José Antonio Lemos dos Santos
Sou do tempo em que o futebol era tido como coisa de “malandro”, de quem não queria estudar, “matador” de aulas e coisas assim. Maldade. Era apenas paixão pela bola, fosse ela uma laranja, tampinha de garrafa, bolinha de meia ou de papel. Como era muito ruim de bola eu só jogava com os amigos nas ruas próximas de casa, descalços em piso de chão batido, às vezes em ladeira e com alguns afloramentos de cristal que uma hora ou outra tiravam a tampa de um dedão do pé, logo socorrido com um jato certeiro de urina no local. E seguia o jogo até a bola sumir no breu da noite. A não ser que as mães chamassem antes, de cinto na mão para tomar banho, jantar e aguardar a tv entrar no ar.
O esporte, todos, é uma das formas mais elevadas de manifestação da vida saudável e no Brasil, em especial o futebol. Longe da equivocada ideia da malandragem, hoje o futebol envolve um dos mais ricos mercados de trabalho no mundo e sem dúvidas deve ser incentivado junto aos demais esportes como alternativa de vida à juventude brasileira, tão assediada pelos falsos brilhantes dos descaminhos da vida. E o esporte é o melhor e o mais natural antídoto. A ascensão e permanência do Cuiabá Esporte Clube na elite do futebol brasileiro é um alento nesse sentido. Apesar da pandemia, o entusiasmo com que o público abraçou com civilidade e alegria o clube em 2020 e 2021 demonstra a paixão que pode despertar um trabalho bem organizado em torno do esporte, não só em Cuiabá, mas em todo Mato Grosso. As crianças, adolescentes e mesmo adultos, já exibem orgulhosos a camisa da nova paixão local, adotando ídolos daqui ou que vieram de fora, mas todos de carne e osso como qualquer um dando ao jovem a ideia de que podem ser iguais a eles desde que dedicados ao esporte e zelosos com o próprio corpo. Não mais aqueles feixes de elétrons televisivos intangíveis, distantes. Agora ídolos locais possíveis de serem imitados tais como o pioneiro Traçaia ou o atual Rafael Tolói da “azurra”, David Moura no judô, Felipe Lima na natação, Ana Sátila na canoagem etc. Mato Grosso pode ter muitos mais, basta o estímulo oficial que a meninada vai atrás.
A ascensão do Cuiabá aconteceu pela competência e coragem de seus proprietários e sua diretoria, aproveitando a fantástica Arena Pantanal, recuperada em boa hora pelo governo estadual. Este sucesso do Dourado com o público subitamente apaixonado aponta na direção de uma política estadual para os esportes tendo como polos difusores iniciais a própria Arena, o Aecim Tocantins, o estádio do Liceu Cuiabano, o belíssimo COT, o Parque Aquático e Ginásio na UFMT. Investir no esporte, nos tempos atuais é o caminho mais curto, barato e seguro para a salvação da juventude das garras das drogas, do tráfico, roubo, assassinatos e, também do suicídio, a mais nova praga.
Excepcional exemplo, a conquista da Copa passada pela França não foi por acaso como um “dom natural” dos franceses para o futebol, mas resultou de uma política de estado deflagrada em fins dos anos 70 após três eliminações sucessivas do “scratch” gaulês. O governo francês criou um instituto para o desenvolvimento específico do futebol, com centros de treinamento nas periferias das maiores cidades. Política séria, de longo prazo, sem pensar nas próximas eleições, mas no bem do povo francês. Mais que títulos, produziram cidadãos atletas como Matuidi e Mbappé, dentre os outros. Na Croácia, houve algo semelhante quando nos idos de 90 seu primeiro presidente priorizou o esporte para levantar o país após uma guerra. Terceiro lugar na Copa de 98 e vice na de 2018, um país destruído e com quase a mesma população de Mato Grosso. Assim, o sucesso do Dourado bem poderia ser o prenúncio de uma ascensão dourada também para a juventude mato-grossense.