"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 24 de dezembro de 2019

O PIB CUIABANO


José Antonio Lemos dos Santos
     Não deveria ser, mas é surpresa para muita gente toda vez que o PIB anual de Cuiabá é anunciado. Em meados deste mês de dezembro, o IBGE publicou o Produto Interno Bruto (PIB) dos estados e municípios brasileiros para o ano de 2017. Qual a importância desse tal PIB para uma cidade e seus cidadãos? O PIB é a soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos em uma unidade federativa (país, estados e municípios). Na definição já temos boa parte da resposta. Em qualquer regime que possamos viver a qualidade de vida do cidadão é fortemente determinada pela qualidade de vida que ele puder “comprar”, seja diretamente ou através de subsídios do estado. Para esta troca ser realizada é preciso haver produção gerando empregos, renda de qualidade e disponibilidade orçamentária nos governos. A melhoria dos padrões de vida (geladeiras, sapatos, saneamento, segurança, hospitais, escolas etc.) vêm da renda com aquilo que é produzido e então, produzir mais e melhor é uma de suas condições básicas, ainda que não a única. E o PIB mede o quanto se produz, daí sua importância.
     O PIB de Cuiabá em 2017 foi de R$ 23,3 bilhões, o 32º entre os municípios do país, crescendo a 5% em relação ao de 2016, com uma renda per capita de R$ 39,5 milhões, superior à do Brasil (R$ 31,7 milhões) e a 8ª maior entre as capitais brasileiras. Destaca-se que este PIB de Cuiabá é superior ao de estados como Acre, Amapá e Roraima. Considerada sua Região Metropolitana chega-se a um PIB bruto de R$ 31,9 bilhões mais de 3 vezes o PIB de Rondonópolis (R$ 9,6 bilhões), o segundo maior do estado.  Interessante é que para o senso comum dos mato-grossenses em geral e mesmo dos cuiabanos em particular, Cuiabá é um município que não produz e que vive a reboque dos demais municípios do estado, uma concepção que vem da falsa ideia de que só a economia primária é de fato produtiva, compreensível em um estado campeão nacional na agropecuária e um dos maiores produtores e exportadores de alimentos no mundo. 
     Ademais a economia primária tem este nome justamente por estar na base de todos os demais segmentos produtivos tidos como superiores só  por estarem apoiados sobre ela. Contudo a produção primária não se desenvolve sozinha e sua própria evolução e diversificação exige atividades complementares especializadas para trocas, armazenamento, beneficiamento, reprodução e inovação do conhecimento (tecnologia) e apoios diversos a seus produtores. Por isso a 5 mil anos aconteceu a Revolução Urbana com o surgimento das cidades como consequência e complementação da Revolução Agrícola ocorrida a 5 mil anos antes. Desde então as cidades evoluíram e pela complexidade de suas funções regionais se organizaram em redes hierarquizadas, hoje redes globais, porém sempre tendo como base as atividades primárias. Assim, todas as cidades em última instância dependem da produção primária, mas sem elas a produção primária voltaria às suas origens. Campo-cidade, um caso de relação simbiótica de grande êxito.
     No caso de Cuiabá, ela é dependente, mas, ao mesmo tempo é o maior polo urbano de apoio à produção do estado, ou seja, é a capital (cápita, cabeça, topo de rede) do agronegócio como muito bem identificou o governador Mauro Mendes quando prefeito da cidade. Hoje é o centro de uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta, e assim deve ser vista e avaliada. Deste ponto de vista, os novos dados do PIB para Cuiabá não surpreendem, ao contrário, devem ser absorvidos como subsídios para seu planejamento no âmbito de sua Região Metropolitana de forma a melhor cumprir suas funções regionais com benefícios para sua população e para todos os mato-grossenses.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O ARQUITETO E O ABRIGO VITAL

Desenho professor José Maria Andrade
José Antonio Lemos dos Santos
     Para Erich Fromm, um dos fundadores da psicanálise moderna, o nascimento do homem tanto como indivíduo quanto como espécie, foi um acontecimento negativo. Tento explicar, negativo no sentido de que teria havido uma perda importante, qual seja, a perda da unidade com a Natureza, onde ele tinha todos os seus problemas resolvidos, fosse na inconsciência primitiva ou na barriga da mãe. Rompido com a Natureza, passa então a ter necessidades que não tinha, ou não tinha consciência, necessidades que precisam ser resolvidas, algumas destas indispensáveis à própria sobrevivência. Isto é, não resolvidas, a espécie não vingava. A alimentação, por exemplo. Pior, ao nascer o homem carece de vigor físico, não sabe como funciona a Natureza e é o mais desamparado de todos os animais. A narrativa bíblica da expulsão sem retorno do Jardim do Éden traduz muito bem esta passagem. 
     Contudo, apesar dessa imensa desvantagem inicial, a espécie humana não só sobreviveu como se tornou a mais bem-sucedida na face da Terra. Como? Criando ferramentas humanas capazes de substituir os instintos de sobrevivência perdidos, e até com vantagem. Com estas ferramentas o homem foi resolvendo suas necessidades, das mais simples às mais sofisticadas. Necessidades básicas como alimentação, abrigo, defesa, vestuário e outras começam então a ser resolvidas pela ainda rudimentar mente humana, processo que chega até às maravilhas das invenções atuais. A Arquitetura é uma destas ferramentas fundamentais para assegurar a sobrevivência humana. Surgiu especialmente para resolver a necessidade de abrigo do homem, vital para ele.
     Sem abrigo o homem não sobrevive. Pode ter remédio, comida, celular, mas se ficar exposto às intempéries, ele morre. Por isso o abrigo como “habitação” é um dos Direitos Universais do Homem. Esta é a raiz mais profunda da Arquitetura imprimindo-lhe um caráter de atividade essencial à vida humana. Mais ainda, dada a continuidade do espaço, matéria-prima do abrigo, o conceito original de abrigo ultrapassa os limites da habitação individual, e vai ao bairro, cidade, região, chegando nos tempos atuais globalizados até o entendimento do planeta como a nossa verdadeira grande Casa, a Oikos grega, de fato o nosso maior abrigo. As concepções mais avançadas sobre este assunto indicam que a cada intervenção do homem ele está, para o bem ou para o mal, (re)construindo o planeta, a grande Casa e nossa Mãe-Terra, a Oikos e a Gaia. Esta é a consciência atual. 
     O dia 15 de dezembro foi definido como o Dia Nacional do Arquiteto e Urbanista, data do nascimento de Oscar Niemeyer, em justa homenagem a este brasileiro mundialmente reconhecido como um dos mais ilustres, importantes e geniais inventores da arquitetura moderna. O simbolismo da data homenageia também a todos os arquitetos e urbanistas brasileiros, os agentes viabilizadores da arte da arquitetura e urbanismo, renovando a cada ano a reflexão geral sobre sua atividade e profissão, bem como seu compromisso para com o desenvolvimento do abrigo digno, este envolvendo a Oikos e a Gaia dos gregos, e com a luta para que ele – o abrigo digno - seja de fato, acessível a todos no Brasil e no mundo, como direito universal que é. Destaque para o principal problema do século XXI que é a viabilização do mundo urbano, e neste contexto, em especial o resgate das cidades brasileiras vítimas de políticas descompromissadas com o bem comum – do qual a cidade é o maior exemplo - e, por isso mesmo, desassistidas pela técnica do urbanismo, resultando neste caos cotidiano de injustiça, desconforto e desiquilíbrio ambiental que mata, soterra, inunda, estressa, violenta, atropela, aleija e alija seus habitantes.


Para E

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

FERROVIA: CARTA AO PRESIDENTE

Resultado de imagem para rumo logistica"                                                               
José Antonio Lemos dos Santos
     Senhor presidente, ainda aproveitando o estímulo do seu estilo direto e franco de tratamento com a população, tomo a liberdade de dirigir a Vossa Excelência uma nova carta em forma de artigo abordando agora o resgate do modal ferroviário e sua expansão no país, tema fundamental para o desenvolvimento de Mato Grosso e para o Brasil, conforme tem sempre reiterado Vossa Excelência. A carta anterior tratou dos voos internacionais para o Aeroporto Marechal Rondon, principal acesso aeroviário do estado, cuja posição estratégica em pleno centro continental desperta a atenção de empresas aéreas, mas que há décadas não avança por detalhes incompatíveis com sua meta de destravar o desenvolvimento do país.
     Antes é importante saudar os saltos já dados pelo seu governo na logística em geral, com a privatização dos aeroportos, a conclusão de obras rodoviárias, em especial a chegada a Miritituba do asfalto da nossa Cuiabá-Santarém e a agilização de projetos ferroviários como a Ferrogrão, FICO e Norte-Sul. Mas neste quadro tão positivo é incompreensível o desinteresse com que é tratada a extensão dos trilhos da antiga Ferronorte a partir de Rondonópolis em direção à Região Metropolitana de Cuiabá e logo ao norte chegando a Nova Mutum.
     Convém destacar que Nova Mutum já se localiza em plena área produtiva de grãos do Médio-Norte mato-grossense, e a apenas cerca de 450 km de Rondonópolis, onde se encontra em pleno funcionamento o maior terminal ferroviário da América Latina, em trajeto antropizado, sem xingus, araguaias ou himalaias a vencer ou reservas indígenas a atravessar. Entretanto, este projeto vem sendo desconsiderado em favor dos também importantes projetos da Ferrogrão e da Fico, um com quase 1.000 Km e outro com cerca de 800 km sendo a metade deste em rodovia, contados a partir de Lucas o principal centro de carga regional.
     Mas a viabilidade desta extensão preterida mostra-se mais relevante pois a meio do caminho encontra-se a Região Metropolitana de Cuiabá, no estado o maior centro de consumo local, processamento e distribuição regional, sendo assim o principal ponto de destino das cargas de retorno originárias do sul/sudeste brasileiro, em um volume estimado pela Rumo, em 20 milhões de toneladas/ano de cargas em geral (equivalente ao total da produção anual de grãos de Goiás), razão do interesse da empresa em investir de imediato em sua construção.
     O desprezo à continuidade do trajeto da Ferronorte fica mais incompreensível em um governo pragmático com importantes resultados alcançados em tão curto espaço de tempo. Mato Grosso apesar de ser o maior produtor agropecuário do Brasil e principal sustentáculo dos sucessivos superávits na balança comercial brasileira convive com um trágico gargalo logístico. Superados em muito os limites do modal rodoviário, tornou-se imperativo e urgente para Mato Grosso a extensão das ferrovias no estado, pois esta situação traz prejuízos imensos ao produtor e ao meio ambiente, e, pior, mata e aleija muita gente.
     Senhor presidente, como então compreender o descarte pelos últimos governos federais, inclusive o atual, desta alternativa de execução bem mais rápida e de custos muito menores, sem previsão de problemas indígenas ou ambientais, com carga viabilizadora de ida e volta, e já com interesse da Rumo em investir no trajeto, em especial agora com a recente aprovação pelo TCU da antecipação da renovação da concessão da Malha Paulista? Não haveria aí alguma motivação que não a logística vinda de um passado recente? Claro que se trata de uma inversão de prioridades herdada, porém incompatível com a clareza de objetivos de seu governo que tem a Verdade como principal lema.
(Imagem:pt.rumolog.com)