"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 21 de abril de 2009

CRESCER PARA DENTRO (II)

José Antonio Lemos dos Santos


     A amplitude de um assunto como o controle do desenvolvimento de uma cidade com mais de meio milhão de habitantes, visando o adensamento e a otimização de sua infraestrutura em um horizonte de 10 anos, certamente foge ao escopo de um artigo. O da semana passada recebeu dos leitores bons comentários e questionamentos que ajudam a esclarecer a idéia proposta, e por isso abordo alguns deles.
     Primeiro, ao me referir à responsabilidade dos cidadãos, lideranças e autoridades da cidade no processo, referia-me não só ao prefeito, mas também, aos vereadores - co-autores da lei - e mesmo ao Ministério Público, não só o Estadual, mas sobretudo o Federal, pois o respeito ao perímetro urbano é determinado por lei federal.
     Outro ponto foi a expressão “crescer para dentro” ter erradamente dado a idéia de trazer toda a futura população adicional da cidade para o seu centro histórico, já congestionado, inviabilizando a qualidade de vida, ao invés de melhorá-la. Diferente disso, a idéia é crescer ocupando os espaços vazios e os milhares de lotes ociosos existentes dentro da macrozona urbana, excessivamente extensa devido a conjuntos oficiais construídos por governos no passado, fora do perímetro urbano da época, forçando sua ampliação para abrangê-los e permitir suas regularizações.
     Cuiabá tem uma macrozona urbana com 252 Km² de área, para cerca de 600 mil habitantes, o que dá a baixíssima densidade de 24 habitantes por hectare. Para comparação, a cidade de Nova York, na ilha de Manhattan, tem uma área de 59,5 Km² para 1,6 milhão de habitantes, enquanto que Paris tem 105,4 Km², para 2,2 milhões de habitantes, ambas, portanto, com densidades superiores a 200 hab./ha e, mesmo assim, referências mundiais em qualidade de vida urbana. Uma das razões desse padrão de qualidade é justamente a otimização do espaço urbano, pela qual ambas têm seus custos operacionais per capita 10 vezes menores que os de Cuiabá, por exemplo, podendo oferecer 10 vezes mais benefícios para sua população pelo mesmo preço.
     Mesmo que a Carta de Atenas recomende, não dá para chegar a tais padrões, nem se quisesse. Obedecidos os limites do perímetro urbano e mantidas as atuais taxas de crescimento demográfico para os próximos 10 anos, o adicional de população previsto para o período vai girar entre 130 e 150 mil habitantes, ou seja, não chegaríamos nem aos 30 hab/ha. Seria pouco (aparentemente) em termos de redução de custos, porém com a enorme vantagem de evitar seus acréscimos, como os já sofridos por Cuiabá por causa das ampliações urbanas irresponsáveis citadas.
     O crescimento demográfico previsto demandaria entre 33 a 38 mil novas moradias e, hoje, Cuiabá conta com 40 a 45 mil lotes ociosos, já com arruamento e alguns serviços urbanos, no mínimo. Então, em tese, toda a população adicional prevista para Cuiabá nos próximos 10 anos poderia ser acomodada em residências unifamiliares sem precisar abrir mais um metro de rua. Se um quadro desse fosse possível, os investimentos a ser feitos em novas áreas seriam aplicados em áreas já ocupadas, melhorando seus padrões de infraestrutura, beneficiando também os moradores atuais, carentes da qualidade urbana.
     Distantes dos níveis de Paris ou de Nova York, os 50 hab/ha de São José do Rio Preto são uma boa referência tupiniquim. O respeito aos limites do perímetro urbano é fundamental para que se alcance níveis mínimos de administrabilidade e viabilização urbanas, indispensáveis ao desenvolvimento dos padrões de qualidade da vida que queremos para Cuiabá por ocasião de seu tricentenário.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 21/04/2009)

terça-feira, 14 de abril de 2009

CRESCER PARA DENTRO

José Antonio Lemos dos Santos

     A uma década de seu tricentenário e vivendo pela primeira vez em sua história condições locais e regionais impulsionadoras, Cuiabá nesse período pode dar um salto significativo em sua qualidade de vida urbana. As condições existem e esse é o tempo mínimo necessário à construção do que seria o maior e melhor presente na festa de seus 300 anos. Para isso é preciso muito dinheiro, é óbvio. Público e privado. Felizmente, porém o dinheiro é apenas um grande problema que, entretanto, se tornará muito maior se adotado como início de uma empreitada deste tipo. Há outras maneiras mais corretas de iniciar.
     Em geral as cidades crescem a partir dos próprios recursos que geram ou que são capazes de atrair. Cuiabá vive um momento positivo, por polarizar uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que demanda novos empreendimentos estimuladores do capital local e, principalmente do capital externo. Assim, a cidade hoje tem recursos, notadamente privados, e por isso vem se transformando espontaneamente a olhos vistos. O dinheiro, ou melhor, o capital é atraído pelas suas chances de reprodução e, docilmente, como uma cadelinha amestrada de Nélson Rodrigues, vem lamber as botas das oportunidades que estão surgindo.
     Por onde então começar? Uma cidade é antes de tudo uma grande obra, e nela a primeira coisa que temos a fazer é a sua delimitação física. A delimitação de uma cidade é fundamental desde o tempo dos etruscos que tinham na limitatio a primeira das etapas de sua planificação urbana. No nosso urbanismo atual corresponde à definição do perímetro urbano e a conseqüente macrozona urbana, que uma vez estabelecido em lei específica, deve ser obedecido rigidamente.
     A delimitação de uma cidade tem a ver diretamente com sua densidade populacional e, daí, com os seus custos operacionais e de construção. Quanto mais espalhada uma cidade, menos densa ela é e mais elevados são os custos de sua infra-estrutura de equipamentos e serviços por habitante. As cidades medievais mantinham densidades acima dos 200 habitantes por hectare para manter principalmente sua muralha, seu principal e mais dispendioso equipamento urbano.
     A Carta de Atenas, um dos documentos básicos do urbanismo, recomenda densidades em torno dos 250 habitantes por hectare como o ideal, a expressão do encontro entre as curvas da economicidade e do conforto, ou seja, onde a população pode viver bem com os menores custos urbanos. Cuiabá convive com uma densidade baixíssima, pouco superior a 21 habitantes por hectare, isto é, em tese sua macrozona urbana teria condições de receber 10 vezes mais população do que a que tem hoje, reduzindo 10 vezes seus custos per capita. E quanto menores os custos, evidentemente, maior facilidade para disponibilização dos equipamentos e serviços urbanos. Resumindo, Cuiabá tem hoje, por exemplo, muito mais asfalto, iluminação pública, rede elétrica e de água, escolas, equipamentos de saúde, e seus ônibus e caminhões de lixo rodam muito mais do que seria necessário para atender sua população se estivesse disposta de forma mais compacta.
     Fazer a cidade crescer para dentro, evitando a qualquer custo a ampliação de sua macrozona urbana, é fundamental na busca da qualidade de vida urbana. A lei do perímetro já existe, basta cumpri-la nestes 10 anos. Não é preciso dinheiro adicional, só vontade e determinação do poder público e, principalmente, uma população consciente e disposta a cobrar sua execução. O adensamento urbano, otimizando a infra-estrutura e reduzindo os custos operacionais da cidade seria um ótimo começo na preparação da festa do tricentenário de Cuiabá.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 14/04/2009)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

CUIABÁ 300-10

José Antonio Lemos dos Santos


     Em um local chamado Ikuiapá, com grandes pedras claras onde se pescava com flecha-arpão e um corguinho desembocava em um belo rio, o ouro fez surgir, corgo acima, uma cidade que floresceu bonita e se chamou Cuiabá. Celula-mater do ocidente brasileiro, gerou muitas outras, inclusive estados. E o pequeno córrego tinha tanto ouro que era chamado Ikuiebo, córrego das estrelas, tantas as pepitas que cintilavam à luz do sol e da lua aos olhos bororos, nativos.
     Por breve tempo, Cuiabá foi a mais populosa cidade do Brasil, de onde a Europa levou muito ouro, dinamismo que só durou enquanto durou o ouro. Seu fim seria o das cidades-fantasmas dos garimpos não fosse sua localização mágica, privilegiada, no centro do continente, em terras espanholas na época, cuja perspectiva de riqueza chama a atenção de Portugal. E então o Papa decide que o limite entre as terras dos dois países não seria mais definido pela linha do Tratado de Tordesilhas e sim pelo seu uso. Por ser a vanguarda física da coroa portuguesa nessa disputa, Cuiabá sobrevive ao fim do ouro, dando seu primeiro salto de desenvolvimento – o da sobrevivência, agora baluarte português, apoio e defesa dos interesses lusos.
     Logo Portugal criou a Capitania de Mato Grosso cujo primeiro governo foi instalado em Cuiabá, permanecendo como sua sede durante a construção da futura capital, Vila Bela. Por dois séculos sobreviveu à duras penas, com tempos melhores e piores, inclusive, recuperando nesse ínterim o status de capital. Período heróico que forjou uma gente brava, alegre e hospitaleira, capaz de produzir um dos mais ricos patrimônios culturais do Brasil, com vultos e proezas históricas que merecem melhor tratamento da história oficial brasileira. Como um astronauta contemporâneo, vanguarda humana na imensidão do espaço, ligado à nave apenas por um cordão prateado, assim Cuiabá sobreviveu por séculos, solta na imensidão do hinterland continental, ligada à civilização apenas pelo cordão platino dos rios Cuiabá e Paraguai.
     Até que na década de 60 a cidade é sacudida novamente, transforma-se no “portal da Amazônia” e em pouco tempo viu sua população decuplicar. Foi o salto da quantidade, era a expansão física necessária como base à ocupação da Amazônia meridional, que se deu sem o preparo adequado nem o devido apoio federal que exigia essa importante função urbana de interesse nacional. Sozinha e sem recursos próprios, no centro de uma região que apoiava e promovia, mas que também não dispunha de recursos, Cuiabá teve que receber seus novos habitantes sem poder oferecer a devida qualidade de vida urbana.
     No alvorecer do novo milênio, Cuiabá vive o seu terceiro salto de desenvolvimento, agora o salto da qualidade. Cuiabá não é mais o centro de um vazio. Ao contrário, polariza uma das regiões mais dinâmicas do planeta, que ajudou a construir e que hoje não apenas lhe cobra o apoio, mas também a impulsiona para cima, em um sadio e maduro processo de simbiose regional ascendente.
     Formando com Várzea Grande a maior cidade do oeste brasileiro, Cuiabá tem muito a comemorar nos seus 290 anos. Seu maior presente é o próprio presente que vive: dinâmica, moderna, globalizada, sintonizada como o mundo. Mas, mais que um aniversário, 290 anos é o início da última década antes do tricentenário. A responsabilidade da atual geração de cuiabanos, suas autoridades e lideranças, é fazer com que o salto da qualidade do novo tempo se materialize também na qualidade da cidade física em que vivemos, construindo aquele que será o maior presente para os 300 anos. E temos 10 anos para construí-lo.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 08/04/2009, excepcionalmente numa quarta-feira, aniversário da cidade)

terça-feira, 31 de março de 2009

UM MILHÃO DE CASAS

José Antonio Lemos dos Santos

     Ótimo o programa nacional de construção de 1 milhão de habitações lançado pelo presidente Lula. Programas fortes de investimentos diretos na promoção da qualidade de vida da população são altamente compensadores, por si mesmos e também indiretamente pelo estímulo à economia e pela redução de custos sociais que promovem. Ou não... como diria Caetano Veloso, já que o Brasil é useiro e vezeiro em perverter ótimas idéias. Com base no Estatuto da Criança temos facínoras usando menores em crimes e estagiários ocupando o lugar de profissionais formados. Dizem que já há aluguel de idosos para serviços bancários, compras em supermercados ou para estacionamento em shoppings.
     A habitação popular já foi objeto de pelo menos uma belíssima idéia, como a sugerida nos idos de 64 pela ex-governadora Sandra Cavalcanti ao então presidente Castelo Branco, dando origem ao finado Sistema Financeiro da Habitação. Resolver o já gravíssimo problema da habitação popular alavancando a combalida economia nacional tendo como carro chefe a indústria da construção civil, a maior empregadora do país, era sem dúvida uma ótima idéia. Só que em sua implantação foi sendo pervertida até que extinta, carcomida pela corrupção em edificações superfaturadas e subconstruídas, conjuntos habitacionais longínquos e por um exército de brasileiros condenados a pagar uma dívida sempre crescente. Com o mérito do pioneirismo, foi uma experiência pela qual o brasileiro pagou muito caro e, entre acertos e erros, não pode ser desprezada naquilo que tem a ensinar.
     Focando a questão urbanística, é importante frisar que a moradia é a mais importante das funções urbanas. Um programa nacional dessa envergadura será decisivo no quadro da avançada metástase urbana nacional, seja para reconduzi-lo a uma situação mínima de controle, ou para agravá-lo de vez. Assim, dentre seus muitos aspectos, é fundamental o equacionamento da localização dos conjuntos a serem construídos, que não pode ser deixada como responsabilidade exclusiva de estados e municípios. Falidos já naquela época, ficavam a mercê de engenhosas soluções viabilizadoras, tais como terras ao fundo de glebas fora do perímetro urbano, em troca dos benefícios da infra-estrutura que passaria pelas terras intermediárias. Urbanisticamente o resultado foi um desastre, pois as cidades explodiram com imensos vazios e baixíssimas densidades populacionais, elevando os custos operacionais das cidades a níveis impraticáveis, impossibilitando aos municípios arcar com os custos de uma infra-estrutura muitas vezes superior aquela necessária em uma zona urbana mais restrita. O cidadão fica sem os devidos serviços urbanos e ainda tem que arcar com custos da guetificação, das altas tarifas e do tempo perdido no transporte.
     Outro aspecto é o atendimento da população de até 3 Salários Mínimos. O presidente já destacou que acima dos 3 Salários Mínimos, o mercado soluciona, indicando que o maior desafio é a faixa abaixo, fora do mercado, sem outra possibilidade que não o subsídio de soluções criativas envolvendo estoques de lotes urbanizados, e o reconhecimento de sistemas construtivos alternativos (individual, autoconstrutivo e de construção solidária) com assistência técnica pública, obrigatória e gratuita. Esta esperada solução é indispensável ao êxito de um futuro controle, mínimo que seja, na evolução urbana.
     Nossa grande casa, as cidades têm que crescer para dentro, ordenadas e controladas democraticamente, aumentando suas densidades, otimizando a infra-estrutura existente com redução de seus custos, e o novo programa pode também ser um poderoso instrumento nesse sentido.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 31/03/2009)

terça-feira, 24 de março de 2009

A MAIS VIÁVEL DAS FERROVIAS (II)

José Antonio Lemos dos Santos


     Entre as conclusões da última reunião do “Fórum Pró-Ferrovia em Cuiabá” decidiu-se por uma ação conjunta da bancada mato-grossense cobrando do governo federal a imediata inclusão do trecho ferroviário Rondonópolis–Cuiabá no PAC, a exemplo dos trechos Uruaçu-Lucas/Sapezal/Campo Novo-Vilhena, e Alto Araguaia-Rondonópolis. Só esta decisão já valeria a reunião, em momento ímpar que Mato Grosso ocupa altas posições em Brasília, com Totó Parente e Luiz Pagot.
     Contudo, as outras conclusões podem ser fatais à conexão ferroviária de Cuiabá, entre estas a falsa necessidade de se provar a viabilidade econômica do trecho até a capital. Ora, há vinte anos existe uma concessão pública da União para execução dessa obra. Concessão é para ser executada pelo concessionário e cobrada pelo concedente. Estudos de viabilidade são feitos antes pelo concedente – e no caso foram - e pelos interessados. Quem achar inviável, desista.
     Outra decisão fatal é a de ir ao ministro Minc perguntar se a ferrovia pode ser feita ou não, isto é, ir à raposa pedir para cuidar do galinheiro. No máximo serão obtidas as liberações para o trecho Alto Araguaia-Rondonópolis, obra já incluída no PAC do governo ao qual serve o ministro. Em troca, o trecho até Cuiabá vai ser entregue como gambito. De novo a imensa boa fé cuiabana vai encher a empadinha de outros. Nada demais, já que tudo é Mato Grosso e nesse processo é imprescindível a colaboração entre os conterrâneos. Mas com mão dupla.
     A conurbação Cuiabá/Várzea Grande forma o maior pólo concentrador de cargas do estado. Ainda que não produza um grão, passa por ela toda carga a oeste da área de influência da BR-163 destinada ao sudeste brasileiro, para exportação ou consumo interno. Por outro lado, Cuiabá é também o maior centro produtor, consumidor e distribuidor do oeste de Brasil, sendo o principal destino das cargas de retorno de uma ferrovia idealizada não apenas para levar nossa produção, mas também para trazer o desenvolvimento. Cuiabá não só tem carga, como é a única com cargas de ida e de volta, sem as quais nenhum frete se viabiliza. Na verdade alguns grupos de Rondonópolis não querem a ferrovia apenas, querem o maior terminal ferroviário do estado, que se inviabiliza com um terminal em Cuiabá. Daí os problemas surgem.
     Na questão ambiental a lei é sábia e determina a realização de audiência publica para avaliação de relatório técnico de impacto ambiental, processo a que já foi submetido uma vez o trajeto até Cuiabá, em audiência a que estive presente, presente também o senador Vicente Emílio Vuolo. O único problema apontado foi o traçado passar próximo à Reserva Tereza Cristina, cerca de 700 metros fora, rio abaixo. Certo que as Reservas Indígenas têm que ser respeitadas em sua integridade, mas não houve aí um excesso de zelo? Assim, como ficará Mato Grosso, orgulhoso de suas tantas reservas, como o Parque Nacional do Xingu ou a Reserva Tadarimana, colada à cidade de Rondonópolis?
     A ferrovia em Cuiabá é pelo desenvolvimento de Mato Grosso inteiro, consolidando sua coluna vertebral que é o eixo da BR-163. Não se lutou tanto pela ponte rodoferroviária de quase um bilhão de dólares só para levar grãos para as fábricas de outras regiões do Brasil e do exterior. Foi para levar e trazer soja, materiais de construção, milho, automóveis, carne, fábricas, trigo, madeira, gasolina, algodão, fertilizantes, álcool, açúcar, máquinas agrícolas, etc., com significativa redução de fretes. A ferrovia é para todo o estado e todos os mato-grossenses, afinal, apesar de sua importância e da honra de ser o seu maior produtor, nem só de grão vive Mato Grosso.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 24/03/2009)

terça-feira, 17 de março de 2009

A DESCOBERTA DO VERDÃO

José Antonio Lemos dos Santos


     Independente dos motivos da Fifa para prorrogar a divulgação das sub-sedes da COPA 2014, esse período adicional de 60 dias é uma oportunidade a mais para o desenvolvimento de ações que melhorem as condições de Cuiabá como pleiteante, o que já deve estar sendo programado pela comissão que trata do assunto. Ressalte-se a estratégia positiva e civilizada adotada pelos nossos organizadores, restringindo-se em trabalhar os projetos necessários e as potencialidades de Cuiabá e Mato Grosso para sediar o evento.
     Esta luta pela Copa já traz benefícios para Cuiabá, pois já promoveu a união de todos em favor do bem-comum que é a cidade, fato que me lembro só ter acontecido quando da luta pela instalação da Universidade Federal de Mato Grosso. Nem a visita do Papa alcançou essa unanimidade. O outro fato positivo é que, pela primeira vez, vejo nós cuiabanos buscando coletivamente os aspectos positivos da cidade, descobrindo surpresos que a cidade é emoldurada ao norte pela Chapada, coroada majestosamente ao sul pelo morro de Santo Antonio – o Toroari bororo - que tem os rios Coxipó e Cuiabá, o centro geodésico da América do Sul, e que além de suas belezas, Cuiabá é cercada por todos os lados pelas maravilhas de Mato Grosso. Enfim, começamos a trabalhar os pontos positivos da urbe cuiabana, descobrindo que podemos ter quase tudo que invejamos em outras cidades, mas que as outras cidades jamais poderão ter tudo aquilo que invejam em Cuiabá.
     O Verdão ressurge nestas descobertas como um dos mais belos estádios do Brasil, tendo sido por algum tempo o melhor gramado do país, trazendo-nos inclusive uma certa culpa por tê-lo relegado. Agora, diante da perspectiva de seu sacrifício em função das exigências da FIFA, o Verdão volta a chamar a atenção para ser conhecido, fotografado, estudado por alunos dos cursos especializados de Cuiabá como um belo exemplo de arquitetura, vanguarda na técnica das construções esportivas na época em que foi construído.
     Aliás, aumentar a presença do público no Verdão deveria ser uma das metas para esta prorrogação decisiva. Nesse sentido, ousaria dar uma sugestão de execução fácil e imediata. Como todo torcedor brasileiro acho que entendo muito de futebol, e como torcedor cuiabano desde os tempos de Bianchi e Fulepa até hoje – estou quase sempre entre aqueles 200 a 300 torcedores renitentes que garantem a platéia mínima sempre presente ao Verdão – entendo muito do futebol cuiabano. Pelo menos do ponto de vista do torcedor pagante. Entendo que o preço do ingresso é um dos principais motivos da ausência de torcedores no Verdão. Hoje é quase proibitivo. Muita gente quer ir ao Verdão e não pode. Só existem dois tipos de ingressos, a cadeira e a arquibancada coberta, cobrados a R$ 20,00 e R$ 10,00, respectivamente, muito embora o estádio ainda ofereça a alternativa da arquibancada descoberta, que, a meu ver poderia e deveria oferecida ao torcedor por um preço bem mais em conta, a R$ 2,00, por exemplo. Não seria necessário baixar os preços atuais, apenas voltar a usar a arquibancada descoberta, a um preço diferenciado, justo e mais acessível, afinal nesse setor o torcedor fica exposto ao sol e à chuva. Ao menos nestes 60 dias; se possível, sempre. Só seria preciso consertar duas cancelas na divisória dos setores. Haveria um público muito maior, refletindo melhor a paixão futebolística cuiabana que é muito grande e a ótima qualidade de sempre do nosso futebol, com a vantagem de colocar torcedores de frente para as câmeras de TVs e dos jornais, ocupando aquele imenso pedaço de arquibancada hoje abandonado, geralmente vazio, dando a falsa impressão de que não tem ninguém no estádio.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 17/03/2009)

terça-feira, 10 de março de 2009

A MAIS VIÁVEL DAS FERROVIAS

José Antonio Lemos dos Santos


     Acompanho técnica e apaixonadamente a história da ferrovia em Mato Grosso desde 1975 na Sudeco e, depois no Minter, na Comissão da Divisão do Estado (1977). Há uns anos, porém, falei com o meu amigo Francisco Vuolo que não mais participaria de discussões sobre ferrovia, pois me sentia um idiota, e que o assunto parecia ter virado caso para o Ministério Público Federal, Polícia Federal e comissões parlamentares de inquérito. Como justificar tanta enrolação para se construir uma ferrovia ligando a região maior produtora brasileira de grãos, soja, arroz, milho, algodão, de gado, de carne suína e de aves, de biodiesel, de álcool, em suma, uma das regiões mais dinâmicas do planeta e das que mais produz cargas no mundo, sem himalaias ou araguaias a vencer? Se uma estrada como essa não é viável, qual será?
     Sentia que enquanto continuávamos a luta do eterno senador Vuolo, para a empresa – ao menos em suas gestões anteriores - a coisa menos importante era justamente o funcionamento da ferrovia e o transporte de cargas. A impressão é que nossa ferrovia interessava apenas como alavancadora de dinheiro público, e que nossa luta já havia propiciado a renovação de toda a malha da Ferroban em São Paulo, a revitalização da ferrovia em Mato Grosso do Sul e o uso por outros da monumental ponte rodo-ferroviária de mais de meio bilhão de dólares, construída para trazer o trem até Cuiabá. Porém, para avançar um centímetro em Mato Grosso era necessário um verdadeiro parto de engenharia financeira com dinheiro público. Outro centímetro, outra luta, outro parto. E nós de porta-estandarte. Agora, mais 13 km!
     Volto ao assunto pela ocasião ímpar de Mato Grosso estar ocupando postos-chave em áreas federais decisivas, com Luiz Pagot chefiando o Dnit, e Totó Parente, como secretário de Desenvolvimento do Centro Oeste, no Ministério de Integração Nacional. E, também, pela reunião do Fórum pela Ferrovia em Cuiabá no próximo dia 16, que me parece ser decisiva para o futuro do Mato Grosso platino, incluindo Rondonópolis, diante da possibilidade da ligação ferroviária de Lucas do Rio Verde/Sapezal/Campo Novo a Goiás, antes de estarem ligadas a Cuiabá também por ferrovia. Seria um verdadeiro seqüestro de cargas mato-grossenses que, na sua grande parcela destinada ao mercado interno e ao Sudeste, deveriam continuar oxigenando a economia de Mato Grosso, antes de seguir seus destinos globais. Com essa carga saindo por Goiás, fica ameaçada a viabilidade da ferrovia chegar a Cuiabá, e até mesmo a Rondonópolis, se os trilhos não chegarem lá rapidinho.
     Esta reunião do fórum, na verdade, é decisiva para o futuro de todo Mato Grosso, o estado de maior sucesso de desenvolvimento no país, e que prova ter o tamanho exato na era da internet, avião a jato e comunicações via satélite. Unido e trabalhador, sua dimensão é a maior causa do seu sucesso. Sua espinha dorsal, eixo da integração estadual, é a BR-163, que será fortalecida com a ferrovia ligando Cuiabá a Santarém e Vilhena, conforme a concessão da Ferronorte. A construção de uma ferrovia transversal antes da execução do projeto da Ferronorte, partirá Mato Grosso na medula, ao meio, criando duas economias independentes, a nova centrada em Goiás, ambas fracas, de volta à rabeira da economia nacional, sem voz e sem vez. É tudo que Mato Grosso não precisa. É urgente a imediata inclusão no PAC do projeto da Ferronorte até Cuiabá, e de Cuiabá para Lucas, Nova Mutum, Sinop, indo até Santarém e também Vilhena, por Sapezal, Diamantino ou Tangará. O PAC não acolheu a recém inventada ferrovia do Centro-Oeste, sem nenhum projeto? Vale a retomada dessa luta coletiva não só pelos cuiabanos. Mato Grosso é para ser imitado, não dividido.
(Oublicado pelo Diário de Cuiabá em 10/03/09)

terça-feira, 3 de março de 2009

MUDANDO PARA CUIABÁ

José Antonio Lemos dos Santos


     Nas últimas eleições municipais escrevi o artigo “Descentralização industrial” contestando a afirmação equivocada, repetida no calor da campanha, de que Cuiabá decrescia economicamente em virtude de algumas indústrias se instalarem no interior. Argumentei que as cidades não são sozinhas, mas estruturam-se em redes urbanas conforme uma hierarquização de funções a cumprir, como as diferentes peças de um motor dependem uma da outra para o sucesso do conjunto - da máquina ou da região que lhes dá origem e sentido.
     Assim, as cidades são diferentes entre si não apenas no tamanho, paisagem ou história, mas, diferenciam-se também pelo papel que desempenham na rede urbana, variando desde aquelas que estão próximas à base da produção primária, origem de toda a economia, até aquelas mais distantes, especializadas em níveis crescentes no suporte às atividades da base. Dessa forma, o que estávamos, e estamos assistindo, é conseqüência do extraordinário desenvolvimento de Mato Grosso, com novas cidades e a reconfiguração de sua rede urbana, jovem ainda, mas já em plena consolidação em alguns de seus pontos.
     Quando só existia Cuiabá como apoio urbano, todos os empreendimentos aconteciam em Cuiabá. Hoje com um interior que se urbaniza rapidamente, existem várias cidades bem organizadas e preparadas para receber os empreendimentos diretamente relacionados às suas economias locais e das regiões próximas, otimizando custos. Muitas atividades não precisam e nem devem mais se estabelecer em Cuiabá. Porém existe também o sentido inverso: Cuiabá passa a executar novas funções mais sofisticadas e especializadas que o desenvolvimento regional exige e tem que se preparar para abrigá-las em condições de maior eficiência possível. A “máquina” regional ajusta automaticamente seus componentes às necessidades em cada momento. Essa é a saudável verticalização da rede urbana, fruto da verticalização da economia regional, na qual ninguém perde e todos ganham.
     Nem bem passados quatro meses daquele artigo, eis que o dinamismo de Mato Grosso apresenta o outro lado da moeda, isto é, uma empresa surgida e desenvolvida no interior desloca sua matriz para o centro regional. Trata-se da mudança da matriz das empresas do Grupo André Maggi, de Rondonópolis para Cuiabá. A empresa inicial cresceu, expandiu seus negócios para todas as regiões do estado, norte do Brasil e quase todo o mundo. Também neste caso o que assistimos é apenas a acomodação natural de uma das peças de um grande grupo econômico na rede urbana do estado, da forma mais racional para todo o grupo. Mais uma vez ninguém perde e todos ganham. Até Rondonópolis, pois a nova instalação da matriz permitirá maior agilidade e fluidez na administração de seus negócios globais, com a saúde plena da empresa garantindo a continuidade e até a ampliação da geração de emprego e renda pelas unidades que permanecerão na cidade.
     Embora sem o mesmo porte, casos semelhantes já aconteceram e ainda acontecerão em Mato Grosso. Lembra a história do grupo Citylar, que em sua expansão também teve que fazer esta adaptação transformando-se hoje em uma das maiores redes de lojas do país, presente em quase todo o Brasil, orgulho dos mato-grossenses, como o grupo AMAGGI e várias outras empresas mato-grossenses de sucesso nacional e internacional. O avanço da globalização cobra sustentabilidade, otimização de custos com justiça social, parcerias co-laborativas e versatilidade nas estruturas com respostas rápidas e eficientes, em lugar da velha competição destruidora. É bem Mato Grosso em seu show mundial na busca desses novos caminhos.
(Publicado perlo Diário de Cuiabá em 03/03/2009)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O AQUÁRIO E A COPA

José Antonio Lemos dos Santos


     Tinha pensado em homenagear o Aquário Municipal de Cuiabá que completou 9 anos no último dia 5, agora em situação delicada, subsistindo graças a dedicação diuturna de seu administrador Teruo Izawa, verdadeiro anjo protetor dos peixes daquele querido cartão postal cuiabano, que tratarei em outro artigo. Mas não há como resistir ao tema da Copa em Cuiabá, uma paixão imediata que nos arrebatou, como também aconteceu com o Aquário desde sua inauguração.
     O meu último artigo rendeu muitos comentários, a maioria empolgados com a possibilidade de Cuiabá ser uma das sub-sedes da Copa. Mas também houve contrários, uns lembrando que projetos como esses são sempre desvirtuados por políticos espertalhões e empresários oportunistas, e outros que entendem que os recursos seriam melhor aplicados na saúde, segurança, transporte, etc., na suposição de que não sediando a Copa, esses recursos apareceriam. A meu ver, é muito mais provável que tais recursos se viabilizem em um projeto como este, sob o foco e fiscalização da mídia nacional e internacional.
     Trata-se de um projeto grandioso e atrevido, capaz de impulsionar urbanisticamente Cuiabá e Várzea Grande, bem como toda a economia do turismo em Mato Grosso aos padrões mais elevados de qualidade. Os riscos existem, é claro, porém, o medo nunca foi bom conselheiro, ainda que cautela e caldo de galinha sempre façam bem.
     Urbanisticamente o ponto decisivo é a localização do Verdão, o palco principal da festa, pois em sua função serão desenvolvidos todos os demais projetos. Pelas notícias, neste caso o assunto está bem. Manter o Verdão no seu lugar atual é fundamental para que os investimentos para a Copa se consolidem como benefícios permanentes para a cidade e sua gente, sem o que um projeto como este não se justifica. O Verdão fica em uma das partes da cidade mais servida de eixos viários, ainda que carentes de fortes investimentos para sua adequação ao porte do evento. Ademais, trata-se de uma região cuja ocupação ocorreu em função da instalação do estádio, isto é, a população já convive com os grandes eventos de diversos tipos que acontecem naquela praça esportiva e no Ginásio Aecim Tocantins. Com a permanência do estádio, os investimentos forçosamente acontecerão em uma malha já ocupada, otimizando a infra-estrutura existente.
     No início algumas propostas levavam o estádio para “fora” da cidade. Felizmente parecem ter sido todas descartadas. O que estaria sendo discutido agora é se o Verdão seria ampliado e adaptado às exigências da FIFA, ou se seria demolido para em seu lugar ser construído um outro novo. A meu ver a resposta a esta questão está na própria configuração do terreno em que o estádio se situa, uma baixada que não pode ser desconsiderada e que definiu um genial partido arquitetônico, origem de um dos mais belos estádios do Brasil. A solução mais natural e econômica parece ser a da adaptação do Verdão, com a instalação de um anel superior de arquibancadas e todos os demais complementos que se fizerem necessários às exigências da FIFA.
     Para Cuiabá é fundamental a estratégia de crescer para dentro de sua estrutura urbana, evitando a ampliação de seu perímetro urbano. Assim, para que os investimentos demandados pela Copa fiquem como benefícios permanentes para a cidade, é decisiva a manutenção da atual localização do Verdão que será o centro polarizador desses investimentos. E que ganhem todos os que contribuírem de fato na construção desse projeto coletivo: autoridades, empresários, políticos, e principalmente a cidade e todos os seus habitantes.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 12/02/2009, excepcionalmente em uma quinta-feira)

OLHOS DE TIGRE

José Antonio Lemos dos Santos

     Depois de muitos anos, neste mês vi ser citada por duas vezes, em ocasiões totalmente diversas, a expressão “olhos de tigre”, do filme já antigo, mas sempre bom, “Rocky, o lutador”. A primeira com o meu filho brincando com um dos netos, e outra com o prefeito Wilson Santos, na posse do novo titular da Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá (SMADES), Archimedes Lima Neto. Assistindo no Verdão ao ótimo Operário x Mixto do último domingo, deu para ver que apenas um dos times – e não foi o meu - entrou em campo com esse olhar felino imortalizado pelo cinema e indispensável ao sucesso e aos vencedores.
     Ao empossar o novo secretário o prefeito lembrou que a SMADES é a secretaria mais complexa do município, pois trata de uma infinidade de temas que vão desde o pequeno camelô ao grande shopping, do barraco ao condomínio horizontal ou vertical, do Aquário ao Horto Florestal, da ordenação e controle do uso do solo urbano, à fiscalização do cumprimento dos códigos de obras, posturas e meio ambiente, passando ainda pela proteção ao patrimônio histórico edificado. Isso, acrescento, em uma Macro-Zona Urbana de 25.200 hectares, ou seja, 252 Km², altamente dinâmica e em plena renovação urbana, com uma população residente próxima de 600 mil habitantes, 150 mil edificações, mais de 40 mil lotes desocupados e a responsabilidade de zelar por dois rios e diversos córregos, sábia contrapartida da natureza às elevadas temperaturas médias diárias com que contemplou Cuiabá.
     No próprio nome a SMADES traz gravado seus objetivos-síntese, quais sejam, o meio ambiente e o desenvolvimento urbano, duas faces de uma mesma moeda, os dois principais termos da equação urbana contemporânea, apenas aparentemente contraditórios, mas que são parte indissolúvel do mesmo objeto que é a cidade, cuja qualidade de vida depende fundamentalmente dessa difícil e permanente tarefa de harmonização. Em suma, além de algumas tarefas específicas, a SMADES tem a responsabilidade de cuidar da cidade como um todo, de assegurar que a grande obra urbana se dê de forma coerente e tecnicamente correta, visando sempre como resultado a cidade confortável, segura, sustentável e, sobretudo, justa, desejada por seus cidadãos.
     Nos ombros da SMADES pesa também a responsabilidade de ser o instrumento de sucessivas gerações de um povo que, muito antes da grande e bem-vinda onda verde tomar conta do mundo, já havia estabelecido para sua cidade o apelido de Cidade Verde, como paradigma urbano a ser construído. Em torno de tal modelo foi criado um complexo de usos e costumes que ia da arquitetura, vestuário, alimentação e toda uma forma de viver absolutamente compatível com as condições ambientais locais, ecologicamente corretos antes da Ecologia, criando uma composição climática única, que o poeta Carmindo de Campos cantou como “aquele calor sadio, às vezes melhor, muito melhor que o frio”.
     O novo secretário da SMADES, engenheiro civil e mestre na área ambiental, que exercita a militância ambiental há muito tempo, já tendo também exercido com competência diversas funções na própria SMADES, conhecendo-a como estilingue e vidraça, mostra-se preparado, técnica e politicamente para assumir esse imenso desafio. Mais que isso, demonstra compromisso pessoal com a cidade, a empatia indispensável a quem quer de fato ajudar a construí-la, e os “olhos de tigre” buscados pelo prefeito Wilson Santos para assessorá-lo no gerenciamento da grande obra quase tricentenária que é Cuiabá.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 12/02/09)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A COPA NO CORAÇÃO DA AMÉRICA

José Antonio Lemos dos Santos


     Esperada hoje em Cuiabá, a comissão de vistoria da FIFA chega ao coração da América do Sul, seu centro geodésico, marcado pelo Marechal Rondon quando da execução do primeiro mapa moderno do Brasil e do continente sul-americano, no início do século passado. Para aqueles que amam o futebol e seguem com atenção sua expansão pelo mundo, trata-se de uma data significativa, que bem poderia simbolizar a conquista dos cinco continentes pelo futebol, com a presença oficial de sua entidade máxima no ponto exato mais interior de um continente.
     Porém o simbolismo da presença da FIFA no centro da América do Sul vai além da planetarização do futebol, referindo-se também de forma específica à sua consolidação na totalidade de um continente onde até bem pouco tempo duvidava-se se o futebol arranjaria seu espaço em alguns países então dominados por esportes como o beisebol e outros. Hoje a vitória é plena, com o futebol arrebatando cada vez mais as paixões em todos os países sul-americanos.
     A comissão da FIFA chega hoje também à terra de um dos maiores responsáveis, senão o maior, pela realização em 1950 da primeira Copa do Mundo no Brasil, o Presidente da República da época, Eurico Gaspar Dutra. Seu governo queria mostrar ao mundo um Brasil novo, que deixava de ser predominantemente rural para entrar na era da industrialização, com grandes cidades, a Companhia Siderúrgica Nacional recém inaugurada, Paulo Afonso sendo construída e a Rio-São Paulo em pavimentação. Assim apoia a realização da Copa e determina a construção do Maracanã, que foi por muito tempo o maior estádio de futebol do mundo, justo orgulho nacional, uma das maiores razões para a fixação do futebol como a maior paixão esportiva nacional.
     No Aeroporto Marechal Rondon a comissão chega a Várzea Grande que forma com Cuiabá a maior cidade do oeste do Brasil, metropolitana, com quase um milhão de habitantes. Surgida no início do século XVIII, foi a pioneira no ocidente brasileiro, celula mater dos estados e municípios entre os limites do Acre e o extremo de Mato Grosso do Sul. Às vésperas de completar seu terceiro século de existência, Cuiabá tem seu centro tombado como patrimônio histórico nacional ao mesmo tempo em que é uma cidade moderna, dinâmica e globalizada, polarizadora de uma das regiões mais dinâmicas do planeta, em condições plenas de pleitear a sub-sede pantaneira da Copa de 2014.
     Fora estas considerações preliminares, que parecem menos importantes aos que não podem contar com elas, Cuiabá é uma cidade situada no pantanal propriamente dito, em suas franjas, e pode aliar o conforto da vida urbana com as maravilhas do santuário ecológico bem próximas. Através de diversos acessos curtos e confortáveis o turista pode conhecer o pantanal em ângulos variados, seja o pantanal das grandes baias e das velhas usinas de açúcar de Barão de Melgaço e Leverger, o pantanal da transpantaneira de Poconé, ou ainda o pantanal das antigas charqueadas e da ecovia do Paraguai em Cáceres.
     Mais importante ainda é que, junto ao divisor de águas amazônicas e platinas, Cuiabá é uma plataforma de acessos a todas as atrações naturais de Mato Grosso que além do pantanal, oferece as belezas do cerrado, da floresta amazônica, e - por que não? - das plantações e criações tecnicamente mais desenvolvidas no mundo, em viagens panorâmicas, com o apoio de outras cidades bem estruturadas, confortáveis e hospitaleiras. Em Cuiabá, e só em Cuiabá, a Copa do Mundo homenageará o pantanal e toda a natureza marcando para sempre o coração sul-americano.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 03/02/09)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O TREM A JATO

José Antonio Lemos dos Santos


     A gente já conhecia o trem a vapor, a velha “maria-fumaça”, o trem a diesel, o trem elétrico e até o trem bala, mas jamais soube de um trem a jato. Pois surgiu. E aqui em Mato Grosso, despercebido, meio escondido, sem retrato ou foguete, como diria Noel, sem manchetes nos jornais, bandas de música, como sugere um fato como este. Ainda mais na política, onde não se pinta um meio-fio sem comício e foguetório.
     Refiro-me a proposta de ferrovia rasgando horizontalmente o médio-norte de Mato Grosso, ligando Lucas do Rio Verde a Uruaçu (GO), e posteriormente, a Vilhena (RO) – com Sapezal bem no meio do caminho. Nem inteirou dois anos das primeiras notícias sobre a idéia, já entrou no Plano Nacional de Viação (PNV). Rapidíssimo! Lembro da festa quando em 1976 o senador Vuolo incluiu nesse mesmo Plano a ligação ferroviária de Rubinéia (SP) a Cuiabá, após uma difícil luta que era de conhecimento de todos. Agora, um enorme projeto envolto no desconhecimento público total.
     E mais, com velocidade supersônica, nem bem entrou no PNV, sem nenhum estudo, já foi incluído no PAC, desbancando o trecho de 200 Km entre Rondonópolis a Cuiabá, isto é, a ligação ao sistema ferroviário nacional das duas maiores cidades de Mato Grosso, sua capital e Várzea Grande, que juntas formam o maior centro produtor, consumidor, distribuidor e concentrador de cargas do estado. É bom lembrar que este trecho já foi submetido na década passada a uma Audiência Pública, a qual estive presente, com seu traçado técnico questionado por passar próximo – não dentro - da Reserva Tereza Cristina, 700 metros rio abaixo, e bastava essa correção. Hoje o trânsito rodoviário nesse trecho supera 15 mil veículos diários, a maioria carretas e treminhões, com alto impacto negativo econômico, ambiental e humano. Mas foi trocada por uma ferrovia cuja descrição técnica no PAC diz apenas “obra em fase de estudo”. Será que Lula sabe? Tudo sob o olhar atento e convicto do cumprimento do dever de nossos congressistas.
     Desde dezembro passado, quando o PAC foi noticiado de forma mais compreensível, o assunto é uma pulga atrás da orelha de muitos cuiabano/varzea-grandenses. Afinal foram abertas as cartas desse estranho jogo de interesses que virou a ferrovia, confirmando antigas suspeitas que a extrema boa-fé cuiabana sempre recusou a acreditar? Da forma como se combinam a absurda exclusão do PAC do trecho Cuiabá-Rondonópolis com a proposta da nova ferrovia e o conseqüente seqüestro de cargas de Mato Grosso para Goiás, trata-se muito mais do que um projeto ferroviário, e sim de um audacioso e questionável plano geopolítico para Mato Grosso, que precisa ser muito bem conhecido e discutido por todos os mato-grossenses antes de ser implementado.
     Não seria mais lógica e prática a inclusão no PAC do trecho Rondonópolis/Cuiabá/Lucas do Rio Verde, já, inclusive, objeto de concessão da União? Percorrendo uma área antropizada, com menores impactos ambientais ou sobre reservas indígenas, sem necessidade de novas grandes obras de arte, esta solução sem dúvida agilizaria uma ferrovia de fato necessária não apenas para levar a produção estadual, mas também para trazer os insumos necessários ao progresso do estado, através de seus maiores centros urbanos consumidores e distribuidores. Uma ferrovia não é feita só para ir, mas para ir e voltar com cargas de ida e vinda, disseminando o desenvolvimento. Se o que se quer é o desenvolvimento equilibrado e sustentável de Mato Grosso, sem exclusões regionais ou mais agressões ambientais, nada mais correto e urgente que a execução do projeto já outorgado à Ferronorte em 1989.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 27/01/2009)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A CONSTRUÇÃO DA CIDADE

José Antonio Lemos dos Santos


     O artigo anterior lembrando o tricentenário de Cuiabá e a necessidade da preparação da cidade desde já para a grande festa, rendeu vários comentários entusiasmados, com um destacando a importância da subsede da Copa 2014, e alguns com dúvidas quanto ao grau de sucesso possível. A desconfiança viria do que alguns chamam de “falta de cultura urbana do povo”, da qualidade dos nossos políticos e da dificuldade de obtenção de recursos públicos para investimentos.
     Não creio que estes argumentos possam reduzir o entusiasmo por uma empreitada comum pelos 300 anos. O importante é que existe uma forte motivação pela cidade, ainda que latente, como confirmada pelos comentários ao artigo, e que pode muito bem convergir em um esforço coletivo desse tipo. As dificuldades alegadas são falsos problemas, tradicionalmente alimentados em todo o Brasil como “álibis” para as mazelas a que sempre são relegadas as coisas públicas.
     Na verdade, o cerne da questão encontra-se na qualidade da nossa gestão urbana, que ainda se encontra nos tempos de “El-Rey” - o dono de tudo, inclusive das cidades, as vilas-reais - aguardando que as coisas aconteçam vindas de cima. Quando vem, bem, quando não vem, amém, repetimos hoje o que diziam os antigos. O ano que abre a última década do terceiro século de existência de Cuiabá marca também os 120 anos da proclamação da República, e apesar de todo esse tempo, até hoje o brasileiro ainda não assumiu como sua a coisa pública, a res-publica. Continua esperando as coisas virem de cima. E o salto na qualidade urbana no Brasil, e não apenas em Cuiabá, só acontecerá quando a cidadania assumir a cidade como de fato sua, não apenas quando da escolha de seus governantes, mas na participação efetiva em todos os momentos de sua gestão, colaborando, fazendo a sua parte, mas também cobrando, exigindo institucionalmente ou não das autoridades a execução das ações estabelecidas em favor do bem-comum.
     Quanto aos recursos, Cuiabá é uma cidade de muitos recursos, muitos ainda inexplorados, como as potencialidades do centro geodésico continental. Uma cidade dinâmica e saudável é um organismo vivo, que cresce e se transforma o tempo todo através dos recursos que gera e que atrai do ambiente econômico externo, bem como através da renovação urbana, que salta aos olhos em Cuiabá, com residências que viram comércio, pequenas lojas que viram centros comerciais, vazios urbanos que viram indústrias, conjuntos residenciais, shoppings, etc. Dessa forma as cidades são construídas e estão em constante construção. Bastaria o controle público firme dessa grande obra para se alcançar padrões urbanos superiores para nossas cidades, evitando os processos de metástase urbana que as afligem e fazem sofrer seus habitantes.
     A atual estrutura produtiva instalada aliada a projetos fundamentais que precisam ser concretizados ou reativados (gasoduto, ferrovia, aeroporto, etc.) assegura a vitalidade de Cuiabá e a continuidade de sua evolução, para o bem ou para mal. O rumo será ditado pela qualidade de sua gestão urbana, nela envolvidos o planejamento, o gerenciamento urbano, e, principalmente a participação pró-ativa da população. Sem esta última, os sistemas de gestão municipais funcionam apenas precariamente, produzindo este quadro local e nacional caótico e trágico. Além da motivação latente, mais do que esperar é preciso participar consciente e positivamente da construção da cidade. O que interessa para nós é que essa grande obra coletiva siga o rumo da melhoria da qualidade de vida urbana e que Cuiabá possa comemorar seu tricentenário não apenas como uma cidade grande, mas como a grande cidade que todos queremos.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 20/01/2009)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

DE 2009 A 2019

José Antonio Lemos dos Santos

     Para Cuiabá o ano de 2009 é especial pois abre a última década de seu terceiro século de existência. Não é pouca coisa para uma cidade que teve que enfrentar inúmeras dificuldades para manter-se viva. Sem nunca ter o apoio nacional nos investimentos necessários à sua promoção ou sobrevivência - a não ser na gente das mais diversas origens que veio para formar o povo cuiabano - primeiro serviu como bastião da coroa portuguesa em meio ao território espanhol de então, depois, vanguarda ocidental na defesa e ocupação do território brasileiro e, hoje, como cidade moderna e dinâmica, centro polarizador e articulador de uma das regiões mais dinâmicas do planeta.
     Qual o presente para uma cidade que completa 300 anos? Como para qualquer pessoa, o principal é que o aniversário reflita um momento saudável, feliz, com amplas perspectivas de realizações com todos os seus. O presente é apenas uma lembrança física desse momento. Para uma cidade isto significa o funcionamento de suas atividades com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça, isto é, a utopia do Urbanismo, uma situação não realizada por qualquer cidade no mundo e a ser buscada constantemente por elas. A década que iniciamos é o que nos resta para a construção dessa utopia em Cuiabá, o melhor presente para seu tricentenário, em 2019.
     Em 1999, faltando 20 anos para os 300 anos da cidade, o IPDU propôs a adoção do tricentenário como foco das ações do desenvolvimento urbano a partir daquela data, lançando a expressão “Cuiabá 300”. Com o mesmo objetivo, o prefeito Wilson Santos, em sua primeira administração concebeu o projeto “Cuiabá 300 Anos”. Tanto agora, como a 10 anos atrás, a proposta não conseguiu sensibilizar a cidadania a ponto de envolvê-la em um grande projeto comum.
     Sabemos que Cuiabá está distante da utopia urbana e 10 anos é um tempo curto para uma empreitada de tal porte, o que deve ser compensado com o envolvimento e a participação de toda a cidadania, a verdadeira dona e construtora da grande obra comum que é a cidade. A motivação coletiva é o primeiro desafio a ser superado e, uma vez conseguido, há quer mantido crescente de forma a explodir na festa de 2019. Um desafio supra-partidário a ser encarado sobretudo pela parte da sociedade civil organizada que já se preocupa com o assunto, e pela prefeitura, que não pode desistir de seu grande projeto, indispensável como instrumento de catalisação e controle de todos os esforços.
     No meio do caminho, a Copa do Mundo de 2014 pode ser o grande exercício desse esforço coletivo por um objetivo comum. Assim também a realização anual da Corrida de Reis, cada ano mais bela e importante no cenário esportivo. Desde já, porém, não se pode pensar a festa de 2019 com o aeroporto do jeito que está, com o gasoduto e a termelétrica desativados, a rodovia Cuiabá-Rondonópolis em pista única e, principalmente, sem os trilhos da ferrovia. A história não perdoará esta geração de cidadãos e de políticos.
     Motivação é matéria prima abundante a ser despertada, exigindo para isso, entretanto, competência, persistência e, principalmente, confiabilidade permanente. Todo mundo quer uma cidade melhor. O problema é que muitos entendem que essa cidade melhor é obrigação dos outros e não sua também. A cidade é uma obra de todos, e mais se aproximará do ideal, quanto mais a cidadania assumi-la como sua, de seu interesse, com obrigações a cumprir e a cobrar junto aos governos, aos demais moradores e a si própria enquanto conjunto de cidadãos.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 13/01/2009)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

VIVA 2009!

José Antonio Lemos dos Santos

     Bem antes de seu início, o ano de 2009 já foi taxado como um ano de crise, crise que pode vir como um tsunami ou uma simples marola. Aliás, em nome da tal crise muitos grupos poderosos já levantaram bilhões de dólares de diversos governos pelo mundo afora, ainda que muitos deles responsáveis pela própria crise. Nenhuma surpresa, pois aprendemos na vida e na história que crise é uma mistura de riscos, oportunidades e também oportunismo, o qual chega sempre na frente. Ainda que atentos aos oportunistas, contra quem aparentemente pouco podemos fazer, melhor nos importar com as oportunidades, já que os riscos vêm junto destas como seus limites, sinalizadores de até onde podemos ir para aproveitá-las.
     As crises expressam situações que não são mais adequadas e que precisam ser mudadas, são prenúncios de mudanças necessárias. Todos sabemos que o mundo vinha se consumindo ambientalmente e que vivia pendurado em ficções financeiras especulativas danosas a todos, inclusive à economia produtiva. Um quadro insustentável e era esperada a explosão. Só nesse duplo corretivo já teríamos um lado bom da crise. Mais ainda, como Mato Grosso em geral não vive de papéis, mas da sua produção real baseada na agropecuária, mesmo com essa crise dá para antever, ao menos na visão leiga, boas perspectivas para o estado, desde que se agregue a indispensável sustentabilidade à sua economia.
     Com ou sem crise, o mundo vai continuar demandando alimentos e energia de forma crescente. A inviabilização dos combustíveis fósseis e a alternativa dos biocombustíveis, bem como as preocupações mundiais com a preservação dos últimos redutos naturais do planeta, também parecem conspirar a nosso favor. Seja para alimentos ou combustíveis, a última grande fronteira agrícola global está aqui, na otimização produtiva da área já ocupada pela agropecuária de alguns estados do Brasil, em especial, em Mato Grosso.
     Outra defesa de Mato Grosso contra a crise está na sua extensão territorial, envolvendo uma multiplicidade de oportunidades produtivas. Já se disse, há algum tempo, que em Mato Grosso, terra que não servia para agricultura dava ouro ou diamante. Agora dá também o calcário, o fosfato, e já estão procurando até petróleo e gás. Brincadeiras à parte, essa mosaico de alternativas permite um certo equilíbrio, com um setor produtivo compensando outro que eventualmente vá mal. Ao mesmo tempo, apresenta um custo otimizado da administração pública. Mato Grosso pode não ser do tamanho dos estados americanos criados nos tempos das diligêcias e das comunicações por tambores ou fumaça, mas certamente tem o tamanho certo para os tempos do avião a jato, das estradas asfaltadas, das comunicações via satélite e da internet, com um só Executivo, Legislativo e Judiciário em condições racionais de governo. Mato Grosso unido é maior que todas as crises.
     Para Mato Grosso, 2009 pode ser o ano das oportunidades. Oportunidade de adequar-se ambientalmente e assim consolidar-se como grande produtor de alimentos e de energia para o mundo; oportunidade de desenvolver, interna e externamente, a colaboração produtiva dos tempos globais, ao invés da velha competição predadora que a atual crise questiona; oportunidade de resgatar projetos fundamentais paralisados como o gasoduto, a termelétrica, o aeroporto Marechal Rondon, a chegada dos trilhos da ferrovia até Cuiabá e a oportunidade de continuar exercitando a união laboriosa entre seus cidadãos. Um ano novo com Mato Grosso amadurecendo suas relações ambientais, com seus municípios e cidades integrados solidariamente em uma sinergia regional multiplicadora de suas potencialidades. Feliz 2009!
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 06/01/2009)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

DE 1988 A 2008

José Antonio Lemos dos Santos


     No início de 1989 escrevi no Diário de Cuiabá o artigo “88, o ano de Cuiabá” avaliando o ano recém findado como “talvez o mais positivo da história recente” de Cuiabá, tendo em vista o início da construção de Manso, a aprovação pela Sudam do projeto da ligação de Cuiabá ao sistema ferroviário nacional, e o lançamento da proposta da saída rodoviária para o Pacífico, por San Matias. Com estes três projetos estariam equacionados os problemas da distância aos centros produtores e consumidores e a deficiência energética, considerados o “calcanhar de Aquiles” de Cuiabá e de Mato Grosso, consolidando a vocação de Cuiabá de grande entroncamento sul-americano multimodal de transporte. Após 20 anos, o que restaria da euforia daquele artigo?
     A obra de Manso foi iniciada em 1988, paralisada um ano após com grandes prejuízos, e reiniciada em 1998. Inaugurada em fins de 2000, Manso trouxe a regularização de vazão do rio Cuiabá, a proteção urbana contra as grandes cheias – seu objetivo inicial - e a geração adicional de 210 MW de energia. Poderia ter ido além, mas até hoje pouca gente importante sabe que APM Manso significa “aproveitamento múltiplo”, que prevê também o abastecimento de água por gravidade para Cuiabá e Várzea Grande, a irrigação de 50 mil hectares na Baixada Cuiabana, empreendimentos na área de turismo e da aqüicultura.
     Quanto à ferrovia, aconteceram muitos avanços, como em 1989 a outorga da Concessão à Ferronorte, a inauguração em 1998 da ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, seu principal e mais dispendioso obstáculo, e a chegada dos trilhos a Alto Araguaia. Já a saída para o Pacífico encontrou alento no início do primeiro governo Maggi, com o governador pessoalmente liderando uma expedição ao Chile. Mas ficou por aí, talvez devido ao atual quadro de insegurança na Bolívia, com a própria expedição do governador sofrendo ameaças de seqüestro.
     Hoje vemos que, em energia, fomos aos céus e voltamos ao inferno. A geração de Manso foi reforçada pelo gasoduto e a termelétrica (um complexo de mais de 1,3 bilhão de dólares!) e Mato Grosso passou a ser exportador de energia, abrindo extraordinárias perspectivas de desenvolvimento, conforto e segurança para sua gente. Em 2007 o desastre! Por razões verdadeiras ainda não esclarecidas, a Bolívia cortou o gás que fornecia a Mato Grosso, o governo federal não se importa com o caso e nossas autoridades e lideranças ficam omissas, ou sem reação à altura. O Estado estaria às velas não fosse Manso, porém no limite e sem nenhuma confiabilidade no sistema.
     Da mesma forma, nos transportes fomos do sonho ao paroxismo. Apesar de definida em Lei Federal, de ser objeto de uma Concessão da União, da sede oficial da Ferronorte ser em Cuiabá, depois de tanta luta e vencidos mais da metade de seus 974 km previstos até Cuiabá, a ferrovia está parada em Alto Araguaia desde 2002, e subitamente vê questionada a viabilidade econômica do trecho Rondonópolis/Cuiabá, seus últimos 200 Km. No PAC foi trocado por uma ligação Lucas do Rio Verde/Uruaçu, Goiás, idéia nova sem nada definido publicamente, que poderá até ter sua viabilidade comprovada, mas nunca mais viável que a ligação de Cuiabá. As estradas não suportam o movimento e chegam ao colapso. O Marechal Rondon, com as obras paralisadas, insuficiente, ganha o “reforço” de sua velha ala de desembarque, sem ar e sem água.
     Eufórico, o artigo de 89 concluía que “para 1989 a responsabilidade é imensa, principalmente para aqueles que são pagos para zelar pelos interesses do nosso povo, que são os políticos. Não se pode admitir qualquer retrocesso nesses projetos, pois o mais difícil já foi superado.” Será? O alerta de 89 parece valer para 2009.
(Piblicado pelo Diário de Cuiabá em 30/12/2008)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A FORÇA ECONÔMICA DE CUIABÁ

José Antonio Lemos dos Santos


     Por mais que alguns insistam em difundir a falsa idéia de que Cuiabá não produz nada, que Cuiabá só tem funcionários públicos, a realidade salta aos olhos de forma eloqüente e indiscutível, como nos mostram os dados do IBGE, divulgados pelo Diário de Cuiabá no último dia 17, em matéria de Marianna Peres. A insuspeita pesquisa mostra uma realidade dinâmica e de acentuado crescimento, comprovando tudo o que o simples bom senso percebe nas ruas, no comércio, indústrias, etc., mesmo nos dias de hoje, em plena crise global.
     Sem contar Várzea Grande que forma com Cuiabá um mesmo núcleo urbano, segundo os dados do IBGE a economia cuiabana apresentava em 2006 um PIB de R$ 7,12 bilhões, o 42º entre os mais de 5 mil municípios brasileiros, sendo o segundo maior do Centro-Oeste! Já o PIB per capita salta de R$ 7,75 mil em 2002 para R$ 13,24 mil em 2006, com um crescimento espetacular de 70,8%, já considerando o ano de 2006, de forte crise, especialmente em nossa região. “Mesmo sob o ‘ápice da crise’, a renda média de 2006 na Capital ficou 4,8% acima da média brasileira, que foi de R$ 12,68 mil”, ressalta a matéria.
     Em termos de Mato Grosso, a matéria jornalística informa que “as riquezas produzidas na Capital são o maior contribuinte ao PIB do Estado, que em 2006 somou R$ 35,38 bilhões”, isto é, mais de 20% da economia estadual (exatos 20,12%)! Isto, repito, sem contar Várzea Grande, que forma com Cuiabá uma mesma cidade. “Ah, mas essa proporção já foi muito maior no passado”, repetem os que insistem em promover uma falsa decadência cuiabana. Correto, quando só existia Cuiabá no estado, a economia cuiabana era 100% da economia do estado, e de lá para cá essa proporção (número relativo) só vem decrescendo, à medida que acontece o desejável e extraordinário desenvolvimento do interior mato-grossense. Mas os números absolutos crescem sempre, tanto na capital quanto no interior, com uma realidade impulsionando a outra mutuamente, numa simbiose ascendente de sucesso.
     Os dados divulgados corrigem também uma afirmação que já foi válida, mas que nos dias atuais revela-se totalmente incorreta, qual seja, a de que a economia cuiabana depende da administração pública. Segundo a mesma pesquisa, com um grau de participação estatal oscilando entre 10 e 13%, Cuiabá atualmente situa-se em 16º lugar entre as capitais nesse quesito, mostrando que a economia local já alcançou sua autonomia em relação ao estado, que ainda tem participação significativa, mas muito longe de uma relação de dependência. Na década de 70 chegava a 60%! Daí a lenda.
     Cuiabá e interior, centro polarizador e seu hinterland, são duas faces de uma mesma moeda que é a região. No nosso caso, uma das regiões mais dinâmicas do planeta. Não há como dissociar o desenvolvimento de uma e de outra. Quanto mais cresce o interior mais cresce a capital, e vice-versa. Qualquer crescimento, estagnação ou queda na economia regional se refletirá em todas as dimensões regionais. Os atuais tempos globais apontam para dificuldades na economia, que serão melhor enfrentadas se considerado o conjunto regional, em um esforço colaborativo entre as cidades do estado.
     Os dados do IBGE trazem esclarecimentos há muito necessários e surgem como importante presente natalino para Cuiabá. Só uma correta leitura da realidade regional possibilitará que as autoridades e lideranças locais situem-se de fato à altura de nossa cidade, de forma a prepará-la adequadamente para continuar desempenhando seu papel polarizador, ajudando a promover o desenvolvimento regional e recebendo os benefícios desse desenvolvimento.
(Publicado pelo Di[ário de Cuiabá em 23/12/2008)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

CUIABÁ E SUAS ÁREAS DE RISCO

José Antonio Lemos dos Santos


     As recentes tragédias urbanas no Sul/Sudeste brasileiro, em especial em Santa Catarina, recomendam uma reflexão sobre as condições de risco das nossas cidades. Dependendo do potencial de risco de cada caso, talvez fosse a hora de reflexões coletivas, tais como seminários técnicos abertos ao público em geral para esclarecimento e divulgação do assunto. Como bem mostram os 127 mortos e os quase 30 desaparecidos em Santa Catarina, trata-se de assunto sério sobre o qual a população deveria ser mais informada, estimulando seu interesse e participação no controle da evolução da ocupação do solo de suas cidades.
     Nunca se pode ficar tranqüilo em relação às áreas de risco. Enquanto restar uma pessoa ocupando uma delas, a situação é grave, e todos os esforços devem ser envidados para sua desocupação total. Colocada a questão dessa forma pode-se dizer, grosso modo, que, com relação aos períodos das chuvas, em Cuiabá temos dois tipos de áreas de risco: as áreas inundáveis ligadas ao rio Cuiabá, e as áreas de enxurradas ligadas ao rio Coxipó e aos diversos córregos que cortam a cidade. Ambas exigem a atenção permanente da prefeitura, através de seus órgãos de monitoramento urbano e da sempre atenta Defesa Civil, bem com dos governos estadual e federal, com recursos para as desocupações necessárias, em projetos consistentes, e de todos os cidadãos, apoiando e cobrando quando necessário. E a prefeitura vem realizando importantes ações nesse sentido, ainda que persistam muitas ocupações de alto risco, e outras continuem aparecendo isoladamente.
     Nesse assunto Cuiabá tem a seu “favor” o trauma da cheia de 1974, ocorrida no início da explosão demográfica do último fim de século, fazendo que o processo de ocupação posterior acontecesse com um pouco de respeito e temor pelas águas, principalmente em relação ao rio. Infelizmente esse mesmo sentimento não se estendeu aos córregos, que apresentam riscos maiores, pois enchem e vazam rapidamente, sem dar tempo para fugas, sacrificando principalmente crianças, em tragédias que ainda se repetem entre nós.
     Desponta nesse período a figura do professor Domingos Iglesias, que, como técnico e chefe da Defesa Civil estadual por muito tempo, acompanhou sempre de perto, com cuidado e firmeza a evolução das ocupações irregulares, cobrando sempre das autoridades as providências de controle. Nesse tempo ensinava sobre o “império das águas”, áreas de “respiração” dos rios, nas quais exercem seu poder e cobram seu espaço de forma inexorável e, muitas vezes, cruel.
     Outro efeito da cheia de 74 foi a construção de Manso, concebida primordialmente para a proteção de Cuiabá e Várzea Grande contra novas cheias daquele porte, tarefa que vem cumprindo com eficiência. Por exemplo, em 15 de janeiro de 2002, seu primeiro ano de existência, impediu que passassem por Cuiabá 3250 m3 de água por segundo, um volume superior ao verificado na cheia de 74. Diferente do que muitos pensam, essa é a principal função de Manso, e não a geração de energia. E ai de nós hoje se não fosse ela, com o inaceitável corte do gás boliviano e a paralisação da termelétrica.
     Outro avanço de nossa cidade é a disponibilidade da Carta Geotécnica, elaborada pela UFMT na segunda gestão municipal de Frederico Campos, início da década de 1990, como um dos principais subsídios à elaboração do seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Destaque-se que Cuiabá foi uma das pioneiras no Brasil a produzir este instrumento fundamental para o planejamento urbano, e até hoje ainda é uma das únicas a tê-lo. Deveria ser matéria obrigatória do nosso ensino de primeiro grau.
(Publicado pelo Diáro de Cuiabá em 16/12/2008)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

DURAS LIÇÕES QUE ESQUECEMOS

José Antonio Lemos dos Santos


     Novamente a população brasileira sofre com uma grande tragédia se abatendo sobre nossas cidades, chorando mortos, amparando desabrigados, contabilizando prejuízos e, sobretudo, esbanjando solidariedade. Mais uma vez nossas cidades são pegas despreparadas pelas chuvas que se repetem todos os anos, ciclicamente com maior ou menor intensidade. De novo nossas autoridades mostram-se tomadas pela surpresa, sensibilizadas, desdobrando-se no atendimento às vítimas e para o mais breve retorno à normalidade da vida anterior.
     E em breve estaremos de volta à normalidade da vida anterior, como se isso fosse possível para aqueles que perderam parentes, perderam o lar duramente construído. “O lar não mais existe, ninguém volta ao que acabou”, canta um belo e antigo samba. Como voltar? Não sei. O fato é que todos voltamos e antes do próximo ano tudo será esquecido, e a vida anterior é retomada, até que a próxima tragédia nos faça chorar de novo. As encostas, as áreas inundáveis e outras zonas de riscos voltam a ser ocupadas, sob a aprovação silenciosa de todos nós que, sem perceber – ou fingindo não perceber – tornamo-nos cúmplices da irresponsabilidade urbana que anualmente mata – e mata muito - sob os mais diferentes pretextos, não só nas chuvas.
     Pior é que a normalidade anterior volta plenamente como se nada tivesse acontecido, a não ser por algumas obras oportunistas, que na maioria das vezes não resolvem, ou até agravam, o problema que as justificaram publicamente. Findas as águas, nem as lições ficam para evitar futuras tragédias semelhantes. Mas, não custa pensar ao menos sobre duas das lições insistentemente repetidas por essas tragédias.
     A primeira delas é que a cidade é uma coisa muito séria e não pode mais ser tratada apenas como um objeto político. Quanto mais crescem, mais complexas ficam e devem ser tratadas também, por profissionais especializados nas diversas áreas de conhecimento que envolvem, com papel especial para o urbanista que tem a responsabilidade social de articulá-los em um conjunto objetivo. Nem só o político – a quem compete decidir, baseado em alternativas técnicas – nem só o técnico – que deve subsidiar o político com as soluções técnicas viáveis - com a participação institucional efetiva da sociedade civil organizada, através de conselhos setoriais, integrados em um conselho superior, de fatos representativos.
     Outra lição que salta aos olhos é a urgência da execução das leis dos planos diretores urbanos. Hoje praticamente todas as nossas cidades dispõem de seu plano diretor e das disposições para uso e ocupação do solo urbano, dele decorrente. São instrumentos elaborados para serem de fato aplicados e não só para cumprir exigências federais, ou compor a estante do gabinete dos prefeitos. Não se pode mais falar em falta de planejamento como álibi para crimes no gerenciamento do desenvolvimento urbano, em especial no processo da ocupação do solo das cidades. Temos leis de sobra, que deveriam estar sendo cumpridas, e não estão.
     A persistir a falsa alegação da falta de leis - sempre reiterada entre lágrimas nessas horas - que fosse então aplicada a Lei Federal 6766, de 1979 - isto mesmo, de 1979! – a lei Lehman, que proíbe em todo o Brasil, entre outros, o parcelamento de áreas inundáveis ou com declividade acima de 30%. Quanta gente teria sido salva, quantas tragédias evitadas, quanta qualidade de vida agregada às populações urbanas, se esta lei estivesse sendo aplicada nestas suas quase três décadas de existência oficial nos cartórios, mas criminosamente desconsiderada na vida real de nossas cidades.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 09/12/2008)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

JOAQUIM MURTINHO E OS BANCOS

Joaé Antonio Lemos dos Santos


     É bom lembrar que a atual crise global originou-se nos bancos das grandes nações; agora o mundo todo busca arrumar rapidamente trilhões de dólares para salvá-los. Mas, para matar a fome na África... Não é preciso ser financista para se preocupar com tal quadro, que me faz lembrar Joaquim Murtinho, conterrâneo que no próximo 7 de dezembro comemoraria 160 anos de nascimento.
     Joaquim Murtinho era engenheiro civil e médico homeopata, e para Rubens de Mendonça, o maior estadista e financista brasileiro no período republicano. Nascido em 1848, em Cuiabá, foi professor da Escola Politécnica, Deputado Federal, Senador, Ministro da Viação e da Fazenda de Campos Sales. Muitos hoje só o conhecem como nome de rua, aqui, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campo Grande, onde é ainda nome de escola, ou como nome de cidades em Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
     Seu prestígio era tamanho que certa vez Dom Pedro II, Imperador do Brasil, tido como um dos governantes brasileiros mais cultos, assistindo a uma palestra dele sobre homeopatia, quis questioná-lo e recebeu de volta a sugestão de que quando "tivesse ímpetos de assistir a uma defesa de tese que Sua Majestade não entenda, deixe-se ficar em casa e leia uma página de Spencer".
     Pioneiro da homeopatia no Brasil foi, porém, como Ministro da Fazenda que ficou na história. Cito Joelmir Betting em trechos de um artigo de 1984, na Folha de São Paulo, mostrando sua atualidade: “O saneamento da moeda nacional começou com a presença mágica do ministro Joaquim Murtinho (a partir de 1899). Murtinho só não é apostila nas escolas de economia do mundo ocidental porque nasceu no Brasil, teorizou no Brasil – e não em algum reduto da aristocracia acadêmica nos dois lados do Atlântico Norte.”
     Diz mais: “Mal empossado no cargo de chanceler do Tesouro, que ele chamava de “monarca dos entulhos”, Joaquim Murtinho disparou um vigoroso “pacote” econômico, politicamente atrevido: a palavra de ordem era a de acabar, em rito sumário, com a especulação financeira do setor bancário”, e segue, “Murtinho entendia que o Brasil da virada do século não podia tolerar uma economia meramente escritural, era preciso promover o refluxo da poupança nacional do mercado de papéis e de divisas para o mercado de produtos e de serviços.” Para Betting, como resultado a inflação foi quase a zero, mas gerando o “pânico bancário” de 1900, com o sistema financeiro “experimentando uma quebradeira em cascata.”
     Reconhecendo o valor dos bancos - aprendi com meu pai, que era bancário – fecho com Betting em sua conclusão: “O “czar” Murtinho lavou as mãos enluvadas: que se quebrem todas as casas bancárias, desde que se salvem todas as fábricas, empórios e fazendas...”
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 02/12/2008)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

CUIABÁ E A CRISE

José Antonio Lemos dos Santos


     Na semana passada os jornais publicaram que o governo brasileiro chamou seu embaixador em Quito em protesto pela decisão do governo equatoriano de não pagar uma dívida de US$ 243,0 milhões com o BNDES referente a uma obra de uma empreiteira brasileira naquele país, acrescentando que esta é uma crise “séria”. Tomara que nosso governo esteja revendo sua forma, no mínimo generosa para muitos observadores, de encarar certas atitudes tomadas ultimamente por alguns dos nossos países vizinhos em relação a diversos interesses brasileiros, entre estas, o corte do fornecimento do gás boliviano a Mato Grosso, há mais de ano, paralisando um gasoduto e uma termelétrica de quase 1 bilhão de dólares e responsáveis por 70% da energia consumida no estado.
     Também na mesma semana foi publicada a lista de obras do Ministério dos Transportes para Mato Grosso, constantes do Plano Plurianual 2008-2011, lá constando, entre diversos itens, dois de maior interesse, especialmente para a cidade de Cuiabá. O primeiro é a construção da Ferronorte, de Alto Araguaia até Rondonópolis, confirmando a já longa expectativa dos trilhos ferroviários avançarem pelo território mato-grossense em direção a Cuiabá, maior centro de cargas do estado, dando continuidade assim ao estabelecido na concessão federal que trata do assunto. Mesmo com Mato Grosso ocupando posição chave no Ministério dos Transportes, o máximo que se poderia esperar, além disso, seria alguma referência ao trajeto Rondonópolis-Cuiabá, ao menos com os estudos ambientais definitivos a partir de Mineirinho, na BR-163 – o que seria uma agradável surpresa para os cuiabano-varzeagrandenses.
     O segundo ponto a destacar é a “Adequação de trecho rodoviário na BR-163 entre Rondonópolis – Cuiabá – Posto Gil (possivelmente duplicação ou terceira faixa)”, item que frustra a maior parte dos mato-grossenses, principalmente as centenas de milhares de pessoas que dependem desse trajeto para tocar suas vidas, em diversas atividades, importantes para cada um e para o estado como um todo. Era tido como certo o início da duplicação desse trecho rodoviário que é o mais movimentado no estado, que já chegou ao limite de sua transitabilidade, projeto falado, prometido pelas autoridades há muito tempo e, sobretudo, extremamente necessário não só pela deseconomia que gera, como pelo drama das vidas ceifadas a cada ano que passa.
     Neste item chama a atenção que nem sequer está definido o que vai ser esta “adequação”, isto é, o que vai ser feito em termos de obras, constando na matéria jornalística apenas a expressão “possivelmente duplicação ou terceira faixa”, não contestada ou esclarecida posteriormente pelo Ministério. Sem esta definição não há projeto técnico e sem este não pode haver licitação, condição necessária para o início das obras, que para todos parecia imediato.
     As matérias jornalísticas coincidem com a iniciativa dos Conselhos Federal e Regional de Economia e da Prefeitura de Cuiabá de promoverem na capital uma discussão sobre a crise global, olhada do ponto de vista de nossa cidade e de nosso estado, com a presença de figuras nacionais e locais de notório conhecimento sobre o assunto. Seus assuntos poderiam muito bem ser tratados em tão importante evento, afinal, nenhuma crise global será equacionada em nível local sem passar pela solução dos nossos graves problemas da energia e do transporte.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 25/11/2008)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

TERMELÉTRICA EM MARTE

José Antonio Lemos dos Santos


     Embora mergulhada com todo o mundo em uma grave crise de dimensões ainda não definidas, Cuiabá, junto com Várzea Grande, vive o melhor momento de sua história, deixando de ser aquele pacato centro de um imenso vazio regional e passa a ser a metrópole polarizadora de uma das regiões mais dinâmicas do planeta. Por uma série de razões, caminha celeremente para a realização de sua vocação natural de metrópole centro-continental, encontro multimodal dos caminhos do continente sul-americano. É a tendência; se não é destino, é quase. Só não se realiza se houver algum esforço muito forte em sentido contrário.
     No último dia 12, em matéria de Marcondes Maciel, o Diário de Cuiabá trouxe notícia dos prejuízos que a população dos bairros Santa Isabel, Jardim Araçá, Porto e Cristo-Rei vêm sofrendo com os constantes cortes e oscilações de energia que estão acontecendo na cidade ultimamente. Esta matéria me fez lembrar imediatamente da situação que vivíamos antes do funcionamento de Manso, do gasoduto e da Termelétrica Cuiabá I, como prefiro chamá-la. Mato Grosso dependia da energia de Cachoeira Dourada, na divisa de Goiás com Minas, que nos chegava através de uma linha de transmissão, que pela sua grande extensão - quase 800 quilômetros – expunha-se a grandes riscos em seu funcionamento, por fenômenos naturais ou não. Raios, ventanias e até sabotagens eram motivos de preocupação. “Ventou em Jataí, queimou uma geladeira aqui”, como se dizia na época.
     Mato Grosso e Cuiabá pagaram muito caro por esta carência energética crônica. Muitas empresas deixaram de se instalar aqui por falta de energia, que na verdade não era bem falta de energia, e sim, um abastecimento inseguro, inconfiável e limitado. Por exemplo, os edifícios residenciais, industriais ou comerciais tinham que ter geradores próprios, um dos custos adicionais que por décadas refreavam o desenvolvimento do estado e da cidade.
     Até que aconteceram Manso, o gasoduto e a termelétrica, pela visão e ação de estadista do saudoso Dante de Oliveira, que muita gente importante não entendeu até hoje, ou finge não entender. Mato Grosso, com energia abundante e segura, passou a exportador de energia, com perspectivas fantásticas de novos investimentos, como nos acenava animado o também saudoso José Epaminondas.
     Incrível, a termelétrica de US$ 750 milhões está paralisada há mais de ano e com ela um gasoduto de US$ 200 milhões. Pior, nesse período não se viu qualquer reação consistente de nossas autoridades, ou da sociedade organizada cuiabana e mato-grossense. Nem do governo, nem da oposição! Não fosse o maior empreendimento privado em Mato Grosso, marcante por si só, diríamos tratar-se de uma termelétrica no longínquo planeta Marte, nada a ver com a qualidade de vida de nossa gente e as perspectivas de desenvolvimento de nossa terra, cuiabana e mato-grossense.
     Também no Diário de Cuiabá, em outra matéria, de Marianna Peres, o governador disse: “Trabalhamos dentro de uma nova filosofia que é chamada 'gás social'. Não será o gás para movimentar a termelétrica e sim para os veículos e para as indústrias que já operam com esse produto.” Grave. Dispensa maiores comentários. A termelétrica vale por milhares de empregos, reais e potenciais, mil empresas, grandes ou pequenas, de norte a sul de Mato Grosso, nos distritos industriais ou nos bairros ricos e pobres de nossas cidades. Mais social, impossível.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 18/11/2008)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

DIA MUNDIAL DO URBANISMO

José Antonio Lemos dos Santos


     Surgida há 5 mil anos com a civilização, a cidade constitui a maior, mais complexa e mais bem sucedida das invenções humanas,transformando o mundo e acelerando os passos da evolução humana. De lá para cá a população foi se urbanizando, e neste ano de 2008, pela primeira vez na história, a população urbana global superará a população rural, com países desenvolvidos ou emergentes alcançando percentuais superiores a 80%, como é o caso do Brasil.
     Nessa trajetória o grande ponto de inflexão foi a Revolução Industrial, no século XVIII, que inicia um novo sistema produtivo baseado no capital e na indústria recém nascida, transformando novamente o mundo em todas as suas dimensões. Até então a cidade tinha sido uma experiência inquestionada, ainda que tenha enfrentado importantes crises, como na Roma imperial, que entrou em colapso e foi destruída. Com a industrialização, a urbanização se acelera vertiginosamente e a vida nas cidades se desequilibra gravemente, exigindo controle e intervenções no desenvolvimento urbano. Começa então a surgir a ciência do urbanismo, que evolui e supera o urbanismo modernista da Carta de Atenas – implodido com o conjunto de Pruitt-Igoe em 1972, passa pelas experiências pós-modernistas do Novo Urbanismo, e chega hoje diante de uma nova Revolução, a da informática e da globalização.
     De grande complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo, só que em dimensões grandes ou gigantescas, que vão das pequenas vilas até as metrópoles e megalópoles, ultrapassando as centenas e até milhares de quilômetros quadrados e chegando a abrigar dezenas de milhões de habitantes. Trata-se de um enorme recipiente, articulado regionalmente, onde se desenvolvem as relações urbanas em toda sua múltipla diversidade. Sua função, primordialmente, é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma possível com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Infelizmente no Brasil - Mato Groso e Cuiabá incluídos, o Urbanismo ainda não recebe a consideração necessária.
     O Urbanismo, em construção constante, reflete a complexidade de seu objeto de trabalho e necessariamente aborda os diversos campos de conhecimento que a cidade envolve. Assim, o urbanista também evolui e não é mais um especialista no sentido estrito do termo, mas um generalista destinado a enxergar o organismo urbano com um todo, em toda sua transdiciplinaridade holística. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. Como na medicina, não se deve tratar a doença mas o doente, assim também não se pode tratar as doenças da cidade, mas a cidade doente. Catalisador dos especialistas exigidos pela complexidade urbana, o urbanista precisa saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, deve saber que o que sabe é quase nada para dispensar a companhia das especialidades nas múltiplas facetas técnicas e políticas da cidade.
     No dia 8 de novembro comemoramos o Dia Mundial do Urbanismo, criado em 1949 visando uma reflexão global sobre o assunto. As cidades de novo se aproximam de uma Revolução com as perspectivas da tecnologia e do ciberespaço (os enigmas dos novos espaços urbanos virtuais, por exemplo), e a eminência do colapso em problemas como água, lixo, transportes, poluição, aquecimento, energia, emprego, uso do solo e segurança. Crise, risco e oportunidade, quando o homem se transforma no atual bicho urbano, o Urbanismo se apresenta como o desafio do novo século.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 11/11/2008)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

VIVA O PREFEITO!

José Antonio Lemos dos Santos


     A cidade é considerada a maior e a mais exitosa das invenções do homem, tanto em tamanho como em complexidade. Como criação humana, trata-se de um objeto artificial, isto é, construído pelo homem. Não dá em “pé de árvore”, precisa ser construída. É um centro produtor de bens e serviços, para atender a demanda de uma região que lhe dá origem, assim como para seu consumo interno, subsistência de sua população, da qual também é moradia, sua “grande casa”.
     Essa fantástica máquina de produção e de vida, quando saudável, está em permanente construção, ressaltando sua dimensão técnica de alta especialização. Mas não é uma construção com um só dono e um só construtor. O dono de uma cidade é o cidadão, que é também o seu construtor e que são milhares ou milhões, o que destaca a outra face da cidade, a sua dimensão política.
     É fácil perceber a complexidade dessa grande obra e a dificuldade de fazê-la chegar a resultados coerentes e harmônicos. Lembro sempre da piada que diz que o camelo era para ser inicialmente um cavalo, mas teve suas partes feitas por pessoas diferentes, sem um projeto comum nem coordenação, e que na hora de serem juntadas produziu a surpresa de um animal todo desconjuntado, no qual suas partes parecem não se encaixar direito, que terminou sendo chamado de camelo, pois o resultado passou longe do cavalo originalmente desejado.
     Para evitar a história do camelo, na construção de uma cidade são indispensáveis o interesse ativo do cidadão pela cidade e um projeto, como na construção de uma casa, um projeto que expresse a cidade desejada pelos cidadãos – o chamado plano diretor de desenvolvimento urbano, que tem que refletir as dimensões técnica e política, regional e local da cidade. E é também fundamental a autoridade do prefeito, legitimado pelo voto e firme na construção do bem-comum.
     A grande importância de um prefeito está na sua obrigação de ser o líder e o coordenador dessa grande obra, com olhos de administrador e de estadista, assegurando que a técnica e a participação cidadã caminhem juntas. A preponderância de uma sobre a outra, a demagogia ou a tecnocracia, são desvios danosos. Tarefa dificílima essa de entender e equacionar os problemas, viabilizar soluções, compatibilizar interesses, arregimentar esforços em nome de centenas de milhares de pessoas, morando em seu próprio objeto de trabalho, onde os problemas lhe batem diretamente à porta, dia após dia, noite após noite.
     Revigorado e aprovado nas águas de uma reeleição, Wilson Santos reassume a prefeitura de Cuiabá por mais quatro anos. Com a política no sangue, Wilson desde muito jovem caminha com desenvoltura pelos seus meandros, seja entre os mais humildes ou nos mais altos escalões dos poderes, galgando posições no executivo e legislativo, adquirindo experiência valiosa, enriquecida pelo primeiro mandato que finda.
     Com esta reeleição liberta-se da necessidade de padrinhos. De índio passou ao ultra-restrito grupo dos atuais dois ou três caciques da política mato-grossense. É senhor de seu destino político. Mais do que ninguém sabe de sua força eleitoral e de onde ela vem; onde perdeu votos que sempre lhe foram cativos, e onde ganhou muitos que antes lhe eram negados; enfim, onde melhorar, onde corrigir. Jovem ainda, cabeça aberta, tem tudo para ser o prefeito adequado no alvorecer do novo milênio. Renovado, o “galinho” guerreiro da juventude, pode ser também o “galinho” arauto dos novos tempos da Cuiabá globalizada, capital do agronegócio nacional, centro polarizador de uma das regiões mais dinâmicas do planeta. Que o Senhor Bom Jesus de Cuiabá o acompanhe, junto com Cuiabá e todos os cuiabanos, natos ou de coração.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá 28/10/2008)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

ADMINISTRADOR E ESTADISTA

José Antonio Lemos dos Santos


     O artigo “Pelo gás e a ferrovia” da semana passada rendeu alguns valiosos comentários. Desde os elogiosos – um dos quais sugeriu um adesivo com o título - aos céticos para os quais os candidatos nem sequer leriam o artigo, passando pelo que diz que o autor está errado pois os assuntos tratados não seriam da competência municipal. Em respeito a todos, detenho-me sobre este último, pois reflete um entendimento bastante arraigado em Cuiabá, mas equivocado, a meu ver.
     Sabemos que toda cidade tem uma dimensão local e outra regional, e nesta última se encontra sua razão de ser e sustentabilidade. Muitos dos problemas mais sérios de uma cidade estão fora dela, exigindo das autoridades locais soluções em diferentes esferas de governo ou até mesmo no âmbito empresarial. Assim, gerir uma cidade necessariamente ultrapassa as competências administrativas municipais.
     Como unidade federativa, o município também vai muito além de sua dimensão administrativa, pois tem uma dimensão política, que lhe dá autonomia na condução de seus interesses. Creio que o equívoco vem do tempo em que Cuiabá tinha seus prefeitos nomeados pelo governador. Nomeados, perdiam poder enquanto autoridade, restando-lhes a função de administrar bem a capital, como prepostos do governador, legando aos sucessores esta perniciosa “síndrome do prefeito nomeado”.
     Pior, pois, pelas dificuldades enfrentadas pela prefeitura, o cargo era considerado do terceiro escalão da administração estadual. Na posse de um governador, a atenção pública priorizava os nomes para os cargos de presidente da Cemat, do Bemat, Cohab, Sanemat, e das secretarias de estado. Só depois vinha o nome do prefeito da capital. Empossado, era terceiro escalão mesmo, o que foi cristalizado no nosso imaginário político-popular, e que era bastante conveniente para os governantes que assim podiam se livrar de muitos problemas.
     Exemplar no caso de Cuiabá é o problema dos transportes. A principal razão da secular sobrevivência de nossa cidade é sua localização estratégica. Cuiabá é um encontro de caminhos, com a vocação natural de ser um grande pólo intermodal de transportes no centro do continente. Assim, é fundamental para a cidade a chegada da ferrovia, o aeroporto Marechal Rondon - pronto e internacionalizado, a duplicação da 163, a saída para o Pacífico e, a ecovia do Paraguai, mesmo que um seja em Cáceres, outro em Várzea Grande, ou que a competência seja de outras esferas de governo. Infelizmente, sobre assuntos como estes, o cuiabano se sente abandonado, passado para trás, cabendo ao prefeito, articulando a sociedade organizada, a iniciativa de cobrar a quem de direito. Se não for ele, quem seria?
     Restritos à burocracia, as propostas eleitorais prendem-se às tarefas da prestação dos serviços obrigatórios, na saúde, educação, transporte, segurança, lixo, etc, que nada mais são do que obrigações, que todos têm que oferecer e melhorar sempre, direito do povo que paga por elas. E os planos ficam iguais, enfadonhos, repetitivos a cada eleição. Nada de propostas estratégicas para o desenvolvimento do município, sobre os destinos da cidade e para onde conduzi-la.
     Cuiabá vai se transformar na Ouro Preto do agronegócio, como querem alguns, ou na metrópole centro-continental, exuberante na qualidade de vida de seus habitantes? Espero que o prefeito que assumir, ou reassumir a prefeitura de Cuiabá, coloque-se à sua altura, resgate a sua integralidade local e regional, de passado e de futuro, seja um bom gerente dos serviços que tem a obrigação de oferecer, mas assuma também o papel de verdadeiro estadista, líder condutor do desenvolvimento pleno de sua cidade.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 21/10/2008)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

PELO GÁS E A FERROVIA

José Antonio Lemos dos Santos


     A cidade vive dos que vivem nela, como aprendemos com Alves de Oliveira. A qualidade de vida de uma cidade é qualidade de vida de sua população, e isto é emprego e renda, que vêm das suas atividades produtivas. Daí a importância da atual campanha eleitoral ter abordado a questão da atração de empresas para a cidade, ainda que sob o enfoque da competição com o interior – a meu ver equivocado.
     Atrair novas empresas é importante, mas o prioritário no caso de Cuiabá e Várzea Grande é a consolidação dos mega-investimentos já instalados e que vêm sendo relegados ao total desinteresse e omissão das nossas autoridades e lideranças municipais, estaduais e federais, governamentais e civis. Totalmente esquecidos pelos candidatos no primeiro turno. Desinteresse tamanho que chega a parecer armação contra Cuiabá e seu papel polarizador no estado.
     O gasoduto (US$ 200,0 mi!) trazendo o gás para Cuiabá vale por mil empresas! Está parado. O gás não é só energia, antes é matéria prima básica para diversas indústrias químicas que se instalariam aqui, como a fábrica de fertilizantes da Petrobrás, que tecnicamente tem Cuiabá como melhor localização – desde que exista o gás. Sem o gás, ganha Campo Grande. Como fonte de energia, o gás movia nossos taxistas, algumas empresas locais, uma termelétrica (US$ 500,0 mi!) e uma linha de transmissão (US$ 380,0 mi!). Cuiabá tinha virado pólo exportador de energia. Tudo parado ... mas pronto para funcionar a qualquer momento, desde que nossas autoridades se interessem.
     Os mega-investimentos valem por mil empresas porque têm o poder de gerar novas empresas. Que cidade no Brasil não gostaria de ter o 17º aeroporto do Brasil, o Marechal Rondon? Já em setembro chegou ao milionésimo passageiro no ano, movimento anual previsto para a belíssima estação, cujas obras estão vergonhosamente paralisadas. Quantas empresas estão em Cuiabá e Várzea Grande pelo aeroporto?
     Municípios de todo o Brasil lutam para ter um Porto Seco. Aqui – como cuiabano sinto dizê-lo – a maioria das lideranças locais, nem sabe do que se trata. Também vale por mil empresas, pois pode atrair para seu entorno, entre outras, empresas atacadistas de importação e exportação. Ademais seu interior é como uma zona franca e pode albergar indústrias montadoras destinadas à exportação.
     E a ferrovia? Para mim, a ferrovia mais viável do mundo, ligando o centro da região campeã nacional na agropecuária e uma das mais produtivas do mundo. Outro dia tive o desprazer de ver um infográfico do PAC constando a ferrovia só até Rondonópolis e, pior, uma outra ferrovia inventada nos últimos anos, ligando Nova Mutum a Goiás. Sobre esta o infográfico diz “Em estudos”. Mesmo assim, está lá no lugar da nossa ferrovia, com todos os estudos técnicos concluídos, inclusive com a ponte rodo-ferroviária (US$ 500,0 mi!) em funcionamento. Enquanto isso, a carnificina na rodovia Cuiabá-Rondonópolis. Um deboche!
     Por isso tudo, já sei como votar neste segundo turno. Votarei naquele que assumir o papel de legítimo líder maior do município, o verdadeiro prefeito, aquele que vai buscar os interesses de sua gente onde quer que seja. Aquele que, em respeito aos quase 30% dos eleitores mato-grossenses de Cuiabá e Várzea Grande, incluir a ferrovia e o gás em seu programa de ação, com compromisso efetivo de articular os setores competentes em todas as esferas e a sociedade civil, pelas suas chegadas definitivas em solo cuiabano. Só o gás e a ferrovia. Se os dois incluírem, ótimo! Escolherei o mais convincente. Se nenhum dos dois der ouvidos a este aprendiz de comentarista, aguardarei os dois, ou seus amigos, nas eleições de 2010.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 14/10/2008)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A DESCENTRALIZAÇÃO INDUSTRIAL

A descentralização industrial




     Teve gente importante nestas eleições dizendo que Cuiabá vem perdendo força econômica em função dos diversos investimentos, especialmente na agroindústria, que estão se instalando em Mato Grosso, fora da capital. Vejo dois riscos nessa afirmação. Primeiro, é que essa falsa impressão vire “verdade” se continuar sendo repetida, como já aconteceu entre nós com Manso, e tentam fazer com a ferrovia. Segundo, é que, partindo de pessoas de destaque local, funcione como um marketing negativo de alto impacto contra a cidade.
     Os estudiosos dizem que a cidade é a maior, a mais complexa e exitosa das invenções do homem. Tem complexidade comparável a de um organismo vivo, com a agravante de muitas vezes se estender por quilômetros e abrigar milhões de pessoas. Daí existir a ciência do Urbanismo, ainda que muito centrada nas dimensões intra-urbanas.
     Mas é nas relações regionais que está a razão de ser de uma cidade. Ela surge em função do excedente econômico produzido por uma região, da qual é parte funcional como centro articulador de sustentação e propulsão, num processo contínuo de ajuda mútua, ascendente ou descendente conforme as condições de favorabilidade. A região (hinterland) de uma cidade pode envolver outras cidades, cada qual com sua sub-região, numa divisão de trabalho que otimiza as potencialidades regionais, e resulta em uma rede urbana hierarquizada que parte das relações primárias de produção e chega até a metrópole nacional ou mundial.
     Quando a economia cresce, tende a se otimizar, seja com o aumento de produtividade ou com a verticalização de sua produção, agregando in loco de valores aos seus produtos. Essa verticalização na economia vai determinar a verticalização também da rede urbana. As redes refletem o dinamismo regional. Surgem novas cidades e cidades antigas ganham novas posições na rede, com funções antes desempenhadas pelas do nível hierárquico superior, impulsionando para cima toda a rede urbana, em todos os seus níveis.
     É o que assistimos em Mato Grosso: uma verdadeira reestruturação da rede urbana em função de seu novo perfil econômico. Cidades de pouca expressão ou que não existiam há pouco, ascendem à condição de receber grandes estruturas produtivas que antes ficariam na capital, trazendo a agregação de valor o mais próximo das áreas de produção. Por sua vez a cidade pólo, no caso a capital, é contemplada com novas funções de maior complexidade e sofisticação que antes a região não tinha condições de dispor.
     As lideranças de Cuiabá e Várzea Grande devem ter estas novas funções como foco, criando políticas públicas agressivas de atração e consolidação dos empreendimentos oportunizados por elas. Colaboração e parcerias, ao invés de comparações ou disputas com o interior. Devem também, e já, sacudir os espíritos e lutar pelos mega-investimentos já instalados ou em instalação, como o porto-seco, o aeroporto internacional, o gasoduto e a termelétrica - criminosamente negligenciados - e a ferrovia.
     O atual momento é extraordinário para a região como um todo, sem perdas, só ganhos. É a expressão do desenvolvimento em sua forma mais saudável. A Grande Cuiabá está no centro dessa revolução e também se transforma rapidamente, ainda que de forma espontânea. Aos nossos planejadores, cabe entender quais os papéis destinados às nossas cidades nestes tempos de globalização e prepará-las adequadamente para suas novas funções, olhando para o futuro e não para o passado.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 07/10/2008)