"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 30 de julho de 2013

METAMORFOSE URBANA




José Antonio Lemos dos Santos

     Levados pelos novos tempos à condição de internautas, navegadores do ciberespaço, é quase certo que a maioria de nós já recebeu pelo menos uma vez um e-mail com um arquivo de auto-ajuda mostrando o sofrimento de uma lagarta ao sair do seu casulo para transformar-se em uma belíssima borboleta. Em um deles, uma pessoa resolve poupar-lhe o sofrimento cortando parte do casulo facilitando a saída. Depois viu que a borboleta não sobreviveu. O esforço e o sofrimento do animalzinho eram necessários ao seu pleno desenvolvimento até virar uma borboleta saudável. Depois na própria internet revivi aulas ginasiais relembrando que a lagarta para chegar à borboleta, primeiro se transforma em uma coisa meio disforme e estranha chamada pupa, cuja beleza só será entendida no processo miraculoso da metamorfose da qual ela é figura central, feiosa, mas tão indispensável que virou lição universal captada pela sensibilidade de Saint-Exupéry.
     Cuiabá vive sua fase de pupa neste processo de transformação urbana, imenso e fortemente concentrado no tempo, trazida pela Copa. A cidade está revirada, transformada em um canteiro de obras, suja pela poeira das construções, cheia de tapumes, placas informativas e desinformativas, máquinas de todos os tamanhos, engarrafamentos, desvios por vias nunca dantes navegadas, mal preparadas ao protagonismo urbano que ora lhes são impostas. Tal como a lagarta, a cidade e seu povo sofrem o desconforto do momento. Um marciano que chegasse sem saber o que está acontecendo e como era a cidade a um par de anos atrás, com certeza praguejaria contra a situação de caos e desarrumação urbanística. Mas, quanto ao cidadão comum, este parece começar a imaginar a borboleta ao final do processo à medida que as obras ganham formas diante de seus olhos. Não mais só tapumes e desvios, mas pilares, pórticos, vigas, lajes tomando jeito de viadutos, pontes e trincheiras inimagináveis, estádios, avenidas, aeroporto. Está difícil, por exemplo, buscar alguém no aeroporto, mas o avanço rápido das obras e a antevisão delas prontas mitigam a irritação. É quase impossível chegar à sede do Cuiabá para comprar uma camisa do nosso campeão que ruma à série B, mas a visão das obras dos viadutos no caminho entusiasmam. A esperança começa a aparecer ao lado da irritação e incredulidade iniciais. Como estará a cidade ano que vem? Será possível? Ficará bonita? Dá tempo? Funcionará? 



     A Grande Cuiabá, como a lagarta, vive hoje o momento mais sofrido de um processo de transformação física não programado, nem sequer sonhado nas dimensões e intensidade com que acontece. Talvez a maior carga de investimentos públicos e privados concentrados no tempo em uma cidade, proporcionalmente. Podia ter sido menos desgastante se resultasse de um planejamento urbanístico, técnico e contínuo. Não foi. Aliás, o planejamento da cidade institucionalizado em órgão específico precisa ser retomado. Quem dera a lei estruturando a região metropolitana sancionada pelo governador no último dia 22 seja um passo nesse rumo. Haverá desta vez a indispensável compreensão política dos governantes quanto ao compartilhamento das autonomias nos assuntos de interesse comum? Tomara. A ação técnica nesses assuntos dependerá das decisões políticas conjuntas dos governantes. Sem elas continuarão prejudicadas as soluções que a cidade-metrópole exige. A mobilidade urbana e seu VLT é um exemplo. Que a esperança da borboleta e da cidade às vésperas da transformação nos ajude a suportar as bem vindas pupas e lagartas atuais e as que ainda estão por vir. E que a cidade e sua cidadania resultem mais fortes, ativas e participantes na sua construção e na luta por tudo a que tem direito. 

(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 30/07/2013)


Um comentário:

  1. Muito bom seu artigo, prof. Zé Lemos! Nós aqui que estamos na linha de frente deste grande desafio nos sentimos reconfortados em contraponto às críticas e xingamentos que diuturnamente recebemos. Esquecem que também somos parte da população, que levamos filho à escola ou nos deslocamos ao trabalho e, desta forma, também sentimos na pele as mazelas desse momento conturbado. Nem mesmo no almoço de domingo em família nos livra das críticas ranzinzas!!! Mesmo assim continuo convicto de que estamos no caminho certo e que ao final teremos uma outra Cuiabá, não somente no contexto físico mas, principalmente, no despertar para a necessidade do planejamento continuado, de ações continuadas e que não precisemos esperar outra Copa do Mundo daqui a 30 anos para novos e grandes tumultos.
    Abraços
    Rafael Detoni

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