José Antonio Lemos dos Santos
Toda cidade tem uma dimensão regional que lhe dá origem e sentido. As cidades surgem na história quando uma região passa a produzir o excedente econômico necessário ao surgimento da divisão de trabalho urbano/rural e, por conseguinte capaz de sustentar e promover a própria vida urbana. A Carta de Atenas, documento fundamental do urbanismo, diz que o limite de uma cidade é função dos limites de sua ação econômica. Assim, a maioria dos fatores que determinam o desenvolvimento de uma cidade encontra-se fora de seus traçados urbanísticos, muitas vezes muito distantes, fora de seus limites municipais, estaduais ou até mesmo nacionais como é caso dos centros regionais, nacionais ou das atuais metrópoles globais.
Para Cuiabá a dimensão regional sempre foi determinante. Com a exaustão do seu rápido ciclo da extração do ouro no século XVIII, à cidade não restava outro destino a não ser o declínio e o desaparecimento, como o de muitas cidades garimpeiras ou mineradoras ao fim de suas atividades extrativistas. Salvou-a, porém sua localização estratégica a oeste da Linha de Tordesilhas. A Coroa Portuguesa sempre manteve a expectativa de que o território de sua colônia ainda viesse render muitas riquezas minerais, a exemplo das vizinhas colônias espanholas. Com o aparecimento do ouro em Cuiabá, Minas e Goiás essa expectativa aumentou e então Portugal resolveu manter a Vila do Senhor Bom Jesus de Cuiabá como um bastião português em pleno território espanhol, uma vilazinha no centro do continente sul-americano. E Cuiabá solitária desempenhou esse papel de defensora e apoiadora do território brasileiro ocidental, do atual Mato Grosso do Sul aos limites do Acre, mesmo depois da independência, até hoje.
Como todas as cidades, Cuiabá também está intimamente ligada à sua região. Cuiabá sempre viveu de sua importante função regional, e sua vasta região sempre encontrou nela o apoio urbano necessário ao seu desenvolvimento, em pacífica simbiose. Durante séculos essa região configurou um quase vazio econômico, mais de interesse estratégico para o país do que produtivo. O povo mato-grossense e cuiabano comeu o pão que o diabo amassou, porém durante esse período forjou-se uma população valorosa, destemida, alegre e hospitaleira capaz de produzir um vasto acervo cultural com sua gastronomia, sua forma de falar, de cantar, de dançar e de viver. Com o passar do tempo, contudo, o trabalho dessa gente foi transformando a região que, ao invés do antigo imenso vazio econômico, hoje impressiona o mundo como uma das regiões mais dinâmicas e produtivas do planeta, cujo principal centro regional continua sendo a velha e querida Cuiabá.
Conquistado a base de muito sofrimento e trabalho, este lugar mágico de Cuiabá com todas as suas perspectivas de futuro é o maior legado de nossos antepassados aos mato-grossenses e cuiabanos de hoje. Cabe à atual geração a responsabilidade de repassá-lo às gerações que virão. Que o debate eleitoral que se encerra nesta semana produza, mais que um administrador local, um prefeito estadista com a compreensão de toda a grandeza regional cuiabana, que extrapola os limites físicos do município e aos limites administrativos da prefeitura. Um líder que corra atrás dos interesses da cidade onde quer que estejam e que entenda que a tricentenária Cuiabá hoje vive o choque da transformação regional e espontaneamente se revitaliza adequando-se às novas funções urbanas e aos novos e sofisticados patamares de demanda de seu hinterland. Um prefeito que a ajude nesse grande salto qualitativo, realizando todas as potencialidades de sua centralidade mágica em favor da qualidade de vida de sua gente.
(Publicado em 23/10/2012 pelo Diário de Cuiabá)
José Antonio Lemos dos Santos, arquiteto e urbanista, é professor universitário aposentado . Troféu "João Thimóteo"-1991-IAB/MT/ "Diploma do Mérito IAB 80 Anos"/ Troféu "O Construtor" - Sinduscon MT Ano 2000 / Arquiteto do Ano 2010 pelo CREA-MT/ Comenda do Legislativo Cuiabano 2018/ Ordem do Mérito Cuiabá 300 Anos da Câmara Municipal de Cuiabá 2019.
"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)
terça-feira, 23 de outubro de 2012
O LUGAR MÁGICO DE CUIABÁ
Marcadores:
Carta de Atenas,
centralidade,
cidade,
Cuiabá,
estadista,
hinterland,
legado,
lugar,
população,
prefeito,
região,
regional,
urbanismo,
vida
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nosso querido José Antonio Lemos é cultura!
ResponderExcluirAlém disso se seguirmos seus conselhos para a política local estaremos colaborando para que Cuiabá, e obviamente o Mato Grosso, "realize todas as potencialidades de sua centralidade mágica".
José Antonio, peço a Deus que você continue a nos brindar e incentivar com suas idéias claras pelo seu cabedal de conhecimentos.
Abraços
Maristella
Bonito resgate ludico, diante da nossa cuiaba atual, sem saude, abandonada.Clamando por mudanças estruturais, de conceitos, para aproximar dessa visão magica que nos brinda! Que fazer, se nessa hora, resta-nos passar cheque em branco para um dos grupos politico que ora concorre a nossa prefeitura, como estmos disperso, resta-nos pedir a Deus que o vencedor vire seu olhar para Cuiaba, nosso lugar magico!
ResponderExcluir