"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

MÁRTIRES DA NOVA CIDADE

José Antonio Lemos dos Santos

     A cada ano as tragédias urbanas de verão se repetem em nosso país. Ultimamente envolvendo desmoronamentos, deslizamentos, inundações, enxurradas, todas tecnicamente previsíveis e evitáveis, este ano choramos condoídos e impotentes ao incêndio em uma boate em Santa Maria (RS) que ceifou a vida de mais de 230 jovens, tragédia também evitável, ao menos nas proporções alcançadas, caso todas as normas legais fossem obedecidas. Qual a causa? Quem são os culpados? O que fazer para que não se repitam acontecimentos como estes? 
     As cidades são objetos artificiais dinâmicos, construídos e em constante construção e reconstrução pelo homem. Cabe às prefeituras a coordenação dessa obra imensa e constante bem como organizar e garantir seu funcionamento seguro, confortável e sustentável. Como objeto construído, a cidade tem uma dimensão técnica que lhe é inalienável. Por outro lado ela é um objeto que tem múltiplos donos, os cidadãos, todos com direitos sobre ela, o que lhe acrescenta uma outra dimensão, a dimensão política, que também lhe é inalienável. Estas duas dimensões, a técnica e a política têm que funcionar juntas. A técnica sem a política dá na tecnocracia de triste memória no Brasil. Já a política sem a técnica como parceira e parâmetro, vira politicagem. A política que deveria sempre ser a nobre arte de disputar o poder em função da realização do bem comum, acaba se pervertendo numa competição do poder pelo poder, ao sabor de interesses pessoais ou de grupos. E o bem comum vai para o beleléu.
     Ocorre que as cidades brasileiras foram dominadas pela política que foi marginalizando aos poucos até praticamente suprimir a participação técnica em seus processos de gestão. Sem a técnica, a politicagem campeia e a ela só interessa ganhar as eleições. Salvo umas 5 ou 6, as cidades brasileiras passaram a ser entendidas como grandes butins eleitorais a serem exploradas de acordo com os interesses das eleições. As leis e normas que eram de execução obrigatória pelas autoridades das prefeituras passaram a ser tratadas como prerrogativas, e aplicadas ou não de acordo com as vantagens ou prejuízos no número de votos. Nessa situação o planejamento urbano é só para cumprimento das obrigações legais, pois limita o espaço das negociações, as leis e outras formas de controle urbanístico ou edilício também não são aplicadas, pois são antipáticas, portanto, prejudiciais em termos de votos. Os cargos técnicos também viram objeto das barganhas eleitorais, e daí nunca existirem técnicos nos quadros municipais em quantidade suficiente para a gestão urbana com a competência técnica que a complexidade do assunto exige.
     Nesse quadro fica mais fácil entender porque nossas cidades matam tanto e matam cada vez mais. Não foi o isopor nem a porta que matou os jovens. Em 2010, numa greve de funcionários vazou a informação de que a prefeitura de Cuiabá tinha em seus quadros apenas 34 engenheiros e arquitetos. Um absurdo! E hoje quantos seriam? Seguramente muito menos do que precisa uma cidade das dimensões de Cuiabá. Cuiabá é uma amostra do Brasil. Gerenciar tecnicamente as cidades não é prioridade, ao contrário, só atrapalha os verdadeiros interesses que se escondem por trás dos belos discursos da politicagem. Só há esperança de uma nova cidade voltada de fato para o bem estar e a promoção da qualidade de vida dos cidadãos quando a cidadania retomá-la como sua e não dos prefeitos ou vereadores. Que os mártires de Santa Maria, Morro do Bumba, Petrópolis e de tantas outras tragédias nos forcem a acordar para essa cruel realidade que precisa ser mudada. 

(Publicado em 05/02/2013 pelo Diário de Cuiabá)

Um comentário:

  1. Prezado José Antonio
    Este seu artigo é um grito de alerta - mais um!- para o grande perigo que é um estadista (será que ainda existe algum no Brasil? ou só políticos de fancaria?) ou altos funcionários que buscam apenas soluções técnicas ou racionais para os problemas, sem levar em conta aspectos humanos e sociais e ou vice-versa, isto é, que só querem saber dos votos, que alimentam seus bolsos, sem levar em conta a necessidade de bons técnicos para haver um equilíbrio urbano. Se ao menos o ilustre Dr. Governador de Mato Grosso, seguisse alguns dos seus conselhos quanta tragédia se evitaria!Com certeza que ele está precisando ler os textos que você escreve em seu blog. Continuamos precisando urgente de pessoas que exerçam liderança política com sabedoria e sem limitações partidárias.
    Grande abraço
    Maristella

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