José Antonio Lemos dos Santos
Ainda que questionada em suas proposições, a Carta de Atenas, base do urbanismo modernista, continua válida em sua análise sobre as cidades. Ela identifica na moradia, trabalho, lazer e circulação as quatro funções básicas da cidade, destacando a moradia como a primeira delas e a circulação como a última, afirmando, contudo que a circulação deve ter o objetivo de estabelecer uma comunicação proveitosa entre as outras três. Ou seja, ainda que citada como a última das funções, na prática torna-se tão importante quanto as outras já que estas só funcionam articuladas entre si pela circulação.
As cidades brasileiras, em especial Cuiabá e Várzea Grande – a Grande Cuiabá - mostram muito bem essa complexidade que hoje só pode ser entendida em uma nova visão holística do urbanismo. Ainda que um objeto artificial, a cidade é um objeto vivo, muito mais orgânica que mecânica, integrada em componentes que extrapolam ao físico, indo além da soma de suas partes e aproximando o urbanismo da biologia e da medicina. Cada cidade é única e como em um corpo vivo, nelas também não são corretas intervenções isoladas da compreensão do todo.
Um dos problemas mais destacados hoje na Grande Cuiabá é o do trânsito, especificamente o de veículos automotores, um dos componentes da circulação de que nos fala a Carta de Atenas. Comparando à medicina, a cidade com trânsito crítico é similar a um organismo hipertenso prestes a entrar em colapso. Mas, aqui como na maioria das cidades brasileiras, é bem pior que isso, já que o caos do trânsito se repete na segurança, saúde, educação, saneamento, habitação, etc. indicando um quadro de avançada metástase urbana, mais do que um problema específico setorial. No fundo, o caso é de má gestão das cidades, sem a seriedade devida, aqui como no país inteiro.
Em geral a situação do trânsito decorre de externos e internos, uns mais outros menos sujeitos à intervenções locais. A começar pela política nacional de desenvolvimento baseada na indústria automobilística, em contraste com a falta de qualquer esforço federal de promoção efetiva do transporte coletivo. Este quadro é agravado localmente com o êxito dos motores flex em um estado onde o preço do álcool é um dos menores do país, segurando o preço da gasolina, enquanto encarece o diesel do ônibus. O engarrafamento cotidiano situa-se nesse velho quadro verde-amarelo, agravado por novas nuances.
Baixando ao reino das ações locais possíveis, dentre as muitas, a mais importante é o aumento da vascularidade urbana, priorizando o transporte coletivo e o pedestre, com a reciclagem das vias atuais, a implantação de trechos da malha urbana existentes apenas no papel, mas, principalmente, a ampliação do sistema viário através da criação de novas avenidas. À luz da visão total da cidade, destacam-se três novas avenidas urgentes. A primeira é uma avenida-parque margeando e protegendo o córrego do Barbado, ligando o Coxipó ao CPA. A segunda é a ligação da Avenida Beira-Rio ao Coxipó, via São Gonçalo Beira-Rio, com uma nova ponte sobre o Coxipó e a terceira é a ligação do Sucuri ao Trevo do Lagarto, com uma nova ponte sobre o rio Cuiabá.
A ampliação do sistema viário é a resposta lógica ao aumento extraordinário da frota de veículos em uma malha viária que não foi ampliada e encontra-se em condições precárias de manutenção, trabalhando além de sua capacidade. É a garantia de fluidez viária contínua e segura sem a qual ficam sem sentido os investimentos em algumas avenidas da cidade anunciados para a Copa. Poderão ficar mais bonitas, mas continuarão engarrafadas.
(Publicadi oelo Diário de Cuiabá em 10/11/2009)
José Antonio Lemos dos Santos, arquiteto e urbanista, é professor universitário aposentado . Troféu "João Thimóteo"-1991-IAB/MT/ "Diploma do Mérito IAB 80 Anos"/ Troféu "O Construtor" - Sinduscon MT Ano 2000 / Arquiteto do Ano 2010 pelo CREA-MT/ Comenda do Legislativo Cuiabano 2018/ Ordem do Mérito Cuiabá 300 Anos da Câmara Municipal de Cuiabá 2019.
"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)
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