"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A ENTRADA DA CIDADE (III)

José Antonio Lemos dos Santos


     Lembro de meu saudoso pai certa vez recebendo um troco em cédulas, como ele chamava as notas de dinheiro, e após contá-las rapidamente – era exímio nisso, pois como bancário exerceu a função de caixa – sentiu a falta de algo como 1 real de hoje. Informou ao atendente que estava faltando troco, recebendo a resposta de que faltava “miúdo” e que aquela quantia não ia fazer falta a ninguém. Meu pai, que não era de discutir com ninguém, explicou que deveria então ter sido informado ao ser lhe passado o troco e que poderia dar 10 ou 100 vezes aquela quantia desde respeitosa e justificadamente pedido, mas que não abriria mão de um centavo sendo enganado. A lembrança vem a propósito da surpreendente notícia da venda da rua Tuffik Affi pela prefeitura municipal, e no seu bojo uma outra informação mais surpreendente ainda, de que a área entre essa rua e a avenida Cel. Duarte, próximo ao Shopping Popular, já havia sido vendida antes. Como meu pai, neste caso também me sinto enganado, ludibriado como cidadão. Não se trata só de uma rua, mas de uma área que marca a entrada da cidade e a intersecção problemática de duas avenidas estruturais, uma área nobilíssima em termos urbanísticos, histórica pela foz do Prainha e pela proximidade das pedras do Ikuiapá, e sua desafetação deveria ser submetida ao conhecimento e à ampla discussão pública.
     Este é o quarto artigo que escrevo este ano sobre aquela área, o terceiro com o mesmo nome. Os três primeiros escritos em 7, 14 e 21 de julho. No dia seguinte ao primeiro artigo o site Midianews de Cuiabá informava que a Prefeitura “tem um projeto para aquela área e que o principal entrave à sua execução seriam duas garagens de veículos que “teimam” em permanecer no local.”. Nenhuma referência ao projeto de desafetação da rua Tuffik Affi, que já se encontrava na Câmara de Cuiabá, onde seria aprovada no dia 10, dois dias depois. Pior, nenhuma referencia ao terreno lindeiro que já havia sido vendido antes, fato que só agora vem à luz pública. Nem qualquer correção posterior da notícia. Já que havia uma discussão pública sobre a transformação daquela área em uma entrada digna de uma metrópole, cabia a prefeitura informar ao menos que a área já havia sido vendida. Ou não podia, pois ainda estava em andamento uma outra venda, a da rua? E o bobó aqui ainda escreveu mais dois artigos, e muitos leitores perderam seu tempo com e-mails e cartas do leitor. Que publicidade é essa, exigida pela Constituição como um dos pilares da administração pública, que só ao final dos processos o público e toda a imprensa tomam conhecimento, surpresos, sobre o que foi feito com a coisa pública?
     Ainda que confiando nas imediatas manifestações do promotor de Justiça Ambiental, Gérson Barbosa, escrevo mais um artigo, desta feita só para desopilar o fígado, que me perdoem os leitores. A prefeitura vendeu o destino daquela importante área, e por seu novo dono, no seu direito, o assunto está decidido: será um estacionamento de caminhões para carga e descarga de mercadorias. Segundo o procurador municipal disse à imprensa, “aquela rua não era tão essencial, em função do tráfego insignificante para a região”, como se a área de uma rua não pudesse ter uma outra finalidade urbanística. Houve parecer técnico do IPDU, órgão que trata da cidade como um todo? Foi ouvido o CMDE antes do assunto ir para a Câmara? Sonhamos com uma entrada digna para Cuiabá, com sua interseção viária bem resolvida, com canteiros e ornatos citadinos, talvez até um belo monumento, capaz de bem recepcionar o turista nacional e internacional causando-lhe uma boa primeira impressão, que é a que fica. Mas, recorrendo ao poeta, de que adianta cantar os mares e o firmamento se o que nos resta é o beco?
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 15/12/2009)

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