"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 28 de agosto de 1990

PERGUNTAS À INFRAERO


José Antonio Lemos dos Santos

(Publicado pelo Jornal do Dia em 28 08 90)

     As informações da Infraero sobre o aeroporto Marechal Rondon trazidos a público recentemente por importante reportagem da imprensa local, constituem oportunidade para nossa cidade voltar a discutir um assunto da maior importância para o seu desenvolvimento. Muito embora tratando-se de competência federal nosso cidadão não pode ficar fora de assuntos de assuntos que lhe dizem respeito e a sua qualidade de vida. O cidadão tem que ser informado para poder discutir e reivindicar aquilo que lhe é de direito, não ficando a reboque de sua própria história.

     A leitura das potencialidades da Grande Cuiabá apresenta como uma de suas principais tendências o papel de entro de entroncamento intermodal de transportes de caráter nacional e, mesmo continental. Assim tem sido no seu passado e será no futuro, ainda com muito mais ênfase, como ligação ferroviária entre a Amazônia e o Sudeste, com as saídas boliviana e peruana para o pacífico e com o Porto fluvial de Cáceres. Cabe a participação cidadã em favor da realização dessas potencialidades em toda a plenitude, no menor espaço de tempo.

     Muito embora dando a impressão de que se esperava um resultado de maior destaque para nosso aeroporto, a referida reportagem é a confirmação da tendência histórica de nossa cidade. Afinal não é pouca coisa estar situado em Várzea Grande o 15º aeroporto do país, dentre os mais de 4 mil municípios brasileiros. Mesmo entre os 62 administrados pela Infraero, a 15ª colocação é extraordinária, invejada por muitas outras cidades. Seria interessante que a Infraero oferecesse a lista completa, com os aeroportos antes e depois do “Marechal Rondon”. Talvez descobríssemos que alguns de menor importância dispõe de maior e melhor infraestrutura, vem merecendo maiores investimentos ou gozando de “status” mais elevado na política da empresa.

     Estas questões complementam as informações indispensáveis a compreensão do assunto em sua totalidade. Do mesmo modo quando é dito que nosso aeroporto é deficitário, seria importante saber quantos e quais outros são superavitários, se é que existem.  Caberia ainda perguntar qual o crescimento do número de passageiros nos seus outros aeroportos na última década para uma correta avaliação dos “apenas 47por cento” de crescimento do Marechal Rondon no mesmo período.

     Outro dado que merece atenção é a “queda de 37 por cento” no “movimento geral”. Essa informação não estaria refletindo a criação do aeroporto de Santo Antônio? Este absorveu praticamente toda a aviação de pequeno porte, sem contudo, impedir o incremento no número de passageiros do Marechal Rondon.

     A importante reportagem traz ainda a notícia de que já existe um projeto para a nova estação de passageiros, elaborado em 1985 para ser implantado entre 2005 e 2010. Não seria um excesso de confiança na capacidade de previsão e planejamento da empresa? Ou os destinos aeroportuários no Brasil já estão traçados com tanta antecedência? Se assim for, quem definiu e qual o papel destinado ao nosso aeroporto?  A ocupação da Amazônia, 60% do país, exigirá a instalação de pelo menos mais um aeroporto de grande capacidade, além dos de Manaus e Belém. Será que já foi decidido que este aeroporto não será em nossa cidade? mesmo dispondo de uma posição estratégica privilegiada e de continuar sendo a grande base meridional da ocupação amazônica?

     Ninguém desconhece o papel da aviação no mundo moderno, principalmente para a vida de uma cidade. Ainda mais a nossa que tem no turismo uma de suas principais perspectivas de desenvolvimento, com o centro de da América do Sul, o Pantanal, a Chapada e as termas de São Vicente. Ter um aeroporto de grande porte jamais poderá ser uma hipótese descartada para uma cidade que se localiza no centro de um continente, no meio de grandes rotas, presentes e futuras.

Publicado pelo Jornal do Dia em 28 08 90

     

sábado, 3 de fevereiro de 1990

O PLANO DAS APROXIMAÇÕES SUCESSIVAS

 

José Antonio Lemos dos Santos

     Grosso modo pode-se dizer que o Plano Diretor Urbano é o projeto de uma cidade. Quando a gente vai construir um edifício, uma casa por exemplo, é necessário que se tenha um "projeto" daquilo que vai ser construído, nem que seja na cabeça do proprietário, capaz de permitir que as diversas pessoas que trabalham na obra possam produzir integradamente, resultando um produto coerente e de acordo com o que se pretendia inicial mente. A maior ou menor qualidade do "projeto" vai influir diretamente no resultado, na sua qualidade e nos seus custos. Assim também com uma cidade. Ela também é construída, só" que por muito mais gente; e, também tem que agradar ao seu dono, só que ela é de muitos, de todos os seus cidadãos. 

     Evidentemente que as semelhanças podem ficar por aí, no fundamental, já que a partir desse ponto uma cidade torna-se tecnicamente diferente de uma casa por suas próprias dimensões, complexidade e dinamismo emprestando ao seu projeto, isto e, seu Plano Diretor Urbano, características que também o diferenciam do projeto de uma casa. A ideia da cidade como uma casa, que leva à ideia do Plano como um projeto, encontra-se, entretanto na raiz de algumas das dificuldades que enfrentamos hoje com relação aos Planos Diretores. Projeto é um produto finito, estático, acabado. Plano é uma forma de abordagem, dinâmica, processual, que não tem fim, tem horizontes. A confusão vem colocando as municipalidades num beco sem salda pois, enquanto projeto, o Plano Diretor implica na expectativa de um produto acabado, no tratamento da cidade inteira de uma vez só, o que se torna impossível tendo em vista a situação atual de baixa qualidade das informações urbanas de um modo geral, a fragilidade técnica dos municípios e principalmente a falta dos recursos financeiros que seriam necessários para enfrentar de uma s6 vez toda a problemática de uma cidade. A velha ideia do artista que se senta sozinho na sua prancheta e desenha a cidade, que se pensava superada a muito tempo, na verdade ainda persiste, infelizmente. E desse jeito é impossível. Técnica, financeira ou politicamente falando, a cidade moderna, dinâmica, complexa, participativa e democrática não comporta mais esse tipo de tratamento, A convivência com a problemática específica de Cuiabá e o acompanhamento daquilo que vem acontecendo em outras cidades apontam para a inviabilidade total dos Planos tipo "pacotes", técnica e financeiramente , principalmente para cidades consideradas de porte médio para cima. Ao mesmo tempo, porém, permite que se vislumbre um caminho que seria o de se buscar aproximações sucessivas, de ir se chegando aos poucos, no qual o Plano fosse sendo progressivamente construído, completado e aperfeiçoado, discutido e aprovado em Lei por "pedaços", a partir de uma metodologia a ser desenvolvida e aprovada pelas Câmaras Municipais. A lógica parece recomendar tal tipo de solução não só pela questão financeira, mas também, inclusive, por implicações técnicas como a incorporação de novas tecnologias de levantamento de dados e diagnoses, de novos sistemas de gerencia mento ou até pela necessidade de compatibilização com informações produzidas por outros órgãos com cronogramas próprios de trabalho, como por exemplo as do Censo Demográfico, cujos relatórios definitivos somente deverão estar disponíveis um ou dois anos após sua coleta. Esta compreensão dos Planos Diretores como algo vivo, em constante construção e aperfeiçoamento, algo que evolui, implicaria necessariamente na existência de uma Política Municipal de Desenvolvimento Urbano que assegure sua forma de implementação, na existência de um órgão municipal de planejamento capaz de coordenar a execução técnica e de um conselho superior capaz de compatibilizar num mesmo sentido os esforços de todos os principais construtores da cidade. 

JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, 39, Arquiteto.

(Publicado pelo Jornal do Dia, em 04/02/1990)



domingo, 21 de janeiro de 1990

CONURB: A RE-UNIÃO DA CIDADE

 José Antonio Lemos dos Santos

     Parece que à medida em que os problemas da cidade se avolumam, mais e mais a gente assiste o despertar de iniciativas no sentido de busca das soluções tão sonhadas e tão necessárias. ADEMI, CREA, IAB/MT, Sindicatos de Arquitetos e Engenheiros, Instituto de Engenharia de Mato Grosso, Associações de Moradores, UFMT, são apenas exemplos de entidades que já desde algum tempo vem batalhando em favor do controle do nosso desenvolvimento. 

     A própria Prefeitura, aliás desde a administração passada, vem reconhecendo o esforço dessas entidades e a elas tem recorrido com alguma frequência, em busca de pareceres e contribuições em suas respectivas áreas. Recentemente temente tivemos a Prefeitura consultando diversos setores da comunidade sobre seu projeto de Lei para reformulação da legislação urbanística de Cuiabá; agora temos uma saudável aproximação entre as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, e da SEPLAN com a UFMT sobre o Plano Diretor Urbano e uma série de outros procedimentos de aproximação entre as peças chave para o desenvolvimento da cidade. Talvez pelo fato da nossa problemática urbana ter atingido níveis dramáticos, tenha chegado a hora da compreensão de que cada parte da cidade não pode mais ser entendida como trincheiras políticas, ou mesmo pessoais, a digladiarem entre si, em detrimento do conjunto, da grande síntese que é a cidade. A cidade, qualquer que seja ela, é o resultado do esforço de seus cidadãos; sua qualidade, entretanto, reflete necessariamente o grau de compreensão e integração entre esses esforços. É do senso comum que consta até do Evangelho (MT. 12,25), que uma cidade dividida não pode subsistir. 

     Se existe tamanha vontade de participação, se a necessidade é tão evidente, se as coisas parecem caminhar no sentido dos intercâmbios setoriais espontâneos, por que essas parcelas urbanas, esses agentes da construção da cidade, não se reúnem todos, publicamente, ao menos uma vez? A desintegração setorial da cidade está na base de todos os seus males. Cada um tem feito aquilo que acha melhor, e a soma não vem dando certo. É necessário partir em busca da integridade perdida. A integração de esforços tem a capacidade de potencializá-los, multiplicando os recursos que estão tão escassos.  

     A Lei Municipal 2646/88 que instituiu uma Política Municipal Urbana para Cuiabá, criou o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, o CONURB, justamente refletindo essa situação natural de reaproximação entre os principais agentes construtores da cidade. Só com o fato se sentarem publicamente à mesma mesa, três ou quatro vezes ao ano, os diversos agentes da construção da cidade, oficiais e civis, permitirão à autoridade municipal descobrir uma infinidade de novos recursos em cada um deles e também em cada uma de as interfaces de atuação. A união faz a força e o CONURB é um poderosíssimo instrumento para nossa Política Urbana. Poderosíssimo e extremamente barato. É a cidade reunida, re-unida. Nunca foi utilizado, como aliás nenhum dos outros instrumentos definidos na Lei.

     Por mais que pareça estranho discutir sobre a conveniência da aplicação de uma Lei, aprovada pelo Legislativo, com tudo certinho, o momento atual não seria extremamente oportuno para se reunir o CONURB, tendo em vista a elaboração da nova Lei Orgânica para o Município? Ao menos para instalá-lo oficialmente e ensinar que as Leis são para ser cumpridas, já que sem o cumprimento delas não tem Lei Orgânica, não tem Política Urbana, não tem Plano Diretor, não tem controle urbano que possa ajudar uma cidade como Cuiabá a recuperar níveis dignos de vida para seus cidadãos. 

José Antonio Lemos dos Santos, 38, Arquiteto, Cuiabano.

     Publicado no Jornal do Dia em 21/01/1990