"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 22 de abril de 2019

CIDADES E CIVILIZAÇÃO

Charge professor Zé Maria
José Antonio Lemos dos Santos
     Dizem os historiadores que a cidade é a maior e mais bem-sucedida invenção do homem. Foram precisos 2,5 milhões de anos desde que o Homo Habilis demonstrou que sabia construir e utilizar suas primeiras ferramentas complementando suas limitações naturais até que o homem inventasse a cidade. Com a cidade o homem deu um salto e evoluiu muito rápido, bastando 5 mil anos para pisar na Lua e poucos dias atrás fotografou um “buraco negro” a 50 milhões de anos-luz da Terra. 
     A invenção da cidade teve como condição essencial uma outra invenção, a Civilização. Cidade e Civilização nasceram juntas e são gêmeas xipófogas inseparáveis. Uma não vive sem a outra. A cidade é o locus da Civilização, a qual por sua vez é condição indispensável para a existência da cidade. E cidade e Civilização não existiriam se o homem não desse um salto qualitativo também essencial, deixando de ser bárbaro para ser civilizado. Só que enquanto a Barbárie supera a Selvageria, a Civilização não supera a Barbárie, apenas a traveste com uma carapaça chamada Ética formada por leis, normas, costumes, princípios religiosos e morais, cuja obediência passa a interessar a todos pois sem ela a cidade não funciona, nem a Civilização. 
     Assim, por baixo da carapaça civilizatória persiste o bárbaro, pronto para escapar, o que acontece quando os controles dos códigos são afrouxados ou deixam de existir. O bárbaro deixa sua casca de civilizado e vai destruir a cidade e a Civilização, local e condição incompatíveis com sua existência. Só há uma forma do bárbaro retornar à sua armadura civilizatória: submetê-lo de novo às normas, regras e padrões, obedecidos por todos. Para isso existem as leis e suas penas.
     Como considerar as cidades brasileiras e suas condições de existência se de um modo geral vivemos em um ambiente de quase barbárie, sem padrões legítimos de convivência e onde as autoridades responsáveis pelos mecanismos de controle estão ausentes ou também se comportam como bárbaros? No urbanismo a situação é trágica desde a fiscalização da responsabilidade técnica profissional até a aplicação das normas dos planos diretores, em especial as leis de uso e ocupação do solo e suas áreas de risco, criminosa e crescentemente ocupadas ao arrepio da lei. Está claro que barbárie dominou nossas cidades e a está destruindo sob o olhar acovardado ou criminoso nosso e de seus gestores, vide as grandes tragédias que emocionam o país ou mesmo as menores, cotidianas de pouco destaque mas que anualizadas são imensas.
     Será que ninguém enxerga um conjunto de edifícios sendo construído, ou uma favela em nítida expansão, agora até verticalmente, em áreas de evidente risco, perceptível como tal até a um leigo? Alguém acredita que uma cidade como o Rio de Janeiro, ou qualquer outra grande cidade brasileira não disponha de uma carta geotécnica ou uma legislação para o uso e a ocupação do solo urbano, mais de 30 anos após a Constituição determinar que a tivessem?  Onde estão os órgãos responsáveis em zelar pelas boas práticas da Engenharia, Arquitetura e Urbanismo no país? Pergunto envergonhado como conselheiro de um deles. E as prefeituras? os prefeitos? os ministérios públicos? a Justiça? Onde estão as responsabilidades? As cidades que historicamente se revelam tão importantes na promoção da humanidade, no Brasil se transformaram em assassinas de seu próprio povo. Ao arquiteto e urbanista brasileiro que por formação tem o dever de entender, trabalhar e ao menos denunciar estes tétricos cenários, só lhe resta emprestar o grito desesperado de Castro Alves: “Meu Deus, meu Deus, mas que bandeira é esta que impudente na gávea tripudia?... Antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha.” 

segunda-feira, 15 de abril de 2019

O MILAGRE DO TRICENTENÁRIO

Foto José Lemos
José Antonio Lemos dos Santos
     As comemorações do Tricentenário de Cuiabá me preocuparam por muito tempo, em especial nos últimos 10 anos, período em que publiquei artigos a cada aniversário da cidade simulando uma contagem regressiva anual, tendo começado em 2009 com o título “Cuiabá 300-10”. A ideia era lembrar sempre o prazo decrescente que os cuiabanos e principalmente suas autoridades dispunham para a preparação de uma festa digna da efeméride. Aliás, tenho insistido em grafar Tricentenário com “T” maiúsculo, justamente para distinguir a efeméride dos aniversários anuais comuns.
     Para este ano, o ano da festa, minha programação era na semana anterior ao aniversário escrever homenageando a cidade e sua história, e na semana seguinte em outro artigo comentar sobre as comemorações de tão importante data. O primeiro foi bem. É muito fácil e prazeroso falar sobre Cuiabá. O segundo, sobre as comemorações, preferi deletar e não compartilhar minha frustração. Passei a semana sem artigo.
     Após alguns dias, cabeça fria, me veio à memória a emocionante entrada triunfal do Senhor Bom Jesus de Cuiabá em sua Catedral, após bela e fervorosa procissão ecumênica que iniciou fluvial subindo o rio de Bonsucesso até o Porto e de lá a pé até o Centro da cidade, para mim a maior, mais autêntica e expressiva manifestação coletiva de amor e carinho pela cidade em seu tricentésimo aniversário. Lembrei então ter atribuído a alguns anos atrás ao nosso santo padroeiro a invenção da Copa do Mundo em Cuiabá como um artifício para sacudir a nós cuiabanos, natos ou não, com vistas à preparação de sua cidade para o seu Tricentenário, com 10 anos de antecedência.
     A princípio este pensamento foi meio sério, meio brincando. E pelo tamanho da antecedência da imaginada providência divina, 10 anos, já se podia pensar que o Bom Jesus não queria coisa pouca para a festa de sua cidade. Nessa alegoria da imaginação deu até para vislumbrar um cronograma que teria uma etapa de 2009 a 2014 só com as obras da matriz da Copa, e outra de 2014 a 2019, focada em uma matriz especial de obras para o Tricentenário, tocadas já com a experiência adquirida na primeira etapa.
     Qual o que! Hoje percebo que com a Copa do Mundo o nosso Bom Jesus de Cuiabá estava dando de presente à sua cidade a oportunidade de uma grande transformação urbanística para patamares bem superiores, o único realmente digno da grande data. A projeção nacional e internacional que a cidade ganhou, e as grandes obras, não só as públicas, mas em especial os investimentos privados que vieram junto e que geralmente são esquecidos quando avaliamos o legado daquele grande evento internacional, esse o maior presente que a cidade recebeu. Após presenciar a entrada solene do Bom Jesus em sua Catedral na noite do dia 8 de abril de 2019 entendi a inesperada e não sonhada Copa do Mundo como um verdadeiro milagre. Um milagre como o da própria miraculosa sobrevivência da cidade em seus primeiros tempos.
     “Não lanceis aos porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.” E assim foi, como previsto no Evangelho. Após o sucesso, desconstruímos a Copa e demonizamos suas obras, que estão aí ajudando a cidade na fábrica de cimento, torres hoteleiras, shoppings, aeroporto, trincheiras e viadutos, Mário Andreazza, Guarita e na belíssima Arena dentre tantas melhorias, mesmo que respingadas ou até afogadas na lama da chafurdação. Só a bondade divina pode explicar o fato de nos ter ensinado a não lançá-las aos porcos e mesmo assim ter nos presenteado com pérolas. Hoje só a mesma bondade divina permitiria nos redimir e resgatá-las republicanamente. 

segunda-feira, 1 de abril de 2019

CUIABÁ 300!


José Antonio Lemos dos Santos
     Desde 2009 a cada aniversário de Cuiabá tenho escrito artigos cujos títulos simulam uma contagem anual regressiva lembrando o tempo até a comemoração do tricentésimo aniversário de Cuiabá. Enfim chegou, Cuiabá 300-0! Comemorar os 300 anos de Cuiabá não deve ser só a justíssima reverência ao passado, mas festejar uma cidade histórica por excelência, considerando a história em seu fluxo pleno de passado, presente e futuro. Diferente de suas irmãs do ciclo do ouro, Cuiabá não estagnou, deste modo tem um passado riquíssimo, um presente extremamente dinâmico e um futuro pleno de potencialidades. Assim, no presente tem entre seus grandes desafios o de otimizar as perspectivas do futuro e as riquezas do passado de forma harmônica e sustentável.
     Comemorar 300 anos de Cuiabá é lembrar que em um local chamado Ikuiapá pelos bororos nativos, com grandes pedras claras das quais pescavam com flecha-arpão e onde um corguinho desembocava em um belo rio, o ouro fez surgir, corgo acima, uma cidade que floresceu bonita e se chamou Cuiabá. Por breve tempo, Cuiabá foi a mais populosa cidade do Brasil, de onde a Europa levou muito ouro, dinamismo que acabou tão rápido quanto o metal. Seu fim seria o das cidades-fantasmas dos garimpos não fosse sua localização mágica no centro do continente, então em terras espanholas, cuja perspectiva de riqueza atraía Portugal que já aguardava a troca do Tratado de Tordesilhas pelo direito da posse e uso como definidor dos limites entre as terras portuguesas e espanholas. Vanguarda física da coroa portuguesa nessa disputa, Cuiabá sobrevive ao fim do ouro como baluarte português, apoio e defesa dos interesses lusos. Celula-mater do Oeste brasileiro, é a mãe das cidades da grande região, inclusive dois estados.
     Com a criação da Capitania de Mato Grosso, Cuiabá serviu de sede ao seu primeiro governo durante a construção da futura capital, Vila Bela. Por mais de dois séculos sobreviveu à duras penas, com tempos piores, como na Guerra do Paraguai, e de leve melhoras, como quando recebeu o status de capital. Período heroico que forjou uma gente brava, alegre e hospitaleira, capaz de produzir um dos mais ricos patrimônios culturais do Brasil, com vultos e proezas históricas que merecem melhor tratamento da história oficial brasileira. Como os primeiros astronautas, vanguarda humana na imensidão do espaço, ligados à nave apenas por um cordão prateado, assim Cuiabá sobreviveu por séculos, solta na imensidão da hinterlândia continental, ligada à civilização apenas pelo cordão platino dos rios Cuiabá e Paraguai.
     Até que na década de 60 a cidade transforma-se no “portal da Amazônia” chegando a 2000 com sua população decuplicada. Servia de base à ocupação da Amazônia meridional. Sozinha, sem apoio federal e sem recursos próprios, no centro de uma região que apoiava e promovia, mas que também não dispunha de recursos, Cuiabá teve que receber seus novos habitantes sem estar devidamente preparada.
     Alvorecendo o novo milênio, Cuiabá transforma-se na capital do agronegócio, e agora polariza uma das regiões mais dinâmicas do planeta, região que ajudou a construir e que hoje lhe cobra o apoio de serviços urbanos especializados, empurrando-a para cima, em um sadio processo simbiótico regional. No Tricentenário, seu maior presente é o próprio momento que vive: dinâmica, moderna, globalizada, sintonizada como o mundo, ainda que carente de gestão pública. Quanto ao futuro, cabe às novas gerações de cuiabanos estruturar a cidade para uma nova fase que já se prenuncia como o principal polo verticalizador da economia mato-grossense e um dos principais encontros de caminhos no centro continental, sua grande vocação histórica. Viva Cuiabá!

segunda-feira, 25 de março de 2019

ARQUITETOS E FERROVIAS

Rede urbana brasileira (Universia)
José Antonio Lemos dos Santos   
     Em respeito às indagações que surgem, de vez em quando tento esclarecer porque um arquiteto se arvora a falar sobre ferrovias, oportunidade também para explicar a abrangência de uma profissão tão importante e incompreendida pela sociedade e, por isto, tão subutilizada por ela. Sempre começo explicando que o objetivo central da arquitetura é a transformação do espaço em abrigo digno, funcional, belo, seguro e sustentável, indispensável ao desenvolvimento do ser humano em suas diversas atividades. Sem abrigo o homem não sobrevive, isto é, morre. Assim, uma primeira conclusão sobre a arquitetura é que se trata de uma de uma das profissões mais essenciais à sociedade, e não uma profissão fútil como alguns são levados a entender por problemas da própria categoria profissional que apenas há pouco passou a ter um conselho específico para organizar e promover a profissão.
     Só que o espaço é continuo e o arquiteto trata desde os espaços interiores de uma residência até o espaço regional de um estado ou país, passando pelo espaço urbano do bairro, cidade ou metrópole. Hoje com a globalização também não podem lhe faltar os indispensáveis cuidados com a sustentabilidade do planeta em decorrência de suas intervenções espaciais. É claro que dada a amplitude de seu campo de estudo, impossível de ser dominado por um só profissional, os arquitetos tendem a se especializar, como na medicina, por exemplo, em áreas complexas que já dispõem de um vasto manancial teórico próprio.
     Encurtando o assunto, na área do planejamento urbano e regional as cidades são entendidas como centros produtores de bens e serviços destinados a atender cada qual uma região, e que se interconectam em redes através de fluxos de pessoas, informações, serviços e, entre outros, cargas. Tais fluxos mantêm a cidade viva e são responsáveis pelo seu desenvolvimento e de sua população, deslocando-se através de canais especializados, ou modais, tais como aerovias, rodovias, dutovias, infovias, hidrovias, e inclusive as tais ferrovias, pretexto deste artigo explicativo. Conforme seus níveis de centralidade e a evolução desses níveis os canais precisam ser ampliados e até complementados por outros tipos de maior capacidade de transporte, o que é o caso de Mato Grosso, e de Cuiabá em especial, cujo desenvolvimento na geração e recepção de cargas não pode mais ser atendido só pelo transporte rodoviário sob pena de estrangulamento.
     As cidades não são mais vistas como pontos isolados, mas como centros organizados em redes hierarquizadas funcionalmente, as chamadas redes urbanas que estruturam e definem a fisionomia de cada região. Os modais de transportes dos diferentes fluxos da conexão interurbana são então fundamentais para o desenvolvimento e o desenho das cidades e das regiões e aí o assunto passa a ser também do interesse e da competência do arquiteto enquanto tratador do espaço.
     Então ao arquiteto dedicado ao planejamento urbano e regional é fácil entender a importância da extensão da Ferronorte até Cuiabá e sua sequência imediata ao norte até encontrar a Ferrogrão, como urgente reforço à BR-163 eixo da estrutura espacial de Mato Grosso, espinha dorsal unificadora e fiadora do desenvolvimento integrado de um estado campeão nacional em produção e uma das regiões mais produtivas do planeta, apesar de seus governos. Ao invés, também lhe é fácil ver o desastre que adviria com o projetado seccionamento da Ferronorte e o isolamento ferroviário de Cuiabá como querem alguns. Mas a força atrativa da economia de aglomeração instalada na Grande Cuiabá é poderosa e já sensibilizou a Rumo, sucessora da Ferronorte, conforme tratado no artigo anterior.


segunda-feira, 18 de março de 2019

AEROPORTOS,FERROVIAS E SENADORES


José Antonio Lemos dos Santos
     Paira sempre no ar a falsa ideia de que Cuiabá não tem carga que
justifique uma ferrovia, falácia que vem sendo incutida na cabeça da
população do estado nas últimas décadas com objetivos que escapam ao
escopo deste artigo que só pretende comemorar duas ótimas notícias
para Mato Grosso e suas cidades. Ao contrário, a Grande Cuiabá é no
estado o maior centro consumidor, distribuidor e produtor - não de
grãos, mas em serviços técnicos, comércio, educação, saúde, etc., em
apoio a região - e como tal não gera carga significativa de saída, mas
recebe muita carga destinada ao consumo local e redistribuição
regional. Tem ainda a carga de passagem originária das áreas
produtoras do agronegócio em especial do Médio-Norte e Norte do estado
com destino ao consumo interno do país e aos portos do sudeste.
     E tem ainda a sempre desconsiderada carga de retorno. Em palestra
realizada em setembro passado na CDL em Cuiabá, Guilherme Penin, um
dos diretores da Rumo Logística detentora da concessão do que restou
da Ferronorte, informou que a carga destinada a Cuiabá para consumo e
redistribuição é estimada em 20 milhões de toneladas por ano! Para
comparar, toda a produção de grãos de Mato Grosso do Sul no ano
passado foi de 16,23 milhões de toneladas. Segundo ele, a implantação
do trecho Rondonópolis/Cuiabá é de grande interesse para a empresa,
seguindo depois para Nova Mutum, em direção à Ferrogrão, bastando para
isso a ampliação da concessão dos 10 anos que restam hoje para 35
anos. Para mim, este trecho e a mais viável e urgente das ferrovias.
Mas essa é notícia velha. 
     A boa novidade foi a manifestação em uníssono dos três senadores de Mato Grosso 
cobrando do ministro da Infraestrutura essa extensão até Cuiabá em audiência na 
Comissão de Infraestrutura do Senado. É rara a unidade de discursos em nossos
representantes e por isso a surpresa positiva, mesmo diante da
resposta um pouco desdenhosa do ministro em relação ao assunto. Esta
convergência de interesses da Rumo com a Ferrogrão vai significar o
fortalecimento da espinha dorsal do estado, hoje marcada pela BR-163,
e a redenção logística de Mato Grosso.
     Outra boa notícia foi o leilão dos aeroportos de Alta Floresta,
Sinop, Rondonópolis e Cuiabá, arrematados em conjunto pelo consórcio
Aeroeste. A expectativa é de que o interesse privado aproveite todas
as potencialidades dos aeroportos de Mato Grosso, em especial o de
Cuiabá que por sua localização centro-continental e uma área de 700 ha
em pleno centro da Região Metropolitana da capital tem todas as
condições de se transformar em um importante “hub” aeroviário
centralizando voos nacionais e internacionais, inclusive com espaço
para uma nova pista e até uma nova estação conforme já previsto em seu
Plano Diretor elaborado pela Infraero. Há também o potencial para
instalações de processamento industrial e comercial para exportação,
em articulação com o Porto-Seco e a Receita Federal.
     Mas o melhor vem de uma das empresas componentes do consórcio
vencedor atuar nas áreas de hotelaria e turismo abrindo a perspectiva
de que finalmente o imenso potencial turístico de Mato Grosso venha a
ser tratado em toda sua amplitude, das belezas naturais do Pantanal,
Amazônia e Cerrado às fantásticas plantações e criações high-tech do
agronegócio, passando pelas riquezas do patrimônio histórico e
cultural, distribuindo emprego e renda nas diversas regiões do estado.
Baixando o entusiasmo, é bom lembrar que para estas expectativas se
realizarem ainda será preciso muito trabalho e empenho como o mostrado
pelos nossos senadores, juntando-se a eles a sociedade organizada
mato-grossense e suas lideranças políticas e empresariais.

segunda-feira, 11 de março de 2019

AS CHEIAS DE SÃO JOSÉ

José Antônio Lemos dos Santos
     Diziam os antigos que a estação das chuvas em Cuiabá tinha dois picos, um em dezembro/janeiro e outro em março, também chamado de “repique”, por volta do dia de São José encerrando o período chuvoso, e as cheias eram aguardadas nessas épocas, ainda que nem sempre ocorrendo as duas com a mesma intensidade. Domingo que vem, 17 de março marcará os 45 anos do dia da cota máxima da cheia de 1974 em Cuiabá, chegando a 10,87 metros, desabrigando milhares de pessoas nos antigos bairros do Terceiro (“de Dentro” e “de Fora”), Barcelos e Ana Poupino, a região mais populosa da cidade. A cheia de São José naquele ano foi uma tragédia para a cidade logo quando esta dava um salto de crescimento em decorrência da inauguração de Brasília, dentre outros fatores. Grosso modo Cuiabá saltava de 56 mil habitantes em 1960 para 240 mil em 80. Um crescimento para o qual a cidade não estava preparada, nem seus cidadãos e governantes após décadas de estagnação. Ninguém entendia quando alguns visionários, verdadeiros profetas propunham a necessidade de preparar a cidade para aquela expansão.
     A calamidade daquela cheia serviu para dar uma sacudida nas autoridades. O governo Geisel tomara posse dois dias antes já com a inundação avançada. De imediato o ministro do Interior Rangel Reis veio a Cuiabá e tomou duas decisões radicais marcantes para a cidade e que não podem ser esquecidas. Determinou a demolição do que sobrara dos bairros atingidos, transferindo suas populações para conjuntos residenciais a serem construídos, um deles o Novo Terceiro. Nesse processo foram perdidos alguns marcos da cultura de Cuiabá que viraram saudade nas lembranças dos blocos carnavalescos “Sempre Vivinha”, “Coração da Mocidade” e “Estrela Dalva”, por exemplo.
     Outra determinação do ministro foi a realização de estudos técnicos buscando evitar novas tragédias semelhantes em Cuiabá. Daí resultou Manso, em princípio só para reduzir futuros picos de novas enchentes, um “açudão” de proteção urbana. Embora pouco divulgado, Manso cumpriu essa função ao menos em 2002 e 2010 impedindo que volumes de água superiores aos 3.025 m³/s de 74 chegassem a Cuiabá. Fosse só este seu objetivo, Manso já teria valido a pena.
     Depois, já em 1978, no antigo Minter, a Comissão da Divisão do Estado, da qual tive o privilégio de participar, propôs em conjunto com técnicos do estado a transformação de Manso em um projeto de aproveitamento múltiplo (APM) de barragem, pioneiro no Brasil para solucionar também a questão energética, na época o principal problema estadual. Junto com a energização do “açudão”, foram acrescidos os objetivos de regularização de vazão do rio, garantindo uma cota mínima além da redução das cotas máximas, prevendo ainda o abastecimento urbano de água e irrigação rural para a Baixada Cuiabana, três barragens a fio d’água rio abaixo, sendo que seu lago poderia também receber projetos de piscicultura, turismo e lazer.
     Ainda há quem pense que Manso foi construída para gerar energia, o que seria um absurdo pela dimensão de seu lago, maior que a Baía da Guanabara e 10 vezes o Lago de Brasília gerando apenas 210 MW (só a Termelétrica gerava 480 MW antes de ser abandonada). E a geração elétrica é um subproduto importante pois vem garantindo a estabilidade energética ao estado. Mas Manso ainda tem muitos outros potenciais que só começam a ser explorados agora, como a aquicultura e o turismo. O correto aproveitamento integrado de Manso, além de importante para o desenvolvimento regional, seria também uma homenagem ao flagelo da cheia de 1974. O fato é que hoje, em seu Tricentenário Cuiabá pode receber com mais tranquilidade a benção das águas de São José.    

segunda-feira, 4 de março de 2019

AS OBRAS DO VLT


Foto José Lemos
José Antonio Lemos dos Santos
     O artigo da semana passada sobre o “Largo do Rosário” trouxe à baila questões similares sobre as demais obras componentes do projeto do VLT. De fato, o projeto do VLT envolve vários “sub-projetos” muitos também parados, atravancando e enfeiando o espaço urbano, outros já em uso pela população e outros que também poderiam estar sendo usados bastando o interesse público e algumas intervenções inteligentes. Como o objetivo final do projeto do VLT é vê-lo rodando, enquanto isso não acontece a impressão que se tem é que nada foi feito. Mas foi, e o que foi feito, ainda que paralisado e não concluído, podia estar sendo melhor aproveitado paliativamente, ou pelo menos mantido em condições que não prejudicasse tanto a cidade e o cidadão.
     Antes, duas considerações. Primeira, abordo este assunto com tranquilidade pois à época em que se rediscutia a opção entre o BRT e o VLT, posicionei-me em artigo a favor do BRT. O VLT venceu, foi tocado e investidos mais de R$ 1,0 bilhão (sem as correções), dois terços do projeto. A partir daí, sem retorno, sou favorável à sua conclusão. Outra preliminar é que não trato sobre a propalada e provável corrupção que tenha acontecido, assunto para as polícias e tribunais nas suas diversas competências. Reflito aqui sobre alternativas provisórias de utilização para as obras do VLT, não todas as obras da Copa, ainda que antes de concluídas e que estão aí paradas em diversos estágios de execução, sem uso ou até atentando contra a estética e a segurança urbana em pleno Tricentenário de Cuiabá.
     Dentre as obras que já servem à cidade talvez a principal seja a trincheira do Quilômetro Zero. Inimaginável como estaria se não existisse. Outra muito útil é o viaduto “Hotwheels”, como ficou conhecido. Logo que liberado ao uso ficou tão bom que resolveram aproveitar para criar um novo acesso à região administrativa do CPA, complicando de novo o trânsito daquele trecho. Também de grande utilidade são os viadutos da saída para Santo Antônio e o da UFMT, este com problemas iniciais de alagamentos depois aparentemente resolvidos e sofrendo com a não conclusão da nova avenida do Barbado. Ambos com problemas em alças de conversão que podem ser melhoradas com pequenas desapropriações, talvez até previstas no projeto, mas não realizadas. Se não está ótimo com eles, imaginem se não existissem.
Foto José Lemos
     Outras obras inconclusas do VLT também já poderiam ser úteis à cidade como o terreno deixado pelo deslocamento do Atacadão, logo no principal acesso à capital, vindo do aeroporto. Vira um espaço útil apenas com a limpeza do terreno, iluminação, arborização, criação de passeios públicos e a colocação de bancos e aparelhos de ginástica. Que ao menos fosse limpo e feitas as calçadas, que são equipamentos de segurança pública exigidas por lei. Outra obra que pede um uso digno é a estação do VLT em frente ao aeroporto. Com pequenas adaptações poderia servir como confortável abrigo para os ônibus urbanos e metropolitanos que hoje param ali, mas fora da cobertura e na pista de rolamento da avenida pondo em risco o trânsito e os usuários. Outra é o viaduto da Trigo de Loureiro, pronto, mas ainda fechado. Sua desobstrução, sem dúvida ajudaria muito a Avenida do CPA em um de seus trechos de maior conflito. Por fim, a terceira ponte Júlio Muller que muitos nem sabem que foi feita e não é utilizada pelos veículos. Poderia ser tratada urbanisticamente como ciclovia e passagem de pedestres facilitando a vida dos que cruzam diariamente o rio, em especial os moradores do Porto e da Alameda. Talvez até desse um belvedere para apreciação privilegiada do rio por turistas ou mesmo pela população local. Sugestões ainda para o ano do Tricentenário.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O LARGO DO ROSÁRIO

Foto José Lemos
José Antonio Lemos dos Santos
     Suponhamos que você tenha adquirido um imóvel e precisasse demolir uma edificação existente no terreno. Depois por algum motivo você teve que interromper a demolição e essa interrupção durou mais do que o esperado deixando no local as ruínas da demolição não concluída, enfeiando a cidade e oferecendo riscos à segurança e à saúde da população. Se isso acontecesse e se vivêssemos num país onde as leis fossem cumpridas, em especial as a favor da população, em pouco tempo seu imóvel seria vistoriado pela prefeitura para avaliar os riscos à segurança pública ou os prejuízos à estética da cidade e em caso de confirmação dos malefícios, você seria intimado a tomar as providências devidas com prazo fixado e sem prejuízo de multas.
     Seguindo o raciocínio, quando o governo desapropria um imóvel também está assumindo as responsabilidades por ele, ficando sujeito às mesmas regras cabíveis aos simples mortais. Quando o governo decidiu implantar o VLT em Cuiabá tinha como uma de suas primeiras tarefas a desapropriação dos imóveis por onde o projeto passaria. E, de fato desapropriou diversos imóveis. Fato é que, por razões que extrapolam a este artigo, o empreendimento governamental foi paralisado e até hoje, passados quase cinco anos ou mais, não existe perspectiva de prazos para sua continuidade, a não ser a manifestação do governador e seu secretário de infraestrutura no sentido de decidir se sim ou não em um ano, mas afirmam, com preferência inicial pela implantação. Acho bom.
Foto José Lemos
     Enquanto seguia o projeto do VLT muitos dos imóveis desapropriados foram devidamente demolidos e seus entulhos retirados, porém sem nenhum outro cuidado adicional, nem fechamento ou limpeza, e muitos estão hoje servindo para depósito de lixo ou entulhos de terceiros, abrigo de marginais, foco de animais peçonhentos e aedes aegypti, além de enfeiar a cidade. E continuam assim, de mal a cada vez pior. Por suposto a prefeitura não visitou o setor competente do governo cobrando providências ou, se foi, nem deram bola.
     Uma quadra inteira no centro histórico de Cuiabá chamada hoje de “ilha da banana” por parecer com a fruta nas imagens de satélite, é o símbolo maior dessa vexatória situação que traz tão graves prejuízos à cidade. Localizada no sítio onde se deu a descoberta do ouro da origem de Cuiabá, bem em frente a alguns de seus cartões postais como a igreja do Rosário e São Benedito, a igreja do Senhor dos Passos, a mesquita de Cuiabá e colada ao Morro da Luz, deveria ser um dos pontos mais acarinhados pelo cuiabano no Tricentenário. Mas ao contrário, teve a quase totalidade de seus imóveis desapropriados e demolidos restando lá suas ruínas já a anos, colocando sob diversos e graves riscos a população, dando péssima impressão aos turistas, em suma, maculando um espaço que deveria ser sagrado ao cuiabano. Enquanto isso a prefeitura corre atrás de novos projetos para “embelezar” a cidade, quando podia também concentrar esforços na “ilha da banana”.
     No ano do Tricentenário de Cuiabá essa situação não pode perdurar. Como não dá tempo para implantar de forma definitiva o “Largo do Rosário” proposto com o VLT, por certo que até a Festa de São Benedito ainda daria para limpar aquela área, aplainá-la, basicamente um trabalho de tratores complementado com passeios, bancos, iluminação, arborização e gramados em um projeto emergencial simples, compatível com o prazo e a versão definitiva do “Largo”. Muitos dos largos históricos começaram como um espaço simples aberto à frente de igrejas ou órgãos públicos. Alguns dirão que não dá tempo nem para isso. Então, que no mínimo limpem a área despoluindo a paisagem. O que não dá é continuar do jeito que está.
Foto José Lemos

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

DIFERENCIAL HISTÓRICO DE CUIABÁ

Foto José Lemos
José Antonio Lemos dos Santos
     As melhores cidades do mundo aprenderam faz tempo que o patrimônio histórico urbano não é uma carga inútil ou um sacrifício. Ao contrário, ensinam tratar-se de enorme riqueza e que seu aproveitamento sustentável é seguramente um investimento com enorme potencial de retorno financeiro pelo incremento turístico e de outras atividades produtivas na área beneficiada, ou em termos de empregos, renda, merchandising urbano e elevação da autoestima da população. Esta lição vale para qualquer cidade, pois todas têm o que mostrar, contar e encantar aos seus visitantes. É claro que estes benefícios variarão conforme a importância do patrimônio considerado e seu poder de atração, as facilidades de acesso e as possibilidades de combinação com outras atrações otimizando o investimento do turista.
      O centro histórico de Cuiabá tem um significado que transcende a história local, pois a cidade que nasceu do ouro como tantas outras, foi também a ocupação portuguesa mais a oeste da linha de Tordesilhas, em terras então espanholas, quando este Tratado era rediscutido visando a redefinição dos limites da ocupação continental entre portugueses e espanhóis. Prevaleceu então o direito pela posse, o “Uti Possidetis”, e Cuiabá nessa discussão passa desde cedo a ter uma função estratégica para a Coroa Portuguesa na ocupação da hinterlândia continental que veio posteriormente a se consolidar como território brasileiro. Mais que a história de uma cidade, a história de Cuiabá se confunde com a história do oeste brasileiro, aspecto ainda pouco reconhecido pela história oficial brasileira. Com base neste papel transcendental, Dom Aquino chamou Cuiabá de “Celula Mater”, a célula mãe que está na origem de 3 estados e praticamente todos seus municípios, peça chave na ocupação, defesa, promoção e suporte para esta imensa região que hoje se apresenta como uma das mais dinâmicas no mundo. Este grande diferencial está registrado na fisionomia atual da cidade, ainda que seus traços mais antigos estejam desaparecendo.
     Mas o cuiabano histórico, além da fibra, valentia, alegria e hospitalidade que sempre o caracterizaram, ele é também um personagem simples, pacato e de extrema boa-fé, incapaz de reconhecer seus próprios méritos e virtudes. Assim quando se comemora o aniversário da cidade, de fato deveríamos estar comemorando em conjunto o aniversário do oeste brasileiro. Mas, agora de quê? Ao tratar seu patrimônio histórico o cuiabano deveria estar tratando de um registro cultural pertencente também ao Brasil. Aliás, que outro motivo levaria o Centro Histórico de Cuiabá ao tombamento pelo Patrimônio Histórico Nacional? 
     O Centro Histórico de Cuiabá merece tratamento à altura de seu significado diferenciado, postura que deve fundamentar a busca pelas devidas parcerias com o governo federal, também com grande responsabilidade no assunto. Debaixo de um sol inigualável no exato centro geodésico da América do Sul, à beira do Pantanal, próxima à Chapada dos Guimarães, Nobres, termas de São Vicente, das belezas amazônicas e do cerrado, e mesmo das plantações high-tech com suas floradas dos girassóis e algodoais, Cuiabá não pode abrir mão de seu patrimônio histórico urbano enlaçando um extraordinário pacote turístico para Mato Grosso como poderosa ferramenta para seu desenvolvimento e do estado. Porém uma empreitada como esta exige firme convergência de interesses das lideranças políticas e empresariais, da sociedade civil organizada e das autoridades governamentais em todos os poderes e instâncias. Em suma, união e vontade política, recursos indispensáveis, mas que infelizmente se mostraram escassos nestas décadas em que o assunto tem sido tratado. 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

RUÍNAS DO CENTRO HISTÓRICO

José Antonio Lemos dos Santos
     As lágrimas que caem a cada desmoronamento no centro histórico de Cuiabá, mesmo as dos crocodilos, não caem pelo patrimônio que se esvai, caem por nós. O que estamos fazendo com a história de Cuiabá, parte significativa da história do Brasil, faz lembrar John Donne, que conheci numa citação de Hemingway: ”A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
     A história é antes de tudo a história dos homens que a protagonizam deixando marcas ao longo do tempo em suas diversas manifestações como arquitetura, pintura, música, literatura, tecnologia e outras que passam a ser consideradas a própria história que as gerou, tomando a obra pelo seu criador. Parafraseando Donne, a cada patrimônio perdido diminui cada cuiabano de coração, nato ou não, pois somos parte direta dessa história de Cuiabá. Daí, a dor e as lágrimas dos cuiabanos pela destruição acelerada de seu centro histórico pois é a destruição da história de cada um de nós e de todos nós, e um povo sem história morre, desaparece. Não pergunte, pois, por quem choramos, choramos por nós, pela nossa própria destruição, que acelera a cada eventual patrimônio que desaparece.
     O que seria a história presente se não a construção do futuro com as condições deixadas pelo passado? Ou, a história não seria o futuro chegando rapidinho, tornando-se presente e de imediato virando passado? Passado, presente e futuro são momentos diferentes de um mesmo fluxo, a história. Assim, chorar pela destruição da história é prantear também pelo presente e pelo futuro. Em especial no caso de Cuiabá pois seu maior patrimônio histórico é o futuro. Que outro motivo haveria para as gerações passadas sofrerem tanto isolados neste ermo do mundo, a não ser para legar ao futuro uma localização mágica, que hoje se revela privilegiada e estratégica no exato centro do continente sul-americano e centro de uma das regiões mais ricas do planeta? Daí o atual dinamismo vivido por esta cidade, iluminada pelo futuro que brilha à sua frente. Bem diferente de suas irmãs do ciclo do ouro transformadas em museus, Cuiabá segue viva em função do futuro que lhe foi legado. Falta-lhe compatibilizar o futuro com o passado, como fazem as melhores cidades do mundo. Sabem que cuidar do passado é promover o orgulho local e gerar renda e empregos de qualidade.
     Outro dia desmoronou a Gráfica Pepe, casarão de refinada arquitetura, queda anunciada e assistida por todos pois já há algum tempo a fachada se inclinava sob o peso do belo e autêntico frontão eclético, uma joia que foi caindo à vista de todos e caiu. Ano trasado foi a Casa de Bem-bem, peça rara da arquitetura colonial brasileira. Antes, a casa de Rolim de Moura, primeiro governador do estado e primeiro Vice-Rei do Brasil. Foram-se também as de Dutra e Murtinho. Foi-se o Palácio Alencastro, depois a Catedral e o sobradão do antigo PSD. Qual será o próximo? Talvez a Casa Orlando do último abastecimento do lendário Coronel Fawcett? O sobradão do Beco Alto? as casas de Generoso Ponce e Deodoro? A de Floriano nem se tem notícia.
     O mesmo acontece com a Arena Pantanal, moderna, mas não menos histórica, um edifício aclamado no mundo, palco para grandes eventos nacionais e internacionais, porém, criminosamente abandonada. E com ela vai o futuro que prometia, assim como o futuro prometido pela ferrovia, pelo gasoduto e termelétrica, pelo Porto Seco, pela internacionalização do aeroporto, pelos COTs da Copa e tantas outras potencialidades, tudo abandonado. E nós cuiabanos assistindo, quando muito choramos, lágrimas para nós mesmos. Até quando?


terça-feira, 29 de janeiro de 2019

O TRIMILIONÉSIMO PASSAGEIRO

Imagem:Jornal Baixada Cuiabana
José Antonio Lemos dos Santos
     Ele já esteve no Marechal Rondon em 2014 e 2015 e por um triz não chegou pela primeira vez em 2013, como até arrisquei a prever em artigo da época. Errei por pouco. Tivesse o ano uma fração de dia a mais em seu calendário e o trimilionésimo passageiro anual teria desembarcado em Várzea Grande antes da Copa. Mas veio em 14 e 15 colocando o principal aeroporto de Mato Grosso em um novo patamar de importância. Depois o movimento aéreo de passageiros caiu bastante em todo o Brasil e a frequência de passageiros no Marechal Rondon recuou em 16 e 17, voltando agora em 2018 a superar os 3 milhões de passageiros no ano, 3.006.701 exatos. Qual a importância? Seria só para dizer que o movimento do aeroporto de Cuiabá é o dobro do de Campo Grande ou que é maior que o de Manaus, com Zona Franca e tudo?
     As cidades não são pontos isolados no espaço, mormente agora no mundo globalizado. As cidades, grosso modo, são centros produtores de bens e serviços atendendo à demanda de uma região que será maior ou menor conforme a força de suas centralidades, podendo ir desde a pequena vila atendendo a uma pequena região rural até às capitais globais envolvendo todo o planeta. Assim, as cidades se organizam em redes e, grosso modo, são nós em uma rede de fluxos intercambiáveis de bens e serviços, hierarquizada funcionalmente de acordo com a importância e/ou volume dos fluxos que gera de entrada ou saída.
     Por bens e serviços resumimos produtos primários, manufaturados e industriais ou serviços comerciais, bancários, de educação, saúde, cultura, ciência, entretenimento, etc. cujos fluxos se deslocam através de canais de ligação que são as rodovias, ferrovias, hidrovias, infovias, dutovias, aerovias, internet, e outros que eu tenha esquecido ou que possam estar sendo inventados. Maior a disponibilidade destes canais em quantidade e qualidade, maior a capacidade de geração e diversificação de fluxos de uma cidade, logo, maior a força de sua centralidade, maior seu dinamismo e capacidade de geração de emprego, renda e qualidade de vida para sua população.
     Para se conectarem às estruturas urbanas pontuais, os fluxos precisam de interfaces compatíveis, sendo os aeroportos um de seus mais importantes exemplos atendendo aos fluxos aeroviários e que precisam estar dimensionados de acordo com suas demandas presentes e futuras. Pelos aeroportos chegam e saem cargas e, em especial, pessoas que podem ser turistas, estudantes, compradores, vendedores, investidores, etc., em suma, pessoas, o principal agente de desenvolvimento. Assim, quanto maior o movimento de um aeroporto maior o dinamismo e as potencialidades da região a qual conecta e a chegada do trimilionésimo passageiro do Marechal Rondon expressa a pujança de uma das regiões mais dinâmicas do mundo da qual é a porta de entrada.
     A posição estratégica do Marechal Rondon no exato centro da América do Sul aponta para ricas possibilidades de conexões diretas com o mercado sul-americano que há muito já deviam estar sendo exploradas em prol do desenvolvimento de novas potencialidades regionais. O atual governador Mauro Mendes quando prefeito mostrou ter a visão correta do papel de Cuiabá como capital do agronegócio e, por conseguinte, do Aeroporto Marechal Rondon. Quem sabe agora sairá a linha aérea para Santa Cruz de la Sierra, um começo para novas conexões internacionais? Por ora, o importante é que o trimilionésimo passageiro voltou, e de novo sem retrato, sem foguete ou banda de música, como o milionésimo em 2007 e o duomilionésimo em 2010. Que tenha vindo para ficar puxando com ele para Mato Grosso, muito em breve, o quadrimilionésimo passageiro com tudo o que representa.

sábado, 26 de janeiro de 2019

CUIABÁ VISTA DO MORRO DE SANTO ANTONIO

Foto Werner Fockink

     O normal é a gente ver da cidade o Morro de Santo Antonio, o Toroari bororo. Difícil é a gente ver a cidade no topo do Morro de Santo Antonio como nesta foto tirada pelo dr. Werner Fockink e gentilmente enviada por ele ao Blog do José Lemos. 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

CONSERTO DO RELÓGIO

                                                  Conserto do relógio da Catedral em Cuiabá
                                                              Foto do arquiteto Ademar Poppi

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

BASE AÉREA EM CÁCERES


Pista de Cáceres (imagem:JornalOeste)
José Antonio Lemos dos Santos
     Tão logo empossado o secretário de segurança do estado Alexandre Bustamante tem anunciado que cobrará uma presença mais efetiva do governo federal no controle da fronteira aqui em Mato Grosso, colocando inclusive, entre outras importantes questões, a necessidade de instalação de uma base aérea na região, assunto que tenho abordado há décadas, tamanha é sua importância para vida nas cidades brasileiras e, em especial para as mato-grossenses, destacando a Região Metropolitana de Cuiabá. A questão da base aérea levantada pelo secretário ganha muita força com a existência em Cáceres de uma pista de pouso subutilizada com 1.850 x 30m, capaz de receber jatos de carreira, em posição estratégica em relação aos 1.100 Km de fronteira bem como em relação ao Pantanal que vem servindo como plataforma de recepção de cargas de drogas e armas lançadas por pequenos aviões ou vindas por terra mesmo. Não seria um bom começo para uma revolução na segurança da fronteira mato-grossense e na vida de nossas cidades?
     Recordo que em outubro 2009 registrei em um artigo a apreensão pela Polícia Federal no Trevo do Lagarto de um carregamento de armas modernas e poderosas destinadas ao Rio de Janeiro. O transportador havia informado que aquela era a terceira viagem desse tipo que fazia. Quantas outras cargas já teriam então passado por outros transportadores? Na semana imediatamente anterior fora apreendida uma enorme carga de cocaína e no mês anterior havia sido descoberta uma fazenda no pantanal usada para distribuição de drogas que chegavam por avião. Claro que essa situação vinha de muito antes, certamente continua até hoje em volumes muito maiores e continuará caso faltem providências estruturantes fortes como as anunciadas pelo secretário.
     Um dos principais problemas das cidades brasileiras é a insegurança pública total, impondo-lhes um quadro de medo e violência jamais visto. Esta situação é fomentada e se agrava pelos tráficos de drogas, armas e veículos, que se articulam em poderoso esquema nacional e internacional submetendo aos seus interesses e caprichos povos do mundo inteiro, em especial os jovens. Como pensar em qualidade de vida urbana numa situação destas? Nossas cidades sofrem.
     É de ressaltar que jamais será suficientemente enaltecido o trabalho que com todas as dificuldades e riscos é feito pelas polícias militar e civil do estado, Polícia Federal, polícias rodoviárias federal e estadual, e pelo Exército, bem como a importância dos governos continuarem incrementando essas ações terrestres na fronteira. Mas, no caso de nossa fronteira é indispensável lembrar que Mato Grosso é um dos únicos estados do Brasil a não dispor de uma Base Aérea. Mato Grosso do Sul tem, Goiás tem apesar de vizinha a de Brasília, e Rondônia tem duas! Considerando os 1.100 quilômetros de fronteira do estado – dos quais 700 em fronteira seca, e que seu território equivale a mais de 10% do território nacional, o absurdo dessa situação salta aos olhos. O problema se agrava na medida em que toda a fronteira nacional esteja protegida por bases aéreas e as rotas do crime acabem migrando para o grande rombo ainda existente nas fronteiras brasileiras, que fica justamente aqui, na nossa fronteira. E é o que parece acontecer cada vez pior e com mais intensidade.
     Tal como a ferrovia passando por Cuiabá, o gás e a restituição integral aos mato-grossenses pelo governo federal do ICMS que deles foi “emprestado” pela Lei Kandir, uma base aérea na nossa fronteira é um projeto que merece o apoio de todos os mato-grossenses e neste caso da base, de todos os brasileiros pois o rombo em nossa fronteira é uma das principais fontes de abastecimento do crime em todo o Brasil.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

O ANO DO TRICENTENÁRIO

Cuiabá Sob o Duplo Arco-Íris 14/01/19 Foto: Cássia Abdalah
José Antonio Lemos dos Santos
     Enfim chegou 2019, um ano que parecia não chegar nunca, tantas as atribulações vividas em 2018 especialmente no Brasil pelo seu grave momento político, e mesmo no mundo com EUA e Coréia do Norte arreganhando-se os dentes com ameaças nucleares que felizmente deram em nada. 2019 enfim chegou trazendo para o Brasil os novos governos, federal e estaduais, e novos parlamentos, escolhidos após duras eleições renovadoras de esperanças e apreensões para o país.
     Para Cuiabá 2019 vai além, afinal é o ano do Tricentenário aguardado há anos com grande expectativa pela população. A efeméride marca a fundação de uma cidade especial nascida do ouro e  que nestes seus 300 anos viveu mais momentos de isolamento, sofrimento e luta do que de ostentação e opulência, sacrifício que contudo lhe rendeu uma história rica em episódios de heroísmo e bravura com vultos de destaque mundo afora, um modo de viver plasmado pelo calor sadio e uma cultura fascinante que vai do erudito ao popular, de José Magno ao rasqueado e lambadão, passando pela culinária, o guaraná e o tereré, mitos e lendas. Porém o principal produto é a simpática figura do cuiabano folclórico de linguajar exclusivo, simplório, pacato, festeiro, criador de apelidos como ninguém e, sobretudo, hospitaleiro.
     Hoje a cidade é uma metrópole dinâmica, centro de uma das regiões mais produtivas do planeta. A história que vem dos garimpos originais e chega até hoje apontando para um futuro exuberante é o pano de fundo da grande expectativa cuiabana. Para os especialistas era importante que a data não fosse marcada só pelos festejos, mas que a própria urbs se estruturasse elevando seus padrões de qualidade de vida conforme as novas funções regionais, nacionais e globais a que se destinava com a esperada polarização de uma das principais fontes de alimentos do mundo. Assim, na década de 80 um grupo de profissionais capitaneados pelo IAB-MT, APA-MT, CREA-MT, UFMT e Câmara Municipal deflagrou um movimento visando institucionalizar o planejamento urbano estrutural de longo prazo em Cuiabá e preparar a cidade para os saltos de desenvolvimento que viriam. Este processo inseriu um capítulo dedicado à Política Urbana na Lei Orgânica Municipal de 1989. O horizonte de planejamento era de 30 anos, portanto, 2019, já pensando no Tricentenário, tendo ainda como meta mais curta a virada do século, sistema este que durou só até o segundo quinquênio dos anos 2000.
     Deixou, todavia avanços como a criação do IPDU, do Conselho de Desenvolvimento Urbano e da SMADES, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e suas leis, como as do Uso e Ocupação do Solo Urbano e da Hierarquização Viária, bem como vários projetos pontuais como o Parque Mãe Bonifácia, o finado Aquário e o Centro de Eventos do Pantanal. A ideia urbanística básica era a cidade crescer para dentro, adensá-la e compactá-la, reduzindo custos operacionais, otimizando infraestrutura e facilitando a mobilidade urbana. Com a desativação do sistema voltamos ao pragmatismo das soluções imediatas, que também legou projetos pontuais importantes como os parques das Águas e Tia Nair.
     Nas últimas décadas iniciativas isoladas trataram do assunto em matérias jornalísticas, seminários, palestras, artigos publicados, destacando os eventos bianuais denominados “Edificar” produzidos pelo Sinduscon-MT e Secovi-MT e a criação pela prefeitura de uma secretaria especial para o Tricentenário. Porém, apesar de tudo, o grande diferencial foi a Copa, inesperada e para mim um artifício do Bom Jesus de Cuiabá para ajudar no preparo de sua cidade para seu tricentésimo aniversário. Enfim 2019, um marco para uma bela história.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

2018, A NAÇÃO VITORIOSA

Imagem:CartaMaior
José Antonio Lemos dos Santos
     Não se trata de quem ganhou ou deixou de ganhar as eleições, nem de discutir se os caminhos escolhidos foram os melhores, mas de uma nação que ao iniciar o ano tinha pela frente um conjunto de desafios e escolhas de enorme dificuldade e que ao final sai vitoriosa, ainda que chamuscada, combalida em função dos duros e sucessivos embates incontornáveis. Os riscos em cantar vitória antes do tempo são grandes pois ainda faltam alguns dias para o fim do ano e no Brasil existe a qualquer momento a chance de uma rasteira de esquerda ou de direita, de cima ou de baixo na ordem institucional.
     2018 parece ter sido enfim o ano do encontro do Brasil com sua própria história, com a qual um dia teria que prestar contas para definir seu próprio caminho e deixar de ser este país do faz de conta para inglês ver ou um país laboratório para francês estudar, eterno túmulo caiado com pouco ou nenhum compromisso com a vida e os reais interesses de seu povo. A vitória tratada aqui é a das instituições nacionais que sobreviveram após os embates mostrando que, ainda que frágeis, são bem maiores e mais fortes do que seus eventuais componentes. Preservadas, fica mantida a trilha democrática como caminho para a evolução do país através de sucessivas eleições com novos e livres posicionamentos, e a alternância do poder, reforçando ou corrigindo escolhas anteriores.
     Em um ambiente de economia em forte recessão e grave crise de desemprego, ao iniciar 2018 os desafios políticos nacionais antevistos também eram muitos, a começar por um presidente enfraquecido por um mandato de legitimidade fortemente contestada por sua origem. E logo haveria o julgamento em segunda instância de um ex-presidente, eleito por duas vezes ao cargo e um dos maiores líderes políticos do país. Esse resultado implicaria ou não em sua prisão e nas possibilidades legais de sua nova candidatura a presidente? Como seriam recebidos pelas ruas os possíveis resultados de absolvição ou condenação do líder? Caso condenado, o país estaria preparado para a aplicação da pena? Ademais surgia uma incisiva candidatura de direita. Os riscos de radicalização política do país eram evidentes mesmo antes do início do processo eleitoral. O país conseguiria chegar até as eleições e realizá-las? E resistiria aos embates eleitorais? A radicalização chegou a tiros em uma caravana do ex-presidente e à uma trágica facada no candidato posteriormente eleito. Mas a nação resistiu.
     Pior, além dos problemas previstos aconteceram também os imprevistos, como as graves denúncias da JBS contra o já enfraquecido presidente da República, a greve dos caminhoneiros que quase levou o país ao caos completo, e a morte em acidente aéreo de um dos mais importantes ministros do STF naquele momento. Mas a nação resistiu.
     O presidente Michel Temer cuja figura pessoal ou política jamais me inspirou simpatia ou confiança, que nunca recebeu meu voto e nem receberia, mesmo com um mandato contestado surpreendeu ao mostrar grande habilidade no trato político e muita paciência nos momentos mais críticos. Soube fingir de morto nas horas certas, e de fraco quando preciso evitando reações mais enérgicas que poderiam fazer o circo pegar fogo, mas também soube ser forte e corajoso como na recuperação da Petrobrás e na intervenção no Rio de Janeiro. Assim, como um verdadeiro “bagre ensaboado”, enfrentou as águas turvas e revoltas das crises enfrentadas assegurando ao país as fundamentais eleições ameaçadas, emplacar algumas reformas, enquadrar a inflação e reverter ainda que timidamente o quadro da crise econômica e social de recessão e desemprego. E a nação resistiu e venceu 2018. Até agora.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

ARQUITETOS E POLÍTICA

Cuiabá vista do Ribeirão do Lipa (imagem: blog gerencialconstrutora)
José Antonio Lemos dos Santos
     O artigo da semana passada avaliando os resultados das eleições proporcionais deste ano em Mato Grosso suscitou algumas considerações adicionais. Uma é recorrente e me persegue questionando o que tem a ver arquiteto com política tendo em vista o tratamento público dado ao assunto por alguns profissionais desta área, dentre os quais eu, mesmo não sendo especialistas. A oportunidade do Dia do Arquiteto, agora no último dia 15 de dezembro, permite alinhar algumas explicações. Bastaria dizer que o arquiteto além de técnico também é um cidadão como qualquer outro, cabendo-lhe assim a responsabilidade de sempre se preocupar e se manifestar sobre os destinos de sua cidade, estado e país. Porém, no caso do arquiteto cabem algumas razões especiais.
     Tendo como mister essencial a transformação do espaço em geral em abrigos “latu sensu”, belos, funcionais, seguros, sustentáveis e sobretudo dignos, indispensáveis ao desenvolvimento do homem em sociedade, a Arquitetura é uma das profissões com maior amplitude de competências abrangendo desde a arquitetura de interiores, passando pelo edifício, bairros, cidades, metrópoles chegando até ao planejamento regional enquanto expressão das cidades organizadas em redes hierárquicas. Ou seja, a matéria-prima trabalhada pelo arquiteto é o espaço em todas as suas dimensões. Ocorre que por problemas internos à própria categoria a profissão não é tão bem compreendida pela sociedade, limitando este entendimento a uma ou duas de suas áreas de atuação, também importantes, mas não as únicas neste amplo campo de competências do profissional chamado arquiteto, que por formação e pela lei assina tecnicamente como arquiteto e urbanista.
     O espaço, matéria-prima da arquitetura, é contínuo e em sua continuidade interliga suas parcelas aparentemente isoladas de tal forma que hoje uma das primeiras condições na elaboração de um projeto arquitetônico é a avaliação de suas relações com o entorno. Assim, mesmo as intervenções de caráter pontual têm interferências no espaço coletivo, no mínimo na vizinhança mais próxima, o que agrega de imediato à Arquitetura um caráter político, entendendo este como o conjunto de preocupações voltadas à promoção do bem comum, da coisa pública, da “res-publica”. Daí as atividades dos arquitetos não se submeterem só à normas técnicas, mas também à leis e normas edilícias e urbanísticas que dependem da interferência decisiva dos políticos do executivo ou do legislativo em todos os níveis de governo. Como exemplos, o Código de Obras ou a Lei do Uso e Ocupação do Solo Urbano.
     Assim, entre o arquiteto e seu objeto de trabalho estão sempre os poderes públicos representados pelos políticos, pois estes são, ou deveriam ser, os representantes do povo cabendo a eles as decisões de fazer, do que fazer, como fazer, ou não fazer, decisões que precisam ser sempre embasadas em assessorias técnicas especializadas e estruturadas institucionalmente. Desse modo a preocupação do arquiteto com a política deve se dar em todo o seu campo de competências, e muito em especial quando dedicado ao planejamento urbano ou regional.
     Convém lembrar sempre que sendo um objeto construído, a cidade tem uma dimensão técnica inalienável. Mas como esse objeto tem um “dono coletivo” - o cidadão aos milhares ou milhões - tem ainda uma dimensão política também inalienável. A técnica e a política devem andar juntas, sem supremacia de uma ou outra. Daí o imperativo do interesse do arquiteto pela política, em especial nos critérios definidores da qualidade dos políticos como representantes do povo com a responsabilidade de buscar sempre a realização do bem-comum, dos interesses republicanos, dos quais a cidade é o maior exemplo.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

PROPORCIONAIS, NÚMEROS E REPRESENTATIVIDADE

Charge prof. José Maria de Andrade

José Antonio Lemos dos Santos
     Nestas eleições Mato Grosso contou com 2.329.374 eleitores aptos a votar. Destes, 571.047 e 555.860 votaram diretamente nos candidatos eleitos a deputado federal e estadual respectivamente. Ou seja, nas eleições proporcionais deste ano menos de 1 em cada 4 do total de eleitores de Mato Grosso (menos de 25%) elegeu diretamente o candidato em quem votou. Se você se encontra entre estes que viram seu candidato eleito diretamente com seu voto, parabéns, você se encontra naquele menos de um quarto dos eleitores mato-grossenses que conseguiu esse privilégio e agora, após o voto, pode continuar a cumprir seu dever cívico de acompanhar, colaborar ou cobrar, aplaudir ou criticar o desempenho de seu escolhido nos respectivos parlamentos.
     Ocorre que do total dos 2.329.374 eleitores mato-grossenses nem todos foram tão felizes já que 800.033 e 841.164 votaram nos candidatos não eleitos a deputado federal e estadual respectivamente. Ou seja, nas proporcionais os que não foram eleitos em seu conjunto tiveram diretamente neles muito mais votos que os eleitos. Mas se você estiver entre estes não deve estar aborrecido pois sabe que os votos nas proporcionais nunca são perdidos e o seu também não foi ajudando na definição daqueles que foram eleitos ao completar os votos necessários à conquista de cada uma de suas cadeiras, número estabelecido pelo Quociente Eleitoral, que no caso foi de 185.158 e 63.138 eleitores respectivamente para federal e estadual.
      Até aqui nenhum demérito aos eleitos, afinal assim são as proporcionais nos países de democracia mais avançada. O grande problema fica com esta maioria de eleitores que indiretamente elegeu candidatos sem saber quem são, e foram decisivos nela. Por exemplo, mesmo o candidato mais votado para deputado federal que teve 126.249 votos, precisou de mais 58.909 votos dados a outros candidatos companheiros de chapa para completar o Quociente Eleitoral, sem o que não seria eleito. Para se ter uma ideia, para esta complementação o mais votado precisou de mais votos de seus correligionários derrotados do que os 49.912 votos obtidos pelo eleito a federal menos votado, o qual, por sua vez precisou de 135.246 votos dados a seus companheiros de chapa derrotados para se eleger. Por essa característica a Justiça Eleitoral decidiu que nas proporcionais as cadeiras pertencem aos partidos e não aos candidatos. Mas, incrível, mesmo assim podem mudar de partido, levando com eles os votos dados a outros que foram companheiros de chapa na eleição. Sinceramente não dá para entender.
     Já o estadual mais votado alcançou 51.546 votos e mesmo sendo o mais votado precisou de 11.592 votos dados a seus companheiros derrotados, mais que os 11.374 votos obtidos pelo estadual eleito menos votado, que por sua vez precisou de recorrer a 51.764 votos dados a seus companheiros de chapa derrotados, quase 5 vezes os votos dirigidos diretamente a ele. E mesmo assim pode mudar de partido.
     Sem demérito aos eleitos, assim são as proporcionais. O grande problema, repito, é que no Brasil as listas dos candidatos por partido ou coligação não são dadas ao conhecimento do eleitor, que vota em um time de candidatos sem saber quais são seus componentes. Assim, essa maioria de eleitores que não elegeu diretamente seus escolhidos acaba indiretamente elegendo outros sem saber quais poderiam ser, muitas vezes um que até queria fora da vida pública, e a representatividade das proporcionais cai a zero pois ao fim não expressa nem a escolha por candidatos individuais, nem a proporcionalidade política que deveria expressar. Pior, o eleitor fica com a pecha de não saber votar, paga a conta, o pato e ainda sofre as consequências.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

URBANISMO E REPÚBLICA

Morro da Boa Esperança após deslizamento (Imagem:Cidade de Niterói)
José Antonio Lemos dos Santos
     8 de novembro passado, Dia Mundial do Urbanismo e antevéspera de mais uma tragédia urbana anunciada e evitável, 8 anos após o drama do Morro do Bumba com quase 50 mortos. De novo na mesma Niterói, uma das cidades brasileiras mais desenvolvidas, mas que desde 2010 não conseguiu concluir o levantamento de suas áreas de risco. 8 de novembro, início de uma semana que poderia ser encerrada no dia 15 de forma menos melancólica com o 129º aniversário da Proclamação da República. Contudo, na madrugada do dia 10 depois da festinha pelos 3 anos de Arhur, a grande pedra que pairava a anos sobre a cabeça de todos e à vista de todos, rolou no Morro da Boa Esperança soterrando um conjunto de casas matando 15 pessoas, entre elas o pequeno aniversariante e sua irmãzinha Nicole de 8 meses.   
    Comemorar Urbanismo e República no Brasil só se for para lembrar a enorme defasagem civilizatória do país, onde Urbanismo e República não passam de figuras de retórica. Civilização e cidade são irmãs xipófagas inseparáveis em que uma não pode viver sem a outra, e a cidade é o maior e melhor exemplo de uma “res-publica”, do bem comum, sentido maior do conceito republicano. Nada mais incompatível com o urbano do que a barbárie da prevalência de interesses pessoais, partidários ou grupais sobre aqueles princípios civilizatórios vitoriosos em quase todo o mundo da vida colaborativa em um espaço comum, a cidade, que deve funcionar para todos ou não funciona.
     As cidades são objetos artificiais dinâmicos, construídos e em constante construção e reconstrução pelo homem. Entre nós cabe às prefeituras a coordenação dessa obra imensa e contínua, bem como organizar e garantir seu funcionamento seguro, confortável, sustentável e, sobretudo, justo. Como objeto construído, a cidade tem uma dimensão técnica que lhe é inalienável. Ademais, ela é um objeto que tem múltiplos donos, os cidadãos, todos com direitos sobre ela, o que lhe acrescenta outra dimensão, a política, também inalienável. Estas duas dimensões, a técnica e a política têm que funcionar juntas.
     Ocorre que as cidades brasileiras foram dominadas pela política que marginalizou aos poucos até praticamente suprimir a participação técnica em seus processos de gestão. Sem a técnica, a política virou politicagem a qual só interessa ganhar as eleições a cada 2 anos. Salvo umas 5 ou 6, as cidades brasileiras transformaram-se em grandes butins eleitorais a serem exploradas conforme interesses menores. As leis e normas que seriam de execução obrigatória passam a ser tratadas como prerrogativas e aplicadas ou não de acordo com o custo/benefício em número de votos. A ciência do Urbanismo fica de fora pois estorva a liberdade das autoridades na exploração do rico butim e o planejamento urbano vira uma obrigação legal de “ter”, mas não de “fazer”. Daí a falta de estruturas técnicas especializadas nas prefeituras e a não aplicação das leis e outras normas urbanísticas, como as “áreas de risco”, em uma das quais deixaram ficar a casa do Arthur, crime no mínimo de negligência urbanística. Porém, o Urbanismo fica fora até das comissões de apuração das responsabilidades.
     Não foi a chuva, a pedra ou o morro que matou Arthur, sua irmã e vizinhos, mas nossa irresponsabilidade pública. A pedra que pairava sobre aquele brasileirinho, paira também sobre a cabeça de cada um de nós. Sabemos que a qualquer momento ela vai despencar, não só nas áreas de risco, mas nas obras malfeitas, no trânsito bagunçado, na poluição, na infeliz novidade do lixo aéreo, nas inundações como a de Belo Horizonte no dia da República matando 5 pessoas, e em todas as arapucas que a barbárie nacional consegue agregar à nossa vida urbana. 

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O RESGATE DO FUTURO

Indústria do vestuário em Cuiabá (HiperNotícias)

José Antonio Lemos dos Santos   
     Em artigo de 1999 saudei a expectativa de que a virada do século impulsionaria Cuiabá a um terceiro salto de desenvolvimento, qualitativamente diferente dos anteriores. Na época à frente do IPDU da prefeitura, tinha a leitura de que em sua história Cuiabá havia dado dois grandes saltos de desenvolvimento. O primeiro chamávamos o “salto da sobrevivência” quando sobreviveu à exaustão do ouro, e o segundo, na última metade do século XX, quando a cidade deixa de ser fim de linha e passa a servir de apoio para a ocupação da Amazônia Meridional, o “portal da Amazônia”, quando a cidade decuplicou sua população. O artigo era um alerta pela preparação urbanística da cidade para esses novos tempos do novo século, hoje ainda mais válido.
     Com a ocupação o antigo “vazio econômico” passou a gerar riquezas em especial na agropecuária. Se Cuiabá centralizara uma grande região pouco produtiva, na virada do século passaria a ser o centro de uma região altamente dinâmica, de produção crescente e desafiadora. Ou seja, aquela região que por séculos foi protegida para os brasileiros e apoiada em seu desenvolvimento por Cuiabá, passaria a gerar um fluxo reverso de riquezas empurrando a cidade para cima dando origem então ao “terceiro salto” saudado naquele artigo de 1999 do ponto de vista de Cuiabá, mas válido também para o estado, duas faces de uma moeda.
     Porém a previsão do artigo para terceiro salto era mais ambiciosa com os megaprojetos que entusiasmavam todos na época e eram tidos como irreversíveis. O então governador Dante de Oliveira, saudoso estadista, anteviu a imensa produção primária estadual e buscou criar condições para sua verticalização dentro do próprio estado, viabilizando com seu prestígio nacional grandes projetos em especial nas áreas de transportes e energia, destravando o projeto da Ferronorte que cruzaria o estado do sul ao norte e hoje já estaria com seus trilhos nos portos amazônicos do Pará e Rondônia se não parassem a 5 anos em Rondonópolis, a continuidade da BR-163, a internacionalização e ampliação do aeroporto Marechal Rondon, com linha aérea funcionando para a Bolívia (depois perdida para Campo Grande). Na área da energia destravou Manso e viabilizou o complexo gasoduto/termelétrica, um audacioso projeto internacional de US$ 1,0 bilhão deixado em operação e hoje vergonhosamente paralisado. Lutou pela ecovia do Paraguai, por uma saída para o Pacífico e criou o Centro de Convenções do Pantanal.
     Após quase 20 anos, a euforia daquele artigo ficou pela metade. A parte referente à sociedade civil trabalhadora e empreendedora, superou as expectativas. Mato Grosso hoje é o maior produtor agropecuário do Brasil, com seu PIB crescendo 2 vezes o chinês e 10 vezes o brasileiro, puxando uma ampla cadeia produtiva. Mas a outra metade dependente dos governos e dos políticos foi decepcionante. Pior que não fazer é não concluir o que já estava começado e pior ainda é deixar desfazer o que já estava em funcionamento. A ferrovia parou por interesses menores, a ampliação do aeroporto ainda não foi concluída, o complexo gasoduto/termelétrica está desativado e o voo para Santa Cruz ficou para algum mês que vem, e que não vem nunca. A outra metade aguarda um quarto salto de desenvolvimento, o da verticalização.
     Cidadão, empresário e político já de uma geração de mato-grossenses fruto dessa história recente, o governador eleito sabe que Mato Grosso vem perdendo para outros a maior das riquezas que produz, os empregos de qualidade. A iminente condenação do estado a um celeiro desafia o novo governador a resgatar o futuro que já devia ter acontecido liderando a mais urgente das providências para Mato Grosso, o salto da verticalização e da qualidade de vida. Que Deus o ilumine.