"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 12 de julho de 2010

O preço do Verdão

Artigo publicado no Diário de Cuiabá em 29/06/2010.



O impacto da visão do antigo Verdão demolido e triturado traz à baila a aposta feita na validade de sua demolição. Lembro que em artigos diversos aplaudi a localização e o primeiro projeto, que fazia um up-grade do estádio aproveitando o velho gramado, aquele que por muitos anos foi considerado o melhor do Brasil. Depois, já que havia sido deslocado de “cima” do antigo estádio, critiquei o atual projeto por não ter aproveitado ainda que parcialmente a antiga estrutura para utilização multi-esportiva, em especial suas instalações olímpicas - sua pista de corridas e demais áreas destinadas ao atletismo - criando uma magnífica praça desportiva com três arenas. Mesmo crítico, mantive a aposta na demolição considerando o imenso potencial de benefícios que a Copa do Pantanal poderá trazer para Mato Grosso e Cuiabá, que prepara também seu tricentenário. Uma aposta arriscadíssima uma vez que sabemos das nossas enormes dificuldades locais e nacionais na administração dos interesses públicos – para dizer o mínimo.

Porém, mais que arriscada, dolorosa. Sou um apaixonado pelo antigo Verdão, como cidadão, torcedor do futebol local e arquiteto. Como cidadão, acompanhei a luta e o entusiasmo do cuiabano por sua construção e emocionado, como todos de então, assisti ao seu primeiro jogo. Como torcedor era um daqueles mínimos duzentos pagantes quase que permanentes em suas arquibancadas e, também emocionado, assisti ao seu último jogo, passado despercebido, sem foguetes, mas cujo ingresso tenho carinhosamente guardado. Como arquiteto, por tratar-se de um dos mais geniais partidos arquitetônicos esportivos, considerando o clima, a topografia e até a tão falada multi-funcionalidade, muito melhor resolvida do que na atual “arena multiuso”. Neste caso não critico os autores do projeto mas as alegadas rígidas condições da FIFA impeditivas por exemplo dos belíssimos novos estádios terem também instalações olímpicas, exigência absurda a meu ver, principalmente para países pobres. Enquanto for professor de arquitetura, o antigo Verdão continuará sendo matéria de estudo, como um teatro grego.

Vale uma aposta tão arriscada e dolorosa? Para qualquer cidade brasileira a oportunidade de sediar uma Copa do Mundo seria uma chance extraordinária em um mundo midiático e globalizado. Vai desde o poderoso marketing urbano e regional em nível mundial, até a responsabilização nacional na preparação das cidades palco do mega-evento, passando pela atração de investimentos privados, e pela elevação da auto-estima cidadã, tão necessária ao cuiabano. Em suma, embora arriscada a aposta, o prêmio em jogo é excepcional. Há que se reconhecer que seria bem mais fácil apostar na corrupção, na incompetência e falta de ética públicas que assolam o país, já que as chances desta são muito maiores. Lavar as mãos, deixando a grande chance para outras cidades com estes mesmos problemas, seria negar às futuras gerações cuiabanas as possibilidades de uma cidade melhor.

Trata-se da troca de um bem valioso por uma oportunidade mais valiosa ainda. Mas, os prazos e as exigências impuseram uma situação de pagar ou largar, envolvendo um preço muito alto. O sacrifício do Verdão terá valido a pena se acontecerem os prometidos investimentos estruturantes na cidade, que não aconteceriam sem o evento da Copa, tais como o novo sistema de transporte coletivo, novas avenidas, novos parques públicos e uma nova forma de gerir a conurbação cuiabana em todos os seus setores. O preço alto e doído já foi pago e agora é hora de cobrar a entrega da mercadoria na quantidade e na qualidade prometidas. Ainda há tempo, mas é curto. Tem que deslanchar e correr.


JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é professor universitário.

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