"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



domingo, 11 de junho de 2017

DE VOLTA AO FAROESTE

CorrendoAMil

José Antonio Lemos dos Santos
     Semana passada escrevi sobre responsabilidade urbanística e agora escrevo sobre uma ação no sentido inverso, o projeto de lei sobre regularização imobiliária em Cuiabá, encaminhada à Câmara pelo prefeito municipal. As estimativas informam, que, por baixo, cerca de 70% dos imóveis em Cuiabá estão irregulares. Um imóvel irregular traz prejuízos à população, em especial a mais carente, e à própria prefeitura em termos de impostos e de falta de controle urbanístico.      Assim uma política de regularização teria tudo para ser uma boa.
     Teria, mas não é bem assim. Infelizmente a situação foi transformada em um problema complexo, muito mais difícil do que parece à primeira vista, graças à irresponsabilidade dos sucessivos administradores, do próprio Ministério Público e até mesmo de nós arquitetos e urbanistas enquanto classe, parte da sociedade responsável pelo conhecimento técnico na área, que ficamos quietos. Isso em todo o Brasil, exceto em umas quatro ou cinco cidades que avançaram na direção correta. Mas está certo o prefeito, este é um problemaço que precisa ser resolvido, porém a solução depende de uma política séria de longo prazo e muita determinação. Se ao menos marcar o caminho para as próximas administrações, ficará na história.
     Mas vamos ao real. A maior parte das irregularidades decorre de ocupação de áreas de risco, de preservação permanente ou de áreas públicas, ocupadas graças à negligência ou ações demagógicas dos próprios poderes públicos. Tem também as ocupações de áreas particulares, dependentes de indenizações longe do alcance das verbas municipais. O projeto de lei de regularização encaminhado à Câmara em seu artigo 5º sabiamente deixa fora justamente esses casos, pois envolvem inclusive legislação federal que proíbem tais ocupações. Sobrou o que? Sobra uma faixa menor da população em sua grande parte de maior poder aquisitivo e de informações, ou empresas, justamente aqueles que têm maior obrigação de conhecer as leis e cumpri-las.
     O pior das regularizações é que passa uma mensagem de perdão àqueles que descumprem as leis. E aquele que comprou caríssimo um imóvel pensando em grande empreendimento inviabilizado pela aplicação do recuo frontal com base no Padrão Geométrico Mínimo (PGM)? O outro que de alguma forma conseguiu afrontar a lei hoje deve estar sentindo-se vitorioso. É o caminho para o caos, voltando ao faroeste urbano.
     A cidade é uma grande casa e como toda casa, qualquer cidade civilizada deve ter um projeto para ela que se chama Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), exigido no Brasil pela Constituição Federal para todas acima de 20 mil habitantes. Com um horizonte de planejamento de no mínimo 20 anos, se materializa em de leis e normas que devem ser cumpridas. Seus instrumentos não são frescuras de arquitetos nem filigranas de advogados desocupados. São frutos de muitos estudos técnicos e tem objetivos de longo prazo a serem alcançados. Por exemplo os recuos frontais ameaçados pelo projeto, eles têm como objetivo principal a melhoria da mobilidade urbana através da ampliação das caixas viárias onde necessária. Demandou a elaboração de um Plano de Hierarquização Viária que virou lei, onde todas, disse todas, as ruas da cidade ganharam uma caixa viária mínima, o PGM, a ser alcançada ao longo do tempo com a natural renovação urbana. Este Plano já rendeu para a cidade a Avenida das Torres, a Avenida Parque do Barbado e a Ponte Sérgio Mota. Perdoar o desrespeito ao Plano Diretor e suas leis é matar por várias décadas quaisquer tentativas de planejamento em Cuiabá. Os bobós obedecerão, os ladinos não. E que se danem as futuras gerações de cuiabanos.


Um comentário:

  1. Corretíssimo prof° José Lemos.
    Se com regras muitos conseguem burlar, imagine sem regras, a cidade vira um verdadeiro faroeste

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