"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 25 de maio de 2020

A PRAÇA E A DEMOCRACIA

                                                                              (Imagem:cultura.df.gov.br - marcação adicionada ) 
José Antonio Lemos dos Santos
     A Democracia surgiu na ágora grega, uma praça na parte baixa das cidades gregas clássicas, onde os cidadãos se reuniam e escolhiam seus representantes no governo. Não trato aqui de política partidária ou ideológica, mas de Política Urbana, esta com “p” maiúsculo, destacando a amplitude do Urbanismo como ciência que vai muito além do conjunto construído, uma de suas dimensões, a mais visível. Servem de pretexto as manifestações públicas que ocorrem neste momento difícil pelo qual passa o Brasil na Praça dos Três Poderes, em Brasília, ela própria uma cidade cheia de simbolismos criados por sua população ou aqueles projetados por seu urbanista criador, Lúcio Costa.
     Vale lembrar o próprio Lúcio Costa explicando o partido urbanístico de Brasília, a ideia inicial, com o próprio sinal da cruz – um símbolo, como o “gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse de uma terra” - outro símbolo, objetivo maior do presidente JK para a construção da nova capital. Cumpria o presidente determinação de todas as constituições republicanas brasileiras, de 1981 a 1946. A grande motivação era a ocupação territorial brasileira quase que exclusivamente litorânea, alvo fácil para ataques externos e, pior, relegando o interior do país. Brasília é a concretização dessa decisão geopolítica com imediata repercussão positiva em todo interior brasileiro. Cuiabá é um bom exemplo desta decisão acertada.
     Os dois eixos da cruz original foram acomodados às curvas de nível arqueando ligeiramente um deles dando sua forma, popularizada como a de um avião. Em uma extremidade do eixo reto, o Eixo Monumental, o urbanista instalou em um triângulo as sedes dos poderes representativos do governo federal, que chamou de Praça dos Três Poderes, com o Executivo e o Judiciário nos vértices de sua base enquanto que o Legislativo, representativo do povo, ficou em posição destacada no vértice de frente para a cidade em um plano mais elevado. Entre eles, interligando-os independentes de forma harmoniosa e bela, a Praça dos Três Poderes para o povo, verdadeiro poder maior da Nação, do qual emanam todos os demais poderes. Quanto simbolismo!
     Ademais, a sede do Congresso Nacional, como poder representativo do povo também deveria ocupar o edifício mais alto da cidade – outro símbolo, decisão esta que gerou polemica durante o chamado período militar e depois com a redemocratização do país. Os militares não aceitaram que o edifício do Congresso fosse o mais elevado e edificaram um mastro para a Bandeira Nacional com altura superior, simbolizando a ideologia vigente: Brasil acima de tudo. Durante o processo de redemocratização este simbolismo voltou a ser questionado e o mastro foi alvo de críticas e promessas de demolição. Resistiu.
     A principal função da Arquitetura, e do Urbanismo como uma de suas principais especializações, é a transformação do espaço em abrigo de acordo com a necessidade do homem, seu usuário. Sua máxima realização se dá na realização exitosa desta relação espaço/usuário. No caso da Praça dos Três Poderes com o povo fazendo uso de seu espaço expressando sua indignação ou aprovação, repulsa ou aplauso ao funcionamento dos Poderes da República. Arquitetura sem gente é escultura. Geralmente as manifestações têm ocorrido na Esplanada dos Ministérios, cuja destinação não é bem esta e o povo some em sua monumentalidade. Pela primeira vez vejo a Praça dos Três Poderes funcionando como idealizada. Pena que em um dos momentos mais dramáticos da história brasileira. Mas é em horas como esta que o povo deve estar lá, ocupando seu espaço, o espaço especial para o maior de todos os poderes, aquele que dá origem e sentido aos demais.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A HISTÓRIA DE UM ANIVERSÁRIO



Bandeira de Mato Grosso foi uma das primeiras do período ...
                                                                                        (Imagem g1.globo.com)
José Antonio Lemos dos Santos
     Nestes tempos de pandemia é melhor a gente que já passou dos 35 colocar a barba de molho e ir compartilhando aquilo que porventura um dia possa ser útil e ainda não foi compartilhado. É o caso da história da instituição do dia 9 de maio como efeméride estadual comemorativa do aniversário de Mato Grosso, que neste ano festejou seus 272 anos. Aliás, o intento original deste artigo era enaltecer o aniversariante como faço quase todos os anos, contando um pouco de sua história, destacando suas riquezas e por fim saudando seus tempos atuais como uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta.
     Entretanto, ao invés de repetir esta versão laudatória de todos os anos, optei por contar essa história da própria criação do aniversário de Mato Grosso, uma história conhecida por poucos. Na verdade, contar a parte que conheço dela e que certamente será complementada por outros que a conhecem e até mesmo foram seus protagonistas também. O interesse especial desta história está em sua construção democrática, espontânea, desenvolvida a partir de um punhado de cidadãos reunidos em total discrição através da Internet e que com um ano ou mais de pesquisas individuais e debates de alto nível, chegou à sensibilização política e governamental indispensáveis à concretização legal da proposta.
     O que muitos jovens talvez desconheçam é que até a bem pouco tempo não existia uma data comemorativa oficial ou extraoficial para o aniversário de Mato Grosso. Confundia-se um pouco com o aniversário de Cuiabá, cuja fundação lhe é anterior, confusão esta que expressava uma forte relação umbilical então existente entre o estado e sua capital, mas que foi sendo ameaçada à medida da ocupação do território estadual pela muito salutar imigração oriunda das mais díspares regiões brasileiras com outras culturas e costumes, ainda quase sem qualquer contato com a história da nova terra em que se instalava.
     As conversas sobre uma data para o aniversário de Mato Grosso começaram, como já disse, com a recém-nascida Internet em um grupo de discussão por e-mails chamado “defesadematogrosso” criado na virada do século, integrado por mato-grossenses de coração, natos ou não, jovens e menos jovens, entre os quais o deputado que veio ser o autor da futura lei e alguns hoje já falecidos, todos preocupados com a integração e unidade estadual em risco. A estratégia imediata foi, ao invés de discutir as diferenças entre os antigos e os novos moradores, buscar o que poderia haver de comum entre estes grupos tão diferentes por fora, com força suficiente para uni-los? A resposta: o imenso, rico e belo território mato-grossense e o hercúleo desafio de continuar sua transformação na grande casa de todos, Mato Grosso, com qualidade de vida, justiça social, ambiental e cultural crescentes.
     Depois de muitas discussões e até algumas incisivas desavenças, chegou-se ao dia 9 de maio de 1748 como o marco zero da enorme construção a ser prosseguida por todos que é Mato Grosso, data em que o Rei de Portugal Dom João V assinou Carta Régia criando duas Capitanias, “uma nas Minas de Goiás e outra nas de Cuiabá”. Esta proposição brotada espontaneamente no seio da cidadania foi transformada na Lei 8.007/2003, de 26 de novembro de 2003. Quis a providência histórica, ou divina, que a autoria da referida lei fosse do então deputado João Antônio Cuiabano Malheiros, cuiabano até no nome, e sancionada por um dos novos mato-grossenses imigrados, o então governador Blairo Maggi. E a Capitania das Minas de Cuiabá virou Capitania de Mato Grosso e agora é o Estado de Mato Grosso, esse gigante produtivo que alimenta o mundo, orgulho de seus habitantes.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

URBANISMO E PÓS-PANDEMIA


Isolamento social é prorrogado; confira as medidas adotadas ...
            Centro Cuiabá na quarentena (Foto:Diário de Cuiabá)
José Antonio Lemos dos Santos
     A ação síntese da Arquitetura é a transformação do espaço em abrigo de acordo com as necessidades do Homem. Vitrúvio, arquiteto romano do primeiro século depois de Cristo, explicitou que esta transformação deveria ser acompanhada de três condições conhecidas como Tríade Vitruviana: Firmitas, Utilitas e Venustas, traduzidas grosso-modo como Segurança, Funcionalidade e Beleza. Vale destacar a essencialidade do abrigo para a vida humana, sem ele o Homem não sobrevive, e é tão essencial como a alimentação. Pior pois ele não nasce com a casinha nas costas e nem sabendo como construir seu ninho. O Homem teve que inventar a Arquitetura e aprender a fazê-la e reinventá-la de acordo com a evolução de suas necessidades.
     O Urbanismo é uma visão ampliada da Arquitetura. Da mesma forma visa a transformação do espaço em abrigo para o Homem, só que para suas relações urbanas, um estágio da evolução humana alcançado com o surgimento das atividades especializadas livres da produção de subsistência, exigentes da criação de um novo tipo de espaço para abrigá-las e que veio a se chamar cidade, a maior, mais importante, mais complexa e a melhor sucedida das invenções humanas. Porém, a evolução do Homem em seus processos de urbanização e metropolização acelerados atingiu níveis de complexidade tais que hoje a problemática urbana é tida como o principal desafio do Século XXI. Mais que nunca o Urbanismo se apresenta como uma ciência essencial para a existência humana assim como a própria cidade, com mais da metade da população do planeta vivendo nelas. Contudo, o Urbanismo, o urbanista e seus planos não são reconhecidos em consonância com a premência da problemática que trabalham, de maneira muito especial no Brasil.
     Importante destacar que as necessidades de abrigo humano são históricas, isto é, evoluem e se sofisticam com o tempo agregando ao Urbanismo e à Arquitetura um caráter evolutivo constante. Assim, o Urbanismo no mundo em sua essência será o mesmo na pós-pandemia, isto é, continuará sua função de buscar soluções espaciais adequadas para os problemas urbanos, só que agora com os novos colocados pelo vírus, ou redimensionados por ele, mas contará também com novos recursos tecnológicos testados à exaustão na quarentena como o “home office”, as videoconferências e o comércio por aplicativos, e muitos outros. 
     Quanto ao Brasil, aqui sim tenho esperança de grandes mudanças, começando pelo começo, isto é, que finalmente a ciência do Urbanismo chegue ao país com seus profissionais e seus planos sendo respeitados e aplicados em benefício de toda a população de forma concreta e não apenas para a construção de algumas poucas cidades oficiais e empresariais, ou como exercício intelectual, comercial ou político distantes de suas finalidades originais. Produtos da evolução histórica, as cidades normais também evoluem e são objetos em constante construção que precisam ter o Urbanismo constantemente ao seu lado com acompanhamento e orientações técnicas em todos os seus setores. Hoje no Brasil isso acontece em 5 ou 6 de suas cidades e o resto é abnegação dos profissionais da área, em número e condições muito aquém das necessidades, quando existem. E que a nova abordagem urbanística que vier privilegie a questão da moradia digna, primordial para a vida do Homem e um de seus Direitos Fundamentais, tratada hoje como simples produção de “casinhas” destinadas antes a movimentar a economia do que garantir qualidade de vida para a população. A Covid-19 veio demonstrar que o problema da moradia não resolvido transborda e coloca em risco a todos. A cidade, o objeto do Urbanismo, que ajudou a Humanidade a dar saltos de qualidade, não pode virar seu carrasco.