José Antonio Lemos dos Santos
Ikuiapá, lugar onde se pesca com arpão, assim era conhecido pelos Bororos aquele lugar onde o córrego da Prainha desemboca no Cuiabá. Embora tão sujo e desprezado, feio mesmo nos dias de hoje, aquele pedaço de Cuiabá tem muita história para contar, história da origem de nossa cidade, que também é a origem de nosso estado e da ocupação de todo este “Ocidente do imenso Brasil”. Por aquela foz podia-se acessar o “córrego das estrelas”, Ikuiebo para os Bororos, hoje Avenida Ten. Cel. Duarte. Segundo a Enciclopédia Bororo, as estrelas do córrego eram as pepitas douradas, cintilantes como estrelas no chão nas noites enluaradas.
Julga ainda a referida Enciclopédia que o nome Cuiabá “não seja outra coisa que a corrupção e sonorização de IKuiapá”. Nada mais convincente. Ora, se aquele lugar, que hoje está no centro da Grande Cuiabá, tinha um nome como esse, tão parecido ao atual, Ikuiapá/Cuiabá, qual a necessidade de outras explicações? Nada como “gente caída”, “cuias perdidas”, ou coisas que tais, nada pode ser tão diretamente explicativo como a beleza simples, sonora, de objetividade toponímica de Ikuiapá.
Cuiabá completa 272 anos. As cidades nascem para serem eternas, assim para elas o tempo não tem outro sentido que não o de dimensionar a história acumulada, seu estoque cultural, o que só não é importante para quem não tem. Contudo, não é o tempo que define sua juventude ou velhice. Roma, Paris Veneza parecem eternamente jovens, enquanto que outras, de origens muito mais recentes, já se apresentam tão velhas.
Cuiabá, apesar de viver o seu terceiro século de existência, parece estar numa espécie de adolescência urbana, vivendo uma fase plena de transformações estruturais que a conduzirão a novos patamares qualitativos enquanto cidade. Tanto para a cidade como para as pessoas, este é um período muito rico, mas também decisivo na formação de sua personalidade futura, na medida em que nela são feitas algumas opções irreversíveis. Cuiabá vai receber seu milionésimo habitante ainda nesta década e sua expansão inevitável de forma humana e sem o sacrifício de seu magnífico patrimônio ambiental. Pode, e é nossa a responsabilidade da escolha.
Institucionalmente Cuiabá dispõe hoje de todo um conjunto de mecanismos suficientes para realizar suas opções e orientar seu destino. Sua Lei Orgânica instituiu a Política Municipal de Desenvolvimento Urbano a ser implementada através de um complexo no qual se articulam os principais agentes produtores da cidade, oficiais e civis, somando seus esforços em torno da grande obra comum em andamento. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU), o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano (IPDU) e o Plano Diretor (PDDU) são algumas das peças chaves deste sistema, que, uma vez criadas, reclamam a participação cidadã para seu funcionamento.
A cidade vive dos que vivem nela, como nos ensinou Alves de Oliveira. Ela não é uma dádiva dos deuses ou de administradores, e sim o resultado concreto do esforço de seus cidadãos. Ikuiapá, Cuiabá nos seus 272 anos tem muito a comemorar: um passado exuberante, um rico presente e, principalmente, as extraordinárias possibilidades de construir um belo futuro. Se a cidade somos nós, estamos todos de parabéns.
(Publicado em 10/04/1991 pelo extinto Jornal do Dia, de Cuiabá)