"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



sexta-feira, 23 de agosto de 2024

O VOTO NO VEREADOR

 

José Antonio Lemos dos Santos

     Por muitos anos mantive em artigos a expectativa de que elas um dia aparecessem, como enfim apareceram nas eleições de 2022. Era no mínimo ilógico que em eleições proporcionais para vereadores, como as daquele e deste ano, em que o eleitor vota primeiro em listas de candidatos (por partidos ou federações), as tais listas não fossem dadas ao conhecimento do eleitor, originando o grotesco fenômeno brasileiro do eleitor votar em um candidato e eleger outro, sem saber sequer quem foi eleito com seu voto. Muitas vezes até elegendo um candidato que gostaria de vê-lo banido da vida pública. Pior, levando a pecha de não saber votar e ainda pagando a conta. Em 2022 elas foram apresentadas no site do TSE, ainda que não tão fácil de encontrar. Mas estavam lá, com nomes discriminados pelas suas respectivas agremiações partidárias, pelas quais concorriam. 

     Para este ano o TSE foi além. Facilmente o eleitor interessado encontra no site do órgão a plataforma DivulgaCandContas e lá facilmente também encontra a lista dos candidatos a vereador por município, atualizado a cada 30 minutos, indicando seu partido ou federação por qual concorre. Melhorou muito. Uma grande inovação promovida pela Justiça Eleitoral. Porém, ainda falta que os candidatos fossem apresentados em listas por partido ou federação e não por ordem alfabética pois é dentro de seus partidos ou federações que eles vão disputar um naco do quociente eleitoral e é neles que o eleitor deve escolher seu voto procurando evitar uma compra de gato por lebre.  

     A preocupação especial com as eleições proporcionais é procedente pois, nas eleições majoritárias a eleição é simples: o voto é direto no candidato e os mais votados ganham. Já nas eleições proporcionais o voto é dado a candidatos vinculados a listas por agremiação a qual conquistará um número de cadeiras de acordo com a totalidade dos votos recebidos, inclusive os votos dos “derrotados”: mas só os mais votados ocuparão as cadeiras conquistadas. Assim, nas proporcionais mesmo que o seu candidato escolhido não tenha sido eleito, seu voto ajudará a arrumar uma cadeira para outro, que você nem sabe quem é.

     As proporcionais são importantes e funcionam bem em democracias avançadas. O problema é que aqui as tais listas não eram dadas ao conhecimento oficial do público, quando muito uma lista geral por ordem alfabética sem a necessária separação por agremiação, impossibilitando ao eleitor conhecer os demais candidatos parceiros de seu escolhido e passíveis de se elegerem com seu voto. Como votar em uma lista, ou em um time, sem conhecer seus componentes? E a Justiça Eleitoral agora vem fazendo esse imprescindível reparo. Com as listas publicadas, ao escolher um candidato de antemão o eleitor saberá quais outros poderão ser eleitos com seu voto. Não mais um voto no “escuro”. 

     Esta aparentemente simples providência da Justiça Eleitoral poderá ser um divisor de águas na história das eleições no Brasil. Arriscando-me a derrapar na maionese da empolgação, ela trará para o Brasil algumas mudanças importantes: o eleitor terá chance de escolher melhor seu candidato, bem como terá a possibilidade de saber quem se elegeu com seu voto, e cobrar dele as responsabilidades do cargo. 

     Mais importante: as sucessivas eleições forçarão as agremiações mais sérias a selecionar melhor seus candidatos, valorizando os partidos, o papel de suas convenções na definição das listas, aprimorando com isso a qualidade dos nossos parlamentos. A sinergia gerada por esta sequência de mudanças será positiva para as eleições brasileiras. Completando a obra, a Justiça poderia determinar aos partidos ou federações a publicação em folhetos das listas com nomes e fotos de seus candidatos lado a lado, como os antigos “santinhos”. Ou que as próprias agremiações se encorajem a fazê-lo por livre vontade. 



terça-feira, 13 de agosto de 2024

ÁGUAS DE MANSO


José Antonio Lemos dos Santos

     Água é vida, e muito mais quando tratada e em abundância para todos. Nas cidades brasileiras, apesar dos avanços em muitas delas, o suprimento de água potável está quase sempre aquém da demanda por motivos diversos, dentre estes a falta de controle na expansão de suas zonas urbanas, que quase sempre vão na direção de áreas ainda sem infraestrutura, e quando em cotas mais elevadas ficam fora do alcance da estação de tratamento d’água (ETA) mais próxima, tendo então que construir outra em nível mais elevado. E enquanto não se constrói outra o jeito é adotar as soluções alternativas do caminhão-pipa, do poço artesiano, das latas d’água na cabeça, dos córregos fétidos etc. 

     A Baixada Cuiabana poderia estar melhor. Explico, nos idos de 78 trabalhei na Comissão da Divisão de Mato Grosso no extinto Minter em Brasília, e participei das discussões nas quais foi decidida a energização da então futura barragem de Manso, de início prevista apenas como proteção de Cuiabá contra enchentes como a de 1974. 

    Na época o principal problema estrutural de Mato Grosso era a energia que vinha precariamente de Cachoeira Dourada, com duas linhas de transmissão de cerca de 700 km, inseguras no fornecimento e com grandes perdas de carga. As alternativas eram o projeto da Usina do Funil, em Rosário Oeste, e a construção de uma terceira linha de transmissão até Cachoeira Dourada. Pior, diziam que o presidente João Figueiredo não desembolsaria nada além dos valores determinados pelo presidente Geisel, seu antecessor, autor da divisão do estado. 

     A obra da barragem de Manso que começava, e que seria só de proteção urbana, foi então suspensa para inclusão da geração de energia no projeto. E a alteração foi além da geração de energia, acrescentando ainda a previsão de irrigação de 40 mil ha de terras, e outros projetos como psicultura, aquicultura, turismo e, o que interessa diretamente a este artigo, a possibilidade de abastecimento de água por gravidade às cidades da Baixada Cuiabana. Por suas várias finalidades o projeto ficou conhecido por APM Manso, (aproveitamento múltiplo de Manso), como até pouco tempo constava nas placas indicativas da localização do empreendimento. Na mesma ocasião era projetada na Bahia a Barragem de Pedra do Cavalo tendo como objetivo principal, veja bem, o abastecimento de água à Região Metropolitana de Salvador, a 120 km de distância, e mais, a proteção das cidades à jusante da barragem e a irrigação de áreas rurais. Só depois acrescentaram a geração de energia. Hoje, segundo o “dr.Google”, Pedra do Cavalo abastece com água 60% da população de Salvador, que tem cerca de 2,5 milhões de habitantes.

     Vivemos nestes dias o início das eleições municipais de 2024 e esta história faz muito sentido para a Baixada Cuiabana, em especial Cuiabá e Várzea Grande onde a falta de água potável é grave, demandando sempre novas estações de tratamento e, ainda, às voltas com a degradação das fontes naturais de captação. Naquele tempo a solução para Salvador foi a construção de uma barragem especificamente para o abastecimento de água, que depois agregou novas funções. Aqui, temos grande parte da população sofrendo por falta d’água e uma barragem pronta cumprindo sua função principal de proteção urbana, e ainda gerando energia e oportunidades para o turismo, lazer e empreendimentos imobiliários, porém desprezada como fonte de água. 

     O saneamento certamente será abordado nestas eleições, como nas outras, e deveria sê-lo em amplitude e profundidade por todos os candidatos a prefeito e vereador dos municípios da Baixada como um tema regional, não só de seu município, envolvendo o governo do estado e a Região Metropolitana. Ao final, que os eleitos levem para seus mandatos um compromisso suprapartidário e supramunicipal pela solução definitiva desse problema, não só soluções pontuais e momentâneas, mas estruturantes e universais, com ou sem as águas de Manso. No século XXI, a sede não pode mais ser motivo para dor, ainda mais com uma imensa caixa d’água caríssima e pronta nas proximidades.