"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A LISTA DO CNJ

José Antonio Lemos dos Santos


     Com importantes passos dados ultimamente, as eleições no Brasil voltam a apresentar alguns sinais de esperança. Mais exatamente, dois passos, fundamentais no sentido de fazer da democracia brasileira um instrumento da cidadania nacional, voltada realmente para a construção do bem comum. O primeiro foi a confirmação pelo STF de que não são dos candidatos eleitos os cargos disputados nas eleições proporcionais, e sim dos partidos ou coligações pelos quais foram eleitos. A segunda é a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de publicar a lista dos condenados por improbidade administrativa, de forma acessível e clara a todos.
     A decisão do STF sacolejou os alicerces de nossa incipiente República, pois confirma que o eleitor vota duas vezes nas eleições proporcionais – complicadas mas indispensáveis à democracia. Primeiro vota nos partidos definindo os que serão representados nos parlamentos e quantas cadeiras terão, conforme a totalidade dos votos obtidos pelas legendas e todos os seus candidatos, inclusive pelos menos votados. Depois, o voto do eleitor define quais candidatos ocuparão as vagas disputadas, em ordem decrescente de votos obtidos. Daí a decisão de que os cargos são dos partidos, pois, de fato eles os conquistaram. O que, aliás, era claro para os que seguem as eleições brasileiras, acostumados aos cálculos dos coeficientes e quocientes eleitorais, sobras de votos, etc.. Só não via assim quem não queria ver, ou não queria que fosse assim.
     Essa decisão ainda traz ao eleitor uma lição fundamental: ninguém perde o voto nas eleições proporcionais. Cada voto tem participação direta na definição da distribuição proporcional do poder entre os partidos e na escolha dos ocupantes das vagas em disputa. Seu voto sempre elegerá alguém, mesmo que não seja aquele escolhido por você. Assim, você pode votar em um candidato e eleger outro, e, pior, ficar com a pecha de não saber votar. Esta situação acontece porque o eleitor em geral desconhece que nas eleições proporcionais não basta seu candidato ser um ótimo candidato; ele também não pode estar mal acompanhado na lista de candidatos de seu partido ou coligação. Ao escolher seu candidato o eleitor precisa avaliar a lista em que ele se encontra, para ver se ela abriga algum(ns) candidato(s) que não queira ver eleito(s), caso em que corre o grande risco de eleger um ou mais destes. Assim, nas eleições proporcionais ninguém pode dizer que nada tem a ver com os deputados ou vereadores eleitos alegando não ter votado diretamente em qualquer um deles, ou por ter anulado seu voto.
     Votando ao mesmo tempo no partido e no candidato, o eleitor tem que estar informado sobre todos os candidatos, ao menos os da lista em que escolheu o seu. Daí a relevância da lista do CNJ com os condenados por improbidade administrativa. Para aproveitar a oportunidade de uma sinergia histórica, torna-se agora imprescindível que a Justiça Eleitoral dê um novo passo nessa caminhada de esperança que ela mesmo retomou, determinando que os partidos divulguem a lista de seus candidatos, também de forma clara e acessível a todos. Ou que os próprios TREs divulguem tais listas, organizadas por partido ou coligação e não apenas por ordem alfabética, evitando que o eleitor continue comprando gato por lebre. Na verdade, um dia ainda espero ver retiradas das costas dos tradicionais “santinhos” de propaganda dos candidatos as inconvenientes receitas, calendários, orações, etc., substituídas pela lista dos correligionários de cada um, postulantes à mesma vaga, com orgulho e sem necessidade de escondê-la. Seria mais coerente com a lei, mais útil ao eleitor e à democracia.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 23/02/2010)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

10 ANOS DO AQUÁRIO

José Antonio Lemos dos Santos

Não há como deixar de comemorar os 10 anos do Aquário Municipal de Cuiabá, completados no último dia 5 de fevereiro. Um dos equipamentos urbanos mais queridos da população, sendo inclusive adotado como um dos cartões postais da cidade, o Aquário é um dos projetos que mais me agrada, desde sua elaboração até os dias de hoje, na continuidade de sua visitação, com a alegria das crianças surpresas diante dos peixes colocados bem à altura de seus olhos ou disputando a ração que jogam no tanque externo. Satisfação que continua no semblante dos pais e mães, avos e avós, acompanhantes extasiados com a felicidade de seus pequenos, ou mesmo encantados com a visão de uma espécie que, mesmo adultos, ainda não tinham conhecido, ou cuja beleza plástica nunca haviam percebido com vida, só como protagonista de muitas das diversas maravilhas de nossa culinária. Um passeio que também é uma aula para crianças e adultos.
O aquário entusiasmou todos desde que surgiu a idéia. O então prefeito Roberto França iniciando seu primeiro mandato aprovou a proposta de revitalização da Beira-Rio e do Porto que vinha das administrações anteriores, mas entendeu que no projeto do Museu do Rio faltava o personagem principal, o peixe. Determinou então que fosse projetado um aquário anexo, onde pudessem estar expostas todas as espécies de peixes do rio Cuiabá e pantanal. O tempo era escasso pois os recursos tinham curto prazo para aplicação e as referências para projeto de um aquário estavam sempre além do que podia a prefeitura. Com o arquiteto Ademar Poppi encontramos uma solução própria, um partido arquitetônico adequado e exeqüível nas condições existentes, e que virou referência para projetos similares em outros estados.
E depois do projeto, a construção e a maratona para coleta dos exemplares que iriam ocupar o aquário. No dia da inauguração o professor doutor Francisco Machado ainda mergulhava no Pantanal atrás de um certo camarão e uma espécie de acará que faltavam. A poucas horas da inauguração o prefeito trazia pessoalmente de seus tanques de criação as piraputangas e pacus, alguns dos quais ainda vivos hoje no aquário. Ao mesmo tempo a engenheira Maristela Okamura produzia as placas e banners informativos, tudo sempre com a presença de Teruo Izawa, o anjo do Aquário, cuidando até hoje dos peixes, ainda que sem nunca ter recebido o justo e merecido reconhecimento da prefeitura.
Milhares de pessoas estiveram na inauguração do Aquário, que recebeu nestes 10 anos mais de 1 milhão de visitantes. Hoje tem uma média superior a 100 visitantes por dia. Poderia estar em melhores condições, mas sua manutenção nunca foi equacionada, desde o início. Uma pena pois foi idealizado como uma estrutura auto-sustentável, junto ao Museu do Rio. A sustentabilidade que jamais conseguimos viria da venda de lembranças relacionadas ao Aquário, ao rio e sua cultura, como chaveiros, bonés, camisetas, fotos, livros diversos, vídeos e CDs, etc. Embora não viabilizadas, buscou-se também parcerias com as secretarias de educação do município e do estado, em troca do baita equipamento educacional utilizado por muitas escolas de Cuiabá e do estado ao longo destes 10 anos. Buscou-se ainda as faculdades de veterinária da cidade, infrutiferamente. Pretendia-se evitar a cobrança de ingressos que hoje é a única garantia de sobrevivência do Aquário, cobrança que não discordo na situação, pois se paga bem mais só para estacionar um carro em qualquer shopping ou em ruas centrais da cidade, em especial no nosso aeroporto - o muquifo internacional em que a Infraero recepciona/decepciona os que chegam a Mato Grosso. Quem sabe a Copa venha a ser também a chance de viabilização do Aquário?
(Publicado no Diário de Cuiabá em 09/02/2010)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A DECISÃO DA ESPERANÇA

José Antonio Lemos dos Santos

     Ia escrever sobre o décimo aniversário do Aquário Municipal de Cuiabá, a ser festejado no dia 5 de fevereiro próximo. Porém, esta singela mas justa homenagem, fica adiada devido a decisão do juiz Luis Aparecido Bertolucci Júnior concedendo liminar ao Ministério Público Estadual (MPE) e suspendendo a venda da rua Tuffik Affi. É ótimo quando escolhemos nosso tema semanal entre fatos auspiciosos, positivos. Nos meus artigos sobre a cidade e assuntos correlatos busco sempre manter uma postura positiva, otimista, usando as boas perspectivas, apresentando propostas, aplaudindo e elogiando as boas iniciativas e os bons exemplos presentes e passados de nossa terra. Infelizmente, trata-se de um exercício difícil, sendo bem vindas ocasiões como desta semana, onde aspectos positivos da realidade preponderam sobre os negativos, ao menos na cabeça deste articulista neófito.
     A importância da decisão da Vara Especial do Meio Ambiente envolve uma questão que se assemelha a um imenso iceberg, cuja ponta visível, mínima, é a rua Tuffik Affi e a liminar concedida. Logo ao vir à luz, a venda da rua já trouxe consigo – inclusive como uma de suas justificativas - a notícia da venda de uma área contígua, também pública e com dimensões muito maiores, em data e valor até hoje desconhecidos e utilizando os mesmos métodos questionados pelo MPE, ao menos quanto ao desconhecimento e falta de discussão pública. Só se sabe que o comprador foi o mesmo. Trata-se de uma área de quase 2 hectares, uma das últimas áreas públicas urbanas dessa magnitude disponíveis em pleno coração da Grande Cuiabá, na principal entrada da capital mato-grossense. Quero crer que o MPE tenha deixado para um segundo momento o questionamento da venda desta outra área, coroando então, no caso, sua exitosa vigilância com a aplicação das leis, e na recuperação daquele valioso patrimônio público para uso da cidade.
     Tão logo foi divulgada a notícia da venda da rua, a opinião pública manifestou sua indignação nos meios de comunicação através de artigos, cartas de leitores, reportagens e comentários diversos, como eu próprio tive oportunidade de fazê-lo. Na ocasião muitos leitores me escreveram compartilhando a indignação, mas convencidos de que a opinião da sociedade mais uma vez seria inócua e logo esquecida pelo próximo escândalo. Eu mesmo, cético, cheguei a dizer no meu artigo que só me manifestava para “desopilar o fígado”. Mas, ao contrário, a ação do MPE foi imediata, e a decisão do juiz já estimulou alguns e-mails de leitores, desta vez esperançosos com algo novo surgindo no trato da coisa pública. Qualquer que seja o resultado final do processo, a atual decisão concedendo a liminar reacendeu a esperança, ainda que tênue, em uma cidadania descrente.
     Trabalhando de um modo geral com cidades, e em especial Cuiabá e Várzea Grande, aprendi que o tão esperado e urgente salto qualitativo de nossas cidades – que matam e estão matando cada vez mais - só se dará quando a cidadania assumir que a cidade é sua e que a qualidade do desenvolvimento urbano depende diretamente de seu interesse e empenho. Que os prefeitos, governadores ou presidentes da república são gestores da res-publica, e não donos do bem comum. O destino das cidades no Brasil, que afinal é nosso próprio destino, não pode mais depender exclusivamente da ação ou omissão de seus administradores. É preciso a participação de cada um fazendo sua parte, mas também criticando e exigindo, pelos caminhos legais disponíveis, retidão e transparência nas coisas públicas. Como se deu com a Rua Tuffik Affi. Quem dera este caso fosse de fato um sinal das mudanças tão desejadas e necessárias na forma da nossa gestão urbana, ao menos em Cuiabá.
(Publicado no Diário de Cuiabá em 02/02/2010)