Diário do Poder
Como acontece no Brasil em praticamente todos os períodos de chuvas, no final do mês de abril voltam as tragédias urbanas das inundações e deslizamentos, desta vez no Rio Grande do Sul e principalmente no nordeste. Pelos últimos números que vi no noticiário temos 8 mortos e uma pessoa desaparecida em Alagoas, 7 mortos e 1 desaparecido em Pernambuco, com cerca de 90 mil pessoas flageladas nos dois estados. As vítimas são moradores de áreas de risco, em encostas ou áreas de alagamento. O maior número de mortes foi em um lugar chamado Grota de Santo Amaro em Maceió com 5 mortos de uma mesma família e um desaparecido.
O nome “Grota” denuncia uma área de risco. Não podia estar ocupada e não creio que as autoridades locais ignorassem. É farto o arsenal de leis proibindo esses tipos de ocupação ao menos desde 1979, com a Lei Lehmann. Admitir sua ocupação e deixá-la ocupada é crime. Mas ninguém liga, mesmo os MPs. As tragédias se sucedem, as autoridades choram lágrimas de crocodilo, culpam as chuvas e recebem polpudas verbas emergenciais para atender aos flagelados e evitar novos dramas. As vítimas com alguma sorte recebem uma casinha para sair na televisão, a maioria fica no mesmo lugar com a esperança de receber sua ajuda logo desaparecida com os cifrões das verbas.
Diário do Poder
É incrível que a grande maioria das cidades brasileiras em pleno século XXI continuem sendo vistas e geridas pelas autoridades como um butim eleitoral a ser negociado à margem da ciência do urbanismo e suas áreas afins. Jamais como um espaço complexo destinado a produzir qualidade de vida para seus habitantes. Em troca de votos e favores permitem e às vezes até promovem a ocupação dessas áreas de risco. Depois as tragédias acontecem a culpa é colocada em São Pedro por conta de “chuvas nunca vistas antes” e coisas que tais. O saudoso professor Domingos Iglesias ensinava que os corpos hídricos respiram, enchem e esvaziam em uma frequência histórica conhecida. As chuvas e as cheias são normais e não podem continuar sendo desculpas para a mortandade evitável de todos os anos. Se as chuvas e as cheias são normais, por sua vez as mortes e o desabrigo são criminosos.Ano passado proferi palestra por honroso convite do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil em seu Seminário Nacional de Política Urbana realizado em Brasília na qual levei a uma plateia técnica ampliada a proposta de criação de uma lei de responsabilidade urbanística, nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal que vem mostrando êxito crescente. Já explicada aqui algumas vezes em meus artigos, a ideia é criar um cadastro técnico ou um mapa de ocupação para alguns indicadores de controle urbano, como por exemplo o número de moradias em áreas de risco (áreas alagáveis, encostas, linhas de alta tensão, gasodutos, etc.), em Áreas de Preservação Permanente, em áreas públicas (praças, áreas para equipamentos públicos, etc.) ou áreas parceladas fora da Zona Urbana.
A existência de tais mapas técnicos subsidiaria uma avaliação anual da expansão ou retração desses indicadores, possibilitando estabelecer metas anuais de retração e punir severamente aquelas autoridades, em especial prefeitos que ao final dos mandatos deixassem expandir esses números. A proposta foi bem recebida e até destacada como uma das principais contribuições daquele Seminário. Foi lembrada na edição deste ano, só. Enquanto isso as pessoas morrem e os responsáveis permanecem incólumes, prontos para outras eleições, para debulhar outras lágrimas na tv e, como não, prontos para abiscoitar outras polpudas verbas trazidas pelas tragédias de todos os anos.
Zé, acho fantástica essa ideia de propor a "Responsabilidade Urbanística". Na próxima quarta estarei em Brasília na reunião da Comissão de Política Urbana e Ambiental, CPUA/BR e vou colocar a questão. Não podemos mais vivenciar todos os anos a mesma coisa.....
ResponderExcluirCaro José Antonio, leio seus artigos e penso: Como precisaríamos ter mais vozes como a de José Antônio, para fazer agir as autoridades que governam este povo tão abandonado por esses que se dizem "defensores da nação"... No meu tempo se dizia que "honra e proveito não cabem no mesmo saco"... mas os tempos mudaram, desgraçadamente!Quantos ainda terão que morrer pela falta de moral e de ética dos políticos que poluem o cenário brasileiro!Mas, continue insistindo, José Antônio, e quem sabe as consciências se despertarão?!...
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