"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

FERROVIAS E CONEXÕES URBANAS



José Antonio Lemos dos Santos

O imbróglio sobre o traçado ferroviário dentro da zona urbana de Rondonópolis protagonizado pela prefeitura municipal e a empresa RUMO não pode ser visto com olhos pequenos, como se fosse apenas uma picuinha do município ou uma demonstração de força da grande empresa. O assunto é muito sério pois seu deslinde ultrapassará as cercanias de Rondonópolis, influenciando decisões futuras sobre o mesmo assunto em dezenas de municípios que estão na iminência de receber o modal ferroviário, não só em Mato Grosso, como em todo o Brasil.

     Vista de longe, apenas pelo noticiário, a questão é que a RUMO tem contrato com o estado para construir uma ferrovia ligando Rondonópolis a Cuiabá e a Lucas do Rio Verde, com prazos estabelecidos para conclusão. Acontece que o trajeto definido pela empresa passa por dentro da Zona Urbana de Rondonópolis, cuja prefeitura, em seu direito a meu ver, negou autorização para este caminhamento tendo por base a legislação que trata do uso e ocupação do solo urbano do município. 

     Sem menosprezar a importância de uma ferrovia desse porte para o estado, para o país e, muito especialmente, para a própria cidade, lembro que o que está se fazendo pelo Brasil e mundo afora é justamente o contrário, isto é, a retirada dos trilhos ou sua ressignificação urbanística, ainda que das românticas “Marias-Fumaças”, urbanizando as faixas resgatadas. Considerando as atuais dimensões do empreendimento é fácil imaginar a incompatibilidade entre a malha urbana e a circulação de comboios de carga que podem chegar a 100 vagões com um ou dois andares cada. Trilhos hoje em cidades só os destinados ao transporte urbano de passageiros em suas várias escalas. 

     O ideal seria que a questão de Rondonópolis, no que ela tem de certo e de errado, pudesse servir de balizamento aos demais municípios brasileiros que também aguardam a chegada dos trilhos trazidos pela exuberância produtiva do agronegócio. De certo tem a defesa da qualidade de vida de sua população ao defender sua legislação. De errado está em não ter enfrentado esse problema com antecedência, no mínimo desde a inauguração do grande terminal ferroviário no município, antecipando-se ao grande problema.

      Nessa linha, com os trilhos ainda em São Paulo, Cuiabá iniciava a elaboração de seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e já tratava da futura conexão ferroviária e em 1994 concluiu uma proposta básica de caráter urbanístico indispensável ao trabalho que se fazia de projeção da cidade (desenho ilustrativo no “Caderno do IPDU”). O partido da proposta foi a logística, adotando como seu eixo a Rodovia dos Imigrantes, convergência das 3 BR’s que passam pelo município. Na área escolhida, localizada na Região Sul de Cuiabá à jusante das águas e dos ventos dominantes, havia disponibilidade de terras compatíveis com as novas funções, inclusive para expansão habitacional.

     Ainda que a ferrovia não tenha chegado após 3 décadas, as principais alterações na legislação foram implementadas pelas administrações municipais que se sucederam, tais como a expansão da Macrozona Urbana de Cuiabá e a criação da Zona Especial de Alto Impacto com previsão de expansão do Distrito Industrial ao longo da Rodovia dos Imigrantes, tendo no seu limite externo uma faixa contínua para a circulação ferroviária, tangenciando-a sem adentrá-la inclusive para instalação do terminal local, (legislação publicada no compêndio “Legislação Urbana de Cuiabá). Passado tanto tempo é evidente que se trata hoje de uma proposta carente de revisão completa, porém poderia ser um ponto de partida, ou recomeço. Importante é que os interesses das cidades e das ferrovias sejam harmonicos e que os municípios no caminho da ferrovia antecipem também seus estudos assumindo seu protagonismo na construção de suas histórias. Já estão atrasados. 


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

AS LISTAS DAS PROPORCIONAIS

 

José Antonio Lemos dos Santos

Por muito tempo mantive a expectativa de que elas um dia aparecessem, como enfim apareceram nas eleições de 2022. Era no mínimo ilógico que em eleições proporcionais, como as deste ano para vereadores, em que o eleitor vota em listas de candidatos (por partidos, coligações ou federações), as tais listas não fossem dadas ao conhecimento do eleitor, originando o grotesco fenômeno brasileiro do eleitor votar em um candidato e eleger outro, sem saber sequer quem foi eleito com seu voto. Muitas vezes até elegendo um candidato que gostaria de vê-lo banido da vida pública. Pior, levando a pecha de não saber votar e ainda pagando a conta. 

     Ei-las! Em 2022 elas foram apresentadas no site oficial do TRE, não tão fácil de encontrar, mas simples de manusear. Espero que nestas eleições de 2024 elas voltem a aparecer, talvez agora com um avanço a mais, apresentadas em separado por partido ou coligação com todos os seus candidatos lado a lado em tela única facilitando ao eleitor na definição de seu voto, identificando eventuais candidatos indesejáveis e, no caso, sugerindo outra escolha, em outra lista menos poluída.

     A preocupação especial com as eleições proporcionais é procedente pois, nas eleições majoritárias a eleição é simples: o voto é direto no candidato e os mais votados ganham. Já nas eleições proporcionais o voto é dado a candidatos em listas por agremiação que conquista um número de cadeiras de acordo com a totalidade dos votos recebidos, inclusive os votos dos “derrotados”: os mais votados ocuparão as cadeiras conquistadas. Assim, nas proporcionais mesmo que o seu candidato escolhido não tenha sido eleito, seu voto ajuda a arrumar uma cadeira para outro, que você nem sabe quem é.

     As proporcionais são importantes e funcionam bem em democracias avançadas. O problema é que no Brasil as tais listas não eram dadas ao conhecimento oficial do público, a não ser uma lista geral por ordem alfabética sem a necessária separação por agremiação, impossibilitando ao eleitor conhecer os demais candidatos parceiros de lista de seu escolhido e passíveis de se elegerem com seu voto. Como votar em uma lista, ou em um time, sem conhecer seus componentes? Em 22 a Justiça Eleitoral fez em parte esse imprescindível reparo. 

     Com as listas publicadas, ao escolher um candidato de antemão o eleitor saberá quais outros poderão ser eleitos com seu voto. Não mais um voto no “escuro” como nas eleições atuais. Para se ter ideia, nas eleições para deputado federal de 2018 em Mato Grosso, apenas 1 (25%) em 4 eleitores aptos a votar votou em quem foi eleito, enquanto 34% votaram em quem não foi eleito. Os demais 41% nem votaram, optaram pelo voto em branco ou nulo, ou pela pescaria com os amigos. 

     Esta aparentemente simples decisão do Justiça Eleitoral poderá ser um divisor de águas na história das eleições no Brasil. Arriscando-me a derrapar na maionese da empolgação, ela trará para o Basil algumas mudanças importantes imediatas: o eleitor poderá escolher melhor seu candidato, bem como terá a possibilidade de saber quem se elegeu com seu voto, caso seu escolhido não seja eleito. 

     Mais importante: as sucessivas eleições forçarão as agremiações mais sérias a selecionar melhor seus candidatos, valorizando os partidos, o papel de suas convenções na definição das listas, aprimorando com isso a qualidade dos nossos parlamentos. Esta sequência de mudanças positivas poderá gerar um processo sinérgico de grande proveito para as eleições brasileiras. Aguardemos, pois, as listas oficiais de 2024 para definir nosso voto nas proporcionais.