de se poder prever que passada a última morte real causada pela covid-19 no Brasil, ainda sobrariam óbitos a serem lançados nas estatísticas brasileiras. Ou seja, a pandemia oficial brasileira só terminaria após seu fim real.   Evidente que cada morte tem seu dia, e deve ser respeitado como um direito natural do homem, como sua data de nascimento. Sendo mesmo inevitáveis esses diagnósticos atrasados, pois então que fossem lançados na data de cada óbito, numa distribuição menos concentrada e distorcida, além de mais fidedigna à realidade e menos apavorante.
     No dia 29 de maio assisti a uma exposição do Ministério da Saúde em que se tratava do assunto mostrando inclusive uma nova forma de apresentação na qual em um gráfico simples de se entender eram mostrados de forma distinta os óbitos ocorridos de fato em suas datas de lançamento e os lançados posteriormente, mas cada um em sua respectiva data de ocorrência. Perfeito. Aguardo a mudança. De fato, algum tempo depois, ainda que no jeito atabalhoado deste governo se comunicar, quase sempre gerando polêmicas evitáveis, foi anunciada a mudança na forma de apresentação dos dados da pandemia. Aleluia! A meu ver ficou muito mais completo e compreensível.
     Quanto ao gráfico com os óbitos em seus respectivos dias, ainda não foi disponibilizado até está segunda-feira quando escrevo o artigo, mas vi em entrevista o ministro falar bem sobre ele, justificando o atraso por estar em fase final de ajustes.
     De qualquer forma, ficou tão melhor a apresentação que seu gráfico “Número de óbitos por semana endêmica”, mostrou com clareza que a semana passada foi a primeira a registrar um número de óbitos inferior à anterior, ou melhor, menor que as duas semanas anteriores, poupadas 306 vidas preciosas. Uma grande notícia não noticiada. Será apenas um momento de alívio nesta desgraceira toda? ou uma expectativa que já pode ser pensada como tendência? ou a esperança de que em breve passaremos a contar vidas, vidas poupadas, ao invés de mortes?

segunda-feira, 8 de junho de 2020

MEIO AMBIENTE, O RETORNO DA PARTÍCULA

Lixo espacial - Nossa Ciência
                                         Lixo Espacial  (imagem: nossaciencia.com.br)
José Antonio Lemos dos Santos
     Segundo Erich Fromm, um dos fundadores da psicanálise moderna, o surgimento do homem se dá no momento em que ele perde seu equilíbrio com a Natureza, simbolizado pelo autor na imagem da expulsão do Jardim do Éden com dois anjos com espadas de fogo impedindo-lhe a retorno. A partir daí vive em constante busca por esse equilíbrio perdido. Em Gordon Childe esse momento poderia ser identificado na crise de aquecimento vivido pelo planeta do plistoceno para o holoceno, na passagem da Selvageria para a Barbárie, quando, segundo ele, o homem deixa de ser “parasita” da Natureza para ser seu “sócio”.
     Sendo ao nascer, ainda segundo Fromm, carente de adaptação instintiva à Natureza, o homem é o que precisa de muito mais tempo de proteção dentre os animais. Tinha tudo para dar errado, porém, se espalhou por toda a superfície da Terra e ainda avança buscando expandir-se fora dela. Sua evolução se baseia no fato de haver deixado sua origem, a Natureza, e jamais poder voltar a ela, restando-lhe um só caminho: “encontrar uma nova pátria — criada por ele ao tornar o mundo humano e ao tornar-se humano também”, conforme o autor. Tem que transformar o mundo para sobreviver, e nisso, também é transformado.
     O grande problema humano e ao mesmo tempo o grande propulsor da humanidade está na necessidade de encontrar soluções para seus gargalos de subsistência não mais solucionáveis naturalmente, desafios estes sempre renovados pois cada solução encontrada gera um novo problema de ordem superior. Resolve a demanda da fome e aumenta a população que por sua vez exigirá a produção de mais alimentos. Sem a casinha nas costas, resolve o problema do abrigo, aumentando as condições de sobrevivência, reduzindo óbitos e gerando a necessidade de mais moradias, mais cidades para mais gente.  Sem asas, resolve o problema das distâncias com o avião e o automóvel criando o engarrafamento e a poluição. A cada superação mais avança sobre a natureza e mais transforma seu ambiente natural. A cada sucesso o homem atinge um nível superior de problema e de evolução tecnológica, tecnologia condutora e conduzida, sua filha prendada e madrasta nesse processo. Ou como na velha charge do burro puxado pela cenourinha que lhe vai à frente, presa a uma vara em seu próprio dorso.
     De parasita a sócio, em 10 mil anos de transformações o homem chegou a se arvorar a dono absoluto da Natureza na tentativa de fazê-la escrava, senhor de poder irrestrito ilusório para transformar o próprio ambiente a seu bel prazer.  E começou a receber de volta duras lições das quais começa a aprender que se por um lado em sua origem ele deixou a Natureza enquanto animal, por outro lado ele ainda está nela como sua grande mãe, a Mãe-Terra, Gaia, já identificada pela mitologia grega a mais de três mil anos, ou a “óikos” da Ecologia moderna. Não pode maltratá-la sem maltratar-se também.
      A evolução humana, porém, ampliou em muito a presença transformadora do homem por sobre todo o planeta e já arranha as bordas do espaço sideral, com estação espacial, satélites, e outros objetos e seu consequente lixo espacial, instigando estas reflexões em mais um Dia do Meio Ambiente. A situação atual conduz a percepções mais amplas que a do simples âmbito local, urbano, regional, de biomas ou bacias, ou planetário e exige uma reconsideração da Natureza em sua abrangência universal, ou seja o homem inserido racionalmente no dinamismo cósmico como uma de suas partículas mínimas, entretanto protagonista da grande transformação permanente, sem esquecer a eterna busca do reequilíbrio perdido. Apesar das espadas de fogo.
NOTA: Este artigo foi publicado em alguns sites como o título MEIO AMBIENTE E A REINSERÇÃO DA PARTÍCULA.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

A PRAÇA E A DEMOCRACIA

                                                                              (Imagem:cultura.df.gov.br - marcação adicionada ) 
José Antonio Lemos dos Santos
     A Democracia surgiu na ágora grega, uma praça na parte baixa das cidades gregas clássicas, onde os cidadãos se reuniam e escolhiam seus representantes no governo. Não trato aqui de política partidária ou ideológica, mas de Política Urbana, esta com “p” maiúsculo, destacando a amplitude do Urbanismo como ciência que vai muito além do conjunto construído, uma de suas dimensões, a mais visível. Servem de pretexto as manifestações públicas que ocorrem neste momento difícil pelo qual passa o Brasil na Praça dos Três Poderes, em Brasília, ela própria uma cidade cheia de simbolismos criados por sua população ou aqueles projetados por seu urbanista criador, Lúcio Costa.
     Vale lembrar o próprio Lúcio Costa explicando o partido urbanístico de Brasília, a ideia inicial, com o próprio sinal da cruz – um símbolo, como o “gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse de uma terra” - outro símbolo, objetivo maior do presidente JK para a construção da nova capital. Cumpria o presidente determinação de todas as constituições republicanas brasileiras, de 1981 a 1946. A grande motivação era a ocupação territorial brasileira quase que exclusivamente litorânea, alvo fácil para ataques externos e, pior, relegando o interior do país. Brasília é a concretização dessa decisão geopolítica com imediata repercussão positiva em todo interior brasileiro. Cuiabá é um bom exemplo desta decisão acertada.
     Os dois eixos da cruz original foram acomodados às curvas de nível arqueando ligeiramente um deles dando sua forma, popularizada como a de um avião. Em uma extremidade do eixo reto, o Eixo Monumental, o urbanista instalou em um triângulo as sedes dos poderes representativos do governo federal, que chamou de Praça dos Três Poderes, com o Executivo e o Judiciário nos vértices de sua base enquanto que o Legislativo, representativo do povo, ficou em posição destacada no vértice de frente para a cidade em um plano mais elevado. Entre eles, interligando-os independentes de forma harmoniosa e bela, a Praça dos Três Poderes para o povo, verdadeiro poder maior da Nação, do qual emanam todos os demais poderes. Quanto simbolismo!
     Ademais, a sede do Congresso Nacional, como poder representativo do povo também deveria ocupar o edifício mais alto da cidade – outro símbolo, decisão esta que gerou polemica durante o chamado período militar e depois com a redemocratização do país. Os militares não aceitaram que o edifício do Congresso fosse o mais elevado e edificaram um mastro para a Bandeira Nacional com altura superior, simbolizando a ideologia vigente: Brasil acima de tudo. Durante o processo de redemocratização este simbolismo voltou a ser questionado e o mastro foi alvo de críticas e promessas de demolição. Resistiu.
     A principal função da Arquitetura, e do Urbanismo como uma de suas principais especializações, é a transformação do espaço em abrigo de acordo com a necessidade do homem, seu usuário. Sua máxima realização se dá na realização exitosa desta relação espaço/usuário. No caso da Praça dos Três Poderes com o povo fazendo uso de seu espaço expressando sua indignação ou aprovação, repulsa ou aplauso ao funcionamento dos Poderes da República. Arquitetura sem gente é escultura. Geralmente as manifestações têm ocorrido na Esplanada dos Ministérios, cuja destinação não é bem esta e o povo some em sua monumentalidade. Pela primeira vez vejo a Praça dos Três Poderes funcionando como idealizada. Pena que em um dos momentos mais dramáticos da história brasileira. Mas é em horas como esta que o povo deve estar lá, ocupando seu espaço, o espaço especial para o maior de todos os poderes, aquele que dá origem e sentido aos demais.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A HISTÓRIA DE UM ANIVERSÁRIO



Bandeira de Mato Grosso foi uma das primeiras do período ...
                                                                                        (Imagem g1.globo.com)
José Antonio Lemos dos Santos
     Nestes tempos de pandemia é melhor a gente que já passou dos 35 colocar a barba de molho e ir compartilhando aquilo que porventura um dia possa ser útil e ainda não foi compartilhado. É o caso da história da instituição do dia 9 de maio como efeméride estadual comemorativa do aniversário de Mato Grosso, que neste ano festejou seus 272 anos. Aliás, o intento original deste artigo era enaltecer o aniversariante como faço quase todos os anos, contando um pouco de sua história, destacando suas riquezas e por fim saudando seus tempos atuais como uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta.
     Entretanto, ao invés de repetir esta versão laudatória de todos os anos, optei por contar essa história da própria criação do aniversário de Mato Grosso, uma história conhecida por poucos. Na verdade, contar a parte que conheço dela e que certamente será complementada por outros que a conhecem e até mesmo foram seus protagonistas também. O interesse especial desta história está em sua construção democrática, espontânea, desenvolvida a partir de um punhado de cidadãos reunidos em total discrição através da Internet e que com um ano ou mais de pesquisas individuais e debates de alto nível, chegou à sensibilização política e governamental indispensáveis à concretização legal da proposta.
     O que muitos jovens talvez desconheçam é que até a bem pouco tempo não existia uma data comemorativa oficial ou extraoficial para o aniversário de Mato Grosso. Confundia-se um pouco com o aniversário de Cuiabá, cuja fundação lhe é anterior, confusão esta que expressava uma forte relação umbilical então existente entre o estado e sua capital, mas que foi sendo ameaçada à medida da ocupação do território estadual pela muito salutar imigração oriunda das mais díspares regiões brasileiras com outras culturas e costumes, ainda quase sem qualquer contato com a história da nova terra em que se instalava.
     As conversas sobre uma data para o aniversário de Mato Grosso começaram, como já disse, com a recém-nascida Internet em um grupo de discussão por e-mails chamado “defesadematogrosso” criado na virada do século, integrado por mato-grossenses de coração, natos ou não, jovens e menos jovens, entre os quais o deputado que veio ser o autor da futura lei e alguns hoje já falecidos, todos preocupados com a integração e unidade estadual em risco. A estratégia imediata foi, ao invés de discutir as diferenças entre os antigos e os novos moradores, buscar o que poderia haver de comum entre estes grupos tão diferentes por fora, com força suficiente para uni-los? A resposta: o imenso, rico e belo território mato-grossense e o hercúleo desafio de continuar sua transformação na grande casa de todos, Mato Grosso, com qualidade de vida, justiça social, ambiental e cultural crescentes.
     Depois de muitas discussões e até algumas incisivas desavenças, chegou-se ao dia 9 de maio de 1748 como o marco zero da enorme construção a ser prosseguida por todos que é Mato Grosso, data em que o Rei de Portugal Dom João V assinou Carta Régia criando duas Capitanias, “uma nas Minas de Goiás e outra nas de Cuiabá”. Esta proposição brotada espontaneamente no seio da cidadania foi transformada na Lei 8.007/2003, de 26 de novembro de 2003. Quis a providência histórica, ou divina, que a autoria da referida lei fosse do então deputado João Antônio Cuiabano Malheiros, cuiabano até no nome, e sancionada por um dos novos mato-grossenses imigrados, o então governador Blairo Maggi. E a Capitania das Minas de Cuiabá virou Capitania de Mato Grosso e agora é o Estado de Mato Grosso, esse gigante produtivo que alimenta o mundo, orgulho de seus habitantes.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

URBANISMO E PÓS-PANDEMIA


Isolamento social é prorrogado; confira as medidas adotadas ...
            Centro Cuiabá na quarentena (Foto:Diário de Cuiabá)
José Antonio Lemos dos Santos
     A ação síntese da Arquitetura é a transformação do espaço em abrigo de acordo com as necessidades do Homem. Vitrúvio, arquiteto romano do primeiro século depois de Cristo, explicitou que esta transformação deveria ser acompanhada de três condições conhecidas como Tríade Vitruviana: Firmitas, Utilitas e Venustas, traduzidas grosso-modo como Segurança, Funcionalidade e Beleza. Vale destacar a essencialidade do abrigo para a vida humana, sem ele o Homem não sobrevive, e é tão essencial como a alimentação. Pior pois ele não nasce com a casinha nas costas e nem sabendo como construir seu ninho. O Homem teve que inventar a Arquitetura e aprender a fazê-la e reinventá-la de acordo com a evolução de suas necessidades.
     O Urbanismo é uma visão ampliada da Arquitetura. Da mesma forma visa a transformação do espaço em abrigo para o Homem, só que para suas relações urbanas, um estágio da evolução humana alcançado com o surgimento das atividades especializadas livres da produção de subsistência, exigentes da criação de um novo tipo de espaço para abrigá-las e que veio a se chamar cidade, a maior, mais importante, mais complexa e a melhor sucedida das invenções humanas. Porém, a evolução do Homem em seus processos de urbanização e metropolização acelerados atingiu níveis de complexidade tais que hoje a problemática urbana é tida como o principal desafio do Século XXI. Mais que nunca o Urbanismo se apresenta como uma ciência essencial para a existência humana assim como a própria cidade, com mais da metade da população do planeta vivendo nelas. Contudo, o Urbanismo, o urbanista e seus planos não são reconhecidos em consonância com a premência da problemática que trabalham, de maneira muito especial no Brasil.
     Importante destacar que as necessidades de abrigo humano são históricas, isto é, evoluem e se sofisticam com o tempo agregando ao Urbanismo e à Arquitetura um caráter evolutivo constante. Assim, o Urbanismo no mundo em sua essência será o mesmo na pós-pandemia, isto é, continuará sua função de buscar soluções espaciais adequadas para os problemas urbanos, só que agora com os novos colocados pelo vírus, ou redimensionados por ele, mas contará também com novos recursos tecnológicos testados à exaustão na quarentena como o “home office”, as videoconferências e o comércio por aplicativos, e muitos outros. 
     Quanto ao Brasil, aqui sim tenho esperança de grandes mudanças, começando pelo começo, isto é, que finalmente a ciência do Urbanismo chegue ao país com seus profissionais e seus planos sendo respeitados e aplicados em benefício de toda a população de forma concreta e não apenas para a construção de algumas poucas cidades oficiais e empresariais, ou como exercício intelectual, comercial ou político distantes de suas finalidades originais. Produtos da evolução histórica, as cidades normais também evoluem e são objetos em constante construção que precisam ter o Urbanismo constantemente ao seu lado com acompanhamento e orientações técnicas em todos os seus setores. Hoje no Brasil isso acontece em 5 ou 6 de suas cidades e o resto é abnegação dos profissionais da área, em número e condições muito aquém das necessidades, quando existem. E que a nova abordagem urbanística que vier privilegie a questão da moradia digna, primordial para a vida do Homem e um de seus Direitos Fundamentais, tratada hoje como simples produção de “casinhas” destinadas antes a movimentar a economia do que garantir qualidade de vida para a população. A Covid-19 veio demonstrar que o problema da moradia não resolvido transborda e coloca em risco a todos. A cidade, o objeto do Urbanismo, que ajudou a Humanidade a dar saltos de qualidade, não pode virar seu carrasco.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

UM IDIOTA NA PANDEMIA

Cuiabá na Quarentena (Foto: arquiteto Mario Gomes Monteiro)
José Antonio Lemos dos Santos
O título poderia ser idiotas, no plural, pois tem muita gente boa como “bobó lelés” angustiados como eu com os números oficiais do covid-19 no Brasil. Sou daqueles que não gostam de andar de passageiro em acontecimentos que nos envolvem. Procuro sempre estar informado, pesquisando para me balizar sobre o que está acontecendo, em que rumo seguimos, quais riscos ou potencialidades podem estar à nossa frente. A terrível pandemia nos assola, apavora e vem nos impondo sacrifícios diversos, econômicos, sociais e familiares.
     Fato é que resolvi acompanhar para meu consumo a pandemia em nosso país coletando alguns dados mais significativos sobre sua evolução, e até de outros países para efeito comparativo. A primeira dificuldade foi escolher quais seriam estes dados principais e mais confiáveis em um país  com uma burocracia lerda, despreparada para  acompanhar a velocidade da covid-19, carente de pesquisas e levantamentos adequados,  que convive com erros comuns sem dolo, mas considerando estes tempos de radical polarização político-ideológica, é obrigado também a se precaver contra dados errados intencionalmente para favorecer esta ou aquela “narrativa”, palavra da moda.
     Escolhi o número de óbitos como o principal dado para o meu acompanhamento. Um dado também não confiável, considerando os riscos de super ou de subnotificações, conforme me alertam os amigos e parentes que compartilham estas preocupações. A escolha se deu porque diante das possibilidades de problemas nas notificações, seria dificílimo ocultar uma quantidade de óbitos significativa para um país com mais de 210 milhões de habitantes. Outro fator que ajudou na escolha foi a pandemia no Brasil ter começado pela classe média, que, via de regra, é bem informada e dificilmente deixaria de cobrar a informação oficial sobre o desaparecimento de um ente querido. Um outro fator a favor da escolha é a fantástica câmera do celular. Depois dela, não existe mais segredo, tudo é bisbilhotado e imediatamente compartilhado.
     Pois não é que através de um artifício burocrático conseguiram esconder os óbitos em grande quantidade? Sob a alegação de atraso na análise final dos corpos para definir a “causa mortis”, deixam sempre uma quantidade de óbitos em suspenso aguardando sua liberação, e quando liberados, são lançados como ocorridos no último dia publicado. E esta prática vem desde o começo da pandemia. Ademais, não informam quantos dos óbitos ocorreram de fato naquele dia, o que acaba falsificando as estatísticas, que deveriam ser boas representações da realidade. Pior ainda, levanta a suspeita que estes óbitos atrasados possam ser lançados de forma fraudulenta em dias convenientes, para reduzir ou aumentar o número de vítimas. Caso sejam mesmo inevitáveis esses diagnósticos atrasados, pois então que sejam lançados na data de cada óbito, numa distribuição mais suave e fidedigna à realidade.
     Este artigo foi pensado ainda gestão Mandetta, mas com sua troca por outro tido como técnico de alta capacidade acreditei que o problema fosse corrigido. Ficou na mesma. No último dia 23, por exemplo, o Ministério da Saúde afirmou em nota oficial após a coletiva, que dos 407 óbitos divulgados naquele tarde, o recorde de óbitos para um dia com quase o dobro de mortes do recorde anterior, “112 ocorreram nos últimos três dias e os demais (295) antes desse período”. Ou seja, no dia do recorde anunciado pode até não ter havido sequer um óbito. E eu, idiota, apavorado como o Brasil inteiro com falsos números crescentes nos óbitos diários, alardeados como se fossem do dia. Mas, o mais difícil é não poder abraçar os netinhos.

terça-feira, 21 de abril de 2020

OS 600 (ISSO!) ANOS DE BRASÍLIA

Brasília ostenta altos níveis de desigualdade, diz pesquisa ...
Brasília e as perspectivas monumentais  (Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br)

José Antonio Lemos dos Santos
     Em 1420, seiscentos anos atrás, foi iniciada a construção da cúpula da igreja Santa Maria del Fiore, em Florença, um desafio que o engenho humano não tinha conseguido resolver até aquele momento. E esta evolução técnica se deu graças a Filippo Brunelleschi, originalmente um joalheiro que precisou de muito esforço para mostrar ser capaz de construir a grandiosa cúpula e ser comissionado para construí-la. Ao final não só construiu a cúpula, mas com ela marcou o início do Renascimento na Arquitetura e fixou as bases do que é hoje o projeto arquitetônico. A sua nova maneira de projetar estabeleceu que qualquer obra deve ser definida em todos os seus detalhes antes de construída, algo tão óbvio hoje que parece ter sido sempre assim.
     Em seguida vem Alberti, um quase contemporâneo que levou o mesmo raciocínio para a cidade, considerando-a uma “grande casa”, portanto um edifício também sujeito à maneira de projetar de Brunelleschi, ou seja, a cidade também deveria ser concebida totalmente antes de ser construída. Surge então o urbanismo clássico com suas formas geométricas engenhosas, as cidades-estrêla, as perspectivas monumentais, o monumento alvo, etc. Brasília é assim, séculos depois, genialmente concebida “in totum”, tal como na fórmula inicial renascentista, um objeto pré-definido em todos os seus detalhes.
     Aconteceu que os próprios renascentistas não tiveram chances de aplicar a pleno suas teorias urbanísticas. A Europa vinha de um período de longas guerras e epidemias, sem demanda para novas cidades. Quando havia, resumia-se a pequenos arranjos em função das guerras religiosas, defesas militares e portos comerciais. Fora isso, só intervenções em cidades já existentes, reformas ou ampliações, não chegando a ver suas ideias aplicadas em uma nova cidade de porte significativo. Teriam que esperar Brasília, a coragem política de JK, a genialidade de Lúcio Costa e a força do trabalho do povo brasileiro. Porém, do século XV até a construção de Brasília muita coisa aconteceu na história do mundo e no desenvolvimento do urbanismo.
     Arriscando um resumo, nesse ínterim a grande inflexão histórica foi a Revolução Industrial com transformações sociais e descobertas científicas. A urbanização é acelerada e os problemas da recém nascida cidade industrial forçam, no meio do século XIX, o surgimento de novas propostas no urbanismo, como as dos socialistas científicos e utópicos, e as leis sanitárias de Londres e Paris. Logo surgem a Cidade Industrial de Garnier, a Cidade Linear de Soria, a Cidade Jardim de Howard, a “unidade de edificação” de Berlage e a “unité d´habitation” de Le Corbusier, como um cadinho efervescente preparando uma solução contemporânea para a nova cidade que surgia. Enfim, abraçando todo esse substrato de proposições históricas, é elaborada em 1933 a Carta de Atenas, documento mestre do Urbanismo Modernista.
     Brasília é a materialização da Carta de Atenas e a realização maior dos fundamentos do urbanismo renascentista, indispensável à sua crítica essencial como em sua natural superação pela própria dinâmica da História e da prática do urbanismo posterior. Brasília é resultado do pensamento urbanístico acumulado, em especial do Renascimento até sua concepção e constitui com muita justiça um dos mais autênticos e expressivos patrimônios da humanidade. Tivesse sido europeia, seria melhor considerada pela cultura oficial brasileira. Brunelleschi e Lúcio Costa formam o alfa e o ômega desse processo que completa 600 anos e precisam ter seus nomes devidamente reavaliados nos momentos históricos que ajudaram a construir e nos quais foram os principais protagonistas, contudo marginalizados, senão esquecidos.   

segunda-feira, 20 de abril de 2020

CUIABÁ 320-19

CAPITANIA FLUVIAL DO PANTANAL CHEGA A CUIABÁ-MT | CFPN
                Rio Cuiabá      (Foto: Marinha do Brasil)
José Antonio Lemos dos Santos
     Uma cidade não dá no pé como caju ou goiaba. A cidade é uma invenção humana, aliás, a maior, a mais importante, a mais bem sucedida e, também, a mais complexa. Ela é um objeto construído pelo homem, normalmente edificada a cada dia pelos seus donos, os cidadãos, numa obra sem fim, um grande e permanente canteiro de obras. Ao contrário do que parece, não são os governos que constroem a cidade normal e saudável. Ela é construída aos poucos e cotidianamente pelo cidadão, do mais simples ao mais poderoso; aos governos cabem as obras comuns de infraestrutura, bem como sua ordenação, através do planejamento e controle dessa grande obra.
     Assim é Cuiabá, nascida à beira de um corguinho chamado Ikuiebô,  o “córrego das estrelas” para seus habitantes originais, os Bororos, pelas pepitas que faiscavam em suas margens à luz da lua. A monumental Enciclopédia Bororo dos Salesianos ensina que a cidade recebeu o nome das pedras que ainda hoje ficam na foz deste mesmo corguinho, agora um canal de esgoto sob a grande avenida Coronel Duarte, a popular Prainha, e que eram chamadas pelos autóctones de Ikuiapá, lugar onde se pesca com flecha-arpão. Já existiam ocupações anteriores nas regiões do São Gonçalo Beira-Rio e do Coxipó do Ouro, hoje áreas dinâmicas e integradas da cidade, embora na época distantes e em decadência pela descoberta do ouro às margens do Ikuiebô.
     E ela floresceu formosa, mãe de cidades e estados, mãe do próprio Mato Grosso. O aniversário de Cuiabá deveria ser também o aniversário deste “Ocidente do imenso Brasil”. Sobreviveu a duras penas, forjando uma gente corajosa e sofrida, mas alegre e hospitaleira, dona de rico patrimônio cultural e com proezas que cobram mais carinho dos historiadores. Cuiabá hoje vibra em dinamismo, globalizada e provinciana, festeira e trabalhadora, centro de uma das regiões mais produtivas do planeta, agora abalada com o mundo pela covid-19.
     Mas Cuiabá que já venceu males maiores como a varíola e a gripe espanhola, vencerá mais esta, seguindo vibrante na construção do seu futuro a ser planejado e controlado em favor do bem comum, para que a soma do trabalho de cada um na grande obra urbana resulte numa cidade cada vez mais bela, justa, confortável, segura e ambientalmente sustentável, com padrões crescentes de qualidade de vida. Neste processo, 2020 é especial pelas eleições municipais previstas, que mesmo ameaçadas pela pandemia, serão um tempo para a sociedade pensar seu futuro, eleitores e candidatos.
     Para o Tricentenário, a cada ano escrevi artigos em contagem anual regressiva a partir do 290º aniversário da cidade. Passados os 300 anos, Cuiabá deveria adotar um novo marco a ser alcançado, por exemplo o seu 320º aniversário, um prazo de 20 anos, horizonte mínimo para o planejamento de uma cidade e um tempo com alguma chance de alcançar com meus artigos. Neste período além de metas macro como o resgate do Sistema de Municipal de Desenvolvimento Urbano, um urgente e agressivo plano de recuperação econômica pós pandemia, a otimização da infraestrutura, o ajustamento da malha viária através dos padrões geométricos mínimos de cada via e a desocupação digna das áreas de risco, poderiam ser incluídos também projetos específicos perseguidos a tempos pela cidade metropolitana, entre estes a revitalização do Centro Histórico, a ferrovia, o Rodoanel, o centro cultural sul-americano, a internacionalização do aeroporto e seu hub aeroviário, a distribuição do gás e a consolidação da Região Metropolitana como principal polo de verticalização da economia do estado. E por que não um time na série “A” do brasileirão? 20 anos dá? Agora só faltam 19.

domingo, 12 de abril de 2020

EXPECTATIVA OU ESPERANÇA

Decoração com girassol: cafona ou não? Confira 10 curiosidades sobre a planta (Foto: Getty Images)
Girassol, energia positiva e boa sorte            (Foto: Casa Vogue)

José Antonio Lemos dos Santos
     Antes de tudo, que os números alvissareiros apresentados aqui reforcem a necessidade de continuarmos seguindo as recomendações oficiais brasileiras sobre o assunto. Tais números são só um alento a todos nós mostrando que os sacrifícios vividos neste quase um mês de quarentena e outros procedimentos parecem estar dando certo e podem, podem, destaco, durar menos do que o projetado inicialmente pelos cientistas. Ainda é muito cedo para a confirmação de qualquer tendência, mas os números dos últimos dias referentes à pandemia no Brasil têm sido promissores, só isso. Podem ser vistos como alguma esperança que surge em meio a tantas notícias ruins, mas também pode ser que hoje a situação se inverta com os números da tarde. Deus queira que não.
     Outra consideração inicial: Não quero me referir nem estou me referindo a pessoas, políticos ou autoridades públicas. Passo aqui longe de política, em especial as visando as próximas eleições. Nem a remédios, tipos de quarentena, hipóteses sobre clima, formas de tratamento, etc. Qualquer ilação que vá além dos números e das operações simples de aritmética, das quatro operações e da regra de três que aplico, fica por conta do leitor. E espero que o ajude. Uso basicamente os dados que o Ministério da Saúde vem disponibilizando todas as tardes por volta das 17 horas (hora de Brasília).
     Com todo o respeito aos familiares dos falecidos, e mesmo parecendo um absurdo, são promissores o número de 68 óbitos registrados de anteontem (10/04) para ontem (11/04). Tento explicar. Ontem foram 68, mas anteontem foram 115, ou seja, 47 mortes a menos em um dia, ou de outra forma, 47 vidas poupadas em um dia nesta mortandade que assistimos. Nos dias imediatamente anteriores foram 141, 133 e 114 óbitos, respectivamente. Ou seja, de forma clara o número de mortes reduziu significativamente nestes últimos dias. Esta é a boa notícia que não é destacada no noticiário e fica despercebida ajudando a deprimir a população em meio a tantos sacrifícios. Consequentemente, o percentual de crescimento do número de mortes por dia também caiu de 20,6% para 20%, para 17,6%, para 12,2% anteontem e 6,4% ontem. São bons números em meio à tragédia. A comparação com a evolução da pandemia em outros países, por exemplo com a Itália e Espanha também nos permite no momento alguma redução nas dramáticas perspectivas iniciais para o Brasil. Sigo torcendo e orando para que os números de hoje à tarde (12/04) continuem nesta trajetória ajudando a configurar no Brasil uma tendência firme no rumo do fim das mortes por esta pandemia. Tendência que ainda não pode ser confirmada e, portanto, vamos continuar seguindo as orientações oficiais com a mesma atenção. 

terça-feira, 7 de abril de 2020

PRETO CLARO OU CINZA ESCURO

Decoração com girassol: cafona ou não? Confira 10 curiosidades sobre a planta (Foto: Getty Images)
Girassol, energia positiva dos sol e boa sorte   (Foto: Casa Vogue)

José Antonio Lemos dos Santos
     Houvesse apenas um óbito e já seria motivo para todo nosso respeito e lamentação. Assim, considerar como notícia auspiciosa as 54 mortes de brasileiros pelo covid-9 de sábado para o domingo passado, só faz sentido tendo como referência os 73, 60 e 58 óbitos dos dias imediatamente anteriores, ou se em relação à taxa de crescimento diário do total de mortos que chegou aos surpreendentes 12,5% neste mesmo fim de semana, muito inferior à série também decrescente de 20%, 20% e 24% dos dias anteriores.
     Não sou especialista na área, porém como um dos bilhões de habitantes do planeta angustiados com esta pandemia, e como um septuagenário em aparente gozo de minhas faculdades mentais, aqui de minha quarentena absoluta de quase 20 dias, penso ter o direito de compartilhar esta fresta de esperança vislumbrada nos números deste último fim de semana. Esperança pode até não passar de uma quimera e se esvanecer antes mesmo deste artigo ser publicado. Contudo sempre traz uma perspectiva de ser real. E a ela me agarro hoje.
     Algo de novo e bom estaria acontecendo, mas que por razões desconhecidas os donos do mundo não querem fazer chegar ao conhecimento dos reles mortais? Por exemplo, o sempre eficiente e hoje famoso remédio para malária, a hidroxicloroquina, em parceria ou não com sua amiga cujo nome não lembro, estaria vencendo o terrível corona? Em uma tragédia com previsão de centenas de milhares de mortos é no mínimo estranho que de vários lugares do mundo cheguem relatos de experiências bem sucedidas da aplicação desse remédio setentão que nem eu, mas que não é liberado pelas autoridades pois faltariam estudos comprobatórios de sua eficiência e riscos. É muita moagem! Aliás, obrigado em quarentena a ficar ligado nas notícias da internet quase o dia inteiro, jamais vi qualquer notícia desabonadora do tal remédio. Só favoráveis. Ainda bem que o medicamento vem sendo usado no mundo todo. Numa hora destas, diante da decisão médica entre a vida e a morte concretas, às favas os protocolos. Dizem que, de fato, por traz desta moagem enroladora estariam interesses comerciais, políticos e até ideológicos, incompatíveis com a grave situação que vivemos, já com quase 1.000 mortos por dia no mundo.
     De fato, a impressão que fica é que as ciências da saúde foram pegas de calças curtas e não estavam preparadas para enfrentar uma pandemia como esta, embora as pandemias venham se sucedendo com frequência crescente. As posições dos cientistas se contradizem em inconclusivos debates, assim como entre órgãos supranacionais, nacionais e internos aos países. Um dia é uma coisa, outro dia é outra. Parece que na falta de um tratamento claro para o assunto, a discussão permanente entre cientistas, políticos e autoridades governamentais é a melhor solução, e daí, qualquer pretexto é válido: vida ou economia, curva alta ou baixa, quarentena “horizontal” ou “vertical” (e agora a “diagonal”), de quem é a culpa? qual a nacionalidade do vírus? Enquanto isso o povo é mantido entretido e se dá tempo para que o vírus seja derrotado pelo próprio cansaço.
     Preto claro ou cinza escuro? Se não fosse a mesma coisa, seria só uma questão de boa vontade em ajustar os tons. Minha saudosa avó, que perdeu o esposo com a gripe espanhola (que agora também nem é mais espanhola) dizia que se dois não querem, um não briga. Ou ao inverso para os dias atuais, quando dois ou mais querem brigar, polemizar, qualquer coisa pode ser pretexto. E ao povo resta contar com a apreensão e o medo de ser ou não sorteado, ou um parente, um amigo, nesta grande e terrível loteria pandêmica que vivemos.