"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



sábado, 3 de fevereiro de 1990

O PLANO DAS APROXIMAÇÕES SUCESSIVAS

 

José Antonio Lemos dos Santos

     Grosso modo pode-se dizer que o Plano Diretor Urbano é o projeto de uma cidade. Quando a gente vai construir um edifício, uma casa por exemplo, é necessário que se tenha um "projeto" daquilo que vai ser construído, nem que seja na cabeça do proprietário, capaz de permitir que as diversas pessoas que trabalham na obra possam produzir integradamente, resultando um produto coerente e de acordo com o que se pretendia inicial mente. A maior ou menor qualidade do "projeto" vai influir diretamente no resultado, na sua qualidade e nos seus custos. Assim também com uma cidade. Ela também é construída, só" que por muito mais gente; e, também tem que agradar ao seu dono, só que ela é de muitos, de todos os seus cidadãos. 

     Evidentemente que as semelhanças podem ficar por aí, no fundamental, já que a partir desse ponto uma cidade torna-se tecnicamente diferente de uma casa por suas próprias dimensões, complexidade e dinamismo emprestando ao seu projeto, isto e, seu Plano Diretor Urbano, características que também o diferenciam do projeto de uma casa. A ideia da cidade como uma casa, que leva à ideia do Plano como um projeto, encontra-se, entretanto na raiz de algumas das dificuldades que enfrentamos hoje com relação aos Planos Diretores. Projeto é um produto finito, estático, acabado. Plano é uma forma de abordagem, dinâmica, processual, que não tem fim, tem horizontes. A confusão vem colocando as municipalidades num beco sem salda pois, enquanto projeto, o Plano Diretor implica na expectativa de um produto acabado, no tratamento da cidade inteira de uma vez só, o que se torna impossível tendo em vista a situação atual de baixa qualidade das informações urbanas de um modo geral, a fragilidade técnica dos municípios e principalmente a falta dos recursos financeiros que seriam necessários para enfrentar de uma s6 vez toda a problemática de uma cidade. A velha ideia do artista que se senta sozinho na sua prancheta e desenha a cidade, que se pensava superada a muito tempo, na verdade ainda persiste, infelizmente. E desse jeito é impossível. Técnica, financeira ou politicamente falando, a cidade moderna, dinâmica, complexa, participativa e democrática não comporta mais esse tipo de tratamento, A convivência com a problemática específica de Cuiabá e o acompanhamento daquilo que vem acontecendo em outras cidades apontam para a inviabilidade total dos Planos tipo "pacotes", técnica e financeiramente , principalmente para cidades consideradas de porte médio para cima. Ao mesmo tempo, porém, permite que se vislumbre um caminho que seria o de se buscar aproximações sucessivas, de ir se chegando aos poucos, no qual o Plano fosse sendo progressivamente construído, completado e aperfeiçoado, discutido e aprovado em Lei por "pedaços", a partir de uma metodologia a ser desenvolvida e aprovada pelas Câmaras Municipais. A lógica parece recomendar tal tipo de solução não só pela questão financeira, mas também, inclusive, por implicações técnicas como a incorporação de novas tecnologias de levantamento de dados e diagnoses, de novos sistemas de gerencia mento ou até pela necessidade de compatibilização com informações produzidas por outros órgãos com cronogramas próprios de trabalho, como por exemplo as do Censo Demográfico, cujos relatórios definitivos somente deverão estar disponíveis um ou dois anos após sua coleta. Esta compreensão dos Planos Diretores como algo vivo, em constante construção e aperfeiçoamento, algo que evolui, implicaria necessariamente na existência de uma Política Municipal de Desenvolvimento Urbano que assegure sua forma de implementação, na existência de um órgão municipal de planejamento capaz de coordenar a execução técnica e de um conselho superior capaz de compatibilizar num mesmo sentido os esforços de todos os principais construtores da cidade. 

JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, 39, Arquiteto.

(Publicado pelo Jornal do Dia, em 04/02/1990)