"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O ARQUITETO E O ABRIGO VITAL

Desenho professor José Maria Andrade
José Antonio Lemos dos Santos
     Para Erich Fromm, um dos fundadores da psicanálise moderna, o nascimento do homem tanto como indivíduo quanto como espécie, foi um acontecimento negativo. Tento explicar, negativo no sentido de que teria havido uma perda importante, qual seja, a perda da unidade com a Natureza, onde ele tinha todos os seus problemas resolvidos, fosse na inconsciência primitiva ou na barriga da mãe. Rompido com a Natureza, passa então a ter necessidades que não tinha, ou não tinha consciência, necessidades que precisam ser resolvidas, algumas destas indispensáveis à própria sobrevivência. Isto é, não resolvidas, a espécie não vingava. A alimentação, por exemplo. Pior, ao nascer o homem carece de vigor físico, não sabe como funciona a Natureza e é o mais desamparado de todos os animais. A narrativa bíblica da expulsão sem retorno do Jardim do Éden traduz muito bem esta passagem. 
     Contudo, apesar dessa imensa desvantagem inicial, a espécie humana não só sobreviveu como se tornou a mais bem-sucedida na face da Terra. Como? Criando ferramentas humanas capazes de substituir os instintos de sobrevivência perdidos, e até com vantagem. Com estas ferramentas o homem foi resolvendo suas necessidades, das mais simples às mais sofisticadas. Necessidades básicas como alimentação, abrigo, defesa, vestuário e outras começam então a ser resolvidas pela ainda rudimentar mente humana, processo que chega até às maravilhas das invenções atuais. A Arquitetura é uma destas ferramentas fundamentais para assegurar a sobrevivência humana. Surgiu especialmente para resolver a necessidade de abrigo do homem, vital para ele.
     Sem abrigo o homem não sobrevive. Pode ter remédio, comida, celular, mas se ficar exposto às intempéries, ele morre. Por isso o abrigo como “habitação” é um dos Direitos Universais do Homem. Esta é a raiz mais profunda da Arquitetura imprimindo-lhe um caráter de atividade essencial à vida humana. Mais ainda, dada a continuidade do espaço, matéria-prima do abrigo, o conceito original de abrigo ultrapassa os limites da habitação individual, e vai ao bairro, cidade, região, chegando nos tempos atuais globalizados até o entendimento do planeta como a nossa verdadeira grande Casa, a Oikos grega, de fato o nosso maior abrigo. As concepções mais avançadas sobre este assunto indicam que a cada intervenção do homem ele está, para o bem ou para o mal, (re)construindo o planeta, a grande Casa e nossa Mãe-Terra, a Oikos e a Gaia. Esta é a consciência atual. 
     O dia 15 de dezembro foi definido como o Dia Nacional do Arquiteto e Urbanista, data do nascimento de Oscar Niemeyer, em justa homenagem a este brasileiro mundialmente reconhecido como um dos mais ilustres, importantes e geniais inventores da arquitetura moderna. O simbolismo da data homenageia também a todos os arquitetos e urbanistas brasileiros, os agentes viabilizadores da arte da arquitetura e urbanismo, renovando a cada ano a reflexão geral sobre sua atividade e profissão, bem como seu compromisso para com o desenvolvimento do abrigo digno, este envolvendo a Oikos e a Gaia dos gregos, e com a luta para que ele – o abrigo digno - seja de fato, acessível a todos no Brasil e no mundo, como direito universal que é. Destaque para o principal problema do século XXI que é a viabilização do mundo urbano, e neste contexto, em especial o resgate das cidades brasileiras vítimas de políticas descompromissadas com o bem comum – do qual a cidade é o maior exemplo - e, por isso mesmo, desassistidas pela técnica do urbanismo, resultando neste caos cotidiano de injustiça, desconforto e desiquilíbrio ambiental que mata, soterra, inunda, estressa, violenta, atropela, aleija e alija seus habitantes.


Para E

Um comentário:

  1. Prezado Mestre,
    Gostaria de complementar que RAPOPORT defende ainda a ideia de que o fenômeno da arquitetura parte da necessidade estrutural da mente humana de ordenar o caos através de esquemas simbólicos que, variando entre os povos, sempre se apresentam.
    Sem dúvida a arquitetura é submetida a ritos próprios de transição de um lugar para outro, de ampla comunicação não-verbal que transcende a capacidade entendimento, muito mais que simbologia a arquitetura orienta e aproxima culturas.
    No entanto a arquitetura impregnada pouco reflete as culturas unitárias e diversificadas. Será que uma "reflexão geral" é suficiente para a atividade e profissão? ou precisamos de uma "reforma" no pensamento arquitetônico?

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