"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 4 de janeiro de 2022

GILMAR MENDES E RESPONSABILIDADE URBANÍSTICA

Charge: Pof. José Maria Andrade

José Antonio Lemos dos Santos 

     A cidade é o “locus” da Civilização. A Civilização é a condição essencial para a existência da cidade. E o homem civilizado fecha essa tríade civilizatória como seu principal agente. A Civilização é um estágio do desenvolvimento humano em que o homem aceita submeter-se a um arcabouço de leis, normas, costumes, princípios religiosos, morais e outros em favor da vivência coletiva, conjunto cuja obediência passa então a interessar a todos. Sem ele a cidade não funciona, nem a Civilização. Comparo Civilização a uma armadura férrea que aprisiona a Barbárie travestindo o antigo bárbaro em civilizado, armadura da qual tenta sempre escapar destruindo a cidade e a civilização que não lhes são naturais. Por isso os controles civilizatórios, quando legítimos e democráticos, tem que ser fortes o suficiente para se fazerem valer.

     A sociedade brasileira vive um momento em que estão sendo contestados ou mesmo descontruídos seus principais parâmetros civilizatórios. Neste contexto se encontram as cidades brasileiras. De instrumentos de promoção da qualidade de vida humana nossas cidades viraram algozes de seu próprio povo. As últimas tragédias urbanas são a continuidade de todas as outras que se sucedem ao longo de nossa história, já até agregadas aos calendários como tristes expectativas de novas tragédias e dolorosas lembranças. A ciência do Urbanismo é uma conquista da humanidade e uma determinação legal em favor das cidades e de suas populações. Entretanto, a raiz dos atuais males que as afligem está na ausência do Urbanismo ou no descaso oficial com que são tratadas suas indicações técnicas consubstanciadas em instrumentos legais como Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano, Leis de Uso e Ocupação do Solo Urbano e Código de Obras, dentre outros.

     A alguns anos os arquitetos e urbanistas, profissionais com competência técnica e legal privativas na área do Urbanismo no país, através de seus Conselhos de Arquitetura e Urbanismo (CAUs) dedicaram redobrada atenção sobre esta triste situação da política urbana nacional que tem implicações negativas e dramáticas nas condições da vida no país, buscando alternativas mais eficazes de intervenção em todas as etapas dos processos referentes ao desenvolvimento urbano. Assim, em 2017, no Seminário Nacional de Política Urbana e Ambiental promovido pelo CAU/BR, o CAU/MT apresentou com ótima receptividade proposta no sentido da criação de um instrumento legal de responsabilidade urbanística em âmbito nacional, nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal, com previsão de punição aos gestores que descumprirem a legislação urbanística, dando destaque às referentes às ocupações de risco, seja em áreas definidas como tal ou em edificações sem condições de habitabilidade. A ideia é que ao final dos mandatos não havendo melhoras nos respectivos indicadores, a autoridade pública gestora seja punida na sua condição de elegibilidade a cargos públicos, sem prejuízo de outras penalidades. Em 2019 a proposta foi levada ao 1º Encontro Amazônico de Arquitetura e Urbanismo e novamente bem recebida, sendo incluída entre as propostas da “Carta de Macapá”.

      Neste final de ano o ministro Gilmar Mendes abordou ideia similar em seu Twitter com grande repercussão. Até agora, meu ver a mais efetiva proposta nestes dias trágicos, trágicos não pelas águas, mas pela irresponsabilidade pública. Quem sabe o ilustre mato-grossense possa unir os 3 poderes nacionais dando ao povo brasileiro uma legislação de responsabilidade urbanística que permita a antevisão de algum Verão futuro sem tragédia neste país? Em um país onde as leis não são cumpridas, parece chover no molhado criar mais uma para fazê-las obedecidas. Porém, somos condenados à Civilização: ou persistimos e progridamos com ela, ou morremos todos. Não há outra saída.


4 comentários:

  1. Prof. José Lemos, mais um artigo brilhante.
    Pena que precisou de um membro do STF alertar sobre isso. O ideal seria os gestores públicos usarem e abusarem do nosso conhecimento, enquanto arquitetos e URBANISTAS, para compor sua equipe de planejamento. Isso, por si só, já seria um gtande avanço.
    Concordo que os gestores públicos sejam responsabilizados pela falta de cumprimento das leis ambientais e urbanísticas, caso existam.
    Mas o que defendo também, é a obrigatoriedade dos Estados e Municípios contratarem arquitetos e URBANISTAS, concursados, para compor a equipe permanente de planejamento.

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    1. Não dá para imaginar que, passados quase 40 anos da promulgação da Constituição Federal, alguma cidade do Brasil ainda não tenha seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Se falta, estimo estar por volta de 5 a 10%. Assim, a grande maioria deve ter em suas LUOS ao menos a definição de suas Áreas de Risco que devem ser obedecidas, caso contrário os gestores, em especial o prefeito, devem ser punidos naquilo que realmente lhes importa: a possibilidade de serem eleitos a qualquer coisa. Para todos os outros tipos de punição os políticos tem soluções de algibeira, práticas e objetivas. mas sem o foro privilegiado, ficam no mato sem cachorro. Ameaçados por uma punição deste tipo logo contratarão equipes técnicas competentes (os arquitetos e urbanistas entre eles), buscarão fazer um trabalho sério (não só para cumprir a lei e ir para a estante) e nós, os profissionais teremos condições de aumentar a qualidade de nossos trabalhos. Brasileiro, profissão esperança.

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  2. O Leviatã brasileiro tem braços e vistas curtas

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